quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Eleição de 2026 será uma batalha

Parece ser consenso: nunca houve uma legislatura tão disforme e despreparada

Eleitora finaliza votação na urna eletrônica em Benfica, na Zona Norte do Rio — Foto: Custodio Coimbra / Agência O Globo

Não deveria ser surpresa os aspones das redes sociais escreverem leis apresentadas por deputados bolsonaristas — como se denuncia. Tampouco a mesma bancada do capitão se colocar contra a punição de quem sexualiza crianças atrás de monetização — como acontece. O problema não se encontra num poder controlado por baixos instintos. Está em como o espaço vazio foi ocupado sem resistência.

Atire a primeira pedra quem se lembrar do nome do deputado em que votou em 2022.

Parece ser consenso: nunca houve uma legislatura tão disforme e despreparada, movida a vinténs e de costas para a solução dos problemas brasileiros. Cada novo projeto saído da lavra dos parlamentares revela a discordância entre o que se pensa como futuro coletivo e o interesse privado de seus autores. Basta o exemplo do aumento de número de deputados bancado pelo presidente da casa, Hugo Motta. Com a ajuda do PT velho de guerra.

É de perguntar: a cara do Brasil é o deputado Sóstenes Cavalcante ou esse é o retrato da pátria adormecida, anestesiada e esquecida pela maioria que se afastou da política?

Em 1988, ano da Constituinte, com o Brasil disposto a escrever seu destino, houve mobilização entre vários setores de olho na eleição de membros do Parlamento. O país vinha da vitória da reconquista da democracia, da luta contra o arbítrio da ditadura civil-militar. Havia a crença de que a política fosse o caminho para superar o atávico subdesenvolvimento e a desigualdade aprofundada pelo regime extinto.

Vídeos pela internet exibem caravanas de diferentes grupos da sociedade levando ao Congresso suas reivindicações — de indígenas a mulheres, de artistas a garimpeiros e ainda profissionais liberais. No outro lado da bancada, deputados como Florestan Fernandes, um dos pais da sociologia moderna brasileira, ou o senador Afonso Arinos, um liberal letrado. Nem tudo era vista do mar, porque lá estava o deputado Roberto Cardoso Alves, o santo guerreiro do Centrão, discípulo cínico do dístico do “é dando que se recebe”. Aqui não se discute religião.

Isso faz parte do Brasil. Demoramos a abolir a escravatura pelos interesses dos fazendeiros, como demos as costas por quase cem anos à novidade da Revolução Industrial. Não se espante ao saber que — hoje, em 2025! — cada dólar de café exportado aos Estados Unidos gera a eles US$ 43 em valor agregado. É uma valorização de 4.200%!

Daí que parte da sociedade mobilizada sugere sair das reclamações em posts indignados para a organização — ou reação. Começam a circular convocatórias para que cidadãos de áreas diversas se candidatem a cargos eletivos no próximo ano. A ideia é disputar voto em suas áreas de influência e atuação, a partir de compromissos claros com a modernização e a higienização da atividade parlamentar.

Ocorreu algo semelhante em 1988, e não parece ser difícil repetir a conquista, dado que a Constituição aprovada, mesmo com seus defeitos, levou o Brasil a completar 40 anos de democracia, a despeito de dois impeachments e uma boa dúzia de escândalos.

Na base da polarização atual, se encontra o desencanto com a política escandido pela interdição de Dilma Rousseff e a malversação comandada pelo PT. Queira ou não, a esquerda representada pelo partido trazia no embalo a organização de diversas forças, muitas delas estandartes importantes para a sociedade.

A descoberta dos roubos na Petrobras, as caixinhas e coberturas afastaram da política formadores de opinião e deixaram sem discurso aqueles eleitores do PT incapazes de adotar o cinismo de resultados — algo que ocorreu às pencas com intelectuais ligados ao partido.

À debacle produzida pelo PT, se somam a contundência com que temas incômodos são vetados pelas redes sociais — à esquerda e à direita, vale dizer. Diria que a lacração começou com o marketing político pós-ditadura e com a rejeição de pautas polêmicas capazes de afugentar eleitores —mas isso é tema para outra coluna. Com o receio de não ganhar, adotou-se a hipocrisia eleitoral pautada pelo bom senso das pesquisas de opinião.

Pintada a política como algo sujo, decadente e reacionário. Tal discurso resultou no afastamento de setores que fariam a diferença, de personalidades capazes de encarar o contravapor dos amantes de emendas e dos office boys das big techs.

Para o Brasil de Adoniran Barbosa e Guimarães Rosa, que soube derrubar duas ditaduras, reencontrar a História não deve ser tarefa impossível.

Miguel de Almeida, o autor deste artigo, é editor e diretor de cinema. Publicado originalmente n' O Globo, em 25.08.25

Brasil na capa da Economist: Julgamento de Bolsonaro 'dá lição aos EUA de maturidade democrática'

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o julgamento da ação penal na qual ele é acusado de liderar uma suposta tentativa de golpe de Estado são o foco da capa da revista britânica The Economist desta semana.

 "O que o Brasil pode ensinar aos EUA" (Crédito, Reprodução/The Economist)

Na publicação, o ex-presidente é retratado com o rosto pintado com as cores do Brasil e com um chapéu igual ao que usava o "viking do Capitólio", um dos apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que ficou conhecido por ter participado assim da invasão ao Congresso americano em 6 de janeiro de 2021.

Em suas páginas, a revista traz uma longa reportagem sobre a trajetória política brasileira e a investigação contra Bolsonaro e seus aliados.

Em um segundo texto, com tom opinativo, a Economist discute ainda as diferenças entre a forma como os Estados Unidos lidaram com as ameaças contra a sua democracia, após os ataques ao Capitólio em 2021, e a conduta adotada pelo Brasil nos últimos meses.

Com o título "Brasil oferece aos Estados Unidos uma lição de maturidade democrática", o editorial descreve a condução do processo penal contra Bolsonaro e seus aliados como uma "fantasia da esquerda americana".

"Os Estados Unidos estão se tornando mais corruptos, protecionistas e autoritários — com Donald Trump, esta semana, mexendo com o Federal Reserve (Fed) e ameaçando cidades controladas pelos democratas. Em contraste, mesmo com o governo Trump punindo o Brasil por processar Bolsonaro, o próprio país está determinado a salvaguardar e fortalecer sua democracia", diz a Economist.

A revista britânica descreve ainda Jair Bolsonaro como "polarizador" e o "Trump dos trópicos" e afirma que o ex-presidente brasileiro e "seus aliados, provavelmente, serão considerados culpados" pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ainda segundo o texto, o plano contra a democracia brasileira pelo qual Bolsonaro é acusado "fracassou por incompetência, e não por intenção".

Bolsonaro e todos os outros acusados negam as acusações. O julgamento está marcado para começar na próxima terça-feira (2/9).

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As similaridades e diferenças apontadas pela revista entre Brasil e Estados Unidos se debruçam especialmente no fato de tanto Bolsonaro quanto o presidente americano Donald Trump terem sido acusados de agir para reverter o resultado de uma eleição, divulgar informações falsas sobre fraude e incitar seus apoiadores a invadirem prédios públicos para impedir a posse de seus adversários políticos.

No caso americano, Trump se tornou réu em ações estaduais e federais por suas ações após sua derrota na eleição presidencial de 2020 para o democrata Joe Biden.

Segundo uma das acusações, ele teria espalhado "mentiras de que houve fraude" e conspirado para mudar ilegalmente a eleição a seu favor, levando eventualmente à invasão da sede do Congresso americano. Trump refutou as alegações.

Quando os casos foram abertos, o republicano já se preparava para ser candidato às eleições de 2024, e os processos não chegaram a ser concluídos antes de ele voltar à Casa Branca no início deste ano, após derrotar a democrata Kamala Harris nas urnas.

Trump não foi acusado de sedição — possibilidade que era a principal ameaça à sua candidatura, já que a 14ª Emenda da Constituição proíbe quem "tiver se envolvido em insurreição ou rebelião" contra o governo de ocupar cargos civis ou militares em gestões federal ou estadual. E como não há instrumento similar à Lei da Ficha Limpa brasileira nos EUA, os indiciamentos não afetaram a campanha do americano.

O atual presidente dos EUA ainda foi julgado pelo Congresso em dois processos de impeachment em 2021, após o fim do seu primeiro mandato, mas foi absolvido pelo Senado americano. O efeito prático de uma condenação naquele momento poderia ser a perda de seus direitos políticos.

Quando Trump assumiu os processos foram extintos, após a Suprema Corte dos Estados Unidos decidir que ex-chefes de Estado têm imunidade absoluta contra processos por ações tomadas oficialmente como presidente durante o mandato.

Logo após sua posse no início deste ano, Trump anunciou sua decisão de perdoar ou atenuar as sentenças de quase 1,6 mil pessoas envolvidas na invasão do Capitólio.

Montagem com fotos da invasão à sede dos Três Poderes em Brasília e a invasão do Capitólio nos EUACrédito,Reuters

Já Bolsonaro foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023 por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros em 2022.

No julgamento previsto para a próxima semana, o ex-presidente brasileiro é acusado de cinco crimes relacionados a um suposto plano de golpe de Estado para impedir Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de assumir o poder após as eleições de 2022.

Entre os crimes imputados ao ex-presidente estão liderança de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Os dois últimos se referem aos ataques de 8 de janeiro de 2023 contra as sedes dos Três Poderes da República. Na ocasião, milhares de apoiadores radicais de Bolsonaro, insatisfeitos com a eleição e posse do presidente Lula, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF — em um episódio amplamente comparado ao que aconteceu em 2021 em Washington.

