sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

A transparência não é opcional

Lula pode dispensar o porta-voz da Presidência, mas não pode se desobrigar do escrutínio da sociedade

Presidente Lula e a Primeira Dama Rosângela desembarcam em Washington, DC, onde ele terá encontro com o Presidente Biden. (Foto: Ricardo Stuckert)

É lamentável a decisão do presidente Lula da Silva de seguir o movimento de inflexão promovido por seu antecessor e dispensar os serviços de um porta-voz da Presidência. Perdem Lula, a sociedade e a democracia.

Em agosto de 2020, Jair Bolsonaro exonerou o general Otávio Rêgo Barros da função de porta-voz porque o militar era em tudo diferente dele, razão pela qual ganhou mais projeção do que deveria – pecado mortal para qualquer pessoa que tenha trabalhado próxima ao “mito”.

A cordialidade e o espírito público demonstrados por Rêgo Barros no curto período em que foi a voz oficial da Presidência não tinham lugar em um governo marcado pela hostilidade ao jornalismo profissional, pela aversão à transparência e pela instigação de confrontos incessantes com segmentos da sociedade.

Desde então, a figura do porta-voz foi abolida da vida política nacional.

No atual governo, ainda que por razões presumivelmente diferentes – afinal, Lula é um sujeito verboso por natureza –, o porta-voz também parece carecer de prestígio. “No momento, não sentimos a necessidade específica do cargo de porta-voz”, afirmou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) em nota ao Estadão. Ora, ter ou não um porta-voz da Presidência não se trata de uma “necessidade específica” do governo de turno, mas, antes, de uma boa prática democrática.

A figura do porta-voz da Presidência é tão imbricada com a própria ideia de democracia, por seu evidente liame com o princípio da transparência na administração pública, que ninguém consegue imaginar, por exemplo, um dia normal na Casa Branca sem os briefings regulares conduzidos pela Secretaria de Imprensa dos EUA.

Até Donald Trump, personificação das maiores ameaças à democracia norte-americana na história recente, teve não um, mas quatro press secretaries ao longo do mandato. Dia sim e outro também, esses servidores tinham de confrontar as perguntas dos jornalistas – a rigor, da sociedade – e prestar contas das decisões e das omissões do governo federal.

Não ter um porta-voz, portanto, pode ser uma decisão bastante confortável para Lula se o presidente não quer ser escrutinado diariamente por suas decisões, mas é péssima para o vigor democrático da sociedade e para o registro histórico.

Ademais, como disse o general Rêgo Barros ao Estadão, a figura do porta-voz é “ferramenta necessária à estrutura do poder” por servir como espécie de anteparo da autoridade presidencial aos “embates desnecessários” com os jornalistas.

Na República, o governante tem de prestar contas aos cidadãos. Em encontros periódicos com o porta-voz da Presidência, jornalistas fazem as perguntas que estão nas ruas, vocalizando receios, dúvidas, angústias e esperanças da sociedade. Por óbvio, esse escrutínio há de ser respeitoso, mas nem sempre é agradável, razão pela qual, tradicionalmente, a função de porta-voz é exercida no Brasil por diplomatas e jornalistas, comunicadores hábeis por dever de ofício.

Lula não deveria, mas pode dispensar o porta-voz para dialogar institucionalmente com a sociedade. O que não pode, jamais, é se desobrigar da transparência.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 10.02.23

O futuro das Forças Armadas

Questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças, renovadas, podem e precisam dar ao País

A tentativa frustrada de Jair Bolsonaro de jogar as “suas” Forças Armadas na aventura de um golpe não deu certo, detida que foi pela atuação firme do Judiciário e pelo profissionalismo dos principais comandantes, mas serviu para recolocar na agenda a questão do papel dos militares na sociedade brasileira. O governo Lula procurou reagir aplacando os militares, oferecendo apoio a seus projetos de modernização e reunindo os comandantes com empresários, acenando com o ressurgimento da fracassada indústria nacional de armamentos, tentada pelo regime militar na década de 70. Quem sabe, assim, eles deixariam a política de lado e ficariam tranquilos em suas casernas?

É preciso ir mais a fundo, e nas últimas semanas muitas ideias e propostas têm circulado sobre como repensar o papel das Forças Armadas, em substituição à antiga doutrina de segurança nacional, que imperou durante a guerra fria e que se tornou obsoleta com o fim do regime militar, em 1985, e a dissolução da União Soviética, em 1991.

Essa doutrina sempre teve duas caras. Uma, o princípio reiterado de que a “função precípua” das Forças Armadas seria a defesa do País contra eventuais inimigos externos numa guerra convencional, que, fora a Guerra do Paraguai e o contingente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra, nunca se materializou. A outra, a atuação em questões internas, como a construção das redes de telégrafos dos tempos de Rondon, a presença na região amazônica e nas áreas de fronteira e a doutrina de segurança nacional, justificando os governos militares após 1964.

Também fizeram parte desta doutrina vários projetos militares de desenvolvimento tecnológico, incluindo o programa nuclear do almirante Álvaro Alberto, nos anos 50, o projeto de submarino nuclear da Marinha, o Centro Tecnológico da Aeronáutica em São José dos Campos e as empresas de indústria bélica – Engesa, Avibras e Embraer. Destes, o único claramente bem-sucedido foi a Embraer, que se transformou numa multinacional privada de natureza predominantemente civil.

As Forças Armadas brasileiras consomem anualmente cerca de 1,6% do produto interno bruto (PIB), R$ 115 bilhões, 80% dos quais para pagamento de pessoal, um contingente de cerca de 350 mil pessoas na ativa, e existem propostas para aumentar esses gastos ainda mais. Quanto desta antiga doutrina ainda é válido e quanto precisaria ser modificado, em razão do novo cenário da política internacional, das revoluções havidas na tecnologia militar e civil e da consolidação da democracia brasileira?

A doutrina oficial está consubstanciada em três documentos encaminhados pelo Ministério da Defesa ao Congresso Nacional em 2020, a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Documentos como estes deveriam ser periodicamente revistos e aprovados pelo Congresso, mas, na prática, eles não têm sido discutidos nem chegam à opinião pública.