Apoio de Trump a Bolsonaro pode fazer americanos pagarem mais por hambúrguer, diz The Economist

O que o Brasil pode ensinar aos EUA, segundo a Economist

Segundo a Economist, o Brasil é "um caso de teste de como os países se recuperam de uma febre populista".

"Na Polônia, dois anos após a perda do poder do partido Lei e Justiça (PiS), uma coalizão liderada por Donald Tusk, um centrista, está sendo limitada por um novo presidente do PiS. No Reino Unido, o Brexit agora é impopular, mas Nigel Farage, o político que o inspirou, lidera nas pesquisas. Nem mesmo o massacre do Hamas em 7 de outubro de 2023 conseguiu tirar Israel de suas amargas divisões".

Mas, segundo o texto, o país que mais viveu momentos semelhantes ao Brasil é os Estados Unidos. E de acordo com a publicação britânica, as duas nações "parecem estar trocando de lugar".

Para a Economist, o passado recente com uma ditadura militar pode ajudar a explicar porque a reposta às ameaças à democracia em território brasileiro foi mais forte.

"Além disso, a maioria dos brasileiros não tem dúvidas sobre o que Bolsonaro fez. A maioria acredita que ele tentou dar um golpe para se manter no poder", diz a revista, afirmando ainda que mesmo os políticos conservadores do país, que precisarão dos votos dos apoiadores de Bolsonaro para vencer as eleições de 2026, criticam o "estilo político" do ex-presidente.

E, segundo a publicação, esse "reconhecimento abriu a oportunidade de reforma" no Brasil, pois "a maioria dos políticos brasileiros, tanto de esquerda quanto de direita, quer deixar para trás a loucura de Bolsonaro e sua polarização radical".

O papel do STF

Mas segundo a Economist, um dos pontos-chave para uma mudança institucional no país passa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que é descrito pela revista como "guardião da democracia brasileira".

O editorial afirma que a corte "supervisiona uma gama estonteante de regras, direitos e obrigações" e pode receber casos de grupos que vão de sindicatos a partidos políticos.

O texto cita ainda o caso conhecido como Inquérito das Fake News, aberto pelo STF para investigar notícias falsas e ameaças contra os membros da Corte e seus familiares. Segundo a revista, os próprios magistrados abriram o caso, tornando-se ao mesmo tempo "vítima, promotor e juiz".

"Para lidar com uma carga de trabalho de 114.000 decisões somente em 2024, a maioria das decisões vem de juízes individuais. Há amplo reconhecimento de que juízes não eleitos, com tanto poder, podem corroer a política, bem como salvá-la de golpes. Os próprios juízes veem a necessidade de mudança."

A Economist segue afirmando que "consertar" o STF "será difícil", mas que há mais obstáculos para uma reforma no Brasil, como uma "incontinência fiscal crônica, em particular isenções fiscais descontroladas e aumentos automáticos de gastos" e a polarização nacional.

"Mesmo que as elites queiram mudanças, o Brasil ainda é um país profundamente dividido. Bolsonaro tem apoiadores fanáticos que causarão problemas, especialmente se o tribunal impor uma sentença severa. Reformar o Supremo Tribunal Federal e a Constituição exige que grupos abram mão do poder em prol do bem comum", diz o editorial.

Por isso, tensões seriam inevitáveis. "Mas, ao contrário de seus colegas nos Estados Unidos, muitos dos políticos tradicionais do Brasil, de todos os partidos, querem seguir as regras e progredir por meio de reformas."

Segundo a Economist, essas são as marcas da maturidade política. "Pelo menos temporariamente, o papel do adulto democrático do hemisfério ocidental mudou para o sul."


Edição da Economist desta semana também traz uma longa reportagem sobre a trajetória política brasileira e a investigação contra Bolsonaro e seus aliados. (Crédito: Reprodução / The Economist)

Estratégia de Trump 'sairá pela culatra'

Outro empecilho na trajetória do Brasil apontado é o presidente americano Donald Trump, que como lembra a revista, acusou o STF de uma "caça às bruxas" contra Bolsonaro, impôs tarifas de 50% sobre as importações brasileiras nos EUA e decretou sanções contra o ministro Alexandre de Moraes.

Segundo a Economist, essa interferência "faz lembrar de uma época passada e desagradável, quando os Estados Unidos habitualmente desestabilizavam os países latino-americanos".

Mas, de acordo com a revista, a estratégia de Trump "provavelmente sairá pela culatra".

"Apenas 13% das exportações brasileiras vão para os Estados Unidos, e consistem principalmente de commodities, para as quais novos mercados podem ser encontrados. Os EUA já concederam inúmeras isenções. Até agora, os ataques de Trump apenas fortaleceram a posição de Lula nas pesquisas de opinião e lhe deram uma desculpa para qualquer notícia econômica ruim antes da próxima eleição, em outubro de 2026."

O que a Economist já disse sobre o Brasil

Esta não é a primeira reportagem da britânica Economist sobre o atual momento político brasileiro. Tampouco é a primeira capa dedicada pela publicação ao Brasil.

Em textos anteriores, a revista já tratou da posição do presidente Lula após ser atacado pelo presidente americano Donald Trump e alertou sobre o peso que as taxas anunciadas pelo republicado podem acabar pesando no bolso dos consumidores americanos.

Em 2009, 2013 e 2016, capas da publicação também trataram da situação política e econômica do Brasil.

A primeira capa retratava um momento em que as avaliações sobre a economia brasileira viviam um momento bom, com o título "Brasil decola". Quatro anos depois, em uma referência à reportagem anterior, a manchete da revista questionava se o país havia "estragado tudo", em meio a uma desaceleração do crescimento econômico.

Em 2015, uma outra capa previa um ano seguinte 'desastroso' para o Brasil, em meio ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Julia Braun, a autora desta reportagem, é Repórter da BBC Brasil em Londres (UK). Publicada originalmente em 28.08.25

Orçamento inchado em 2026

Mesmo que o governo utilize todos os subterfúgios legais, o rombo é estimado em R$ 44,9 bilhões


Reunião da Comissão de Orçamento do Congresso Nacional

O prazo para o Poder Executivo apresentar a proposta orçamentária de 2026 está se aproximando. A Constituição determina que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) seja enviado até o dia 31 de agosto. Nossas projeções, na Warren, indicam um déficit superior a R$ 100 bilhões. A meta estipulada é um superávit de R$ 34,5 bilhões.

Na prática, o governo pode retirar da meta fiscal, para fins de checagem legal, certas despesas com precatórios, o que lhe confere uma folga de R$ 55,1 bilhões. Mesmo assim, ainda faltariam R$ 79,4 bilhões (-100 + 55,1 - 34,5) para o alcance do superávit proposto no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO).

Durante a execução do Orçamento, tem-se adotado o piso da meta fiscal como referência. Para 2026, a meta é R$ 34,5 bilhões, e essa banda inferior é igual a zero. Permite-se, legalmente, a entrega de um resultado menor. Neste caso, o buraco de R$ 79,4 bilhões diminuiria para R$ 44,9 bilhões.

Antes de prosseguir, vamos ter clareza sobre o que está em jogo. Mesmo que o governo utilize todos os subterfúgios legais – desconto de R$ 55,1 bilhões em precatórios e banda inferior da meta fiscal –, o rombo é estimado em R$ 44,9 bilhões.

Ocorre que, na etapa de apresentação da proposta orçamentária, é impossível trabalhar com a banda inferior. Trata-se de uma questão de lógica pura. As bandas propostas pela Lei Complementar n.º 200/2023, mais conhecida como novo arcabouço fiscal, servem para acomodar choques. Ora, por definição, choques são eventos não previsíveis, que pegam os gestores da política fiscal de surpresa.

Como, então, de saída, fundamentar o planejamento orçamentário do Ploa na banda inferior? Choques imprevisíveis seriam estimados? Até para nossos padrões históricos de criatividade, isso seria inusitado. Logo, não há saída para o governo, no dia 31, a não ser apresentar um Ploa com receitas suficientes para, ao menos no papel, garantir um resultado compatível com o superávit de R$ 34,5 bilhões.

Esse resultado mínimo é calculado em -R$ 20,6 bilhões. Vale dizer, para garantir um superávit de R$ 34,5 bilhões, no papel, o déficit de R$ 20,6 bilhões mostra-se adequado, dado o desconto dos precatórios (34,5 - 55,1). Tomando como base o nosso cenário na Warren, que indica um déficit na casa dos R$ 100 bilhões, o desafio do governo, na construção do Ploa, seria encontrar receitas à altura dessa diferença: R$ 79,4 bilhões.

Alguém poderia aventar que as despesas discricionárias seriam reduzidas, já no Ploa, resolvendo a questão. Mas isso é inviável. Se o ajuste recaísse sobre elas, o nível de despesas dessa natureza, essenciais ao funcionamento da máquina, dado ainda o fato de que estão espremidas por mais de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares, levaria à paralisação da máquina pública.

Resta, portanto, buscar receitas como se não houvesse amanhã. A estratégia, similar à que se adotou para o Ploa de 2025, não é boa. Cria-se uma peça orçamentária alicerçada em fumaça, ou seja, em arrecadação que não existe, mas tem alguma probabilidade de acontecer.

Os candidatos a assumir esse papel de inchar o Ploa e garantir a meta, no papel, são: a medida provisória que promove majoração na tributação de títulos isentos; o corte de benefícios tributários (ainda não há proposta do governo, mas há projeto em tramitação); e as receitas do petróleo derivadas de antecipações.