Lendo esses documentos, nota-se a ênfase em três prioridades estratégicas de cunho tecnológico: a nuclear, a espacial e a cibernética. Felizmente, o Brasil renunciou há décadas à pretensão de desenvolver armas nucleares, e o projeto do submarino nuclear, que se arrasta há mais de 30 anos, corre o risco de resultar em equipamentos que já nascem tão obsoletos quanto nossos porta-aviões. O programa espacial sofreu um golpe terrível com a tragédia de Alcântara de 2003, e desde então as tecnologias espaciais evoluíram enormemente, ficando cada vez mais longe de nosso alcance. A área de segurança cibernética é cada vez mais crucial para garantir o funcionamento da sociedade brasileira em todos os aspectos, e exigiria, para ser bem-sucedida, uma concentração de investimentos e recursos humanos que estamos longe de fazer.

Parece claro, olhando este conjunto, que uma política atualizada de segurança nacional deveria se concentrar em alguns temas e áreas críticas de natureza local, como a proteção das fronteiras, da costa e da região amazônica, do meio ambiente e dos recursos nacionais. É preciso evoluir para um contingente muito menor, tecnicamente qualificado e apoiado por equipamento tático, com capacidade de deslocamento e intervenção rápida, e não em equipamentos mais pesados e típicos de guerras convencionais passadas. O serviço militar obrigatório, que já não funciona, precisa ser substituído por um contingente mais profissional e mais aberto a especialistas de formação civil. Para a defesa estratégica contra eventuais inimigos externos, não temos como agir sozinhos e precisamos participar de alianças e instituições que contribuam para a defesa dos regimes democráticos, da estabilidade política e da cooperação internacional, nas esferas econômicas, ambientais e de manutenção da paz. Para o desenvolvimento de nossa tecnologia, precisamos de uma economia aberta e de fortes parcerias entre instituições militares e civis, públicas e privadas.

A questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças Armadas, renovadas, podem e precisam dar ao País.

Simon Schwartzman, o autor deste artigo, é sociológo. Membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 10.02.23

Caso no STF resume mazelas nacionais

Decisão do Supremo sobre eficácia da coisa julgada explicita a urgente necessidade de um novo sistema tributário, simples e funcional, e de um Judiciário menos lento e menos imprevisível

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a eficácia da coisa julgada em matéria tributária traz problemas sérios. Empresas que recorreram ao Judiciário com boa-fé e obtiveram suas decisões definitivas favoráveis terão seus direitos perdidos por força de um posterior posicionamento do Judiciário em processo com repercussão geral. Aquilo que parecia definitivo – que a própria Justiça tinha dito que era definitivo – já não é tão definitivo assim. Sempre estará sujeito a uma nova avaliação do Supremo. A sensação é de perplexidade. Há ainda alguma segurança jurídica?

Ao mesmo tempo, é de reconhecer que, caso o Supremo desse uma decisão em sentido oposto, autorizando a prevalência da coisa julgada em ação individual sobre a orientação em processo com repercussão geral, outros sérios problemas seriam criados. Haveria duas classes de contribuintes: a dos que têm de se submeter ao regime geral (e precisam pagar seus impostos) e a dos que conseguiram um regime especial pela via judicial (e não precisam pagar impostos que todos os outros têm de pagar). A decisão desrespeitaria o princípio fundamental da igualdade de todos perante a lei. Além disso, essa diferenciação seria profundamente disfuncional, ao criar um fortíssimo estímulo à judicialização das questões tributárias.

Não havia solução fácil. No entanto, mais do que uma disputa entre argumentos favoráveis e contrários, a decisão do STF sobre a coisa julgada suscita outra série de questões. De forma muito viva, ela explicita o caráter absolutamente insustentável da situação dos tributos no País.

É preciso ter, com urgência, um sistema tributário mais simples e funcional, que não gere tantas dúvidas, tantas áreas cinzentas, tantas possibilidades de interpretação. O atual regime é ruim para todos, exceto talvez para quem vive da judicialização das questões tributárias. A responsabilidade por prover um novo sistema tributário é da sociedade e, de forma muito concreta, do Congresso e do Palácio do Planalto.

A revolta suscitada pela decisão do Supremo deve ser estímulo para que a sociedade civil exija do Legislativo e do Executivo federal a aprovação urgente de uma reforma tributária séria, simples e clara. Esse é o caminho para que o Judiciário não precise ser tão acionado – para que se torne contraproducente acioná-lo – e, assim, ele tenha, na prática, menos poder sobre os tributos. Mas para isso o Congresso precisa trabalhar.

A decisão do STF desvela também a incrível disfuncionalidade do sistema de Justiça: lento, caro e arbitrário. Ao privilegiar a eficácia dos processos com repercussão geral, o STF explicita um velho problema da Justiça brasileira. Com enorme frequência, os juízes e tribunais não seguem a jurisprudência e as orientações dos tribunais superiores. Muitas vezes, a independência dos magistrados é entendida como sinônimo de autonomia absoluta. Cada vara seria um feudo. A decisão do STF é um chamado, sob pena de colapso do sistema, para uma aplicação do Direito mais uniforme, menos randômica, mais fundamentada. É dessa insegurança que os contribuintes, com toda a razão, se queixam. A Justiça não pode ser uma loteria.

A decisão do STF é também alerta para os próprios ministros da Corte. Se as ações com repercussão geral têm tanta força, prevalecendo até mesmo sobre decisões transitadas em julgado, é preciso prover um novo patamar de estabilidade à jurisprudência. Não é possível mudar tanto e com tanta velocidade. O exemplo de respeito pelas decisões do Supremo deve começar no próprio tribunal, também por uma compreensão mais institucional da colegialidade.

O recente julgamento do Supremo joga luzes sobre a demora da prestação jurisdicional. Ela é tão drástica, com efeitos tão perversos sobre muitas empresas, não porque seus fundamentos estejam equivocados, mas porque a Justiça demora muito.