Como se vê, é tudo muito frágil. A alternativa seria a alteração da meta fiscal. O governo parece não gostar dessa saída, preferindo jogar o problema para o próximo ano. O risco dessa escolha é gerar ruídos nos dois momentos: agora, porque todos vão olhar com lupa o Ploa e criticar a superestimativa de receitas e, depois, quando, no momento de apresentar o primeiro relatório bimestral do Orçamento, no final de março, opte-se pela mudança da meta já com o ano em curso.

É compreensível que a equipe econômica faça uma aposta dessa natureza, até porque há ainda muitas possibilidades de ganhos de arrecadação por meio dos projetos em tramitação no Congresso, como mencionei. Ao mesmo tempo, uma política fiscal dependente de tantos fatores incertos é, no mínimo, precária. O Congresso não apoia as iniciativas enviadas pelo Executivo para conter gastos, tampouco acena com tesouradas nas suas emendas.

O fato é que 2027 já bate à porta. Mesmo que se resolva o problema de 2026 com receitas adicionais e algum ajuste na meta fiscal, a dívida pública continuará crescendo em proporção do PIB, para pressionar os juros e reduzir as perspectivas de crescimento. Além disso, as despesas discricionárias caminham para níveis tão baixos que, invariavelmente, o vencedor das eleições, em outubro do próximo ano, não conseguirá escapar de uma proposta de ajuste estrutural.

Esse pacote para 2027 teria de avançar sobre: indexações, vinculações, emendas parlamentares, supersalários, previdência (civis e militares), subsídios financeiros e creditícios e gastos tributários. Sem um pacote completo, vamos direto para o vinagre.

Felipe Salto, o autor deste artigo, é o Economista-chefe da Warren Investimentos, membro do Conselho Superior de Economia da FIESP  e Professor do Instituto de Direito Público / IDP. foi Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor-executivoo da Instituição Fiscal Independente (IFI). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 28.08.25

O último refúgio dos canalhas está cheio

Na guerra dos patriotas de fancaria, perdemos todos. Enquanto lulopetismo e bolsonarismo se engalfinham para definir quem é mais brasileiro, os patriotas de verdade só querem um governo decente

Se o patriotismo “é o último refúgio dos canalhas”, como diz o escritor inglês Samuel Johnson (1709-1784), - imagem acima - então esse refúgio está lotado no Brasil. Lulopetistas e bolsonaristas andam se esmerando em transformar esse sentimento de pertencimento a uma comunidade nacional em arma política para fins eleitorais.

Em reunião anteontem, o presidente Lula da Silva e seus ministros apareceram com um boné azul em que se lia “O Brasil é dos brasileiros”, um constrangedor contraponto governista aos bonés vermelhos Make America Great Again (“Torne a América grande novamente”), o movimento político nacionalista liderado pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Ainda estamos a mais de um ano da eleição presidencial, mas já é possível antever que essa patacoada será o grande mote do lulopetismo na campanha.

O patriotismo fajuto que Lula abraçou não tem qualquer relação com os reais interesses e necessidades da Pátria. Ao presidente e seus marqueteiros só interessa explorar eleitoralmente o elo afetivo dos brasileiros entre si e deles com o lugar em que nasceram ou escolheram viver, no momento em que o Brasil é agredido pelos EUA de Trump. No limite, Lula quer se confundir com a própria ideia de pátria, e não à toa, na reunião ministerial, a título de reafirmar sua disposição para defender o Brasil contra os EUA, leu um discurso de Getúlio Vargas, o autocrata que quis inventar uma identidade brasileira moldada conforme seus propósitos autoritários. Nesse discurso, Vargas denunciava “forças internacionais” que se uniram aos “eternos inimigos do povo humilde”, que “procurarão, atingindo minha pessoa e o meu governo, evitar a libertação nacional e prejudicar a organização do nosso povo”.

Como se percebe, Lula se vê como Vargas, isto é, como a própria personificação do Brasil e de seu povo – donde se conclui, conforme essa retórica, que qualquer ataque a Lula equivale a crime de lesa-pátria cometido por traidores do Brasil. Não é à toa que o slogan do governo, apresentado na reunião, passará a ser “Do lado do povo brasileiro”, que substituirá o “União e reconstrução”. Em vez de união, o lulopetismo agora quer que se escolha um lado – o do “povo brasileiro”, obviamente encarnado em Lula.

Enquanto isso, “patriotas” bolsonaristas, que há anos prejudicam o País, esmeram-se em criar uma crise sem precedentes no Brasil a título de livrar Jair Bolsonaro da cadeia. Nesse sentido, Bolsonaro, como Lula, também se considera a própria encarnação do Brasil, e mobilizar uma força estrangeira – o governo americano – para pressionar magistrados tidos como inimigos do ex-presidente seria, na verdade, um gesto para salvar o País e a democracia brasileira. O Leitmotiv golpista é, portanto, evidente.

Nenhuma surpresa. O brado retumbante de Jair Bolsonaro – “Brasil acima de tudo” – é tão verdadeiro quanto uma nota de três reais. Dono de um próspero empreendimento familiar, dedicado a fazer dinheiro com rachadinhas e afins sob a proteção de mandatos políticos, Bolsonaro nunca se importou com partidos, com o decoro parlamentar, com a Constituição ou com o Brasil. Seu propósito sempre foi e continua a ser a exploração do ressentimento de eleitores insatisfeitos com a política para acumular patrimônio pessoal. Bolsonaro, que jamais respeitou a farda militar que um dia vestiu e que foi capaz de conspurcar seguidamente o 7 de Setembro, invoca o patriotismo não no sentido de inspirar união e orgulho, e sim com o objetivo de semear o antagonismo, do qual extrai votos e poder.

Nessa guerra entre patriotas de fancaria, perdemos todos. De um lado, temos um entreguista que, com a expectativa de safar-se da cadeia, pôs-se a serviço de um governante estrangeiro que humilha o Brasil como quem dá um peteleco numa mosca. De outro, temos um contumaz oportunista, convencido de ter encontrado a fórmula para ganhar mais um mandato presidencial sem a necessidade de apresentar programas de governo e soluções efetivas para os reais problemas brasileiros. No meio dos dois estão os brasileiros que amam seu país e só querem um governo decente.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 28.08.25

Cenário eleitoral

Não se sabe ao certo o que vai acontecer amanhã, o que dizer dentro de um ano


Lula e Bolsonaro, parceiros na polarização

O cenário político ganha uma conotação eleitoral cada vez mais acentuada, como se qualquer medida governamental ou iniciativa partidária devesse ser vista predominantemente sob essa ótica. Com a geopolítica tomando uma forma interna, graças às ações conjuntas da dupla Trump/Bolsonaro e à esquerdização do governo Lula, não se sabe ao certo o que vai acontecer amanhã, o que dizer dentro de um ano. No entanto, o tempo da política segue o seu ritmo a despeito das intempéries e aproveitando-se delas. De um lado, estamos longe das eleições de outubro de 2026; de outro, não falta muito para o fim do ano, quando começará o embate propriamente eleitoral.

Note-se, preliminarmente, que o acúmulo de pesquisas, com diferentes institutos tentando atrair a atenção, termina por acentuar esse quadro, fazendo com que traços políticos atuais tenham projeção para o futuro. Por exemplo, todas as pesquisas mostram Jair Bolsonaro como candidato, quando isso é praticamente impossível. Está inelegível e será muito provavelmente julgado e condenado nos próximos meses. Acontece que a sua presença nas listas eleitorais vem a fortalecer a polarização vigente. Produz-se, assim, um desencontro com a realidade, uma vez que não mais existirá no próximo ano a oposição Lula x Bolsonaro. Em consequência, os candidatos de centro-direita e direita temem se apresentarem e dizerem o que pensam para não contrariarem o “não candidato” Bolsonaro. Isso não deixa de ser uma certa esquizofrenia política.

Na perspectiva da esquerda, salvo por razões de saúde ou tropeços nas pesquisas de opinião, Lula será candidato à reeleição. Já deixou de governar há bastante tempo para dedicar-se completamente à sua campanha. Não há outro candidato petista viável, ninguém podendo lhe fazer sombra. Haddad não tem mostrado viabilidade eleitoral e seria apenas uma eventual solução de emergência. Ademais, o atual discurso esquerdizante e ideologicamente ultrapassado não deixa de ser uma preparação para o PT passar para a oposição. Não seria difícil fazer essa transição. Quanto à outra candidatura de esquerda, do PSB, na figura de Geraldo Alckmin (embora não se possa dizer que seja propriamente de esquerda), ela não é factível pela simples razão de que o PT é um partido de projeto hegemônico, sempre voltado para exercer solitariamente o poder, sem saber dividi-lo. Nunca aceitaria outro nome que não fosse propriamente seu.

Na perspectiva da extrema direita, Eduardo Bolsonaro, dado o seu posicionamento contrário ao Brasil – tendo contribuído para o tarifaço de Trump – deu literalmente um tiro no pé. Ademais, provavelmente será julgado e condenado, não podendo candidatar-se no próximo ano. O mais provável é sua permanência nos EUA. Michelle Bolsonaro tem forte presença no meio evangélico, ganhando eleitoralmente com isso. As diferenças internas à família Bolsonaro, porém, possivelmente a farão optar por uma candidatura ao Senado pelo Distrito Federal, dada como certa. Flávio Bolsonaro, embora seja da família o mais moderado, ainda não se apresentou como possível candidato, permanecendo refém de uma decisão paterna.

Na perspectiva dos governadores, ainda Bolsonaro-dependentes, a safra é excelente, podendo-se dizer que qualquer um tem qualificações para exercer a função presidencial. O governador Tarcísio tem surgido como candidato com maiores chances, sob a condição de vencer previamente o núcleo bolsonarista, que impede qualquer candidatura de voo próprio. Seria um candidato altamente competitivo. O governador Ronaldo Caiado (GO) é outro excelente candidato, exímio articulador político e sempre alinhado com posições de direita, mostrando coerência em sua trajetória. No Paraná, Ratinho Junior, com ótimo governo, tem se mostrado eleitoralmente competitivo, segundo as pesquisas de opinião, além de contar com o apoio de seu partido, o PSD, e de seu presidente, Gilberto Kassab. O governador Zema (MG), também na mesma linha, está tentando se viabilizar, tendo lançado sua candidatura, alinhando-se com a concepção bolsonarista, embora não tenha sido sacramentado por Jair Bolsonaro. O mesmo se pode dizer do governador Leite (RS), tentando ainda se impor nacionalmente, adotando um perfil distintivo de centro-esquerda.

Por último, não se deveria descartar a candidatura do ex-presidente Michel Temer. Seria a pessoa mais preparada para ultrapassar a polarização vigente, instalando um governo de unificação nacional. Conseguiu, após o fracasso do governo Dilma, recolocar o País no caminho do crescimento, de reformas estruturais, de responsabilidade social e fiscal. Haverá sempre alguém a dizer que a sua idade seria um empecilho. Ora, o argumento não se sustenta. Lula não é nenhum adolescente. Logo terá 80 anos. Trump tem 79 anos. Herdando um país destruído, Adenauer fez da Alemanha o que é hoje, assumindo a chancelaria com 73 anos e deixando o poder com 87 anos.

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 25.08.25

Um código eleitoral horrível

CCJ do Senado fragiliza o que há de bom e reaviva bobagens como o tal ‘voto impresso’

Ao aprovar o novo Código Eleitoral, mudando para muito pior o que já veio ruim da Câmara, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado não só apostou numa agenda que o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou inconstitucional, como abriu a porteira para fragilizar a fiscalização dos partidos nas campanhas eleitorais e, de quebra, ainda descredenciar a Lei da Ficha Limpa.

O texto aprovado libera o autofinanciamento de campanha, atalho fácil para o desequilíbrio de candidaturas, e enfraquece a fiscalização das eleições ao restringir a atuação da Justiça Eleitoral, deixando-a limitada à checagem de aspectos formais das prestações de contas. Também garante maior liberdade no uso de verbas partidárias e altera duplamente as regras previstas na Lei da Ficha Limpa: de um lado, limita a inelegibilidade de políticos condenados a até oito anos, estabelecendo, para seu início, a data de decisão judicial (hoje, o prazo começa a contar a partir do final do cumprimento da pena imposta ou do mandato para o qual o político foi eleito, o que, na prática, resulta em mais de oito anos); de outro, para a cassação do diploma, do registro ou do mandato de um candidato que se beneficiou de compra de voto, passa a ser necessária uma “aferição da gravidade das circunstâncias”, sugerindo um dispensável nexo causal entre a compra de votos e o resultado da eleição.

O mais grave, contudo, foi a retomada do infame “voto impresso”, aquele que os bolsonaristas reivindicam sempre que tentam deslegitimar o processo eleitoral em razão das urnas eletrônicas. O texto prevê que a urna deve imprimir cada voto em uma cédula que será depositada “em local previamente lacrado” e determina que a votação do eleitor só acaba depois de conferir a cédula gerada.

Mas os bolsonaristas são incansáveis. Segundo o senador Carlos Portinho (PL-RJ), “o voto impresso é um ponto de divergência nacional e eu acho que a gente tem que pacificar o País”. Inexiste tal divergência: pesquisas realizadas na eleição passada verificaram que mais de 80% dos eleitores confiam nas urnas eletrônicas. Se realmente estivessem interessados em “pacificar o País”, os bolsonaristas parariam de usar a falsa polêmica sobre as urnas eletrônicas como pretexto para lançar dúvidas sobre eleições em que são derrotados.

Ademais, como acertadamente sublinhou o relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), “estamos incorrendo em uma inconstitucionalidade pela segunda vez”, lembrando que se trata do mesmo texto aprovado em 2015 no Congresso que o STF considerou inconstitucional.

A aprovação na CCJ é uma etapa prévia à deliberação final no plenário do Senado, até ser novamente votada na Câmara dos Deputados, que analisa as alterações feitas pelos senadores, para enfim o novo Código Eleitoral passar a reger o processo eleitoral brasileiro a partir de 2026. Até lá, portanto, há um caminho considerável para corrigir os graves equívocos da comissão e derrubar algumas das péssimas ideias aprovadas, em especial aquelas que só ajudam os inimigos da democracia.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 25.08.25

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Ruína de Bolsonaro é chance para a direita

Tendo ficado claro que o ex-presidente só pensa em si mesmo e está se lixando até para aliados, cabe aos verdadeiros conservadores abjurar o clã que lesa o Brasil para se safar da Justiça


O ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no STF por conta da trama golpista Foto: Wilton Júnior/Estadão

O indiciamento de Jair e Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação no curso do processo e abolição violenta do Estado Democrático de Direito escancarou, de uma vez por todas, aquilo que já estava implícito no comportamento do clã: sua única preocupação é garantir, a qualquer custo, que o ex-presidente jamais seja responsabilizado pela pletora de crimes que o fizeram réu perante o Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Penal 2.668, que trata da tentativa de golpe de Estado. Qualquer outro objetivo, seja de interesse nacional, partidário ou voltado a um movimento político mais amplo, não tem a menor importância para Bolsonaro e sua grei.

O relatório da Polícia Federal (PF), divulgado com autorização do ministro Alexandre de Moraes, indica que Bolsonaro, Eduardo e o pastor Silas Malafaia tramaram desavergonhadamente meios concretos de interferir no bom andamento da Ação Penal 2.668. Do ponto de vista jurídico-penal, a tipificação dessas condutas ainda tem de passar pelo crivo da Procuradoria-Geral da República. Entretanto, do ponto de vista político, o material obtido pela PF não poderia ser mais devastador para os Bolsonaros.

As conversas trazidas a público confirmam a supremacia dos interesses mesquinhos da família sobre o interesse nacional e até mesmo sobre os de seu grupo político, o que atesta a absoluta falta de compromisso do bolsonarismo com o Brasil. A imposição de uma sobretaxa de 40% sobre as exportações brasileiras pelo presidente dos EUA, Donald Trump, somada às sanções impostas ao ministro Moraes pelo governo americano no âmbito da Lei Magnitsky, evidenciam o preço da cruzada delinquente de Jair e Eduardo Bolsonaro, este homiziado nos EUA desde março: incalculável prejuízo para o País em nome da impunidade de um só homem.

Em mensagens ao pai, Eduardo foi explícito ao dizer que a tal “anistia ampla, geral e irrestrita” jamais passou de um artifício retórico. O que importa, disse ele, é tão somente livrar Bolsonaro da cadeia. Caso contrário, segundo Eduardo, Trump poderia sustar suas ações para subjugar o STF em favor do pai. Esse reconhecimento expresso de que uma solução intermediária – o que o vulgo “zero três” chamou de “anistia light”, ou seja, um perdão que aliviasse apenas a situação dos bagrinhos do 8 de Janeiro – não satisfaria ao clã só reforça a convicção de que toda a energia negativa da família sempre esteve direcionada a um único fim: livrar Jair Bolsonaro, e apenas ele, da cadeia.

Nesse projeto personalista, atropelar aliados é fato da vida. O governador Tarcísio de Freitas, por exemplo, tido como candidato a herdeiro do espólio eleitoral de Jair Bolsonaro, tornou-se alvo da fúria de Eduardo apenas por tentar abrir canais de diálogo com autoridades americanas a fim de reduzir os impactos do tarifaço, particularmente duros para São Paulo. Em termos chulos, o filho do ex-presidente não só insultou o pai, como ameaçou desferir mais agressões contra Tarcísio caso Bolsonaro continuasse a defendê-lo em público. Em respeito ao leitor, decidimos não reproduzir a vulgaridade das conversas.

A cada revelação, fica mais evidente que a causa bolsonarista jamais foi a defesa da democracia, da soberania, da liberdade de expressão ou dos idiotas úteis que tomaram Brasília de assalto naquele dia infame. Trata-se de um projeto de autopreservação familiar que explora seguidores e sacrifica o Brasil. É nesse contexto que os verdadeiros conservadores, aqueles que repudiam a ruptura e prezam as instituições democráticas, devem avaliar a conveniência de permanecer ao lado de um golpista desqualificado como Jair Bolsonaro. Com tudo o que se sabe, só o fanatismo explica a fidelidade canina de alguns ao “mito”. Lideranças com pretensões eleitorais que se consideram decentes não podem continuar a se associar a um clã que já demonstrou ser capaz de trair os interesses mais vitais do País em troca da liberdade do líder da facção.

É de justiça reconhecer que, no campo da direita, já há quem se movimente pela construção de uma alternativa política democrática ao governo Lula da Silva, considerando que Bolsonaro é um zumbi político. Que assim seja, pois o Brasil não pode seguir refém de uma família que intoxica o destino nacional com sua desgraça particular.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 22.08.22

Como a Rússia já perdeu a guerra na Ucrânia

Nesse momento, a guerra na Ucrânia está corroendo a própria estrutura da sociedade russa


Soldada do Exército da Ucrânia participa de um treinamento na região de Zaporizhzhia Foto: Andriy Andriyenko/AFP

A guerra na Ucrânia é a maior guerra na Europa desde 1945.

A linha de frente do conflito se estende por mais de mil quilômetros, atravessando campos, cidades e áreas industriais – algo sem paralelo no continente desde a 2ª Guerra Mundial.

Só a Rússia já mobilizou mais de 1,5 milhão de soldados. A Ucrânia colocou outros 700 mil em diferentes funções militares.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, conversa com jornalistas em Roma, Itália Foto: Gregorio Borgia/AP

Não há nada tão violento na Europa nos últimos 80 anos de história. E nada traduz melhor essa violência do que as estatísticas das mortes.