Com sua decisão, o STF exige, com razão, o respeito de todos às suas orientações. Que ele e toda a Justiça respeitem o cidadão, sem tantos atrasos e tanta imprevisibilidade.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 10.02.23

Entenda a decisão do STF que faz Pão de Açúcar, Embraer e outros grupos preverem perdas bilionárias

Especialistas dizem que decisão dos ministros do Supremo de autorizar a revisão de sentenças tributárias favoráveis às companhias vai gerar insegurança jurídica

Na quarta, a Corte estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas Foto: Rosinei Coutinho/STF

Empresas de vários setores começaram a fazer as contas sobre os prejuízos que terão com uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Na quarta-feira, 8, o STF estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas. Ou seja, uma empresa pode ter levado anos brigando com o governo na Justiça, ter ganhado em todas as instâncias e, ainda assim, não ter a segurança de que o problema terá sido superado. Se houver mudança na lei, a sentença favorável à empresa poderá ser revista, e ela terá de fazer pagamentos retroativos referentes ao período em que ainda discutia com o governo na Justiça.

O julgamento discutiu especificamente a manutenção de sentenças que livraram empresas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Só nesse caso, advogados ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que a mudança terá impacto direto em pelo menos 30 grandes grupos. A lista inclui nomes como Embraer, Pão de Açúcar (GPA), BMG, Zurich Seguros, Banco de Brasília (BRB), Holding Alfa, Samarco, Magnesita, Grupo Ale Combustíveis e Kaiser.

(STF permite que Receita cobre tributos do passado com juros e multa caso Corte mude posição

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Na Embraer, o impacto estimado é de, no mínimo, R$ 1,16 bilhão por ano, segundo especialistas do setor. O cálculo tem como base o último balanço trimestral da empresa.

A decisão do STF, porém, deve ir além dessa causa. Afeta também decisões vinculadas a outros tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de mercadorias importadas, a contribuição patronal sobre o terço de férias e a exigência de Cofins para as sociedades uniprofissionais.

Na quarta, a Corte estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas

Na quarta, a Corte estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas Foto: Rosinei Coutinho/STF

Ainda há dúvidas quanto ao período em que o imposto poderá ser cobrado. Alguns especialistas entendem que pode valer desde junho de 2007 – data de julgamento no próprio STF que considerou o CSLL constitucional. Outros defendem que a cobrança seja retroativa somente por cinco anos.

A expectativa é que isso seja esclarecido com a publicação do acórdão do processo. A certeza, até agora, é de que a cobrança começará em 90 dias ou no próximo ano fiscal, a depender do imposto.

Insegurança

Por alterar julgamentos definitivos na Corte, o tema foi visto pelo mercado como fonte de insegurança jurídica. “Há evidente violação ao princípio da segurança jurídica, pois se trata da primeira vez que o STF se manifestou sobre o tema, impedindo que os contribuintes que tinham decisões transitadas em julgado pudessem se organizar para esse novo cenário”, afirmou o advogado Thales Stucky, sócio da área tributária do Trench Rossi Watanabe.

O argumento usado pelos ministros do Supremo foi que a isenção dada anteriormente a algumas empresas afetou a lealdade concorrencial: as companhias de um mesmo setor estariam concorrendo de forma desleal, já que uma seria isenta de determinado imposto por uma decisão judicial, enquanto outra, não.

O Estadão/Broadcast procurou todas as empresas citadas na reportagem. O BRB disse que ainda está avaliando os impactos da decisão. A Samarco disse que não vai comentar. A RHI Magnesita informou não ter tempo hábil para fazer as avaliações necessárias. A ALE Combustíveis disse que “não comenta decisões judiciais e ressalta que segue a legislação brasileira”. A Braskem disse que não será afetada pela decisão do STF por pagar CSLL desde 2007. Embraer, BMG, Zurich Seguros, Holding Alfa, Samarco e Magnetisa não deram resposta.

O que diz a decisão e como ela afeta as empresas

Decisão

Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que casos tributários decididos pela Corte têm efeito automático até sobre processos transitados em julgado (quando não há possibilidade de recurso).

Consequências

Na prática, isso significa que contribuintes que conseguiram no passado decisões favoráveis na Justiça para deixar de recolher determinados impostos serão obrigados a voltar imediatamente a pagá-lo se o STF mudar o entendimento sobre o tema.

Tributo

O Supremo avaliou dois casos específicos. Nas duas ações, havia a discussão entre a União e contribuintes sobre se as companhias deveriam recolher a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL).

Contribuição

A CSLL é cobrada pela União e incide sobre o lucro líquido das empresas. As alíquotas variam. Para bancos, por exemplo, ela é de 20%.

Vitórias

As empresas haviam obtido vitórias definitivas na Justiça na década de 1990. Em 2007, porém, o STF decidiu que a cobrança era constitucional e precisava ser retomada.

Entendimento

As companhias que tinham decisões definitivas favoráveis entenderam que a sentença de 2007 não se aplicava a elas. A decisão do Supremo de quarta-feira, porém, diz que sim, e que entendimentos anteriores devem ser desconsiderados. A sentença da Corte Suprema pode alcançar a cobrança de outros impostos.

Caso

Um dos casos debatidos pelo Supremo envolvia a União e a uma indústria têxtil, que havia obtido uma decisão final para não recolher a CSLL no Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (TRF-5).

Cobrança

Conforme a sentença do Supremo, as cobranças da Receita terão de respeitar dois princípios: da anterioridade e da noventena. A primeira prevê que aumentos de alíquotas de tributos só passam a valer no exercício fiscal do ano seguinte. A segunda determina que a cobrança só poderá ser feita após 90 dias.

Argumento do STF

O argumento do Supremo para o novo entendimento foi que as empresas que não recolhiam a contribuição mesmo com decisão judicial concorriam de forma desleal com as que não tinham uma sentença favorável.

Antecipação

A advogada Vanessa Cardoso, sócia do Sfera Law, diz que a orientação é para que as empresas declarem quanto devem de imposto. Segundo ela, se a empresa esperar a notificação do Fisco, ela deve pagar o tributo, com multa de, no mínimo 75% e máximo 150% (em caso de fraude). Se avisar a Receita, a multa é de 20%, somada aos juros.

Marcela Villar e Lavínia Kaucz para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 10.02.23

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O rebanho de bodes expiatórios do PT

O PT governou o Brasil por 14 dos últimos 20 anos. Mas, para Lula, que fez juras de unir a Nação numa frente ampla, todas as mazelas que assolam o País são culpa dos outros


É um locus classicus: o Brasil não é fustigado por catástrofes naturais, não tem histórico de guerras internacionais nem guerras civis, e, em que pesem as cicatrizes de seu passado escravocrata, é uma democracia multiétnica e multicultural enriquecida por imigrantes de todo o mundo, que tem à disposição abundantes recursos naturais para prosperar.