É verdade que a Rússia mantém em segredo os números oficiais de baixas militares no conflito – desde setembro de 2022, o Kremlin não atualiza o seu balanço.

Mas as melhores estimativas nos revelam perdas extraordinariamente altas. Até o último mês de junho, pelo menos 250 mil soldados russos morreram na guerra. Os russos registraram 1 milhão de baixas.

O número de militares russos mortos em pouco mais de três anos de conflito é cinco vezes maior que a soma das mortes combinadas da Rússia e da União Soviética em todas as guerras que o país travou entre 1945 e 2022.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião no Kremlin (Foto: Mikhail Metzel/AP)

Só para colocar em perspectiva: os Estados Unidos perderam pouco mais de 58 mil soldados nos 8 anos da Guerra no Vietnã. A cada ano, a Rússia tem perdido um Vietnã na Ucrânia.

Na verdade, mais do que isso: em míseros 3 anos, morreram mais russos na Ucrânia do que americanos em todas as guerras que os Estados Unidos lutaram desde 1945.

Durante os 10 anos da guerra do Afeganistão, a União Soviética perdeu 15 mil soldados. A Rússia perde isso hoje em um mês de combate na Ucrânia. Com uma diferença considerável: Moscou suportou 15 mil mortos no Afeganistão, sofrendo uma pressão política que tornou o conflito bastante impopular na Rússia. Hoje, o Kremlin lida com o desafio de transportar dezenas de milhares de mortos em muito menos tempo.

O dinheiro, claro, ajuda. Hoje, uma família de um soldado russo morto pode receber, de uma vez, até 14 milhões de rublos em benefícios sociais, o equivalente a R$ 800 mil.

É certamente um dinheiro bem alto para o padrão de vida russo (8 vezes o salário médio anual do país). Só em 2024 o Kremlin destinou o equivalente a US$ 15 bilhões para pagar compensações de morte e invalidez pela guerra – 6% de todo o orçamento federal anual.

E esse buraco não parece ter fim. No ritmo atual, 440 russos estão morrendo todos os dias na Ucrânia.

E não são só os mortos que retornam em caixões: soldados com membros amputados e ferimentos graves também estão voltando para casa, provocando um aumento bem acentuado na produção de próteses na Rússia.

A indústria da morte agradece. Dados do Ministério do Trabalho da Rússia revelam que Moscou subsidiou o fornecimento de 152 mil próteses em 2024, um aumento de 53% em relação a 2023 – quando 99 mil braços e pernas artificiais foram distribuídos –, outro aumento frente às 64 mil próteses de 2022, quando a guerra começou.

Empresas de caixões também relatam crescimento nos negócios. Só nos primeiros quatro meses desse ano, as funerárias russas faturaram quase 40 bilhões de rublos (cerca de R$ 2 bilhões), um aumento de 12% em relação ao ano passado.

E já não morre mais gente com o mesmo perfil de antes.

Enquanto nos primeiros meses da guerra, a idade média dos soldados que lutavam na Ucrânia era de 20 anos, esse número agora é de 36.

Muitos dos mortos não são só soldados, mas profissionais de diversas áreas: engenheiros, médicos, professores, metalúrgicos. Se no começo a guerra era dominada pelos militares de carreira, a Rússia hoje depende cada vez mais de recrutas civis de meia-idade.

Na prática, regiões bem pobres e distantes, onde há pouco emprego e salários baixos, lotados de minorias étnicas, se tornaram o principal reservatório humano do Exército russo.

Em alguns casos, homens são literalmente sequestrados em vilarejos; abordados nas ruas, retirados das suas casas ou capturados em pontos de ônibus, sem qualquer aviso.

Na Buriácia, por exemplo, no extremo leste da Sibéria, a taxa de mortos na guerra é até 30 vezes maior do que em Moscou. Em repúblicas do Cáucaso, como o Daguestão, jovens muçulmanos são convocados em massa, muitas vezes sob pressão direta das autoridades locais.

No fim, a estratégia é coerente: as mortes russas se concentram em regiões com baixo peso político, longe dos centros de poder. O luto de mães buriates ou daguestanesas faz bem menos barulho do que o de uma mãe de Moscou.

A Rússia diz treinar essas pessoas entre 3 semanas e 6 meses, dependendo da função. Mas a verdade é que há muitos relatos de 1 mês de treinamento – e para algumas operações, a quantidade de treino fornecido varia entre dois dias e duas semanas.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimenta o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Anchorage, Alasca (Foto: Andrew Caballero-reynolds/AFP)

Tudo isso gera carnificina.

A Rússia já tinha uma pirâmide etária deformada por conta da 2ª Guerra Mundial e da crise dos anos 1990. Tanto é assim que o país já vinha em declínio populacional antes da guerra. Mas a situação agora é caótica.

A população economicamente ativa russa está encolhendo. E essa escassez de trabalhadores produzirá, no curto prazo, não só uma queda da produtividade russa, mas uma possível importação forçada de mão de obra estrangeira – principalmente da Ásia Central e de países muçulmanos.

É claro que as perdas da Ucrânia também são bem altas. Em dezembro do ano passado, Zelenski revelou 43 mil soldados ucranianos mortos em combate e 370 mil feridos desde o início da invasão russa.

Além dessas mortes, quase 14 mil civis ucranianos foram mortos no conflito, e 35 mil ficaram feridos.

A Ucrânia é indiscutivelmente a grande vítima desse conflito, mas os russos são os maiores derrotados.

Nesse momento, a guerra na Ucrânia está corroendo a própria estrutura da sociedade russa. Cada caixão que retorna, a cada dia de batalha, significa não só um soldado a menos, mas um pai ausente, uma família quebrada, uma comunidade empobrecida.

Nesses três anos de conflito, centenas de milhares de crianças perderam o pai. Outras centenas de milhares de mulheres ficaram viúvas.

O resultado é uma geração marcada pelo luto.

Hoje, o Kremlin até consegue comprar o silêncio com indenizações, próteses e propaganda. Não há grandes manifestações contra Putin. Mas esse silêncio tem prazo de validade.

A Rússia pode até sustentar a guerra no campo de batalha, mas está perdendo em casa. E quando a poeira baixar, Moscou governará um país menor, mais pobre e mais velho. E nenhum triunfo militar, real ou inventado, será capaz de compensar essa derrota.

Rodrigo da Silva, o autor deste artigo, é  jornalista e criador do canal Spotniks, do YouTube. Em suas colunas, usa texto, vídeo, gráfico, mapa e fotografia para ajudar o público a entender os maiores eventos globais, com clareza e contexto.

O dia em que o Brasil declarou guerra à Alemanha nazista

Em 22 de agosto de 1942, Getúlio Vargas respondia à pressão da população e dos americanos: o país entrava em "estado de beligerância". O envio de tropas à Europa, porém, demoraria dois anos.

Fevereiro de 43: Getúlio (de chapéu branco e óculos) inspeciona as tropas em Natal, com Roosevelt (ao lado do motorista) (Foto: picture-alliance/AP Photo//U.S. Army Air)

Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942. Getúlio Vargas se reúne com seus ministros no Palácio Guanabara. Depois de uma hora e meia de reunião, o governo anuncia que o Brasil estava em "estado de beligerância" com a Alemanha Nazista e a Itália Fascista. Na prática, era uma declaração de guerra. E foi essa última palavra que foi usada por alguns jornais brasileiros em suas edições extras publicadas no mesmo dia. "Guerra!", anunciou O Globo em letras garrafais.

"Foi uma resposta à pressão que o governo vinha sofrendo da população, de ministros simpáticos à causa aliada e dos próprios americanos", afirma o historiador Rodrigo Trespach, autor do livro Histórias não (ou mal) contadas: Segunda Guerra.

Nos dias que precederam a decisão de Getúlio, o país ainda estava sob o choque causado por uma série de ataques a navios brasileiros em sua costa. Seis foram afundados em um espaço de apenas cinco dias por um único submarino alemão, o U-507. O total de mortes passou de 600.

"Foi nossa Pearl Harbor", afirma Marcelo Monteiro, autor do livro U-507: o submarino que afundou o Brasil na Segunda Guerra Mundial, se referindo ao ataque japonês a uma base naval que marcou a entrada dos EUA no conflito.

Nos dias seguintes aos ataques contra os navios, os jornais brasileiros foram tomados por notícias sobre os naufrágios, ilustradas por fotos dos mortos e feridos e relatos de que algumas vítimas chegaram a ser atacadas por tubarões. Apenas no afundamento do navio Baependi, na costa do Sergipe, morreram 270 pessoas. "O impacto junto ao público foi imenso", afirma Trespach.

Os ataques foram apenas o empurrão final que levou o Brasil a passar totalmente para a órbita dos Aliados, em especial os americanos. O Brasil já havia se alinhado com os EUA em janeiro de 1942, após a Conferência do Rio de Janeiro, quando decidiu romper relações com o Eixo – formado por Itália, Alemanha e Japão –, que já estava em guerra com os americanos.

Desde então, o governo Getúlio Vargas havia concedido a permissão para que os Aliados usassem portos e bases aéreas no Brasil. Apesar de o governo ter na prática declarado guerra ao Eixo em 22 de agosto, o decreto que oficializou o Estado de Guerra só foi publicado no dia 31 de agosto.

Antes disso, a Alemanha havia sido um parceiro comercial importante do Brasil. "Vários militares e membros do governo também eram simpáticos à Alemanha e preciso salientar que o próprio Vargas era um ditador com elementos fascistas", diz Trespach. "Mas, no final, Vargas optou por seguir as orientações do seu ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, que era pró-americano."

Protesto antinazista no Brasil em 42: Getúlio tentou alimentar o temor de possíveis ataques em solo brasileiroProtesto antinazista no Brasil em 42: Getúlio tentou alimentar o temor de possíveis ataques em solo brasileiro

Protesto antinazista no Brasil em 42: Getúlio tentou alimentar o temor de possíveis ataques em solo brasileiro (Foto: CPDOC/FGV)

Indiferença alemã

A declaração do estado de beligerância de 22 de agosto satisfez o presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, que imediatamente enviou um telegrama para Getúlio. "Em nome do governo e do povo dos Estados Unidos, manifesto a V. exa. a profunda emoção com que esta ação foi recebida neste país. (...) O Brasil acrescenta poder e força material aos exércitos da liberdade."

Já na Alemanha, a reação inicial foi praticamente indiferente, considerando que o Brasil já estava alinhado com os EUA antes do episódio. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores nazista afirmou a correspondentes internacionais não ter recebido nenhuma comunicação oficial. Já uma rádio alemã informou que se tal notícia fosse confirmada, "não existiria nenhum motivo para surpresa, dada a tendência ultimamente observada do governo do Brasil".

O papel inicial do Brasil

Ainda demoraria dois anos para que o Brasil enviasse tropas para lutar contra os alemães na Europa. Até lá, o papel do país no esforço aliado seria de tirar as últimas restrições para a operação de uma base aérea americana em Natal e arregimentar voluntários para colher borracha na Amazônia, os "soldados da borracha". Cinquenta mil deles – em sua maioria nordestinos – passaram a ser arregimentados após agosto de 1942 para colher borracha em seringais na Amazônia.

"Quando os japoneses ocuparam o Sudeste Asiático, em dezembro de 1941, os Estados Unidos perderam sua principal fonte de borracha. Nada menos que 97% de toda a borracha natural do globo caíram em mãos nipônicas. Sem essa matéria-prima, a máquina de guerra Aliada seria paralisada", afirma Trespach.

Os americanos financiaram o transporte dos voluntários para a Amazônia e concederam outros cinco milhões de dólares para construir a infraestrutura necessária para acomodá-los. "O papel desses soldados da borracha foi estrategicamente mais importante para o esforço de guerra do que aquele desempenhado pelos pracinhas na Itália", conta Trespach. Ao todo, 26 mil desses voluntários acabaram morrendo na selva, principalmente por doenças. 

Em um acordo firmado dois meses depois da declaração de beligerância, os EUA forneceram ao Brasil 200 milhões de dólares em armas e munição de guerra destinadas à Marinha e ao Exército, além de linhas de crédito para ajudar na industrialização do país.

Getúlio com Roosevelt a bordo de destróier americano no porto de Natal, em fevereiro de 1943 (Foto: picture-alliance/United Archives/WHA)

A frente interna

Mesmo com o Brasil longe dos combates na Europa, a máquina de propaganda do governo tratou de alimentar o temor de possíveis ataques alemães e italianos em solo brasileiro. Foi um imposto um blecaute nas cidades brasileiras a partir de 21h. Propagandas apontavam que luzes poderiam servir de alvo para aviões da Luftwaffe (a Força Aérea alemã).

"Mas nunca houve um plano alemão para invadir o Brasil. O regime nazista não conseguiu nem mesmo invadir a Inglaterra. Afirmações nesse sentido são apenas teorias conspiratórias", garante Trespach.

Segundo o historiador, o único plano ambicioso aventado pelos alemães foi o de colocar em prática a tática de alcateias por submarinos na costa brasileira, antes mesmo da declaração de guerra pelo Brasil. Nessa modalidade de ataque, vários submarinos agem em conjunto para atacar comboios ou navios ancorados em portos.

Em junho de 1942, um plano chegou a ser autorizado pelo comando nazista, mas o então embaixador alemão no Brasil, Karl Ritter, se posicionou contra, achando que um ataque desses iria complicar ainda mais as relações com o Brasil e potencialmente com vizinhos simpáticos à Alemanha, como Argentina e Chile. Documentos da Marinha alemã comprovam que a ação foi cancelada "por motivos políticos".

Ainda apenas limitado a um papel coadjuvante no combate a submarinos alemães e italianos em sua costa, o Estado brasileiro se voltou então contra os imigrantes de países do Eixo. A campanha de nacionalização colocada em prática com o Estado Novo em 1937, que já havia praticamente abolido o sistema de escolas e publicações locais em língua estrangeira no país antes mesmo da guerra, foi redobrada. Falar alemão e italiano já havia sido proibido em vários estados em janeiro de 1942, quando o Brasil rompeu relações com os países do Eixo, mas a restrição passou a ser reforçada depois da declaração de guerra.

Logo depois dos afundamentos provocados pelo U-507, também ocorreram vários episódios de violência contra imigrantes alemães e italianos. Em Petrópolis, no estado do Rio, lojas e restaurantes com nomes alemães tiveram suas placas trocadas por outras, com os nomes dos navios afundados. No Rio Grande do Sul, estabelecimentos de alemães e italianos foram depredados por multidões que gritaram "Viva Getúlio Vargas!".

Três anos após esses episódios, a guerra chegou ao fim na Europa e na Ásia. Ao final, cerca de dois mil brasileiros haviam morrido no conflito, entre eles 443 pracinhas. 

Já o submarino U-507, o grande responsável pela entrada do Brasil na guerra, foi afundado no litoral do Piauí em janeiro de 1943 por um avião americano. Nenhum tripulante sobreviveu.

Jean-Philip Struck, o autor deste texto, é repórter especializado em politica brasileira e europeia. Publicado originalmente na Deutsche Welle Braasil (A Voz da Alemanha), em 22.08.25

Bolsonaro recebeu R$ 44 milhões desde 2023, diz PF

Coaf considera volume atípico e aponta "indícios de lavagem de dinheiro". Relatório compõe inquérito sobre suspeita de coação no julgamento da trama golpista.

Quase metade dos valores recebidos por Bolsonaro vieram de doações por Pix (Foto: Eraldo Peres/AP /picture alliance)

O ex-presidente Jair Bolsonarorecebeu cerca de R$ 44,3 milhões em suas contas bancárias entre março de 2023 e junho de 2025, segundo informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) analisadas pela Polícia Federal (PF) e citadas pelo jornal Folha de S.Paulo e pelo portal UOL.

Deste total, cerca de R$ 30 milhões caíram nas contas do ex-presidente em apenas um ano, entre março de 2023 e fevereiro de 2024. Ao todo, Bolsonaro recebeu R$ 30.576.801,36 em créditos e retirou R$ 30.595.430,71 no período.

As informações foram juntadas ao inquérito que indiciou Bolsonaro e um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por coação de autoridades para impedir o avanço do julgamento da trama golpista. O ex-presidente é réu no processo que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) e deve ser concluído ainda em setembro.

O Coaf considerou atípicas as movimentações de recursos, e os investigadores citam  "indícios de possíveis práticas de lavagem de dinheiro ou outros ilícitos". O órgão atua no combate à lavagem de dinheiro e é ligado ao Ministério da Fazenda.

R$ 20,7 milhões recebidos via Pix

Dos mais de R$ 44 milhões recebidos por Bolsonaro em quase dois anos, R$ 20,7 milhões chegaram às contas do ex-presidente via Pix, sendo pouco mais de R$ 19 milhões apenas entre março de 2023 e fevereiro de 2024 em 1.214.254 operações.

A maior parte desse valor corresponde aos recursos canalizados via doações de apoiadores entre 2023 e 2024

Em 2023, aliados mobilizaram doadores com uma campanha para pagar multas e advogados do ex-presidente, mas não há menção a isso no relatório da PF.

Resgates de investimentos, operações de câmbio, proventos e previdência privada também integraram os valores recebidos.

Entre os principais pagadores a Bolsonaro está o PL, seu partido, que lhe transferiu R$ 1,1 milhão em quase dois anos. Outros montantes foram recebidos via transferência direta e depósitos em cheque.

Os recursos foram usados principalmente para o pagamento de dois escritórios de advocacia, despesas que atingiram R$ 6,6 milhões. Débitos também foram registrados a empresas de engenharia, arquitetura e concessionárias de veículos, além de R$ 198 mil em 97 saques e R$ 18,3 milhões aplicados em títulos de renda fixa.

Outros R$ 25 mil foram gastos em três operações de câmbio.

Coaf considera 50 movimentações como atípicas

O Coaf considerou atípicas ao menos 50 transações suspeitas envolvendo o ex-presidente e pessoas ligadas a ele, como Eduardo e a esposa, Michelle Bolsonaro. A PF também identificou um grande volume de transações no período de dezembro de 2024 a junho de 2025, quando foram movimentados R$ 22 milhões.

Entre as operações atípicas relacionadas a Bolsonaro, consta o repasse de R$ 2 milhões para bancar a estadia de Eduardo nos Estados Unidos. A transferência foi feita em 13 de maio deste ano.

O repasse já era de conhecimento público e foi confirmado pelo próprio Bolsonaro em depoimento à PF.

No entanto, o Coaf registrou outra transferência de R$ 2 milhões de sua conta para Michelle Bolsonaro. De acordo com a PF, a quantia foi omitida pelo ex-presidente no depoimento prestado durante as investigações. A corporação acredita que as transferências foram feitas para contornar bloqueios de recursos.

No caso de Eduardo, foi encontrada uma operação de câmbio de R$ 1,6 milhão para uma conta no banco Wells Fargo, nos Estados Unidos. A movimentação ocorreu no dia 26 de maio deste ano.