Mas, apesar disso, os índices de crescimento econômico, de saúde ou educação são cronicamente medíocres. O Estado, paquidérmico e ineficiente, é um sorvedouro de recursos saqueados dia e noite por legiões de políticos patrimonialistas, clientelistas e corporativistas. A sociedade, uma das mais desiguais do mundo, está unida pelo medo à violência e dividida pela radicalização política. Refletindo as causas e sintomas desse persistente mal-estar, as últimas eleições – mesmo num cenário de desemprego elevado, indústria estagnada, inflação acelerada e contas públicas desancoradas – foram uma batalha campal cujo rastro foi um deserto de propostas jamais visto desde a redemocratização. E, em tudo isso, qual é a parcela de responsabilidade do partido que governou o País por 14 dos últimos 20 anos? Segundo seu líder máximo, nenhuma. Ao contrário, se o Brasil não é o céu na terra, é porque o inferno são os outros.

Mal esquentou a cadeira presidencial, Lula já soou o apito para que seu rebanho militante arrebanhasse seus surrados bodes expiatórios. Segundo levantamento do Estado, em um mês Lula já apelou ao menos oito vezes ao antagonismo entre ricos e pobres. A invasão às sedes dos Três Poderes, por exemplo, “foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições”. A bola da vez é o Banco Central, acusado de perseguir uma meta da inflação que não é o padrão “brasileiro”, seja lá o que isso queira dizer.

Na mitologia lulopetista, o Brasil vivia uma espiral virtuosa até o “golpe” destruir tudo. “Essa é a explicação que encontrei para o impeachment da presidente Dilma Rousseff, minha prisão e as várias mentiras fabricadas contra o PT”, disse Lula a um jornal chinês. “A única explicação que posso encontrar é esta. Os Estados Unidos estão sempre intervindo na política latino-americana.”

Assim Lula estima as instituições nacionais: a imprensa, que denunciou escândalos de corrupção como o mensalão e o petrolão; a polícia, que os investigou; o Judiciário, que os condenou; o Congresso, que num processo presidido pela Suprema Corte destituiu sua criatura por crimes de responsabilidade, todos são fantoches de um grande complô do “imperialismo estadunidense”, do “capital”, das “elites” contra o “povo”, obviamente encarnado em Lula.

O PT se escandaliza com a miséria e a desigualdade, como se suas políticas econômicas negacionistas não tivessem nada a ver com a pior recessão da história recente; escandaliza-se com a corrupção, como se ela nada tivesse a ver com o sistemático aparelhamento do Estado para servir aos interesses do partido; escandaliza-se com a radicalização, como se ela nada tivesse a ver com a renitente demonização de seus adversários e críticos.

Questionado duas vezes em entrevista à RedeTV! sobre o que teria a dizer a todos que o rejeitaram nas urnas – que, somados os votos ao adversário, nulos, brancos e ausentes, representam quase 60% do eleitorado –, Lula só aludiu à “indústria de mentiras criada nesse país”. Ou seja, toda essa gente é mera massa de manobra ludibriada pela conspiração contra o PT. Logo, suas opiniões não são passíveis de conciliação, só de retificação ou retaliação.

Na verdade, o que Lula não tolera não é o empresariado, o Banco Central, a imprensa, o Judiciário, o Congresso, as massas que protestaram inúmeras vezes nas ruas; o que Lula não tolera é a insubmissão. Quaisquer parcelas da sociedade civil ou das instituições públicas que não sejam submissas ao projeto de poder hegemônico do PT já foram julgadas e condenadas pelo “tribunal da História”. Elas são culpadas de não rezar o credo petista, de não prestar genuflexão ao grande líder, e devem ser sacrificadas no altar erguido ao seu culto, como irredimíveis bodes expiatórios.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 09.02.12

Henrique Meirelles: ‘Lula está numa volta ao passado’

Presidente do BC nos dois primeiros governos do petista, Meirelles diz que embate com a autoridade monetária cria ruído e incerteza

"Ataques de Lula ao BC tem efeito contrário e criam ruído", diz Meirelles. ( Foto: Thiago Queiroz / Estadão)

Comandante do Banco Central nos dois primeiros governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Henrique Meirelles diz que o embate criado pelo petista com a autoridade monetária traz ruídos e incertezas, o que “força o BC a ser um pouco mais duro na sua política monetária”.

Na leitura de Meirelles, Lula está numa espécie de volta ao passado. “É importante mencionar que ele foi candidato em 1989, 1994 e 1998, defendendo linhas desse tipo”, afirma o economista, que também ocupou o cargo de ministro da Fazenda na gestão de Michel Temer.

“É um momento de racionalidade. Tem muitas coisas que o presidente pode fazer, áreas em que ele pode se dedicar que são muito importantes para o País, tipo a educação, saúde, meio ambiente,” diz.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão

Como o sr. analisa esse embate entre Lula e BC?

Esses ataques ao Banco Central, do ponto de vista objetivo do que gostaria o presidente (Lula), que é baixar a taxa de juros, têm o efeito contrário. Na medida em que ele ataca o Banco Central, cria ruídos e incertezas no mercado. E o que acontece? As expectativas de inflação sobem, o que força o Banco Central a ser um pouco mais duro na sua política monetária do que seria caso o presidente sinalizasse o contrário.

Essa disputa também coloca mais pressão em relação ao perfil dos próximos diretores que serão indicados para o BC?

Nós temos uma escolha à frente de dois diretores. Tem uma indicação (feita pelo) do BC, mas, de fato, o presidente da República tem a prerrogativa legal de sugerir os nomes para o Senado. Ele pode aceitar ou não essa indicação do BC. Ao Senado, depois cabe aceitar ou não as indicações do presidente. Isso cria uma incerteza grande em todos os agentes econômicos, todos os formadores de preço. Não só nos agentes financeiros, qualquer formador de preço, no pequeno empresário, médio e grande empresário. Na medida em que eles acham que a inflação vai subir, eles sobem mais os preços.

O sr. foi presidente do BC nos dois primeiros governos Lula. Qual sugestão faria para ele?

Deixa o Banco Central trabalhar. É a melhor forma de conseguir que os juros baixem o máximo possível. Quanto mais o Banco Central for visto como capaz de tomar as suas próprias decisões e controlar a inflação, mais caem as expectativas e mais o BC pode cortar a taxa de juros, que é o desejo de todos, inclusive do próprio Banco Central, desde que não cause inflação e seja possível dentro das projeções inflacionárias dos modelos. Em resumo, é um momento de racionalidade. Tem muitas coisas que o presidente pode fazer, áreas em que o Lula pode se dedicar que são muito importantes para o País, tipo a educação, saúde, meio ambiente - e ele está indo bem nesses aspectos.

Como o sr. vê a postura do ministro Fernando Haddad nesse embate?

Eu acho que o Fernando Haddad está fazendo o papel certo de apaziguar e tirar esse assunto de cena. O governo tem muita coisa para discutir, e discutir o Banco Central é improdutivo.

O sr. se surpreende com uma postura do Lula pouco pragmática na área econômica?

Eu vou usar uma expressão antiga: me surpreende, mas não caí da cadeira. O Lula está numa fase diferente. Ele foi presidente duas vezes, depois teve o governo da Dilma, que ele acha que foi injustiçado pelo mercado, pelas empresas. Teve uma vida pessoal difícil nesse período. O Lula acha que está num período de fazer aquilo que ele acreditava no passado. É importante mencionar que ele foi candidato em 1989, 1994 e 1998, defendendo linhas desse tipo. O Lula fez uma mudança em 2002, quando lançou a Carta aos Brasileiros, no primeiro mandato. Mas está um pouco numa volta ao passado, às campanhas que ele fez na década de 1990 e, portanto, é algo que é surpreendente considerando que ele fez um governo que deu certo, mas, por outro lado, dá para entender pela história toda o que o está influenciando a essa altura.

Entrevista concedida a Luiz Guilherme Gerbelli para O Estado de S. Paulo. Publicada originalmente em 09.02.23 às 12h10

Militares profissionais coexistem com o controle civil

Somos uma democracia débil e por isso não alcançamos a subordinação dos militares aos civis? O pecado do envolvimento dos militares com a política não tem redenção e seguiremos em atrito?

Reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no Palácio do Planalto, em Brasília - Ricardo Stuckert - 20.jan.23/PR/Divulgação

Há um consenso nas democracias longevas de que a harmonia das relações entre civis e militares passa pela submissão do estamento armado ao controle político.

A teoria, elaborada no final do século 18, tomou forma pelo temor dos pais fundadores da nação americana de que o Exército continental, após a independência, pudesse rebelar-se contra os próceres.

Em meados do século 20, o conceito foi sistematizado e apresentado por Samuel P. Huntington na obra "O Soldado e o Estado".

O professor defendia que o controle civil objetivo era mais eficiente, desde que reconhecesse e apoiasse a necessidade do profissionalismo militar. Compreendia profissionalismo militar na obrigação do oficial de ser especializado, responsável e corporativo. Com pragmatismo, destacava que essa busca por controle derivava também do desejo de civis em maximizar poderes.

A antítese ao sistema defendido como ideal era o controle civil subjetivo visto no envolvimento do militar em política institucional, classista e constitucional.

Segundo ele, a relação entre poder, profissionalismo e ideologia subsistia em um jogo de forças dinâmicas. Conforme prevalecesse e interagisse um com o outro, o país seria mais ou menos estável. E alertava: a manutenção do equilíbrio entre o poder e a ideologia "era, obviamente, difícil no melhor dos casos". Aconselhava que o poder civil deveria vestir-se de neutralidade ao reduzir o poder militar no campo político —ou seria um usurpador da força das armas.

Em nosso país, é opinião comum que precisamos encontrar um caminho para sanear o histórico envolvimento do militar na política. No entanto, de forma simplória, intenta-se um "copiar e colar" de nações democráticas de primeiro mundo.

Mas a importação dessas ideias para uma sociedade com as nossas características se revela quase inalcançável e exigirá amplitude de debate.

Um estudioso da história militar e da política brasileira afirmou que Huntington é muito bom para países democráticos, mas nossa história está tão imbricada com o que somos e como participamos da vida política que não será tarefa fácil.

Somos uma democracia débil e por isso não alcançamos a subordinação dos militares aos civis? O pecado do envolvimento dos militares com a política não tem redenção e seguiremos em atrito?

É fato que vivemos um ambiente de instabilidade política, econômica, psicossocial e militar, precisando reafirmar, a cada crise, que somos maduros democraticamente.

Edmundo Coelho, na obra "Em Busca da Identidade", na qual estuda o Exército e a política na sociedade brasileira, atesta que é utopia acreditar na marcha rápida em direção a uma sociedade plenamente democrática em um processo linear e irreversível. Haverá escorregões e quedas até que atinjamos relativa segurança social.

Ele ainda afirmou que é rematada tolice defender a irrelevância das motivações estritamente militares. Elas permanecem intensas.

Sou crente na ideia de que reconhecer os interesses e necessidades do estamento militar é o caminho mais curto para o controle civil objetivo. Para isso, é preciso descer do pedestal das discussões e efetivar ações.

Será preciso compreensão mútua entre poder político e poder militar de que suas fortalezas e debilidades são comuns e, portanto, podem ser compartilhadas e combatidas, respectivamente, em trabalho não personalista, não ideológico e não partidário.

Será preciso que as feridas dos últimos anos, e que sangraram profusamente em 8 de janeiro, sejam reconhecidas e punidas, não importando se os responsáveis usam calças jeans ou uniformes camuflados.

Remato com uma construção de Huntington: "O maior serviço que os militares podem prestar é permanecer fiéis a si mesmos, servir em silêncio e com coragem à maneira militar. Se os civis permitirem que os soldados se apeguem ao padrão militar, as próprias nações acabarão encontrando a redenção e a segurança ao fazerem desse padrão algo próprio e inalienável".

Nem tutelar nem ser tutelado. Coexistir e conviver. São as colunas que devem sustentar essa relação.

Paz e bem!