"Adicionalmente, a empresa [corretora] declarou, na mesma comunicação, que o valor teria como origem uma doação realizada por seu genitor, Jair Bolsonaro, conforme indicado em extrato bancário encaminhado à corretora", completou o relatório.

Eduardo e Bolsonaro indiciados

O levantamento do Coaf reforça os apontamentos da PF de que a ação de Eduardo Bolsonaro nos EUA recebeu aportes vultosos do pai, considerado pela corporação como financiador da articulação. O lobby levou autoridades americanas a sancionarem o Brasil e juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), o que, para a polícia, indica tentativa de atrapalhar o processo penal.

A defesa do ex-presidente não se manifestou sobre o relatório do Coaf. Mais cedo, disse ter sido surpreendida com o indiciamento de seu cliente e negou que medidas cautelares foram descumpridas.

O ministro do STF Alexandre de Moraes deu prazo de 48 horas para a defesa de Bolsonaro esclarecer informações obtidas pela PF, incluindo o documento encontrado em seu celular em que ele pede asilo político ao presidente da Argentina, Javier Milei. O prazo termina nesta sexta-feira (22/08).

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil (A Voz da Alemanha), em 21.05.25 gq/ra (Agência Brasil, OTS)

O magnata cubano que desafia Trump com mensagens em outdoors em Miami

"Este não é o país que eu conheço, não é o país do qual tenho orgulho de fazer parte. E continuarei com este processo, expressando minhas opiniões", conclui o magnata.

Miguel Fernández vai continuar desafiando Trump

"Aspirante a ditador. Nos Estados Unidos, não."

É o que diz um outdoor com a fotografia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao lado de uma das principais avenidas de Miami, no Estado americano da Flórida.

Outros painéis acusam o secretário de Estado americano, Marco Rubio, e três congressistas republicanos do condado de "traição" e os chamam de "hipócritas" ou "marionetes".

Essas peças publicitárias fazem parte de uma campanha do proeminente empresário e filantropo de origem cubana Miguel "Mike" B. Fernández.

O multimilionário de 73 anos é um capitalista declarado que, até 2016, era filiado ao Partido Republicano. Mas ele decidiu enfrentar publicamente Trump e alguns dos políticos mais influentes da Flórida.

Fernández considera que eles são cúmplices da "cruel" política migratória adotada atualmente pela Casa Branca.

Outdoor em Miami contra a política migratória de Donald Trump, com as fotos do secretário de Estado americano, Marco Rubio, e dois congressistas locais


'Em uma comunidade de imigrantes, onde estão as vozes que nos protegem?', questiona um dos outdoors financiado por Miguel B. Fernández em Miami, nos Estados Unidos

A BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) entrevistou Fernández no seu escritório na sede da empresa MBF Healthcare Partners, fundada e presidida por ele, na cidade de Coral Gables, no condado de Miami.

Questionado sobre os motivos do seu ativismo, o magnata invoca a defesa daqueles que, como ele em 1964, chegaram aos Estados Unidos em busca de um futuro melhor e, agora, receiam acabar sendo expulsos ou detidos em centros de reclusão como a "Alcatraz dos jacarés" (em referência à notória prisão de Alcatraz), criado por Trump ao sul da maior cidade da Flórida.

"O que está acontecendo no nosso país não é correto e qualquer pessoa normal sabe disso", destaca ele.

O 'Alcatraz dos jacarés' é um polêmico centro de detenções localizado perto de Miami

Desde o regresso de Donald Trump à Casa Branca, em janeiro de 2025, o governo americano já revogou o status de mais de 530 mil imigrantes que tinham entrado legalmente no país com o chamado parole humanitário.

O governo Trump também realizou intensas batidas para localizar e deter estrangeiros em situação irregular nos Estados Unidos.

Miami concentra uma das maiores comunidades estrangeiras dos Estados Unidos, particularmente de latino-americanos. As medidas anti-imigração alimentaram o medo e a polarização na região.

Por isso, a nova política migratória vem gerando dilemas e contradições nos prósperos setores conservadores da cidade. Sua incondicional lealdade a Trump começa, agora, a mostrar fissuras, frente ao tratamento dos imigrantes que, em muitos casos, são familiares ou outras pessoas próximas.

"As pessoas que apoiavam Trump já não falam tanto quanto antes", afirma Fernández.

Seu objetivo declarado é pressionar ou substituir os representantes políticos da sua comunidade que aprovarem ou tolerarem a campanha da Casa Branca contra os imigrantes.

De refugiado cubano a magnata da saúde

Miguel B. Fernández nasceu em Manzanillo, no leste de Cuba. Ele se descreve como "um caipira cubano".

Sua infância foi marcada pela presença militar existente nos anos que se seguiram à Revolução de 1959, que levou Fidel Castro (1926-2016) ao poder na ilha.

Fernández conta que, depois de confiscar o pequeno negócio do seu pai, o regime castrista recolheu sua família com um caminhão e os expulsou para o México.

Ali, eles sobreviveram por seis meses, sem visto nem passaporte, com a ajuda de "muitos mexicanos e algumas freiras de um convento", até conseguirem cruzar a fronteira para os Estados Unidos.

Ele afirma que esta experiência permitiu que ele entendesse "exatamente como se se sentem, aqui, as pessoas sem documentos".

Fernández passou oito anos em Nova York. Lá, ele estudou em um colégio de jesuítas e assimilou o lema de viver para os demais, reforçado pelos seus pais, na época "pouco ricos em capital, mas muito em valores".

Miguel B. Fernández e sua família foram expulsos para o México após a Revolução Cubana de 1959

O sentimento de dívida com o país que o acolheu o levou a se alistar voluntariamente como paraquedista no Exército americano. Ele serviu por três anos e meio e combateu na Guerra do Vietnã (1959-1975, com participação dos Estados Unidos a partir de 1965).

Depois de sair do Exército, Fernández se instalou em Miami. Lá, ele iniciou uma próspera carreira empresarial no setor da saúde.

Ele fundou e vendeu mais de 30 empresas, até criar a MBF Healhtcare Partners, uma companhia de investimentos privados que integra diversos fundos de centenas de milhões de dólares.

O magnata passou anos apoiando candidatos republicanos e, em menor escala, democratas que considerava boas pessoas.

Fernández chegou a doar mais de US$ 30 milhões (cerca de R$ 165 milhões) e trabalhar como copresidente financeiro da campanha de reeleição do governador da Flórida Rick Scott, em 2014.

Ele apoiou outros políticos, como o também ex-governador da Flórida Jeb Bush e, no passado, a congressista María Elvira Salazar.

Miguel Fernández conta que passou anos apoiando candidatos do Partido Republicano. Na foto, ele aparece com o ex-senador republicano John McCain (1936-2018), candidato derrotado à presidência dos EUA em 2008.

Fernández rompeu com o Partido Republicano em 2016, rejeitando a estratégia "do martelo e da crueldade" de Donald Trump.

O empresário considera o presidente americano um governante sem conhecimento histórico, nem valores democráticos. Isso o levou a se registrar como independente e redirecionar sua influência política para causas favoráveis aos imigrantes.

"O que mais me preocupa em tudo isso são os amigos que não falam comigo e a família que me chama de comunista", ele conta.

"Sou o oposto de um comunista. Sou capitalista e acredito que posso demonstrar isso de muitas formas", afirma Fernández. Seu patrimônio líquido pessoal supera US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,5 bilhões).

Mas ele insiste, em sua defesa do capitalismo, que a riqueza deve ser colocada a serviço dos demais. Para ele, "o dinheiro serve para ajudar".

"Você não sabe a felicidade que senti ajudando outras pessoas. Isso não me faz uma pessoa melhor, nem sou um líder, nem sou ninguém."

"Sou um migrante com os pés bem firmes no chão e gastarei o que for preciso para defender o futuro dos meus filhos, dos meus netos e do país", afirma Fernández.

O filantropo Miguel 'Mike' B. Fernández mostra a lei de matrícula estadual para imigrantes sem documentos que ele ajudou a aprovar, mas que, agora, ficou sem efeitoCrédito,Getty Images

O filantropo Miguel 'Mike' B. Fernández mostra a lei de matrícula estadual para imigrantes sem documentos que ele ajudou a aprovar, mas que, agora, ficou sem efeito

Os outdoors contra Trump e seus aliados

No último mês de abril, começaram a surgir em pontos estratégicos de Miami outdoors publicitários difíceis de serem ignorados pelos motoristas e pedestres.

Mensagens como "deportar imigrantes é cruel", "façam alguma coisa" ou "aspirante a ditador" acompanham os rostos do presidente Donald Trump, do secretário de Estado Marco Rubio e dos congressistas cubano-americanos Mario Díaz-Balart, María Elvira Salazar e Carlos Giménez.

'Deportar imigrantes é cruel', defende o outdoor que mostra, da esquerda para a direita, Marco Rubio, María Elvira Salazar, Carlos Giménez e Mario Díaz-Balart.Crédito,MBF

'Deportar imigrantes é cruel', defende o outdoor que mostra, da esquerda para a direita, Marco Rubio, María Elvira Salazar, Carlos Giménez e Mario Díaz-Balart.

A autoria das peças publicitárias permaneceu em segredo durante meses, até que Miguel B. Fernández a reconheceu publicamente.

O empresário tenta "despertar a consciência" dos moradores de Miami, especialmente os de raízes cubanas, contra o que ele qualifica como a agenda migratória "cruel" e "desumanizadora" de Donald Trump.

Em sua entrevista para a BBC News Mundo, Fernández acusou os congressistas republicanos de "não defenderem seu povo, não defenderem seus vizinhos".

Eles também esquecem, segundo o magnata, que "nós, migrantes, somos um plus para este país, não um ponto negativo". Por isso, ele decidiu lançar a campanha e financiá-la com capital próprio, até surgirem outros doadores.