Otávio Rêgo Barros, o autor deste artigo, General da reserva, é ex-chefe do Centro de Comunicação Social do Exército e ex-porta-voz da Presidência da República (governo Bolsonaro). Publicado originalmente na Foha de S. Paulo, em 08.02.23.

Macron e Scholz recebem Zelenski em Paris

Após passagem pelo Reino Unido, líder ucraniano recebe em Paris novas garantias de apoio de França e Alemanha e renova pedido por armamentos pesados e aviões de combate. Ele deverá participar da cúpula da UE em Bruxelas.


Presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, cumprimenta chanceler alemão, Olaf Scholz, observado pelo presidente francês Emmanuel Macron.

Após uma breve visita ao Reino Unido, onde se reuniu com as principais autoridades do país, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, foi recebido na noite desta quarta-feira (08/02) em Paris pelo presidente da França, Emmanuel Macron, e pelo chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz.

No Palácio do Eliseu, Macron assegurou que seu país se manterá firme no apoio à Ucrânia, e disse que a Rússia "não pode e não deve" sair vencedora da guerra. Ele afirmou que discutiria com Zelenski e Scholz as "necessidades operacionais" de Kiev na luta contra os invasores russos.

O francês disse que Zelenski deverá participar presencialmente da cúpula dos líderes da União Europeia (UE) em Bruxelas, nesta quinta-feira.

O encontro em Paris na noite desta quarta é visto como uma nova etapa nas relações ucranianas com Paris e Berlim. Nos primeiros meses da guerra, iniciada há quase um ano, Kiev chegou a se queixar das nações europeias por demorarem a agir para ajudar suas tropas a resistirem às forças russas.

O chanceler federal Olaf Scholz lembrou que, desde o início da invasão russa, a Alemanha e seus parceiros apoiam a Ucrânia com recursos financeiros, ajuda humanitária e armamentos, e garantiu que "continuaremos a fazê-lo enquanto for necessário".

Ele afirmou que a reunião de cúpula dos líderes da UE nesta quinta resultará em um forte gesto de solidariedade para com Kiev. "Levarei uma mensagem clara a Bruxelas: a Ucrânia pertence à família europeia", disse Scholz.

Zelenski repetiu em Paris os mesmos pedidos feitos horas antes ao governo britânico: mais armamentos, em especial, aviões de combate e mísseis de longo alcance, e entregas mais rápidas desses equipamentos.

"Quanto mais cedo a Ucrânia receber artilharia pesada de longo alcance, quanto mais cedo nossos pilotos receberem aviões, mais cedo as agressões russas acabarão e nós poderemos retornar à paz na Europa", disse o ucraniano.

Passagem pelo Reino Unido

A viagem de Zelenski ocorre num momento em que Kiev se prepara para uma possível ofensiva russa e organiza seus planos para recuperar o território invadido.

Em Londres, Zelenski foi recebido pelo primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, a quem agradeceu o "grande apoio" britânico desde o início da invasão russa. Zelenski também discursou no Parlamento britânico, onde pediu que os aliados forneçam caças ao seu país.

"Faço um apelo a vocês e ao mundo por aviões de combate para a Ucrânia, asas para a liberdade", ressaltou. "Nós faremos o possível e o impossível para que o mundo nos forneça aviões modernos para nos ajudar a derrotar a Rússia."

Ele também visitou tropas ucranianas que recebem treinamento no sudoeste da Inglaterra e foi recebido pelo rei Charles 3º no Palácio de Buckingham.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 09.02.23

Ataques de Lula ao Banco Central são um tiro no próprio pé

Por que ninguém no governo ousa dizer ao presidente que suas críticas à política monetária do BC e ao chefe do órgão, Roberto Campos Neto, prejudicam mais a ele próprio?

Presidente do Brasil voltou a criticar a autonomia do Banco Central e o nível elevado dos juros (Foto: Sergio Lima/AFP

Uma taxa básica de juros a 13,75% é uma vergonha, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira (06/02), durante a posse de Aloizio Mercadante na presidência do BNDES. Alguns dias antes, ele já havia atacado diretamente o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto: "Quero saber do que serviu a independência do Banco Central", questionou o presidente, antes de dizer que esperaria "esse cidadão" terminar o mandato para avaliar o que significou o Banco Central independente.

As consequências negativas desses ataques de Lula a Campos Neto e ao Banco Central, independente desde 2021, são óbvias: a maioria dos economistas espera hoje uma inflação mais alta no fim do ano do que esperavam no dia da vitória eleitoral de Lula: em vez de 4,92%, os analistas do mercado financeiro agora estimam uma inflação de 5,78% em 2023. As previsões para os próximos anos tampouco são melhores.

O aumento constante das expectativas para a inflação tem um grande impacto sobre a taxa básica de juros futura. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciou recentemente que deve manter a taxa básica de juros, a Selic, no recorde de 13,75% por muito mais tempo em meio à inflação persistente.

A ideia por trás disso é: com uma taxa de juros alta, é mais provável que as pessoas invistam seu dinheiro do que o usem para consumo. Isso reduziria a inflação, e o Banco Central poderia então baixar as taxas de juros novamente no médio prazo.

Para Lula e para a maioria dos membros de seu governo, isso é uma vergonha: o Brasil não pode crescer com juros de 13,75%, porque ninguém vai investir, vão preferir colocar seu dinheiro em títulos no mercado financeiro do que investi-lo em fábricas ou pelo menos usá-lo para consumo. Contudo, com a inflação atualmente em 6%, o Banco Central fica atrás da meta de inflação de 3,25% para este ano. As autoridades monetárias não têm escolha a não ser manter as taxas de juros altas.

Eu me pergunto por que Lula faz tais declarações populistas. Existem várias explicações:

1. Lula acredita genuinamente que um governo pode baixar as taxas de juros como bem entender se quiser acelerar o crescimento.

Dilma Rousseff acreditou na mesma coisa e levou a economia a anos de estagflação porque ordenou ao Banco Central, que ainda era dependente na época, que baixasse as taxas de juros mesmo com a inflação subindo. As consequências foram seu impeachment e a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. Duvido que Lula seja realmente tão míope a ponto de bloquear seu futuro político.

2. Lula busca apontar desde já um culpado pelo crescimento insuficiente.

Campos Neto dá um bom bode expiatório. Ele foi indicado por Bolsonaro. Seu avô era o famoso economista Roberto Campos, que foi ministro do Planejamento durante a ditadura militar e fundou o BNDES. Acho bem possível que Lula queira desviar a atenção com esses ataques. Porque até agora ele não tem nenhum plano para a economia.

3. Lula realmente quer abolir a autonomia do Banco Central.

Lula não poderá escolher um sucessor para a presidência do Banco Central até 1º de janeiro de 2025. No entanto, pode nomear previamente os diretores de sua preferência. Isso é até provável, mas só aumentaria o potencial de conflito na disputa entre o governo e o Banco Central. Se Lula quiser colocar o BC novamente sob o controle do governo, isso custaria tão caro para ele politicamente que seria mais uma missão suicida para seu governo.

Fica a pergunta: por que ninguém aponta para Lula que, com seus ataques, ele está apenas retardando ainda mais o pouco crescimento econômico esperado para este ano?

Lula apenas diz o que todos estão pensando, explicou o senador Jaques Wagner, confidente do presidente. Mas Lula, garante ele, respeitará a autonomia do Banco Central.

Quando Wagner é um dos poucos a falar claramente e a "explicar" os ataques de Lula, isso geralmente significa, na lógica da nomenklatura do PT, que parte do governo está realmente preocupada com os danos que Lula causa com suas declarações.

A questão permanece: por que ninguém ousa dizer a Lula que ele está dando um tiro no próprio pé?

Alexander Busch, o autor deste artigo, é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Este artigo, publicado originalmente no Deutsche Welle Brasil, em 07.02.23,  reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

O bolsonarismo e o lulismo insistem em narrativas patentemente mentirosas

Enquanto um recorre à mentira para contestar o processo eleitoral, o outro segue aferrado a um discurso mentiroso para contestar a legalidade do impeachment de Dilma Rousseff

O presidente Lula lê discurso durante retomada dos trabalhos do STF, em Brasília. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O País está às voltas com a prevalência da mentira no cerne dos discursos das duas principais forças políticas que hoje disputam o poder. Tanto o bolsonarismo como o lulismo insistem em narrativas patentemente mentirosas, que só exacerbam as dificuldades de superação dos desafios que o Brasil tem pela frente.

Enquanto o bolsonarismo, de forma antidemocrática, recorre à mentira para contestar o processo eleitoral e a legitimidade da eleição de Lula da Silva, o lulismo, também de forma antidemocrática, segue aferrado a um discurso mentiroso para contestar a legalidade do impeachment de Dilma Rousseff e a legitimidade do governo de Michel Temer. Lula continua a alardear, inclusive no exterior, que houve golpe em 2016.

É mais do que sabido que o afastamento de Dilma cumpriu todas as etapas do devido processo legal, sob o olhar vigilante do Supremo Tribunal Federal (STF), que não se furtou a dirimir dúvidas quanto à aplicação da Lei do Impeachment.

É difícil entender por que, ao arrepio de fatos objetivos tão bem conhecidos, Lula e o PT continuam a insistir na narrativa do golpe, justo quando se empenham na conquista do apoio de forças políticas de centro-direita. Mas é fácil perceber por que se aferraram a tal narrativa em 2016.

Ao denunciar o impeachment como golpe, o partido permitiu-se não discutir o que de fato importava. E se eximir de qualquer reflexão crítica, seja sobre o colossal descarrilamento da economia perpetrado por Dilma Rousseff, seja sobre a mão de ferro com que Lula a apontara como sua sucessora, em 2010. Fora dele e só dele a ideia de alçá-la à Presidência. O que se temia era que um clima de acusações mútuas viesse a pôr em risco a coesão interna do PT e a eficácia de sua mobilização eleitoral. Prevaleceu o pacto de amnésia coletiva, abafado pelo grito da denúncia de golpe em 2016.

A questão é quanto tal pacto ainda poderá custar ao País. Ao insistir em permanecer de olhos fechados para equívocos e excessos cometidos no mandato e meio de Dilma Rousseff, reprimindo reflexões mais críticas sobre o que de fato aconteceu, o novo governo petista não terá como extrair lições de erros passados. E permanecerá propenso a voltar a cometê-los. Basta ter em mente o discurso econômico destrambelhado com que Lula inicia seu mandato.

Tendo já vencido a eleição, é hora de o PT parar de se contar histórias negacionistas fantasiosas sobre o que ocorreu entre 2011 e 2016. E se permitir, afinal, refletir sobre as causas do desastre. Para o País, seria um grande avanço.

Rogério Werneck, o autor deste artigo, é economista, doutor pela Universidade Harvard e professor da PUC-Rio. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 03.02.23

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Investigações do STF se aproximam da cadeia de comando de atos golpistas nos Três Poderes

Integrantes da Corte defendem a quebra de sigilo de Bolsonaro e ministros para investigar o caso

Senador Marcos do Val (Podemos-ES)

A investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe de Estado ocorrida no último dia 8 de janeiro começa a fechar o cerco em torno da cadeia de comando. Em conversas reservadas, ministros dizem que já há elementos para pedir a quebra dos sigilos do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos ex-ministros generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Netto (vice na chapa eleitoral e ex-chefe da Pasta da Defesa). Até agora 740 pessoas que invadiram as sedes dos três poderes estão presas.

São três os fatos que justificariam a quebra dos sigilos. A minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres; a declaração do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, à radio CBN de que uma minuta do golpe circulou na mãos de várias pessoas; e, por fim, a declaração do senador Marcos do Val (Pode-ES) que contou ter participado de uma reunião com Bolsonaro e o então deputado Daniel Silveira na qual se elaborou um plano para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Do encontro, segundo a revista Veja, teriam participado dois generais.

Ministros do Supremo que conversaram com o Estadão em condição de reserva dizem que é preciso investigar o general Heleno porque ele comandou o GSI no governo Bolsonaro. Candidato a vice na chapa de Bolsonaro, Braga Neto entra na mira por ter afirmado a apoiadores do presidente após a derrota na eleição que não perdessem a fé. “Não percam a fé, é só o que eu posso falar agora”, afirmou. Os dois negam envolvimento em tentativas de golpe.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que conduz a investigação sobre o golpe, já autorizou a intimação do senador Marcos do Val.