"Atualmente, posso dizer que são 32 pessoas", garante ele. "Um terço deles são republicanos, que estão apoiando o financiamento desses outdoors, que serão mantidos até as eleições."

Fernández se refere às eleições legislativas de novembro de 2026, que levarão os americanos às urnas para escolher seus deputados e senadores.

"Aspirante a ditador. Nos Estados Unidos, não", diz, em inglês, o outdoor da campanha de Miguel B. Fernández, na Flórida.

Mais do que questionar Donald Trump, o magnata exige a responsabilização dos líderes locais que, segundo ele, optaram pelo silêncio.

"Querem acabar com os outdoors?", questiona ele. "Eu os convido: digam apenas a verdade."

Para reforçar sua mensagem, Fernández levou sua ofensiva para a imprensa nacional. Anúncios de página inteira em jornais como The New York Times e The Wall Street Journal denunciam a "cumplicidade e covardia" dos congressistas indicados.

Com apoio financeiro garantido até as eleições, ele diz estar decidido a manter a pressão sobre os três congressistas e tentar retirar deles o apoio dos eleitores, embora sejam francos favoritos para a reeleição nas suas respectivas circunscrições.

"Não posso brigar com Donald Trump em Washington, mas todos nós vemos o que fazem os representantes que temos localmente, no sul da Flórida, em Miami. Podemos substituí-los?", questiona ele.

A BBC entrou em contato com as assessorias de imprensa de Mario Díaz-Balart, María Elvira Salazar e Carlos Giménez, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Salazar rejeitou anteriormente as acusações e promove a chamada "Lei Dignidade". Entre outros pontos, esta legislação permitiria que imigrantes sem documentos com pelo menos cinco anos de moradia no país obtivessem status legal temporário por até sete anos, incluindo visto de trabalho, proteção contra a deportação e autorização de viagem.

Já Díaz-Balart rotulou de "extrema esquerda", nos órgãos de imprensa locais, aqueles que o criticam por não se opor às medidas migratórias do governo Trump.

Tensões e divisão em Miami

Miguel B. Fernández publicou, nas últimas semanas, uma nova carta aberta dirigida aos três congressistas cubano-americanos da Flórida e ao secretário de Estado Marco Rubio.

"Sei o que significa fugir da tirania", escreveu ele. "Como vocês, carrego esta história nos ossos e esta dor no coração."

"Mas, ao lado de um número cada vez maior de membros da nossa comunidade, observei com consternação como os valores nos quais, um dia, encontramos refúgio estão, agora, sendo atacados por uma ameaça antes impensável: o presidente dos Estados Unidos."

Na nota, Fernández os recrimina por não terem se oposto com firmeza à eliminação do parole humanitário, ao fim do Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês) para os venezuelanos, à construção da "Alcatraz dos jacarés" ou às agressivas batidas do Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês).

"Seu silêncio vem causando medo e danos reais a muitas pessoas da nossa comunidade e dos seus distritos", destaca ele.

O magnata defende que a conivência dos congressistas com a agência migratória de Trump "não é neutra, nem fruto da ignorância; é cumplicidade e covardia".

A congressista da Flórida, María Elvira Salazar (acima, à direita), cumprimenta o presidente americano Donald Trump (Crédito, AFP via Getty Images)

Os outdoors de Miguel B. Fernández ocasionaram intensos debates em Miami, com reações divergentes.

Setores democratas, republicanos moderados, organizações pró-imigrantes e inúmeros internautas apoiaram o empresário. Já os seguidores de Trump o acusaram de se alinhar à "extrema esquerda".

"O engraçado é que, antes que eles soubessem que era um cubano-americano quem estava arcando com os custos dos outdoors ao lado de outras pessoas, eles pensavam que era [o megainvestidor] George Soros e a extrema esquerda. Não, senhor, não é a extrema esquerda: somos os seus vizinhos, seus eleitores."

As consequências pessoais para Fernández não foram poucas. Elas incluíram a perda de amizades, o distanciamento de possíveis investidores e tensões familiares.

O empresário também afirma ter recebido ameaças diretas, como a descoberta de carne crua na entrada de casa com uma nota fazendo alusão aos seus cães. Ou o incidente em que um motorista desconhecido o bloqueou com seu veículo e exigiu, agressivamente, que ele parasse de opinar sobre política.

Mas ele não desistiu. Recentemente, ele retirou suas doações de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,5 milhões) para a Universidade Internacional da Flórida (FIU, na sigla em inglês) e US$ 10 milhões (cerca de R$ 55 milhões) para o Miami Dade College, por excluírem os imigrantes sem documentos dos seus programas de bolsas de estudos.

Outdoor financiado por Miguel B. Fernández atribui parte da responsabilidade pelo polêmico centro de detenção 'Alcatraz dos jacarés' a dois congressistas cubano-americanos de Miami, 'filhos de imigrantes' que ele chama de 'hipócritas'. (Crédito, MBF)

"Quando cheguei de Cuba, as pessoas davam dinheiro para todos os cubanos que quisessem estudar", relembra ele. "Agora, nós os mandamos para campos de concentração que estão construindo em diversos Estados."

"Este não é o país que eu conheço, não é o país do qual tenho orgulho de fazer parte. E continuarei com este processo, expressando minhas opiniões", conclui o magnata.

Atahualpa Amerise, o autor deste texto, é Jornalista. Publicado originalmente em 21.08.25 pela BBC Mundo, em 21.08.25

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Lula nomeia Maria Marluce Caldas Bezerra e Carlos Augusto Pires Brandão para o STJ

A nomeação ocorre após os dois terem sido aprovados pelo Senado no dia 13 de agosto, quando participaram de sabatina realizada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nessa quarta-feira (20/8) os decretos de nomeação de Maria Marluce Caldas Bezerra e Carlos Augusto Pires Brandão para o Superior Tribunal de Justiça. A corte vai agora marcar a sessão solene de posse dos dois novos ministros. Os decretos foram publicados no Diário Oficial da União desta quinta (21/8).

A procuradora Marluce Caldas, do Ministério Público de Alagoas, e o desembargador Carlos Brandão, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, foram escolhidos em listas tríplices formadas pelo Pleno do STJ no dia 15 de outubro do ano passado.

Ela vai ocupar a vaga decorrente da aposentadoria da ministra Laurita Vaz, em outubro de 2023, enquanto ele será empossado na vaga aberta pela aposentadoria da ministra Assusete Magalhães, em janeiro de 2024.

Quem são os nomeados

Maria Marluce Caldas Bezerra tem pós-graduação em direito constitucional e processual. Entrou para o MP-AL em 1986 e, em 2021, foi promovida ao cargo de procuradora de justiça. Fez sua carreira na área criminal e de direitos humanos, tendo participado das discussões que culminaram na promulgação da Lei Seca.

Carlos Augusto Pires Brandão é mestre em direito pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor em ciências jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Natural de Teresina, tomou posse como juiz em 1997 e se tornou desembargador do TRF1 em 2015. É professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Piauí.

Publicado originalmente no Consultor Juridico, em 21.08.25

Deus, pátria e família para palerma ver

 Se as instituições se curvarem aos Bolsonaros, o Brasil pode reivindicar a 51ª estrela da bandeira americana

Motocarreata a favor de Bolsonaro em frente ao Masp, na avenida Paulista - Rafaela Araújo - 5.ago.25/Folhapress

Os últimos acontecimentos deixam claro. Os Bolsonaros, pai e filhos, puseram as cartas na mesa e passaram a jogar aberto. Nem o slogan publicitário fascista "Deus, pátria e família", de que tanto se valeram, escapou. Já deve estar sendo aposentado tanto pelos pascácios, pessoas simplórias e bem intencionadas que acreditavam nele, quanto pelos espertos, que o usavam para tapear os ditos pascácios. Vejamos por quê.

Bolsonaros x Deus. Embora O invoquem o tempo todo, as verdadeiras relações entre Deus e os Bolsonaros são zero. Deus não admitiria entre os Seus um sujeito com a vulgaridade e falta de escrúpulos de Bolsonaro pai, defensor da tortura, dado a "pintar um clima" com vulneráveis e nitidamente hipócrita em suas atitudes diante da religião. Flávio Bolsonaro, por sua vez, comprador de mansões de R$ 6 milhões com dinheiro vivo oriundo de "rachadinhas", não passará pelo buraco da agulha.

Bolsonaros x pátria. Está mais do que claro agora que o mote "Brasil acima de tudo" era para palerma ver. A campanha de Eduardo Bolsonaro junto ao governo Trump para quebrar a economia brasileira em troca da liberdade de seu pai representa um golpe de estado por uma potência estrangeira. É um crime de traição nunca visto no país. Se as instituições se vergarem aos EUA e inocentarem Bolsonaro, o Brasil pode pedir sua incorporação como a 51ª estrela da bandeira americana.

Bolsonaros x família. Além do fato, hoje indiscutível, de que botam os interesses de sua família sobre os interesses do Brasil, os Bolsonaros têm posição marcada no embate entre a proteção às crianças brasileiras e o abuso e o estupro tecnológico dessas mesmas crianças, promovidos pelas Big Techs e pelos tarados que as frequentam. Os Bolsonaros são contra as crianças e a favor das Big Techs e dos tarados. Posição difícil de entender, sabendo-se que Flavio, Eduardo e Carlos Bolsonaro têm cinco filhos menores, dos quais quatro meninas.

Haverá leis suficientes no Brasil para um dia classificar esses homens?

Ruy Castro, o autor deste artigo, é jornalista e escritor. Autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, dentre outras, é membro da Academia Brasileira de Letras. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição impressa, em 20.08.25