🚨 GRAVE: O senador Marcos do Val informa que Bolsonaro o coagiu para a tentativa de um golpe de Estado. Segundo ele, a denúncia sairá na Veja.

Segundo a revista Veja, Do Val, um até então fiel bolsonarista no Senado, recebeu de Bolsonaro proposta para executar plano que envolvia gravar Moraes, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), obter uma declaração comprometedora do magistrado e com isso provocar sua desmoralização, prisão e uma confusão política que impediria a diplomação e posse de Lula. Durante a madrugada desta quinta-feira, 2, Marcos do Val afirmou em vídeo que sofreu coação do ex-presidente Jair Bolsonaro para se aliar a ele em um golpe de Estado. Ao falar nas redes sociais sobre o episódio, Do Val deu ar de gravidade ao caso e ainda prometeu renunciar ao mandato.

Entre ministros do Supremo, as declarações do senador reforçam as suspeitas de que está em curso uma “operação de cobertura” para tentar minimizar as conversas sobre um golpe para impedir a posse do petista Luiz Inácio Lula da Silva, que venceu as eleições de 2022. A expectativa é que o ex-ministro Anderson Torres rompa o silêncio sobre o assunto uma vez que é o único da “cadeia de comando” preso até o momento.

Pressão

No final da manhã desta quinta-feira, após receber um telefonema dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro, Do Val mudou a história. Agora, a proposta para participar de uma operação para impedir a posse de Lula e até prender Moraes teria partido de Silveira e não de Bolsonaro que apenas escutou a ideia.

A revista Veja relata que o plano de gravação que seria executado por Do Val faria uso de equipamentos do GSI. A reportagem cita o envolvimento de generais cinco estrelas mas não cita os nomes. Do Val evitou confirmar o envolvimento dos ex-ministros militares e alegou que a conversa sobre a tentativa de gravar Moraes foi trata apenas entre ele, Bolsonaro e Silveira. O general Heleno nega participação do GSI no caso.

Na manhã desta quinta-feira, antes de mudar sua versão sobre o caso, Do Val conversou com Flávio Bolsonaro também no plenário do Senado. Em seguida, o filho do ex-presidente subiu à tribuna para fazer um discurso e isentar o pai de qualquer crime.

“O que eu peço é que todos os esclarecimentos sejam feitos, e não digo nem abertura de inquérito, porque a situação que foi narrada não configura nenhum tipo de crime”, afirmou Flávio Bolsonaro. “Ele (Marcos do Val) já havia me relatado o que tinha acontecido, que isso iria ser trazido a público, contudo, numa linha que essa reunião, que aconteceu, ela seria uma tentativa de um parlamentar de demover as pessoa que estavam nessa reunião de fazer algo absolutamente inaceitável, absurdo e ilegal.”

Depressão

Nas últimas semanas circulou um vídeo em que Do Val aparece visitando os presos pelos atos terroristas de 8 de janeiro. As imagens levaram um ministro do Supremo a questionar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre o fato de um senador estar apoiando os extremistas que invadiram e depredaram os Três Poderes. Na ocasião, segundo relatos obtidos pelo jornal, Pacheco teria afirmado que o senador estaria com depressão e pedido compreensão pelo quadro de saúde dele.

Andreza Matais e Weslley Galzo para O Estado de S, Paulo, em 02.02.23 às 16h45

O elo entre a minuta do golpe e o encontro de Bolsonaro, Marcos do Val e Daniel Silveira

Em dezembro, conspiração antidemocrática ocorria nos bastidores para reverter o resultado da eleição

O senador Marcos do Val, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado federal Daniel Silveira Pedro França -Agência Senado/Edilson Dantas- Agência O Globo/ EVARISTO SA - AFP

As conversas entre os senadores Marcos do Val (Podemos-ES) e Daniel Silveira (PTB-RJ), o encontro com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a confecção da minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres ocorreram no início de dezembro, pouco mais de um mês depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial. O GLOBO construiu, a partir dos relatos e de informações públicas, uma linha do tempo com os diferentes episódios que ajudam a contextualizar a conspiração antidemocrática revelada pelo parlamentar.

Flávio Bolsonaro: Reunião entre Silveira, Jair e Marcos do Val para gravar Moraes ‘não configura crime’, diz senador

O início desta articulação ocorreu em 19 de novembro, quando o ex-ministro e ex-candidato a vice-presidente Walter Braga Neto disse a apoiadores na porta do Palácio do Alvorada que "não perdessem a fé". Na internet, à época, bolsonaristas interpretaram a fala como um recado a todos aqueles que permaneciam na frente dos quarteis espalhados pelo Brasil pregando a não aceitação do resultado das eleições de outubro.

No fim do ano, horas antes de embarcar para os Estados Unidos, Bolsonaro explicou aos seus apoiadores o motivo por trás da ausência de uma posição contrária ao resultado eleitoral: "Tem gente que está chateada comigo, que [eu] deveria ter feito alguma coisa, qualquer coisa (...) para você conseguir certas coisas, mesmo dentro das quatro linhas, você tem que ter apoio", explicou o então presidente, dando a entender que não teve apoios necessários para dar sequência a uma reação antidemocrática.

Veja abaixo a linha do tempo da conspiração golpista feita entre o final de novembro e dezembro

19 de novembro: discurso de Braga Netto

O ex-candidato a vice-presidente Walter Braga Netto (PL) conversa com militantes bolsonaristas em Brasília — Foto: Reprodução

Uma declaração enigmática do general da reserva Walter Braga Netto deixou a base bolsonarista em polvorosa e antecedeu todas as movimentações. Após deixar o Palácio da Alvorada, onde teve reunião com Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa conversou com apoiadores e pediu que “não perdessem a fé”. A declaração de Braga Netto, que foi gravada, foi imediatamente recebida nas redes pró-Bolsonaro como um recado implícito aos manifestantes que pediam por um golpe nos quarteis e nas rodovias federais.

— Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora — disse Braga Netto que foi respondido por uma bolsonarista com voz embargada: "A gente está na chuva, no sufoco".

— Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom? — afirmou.

Primeira semana de dezembro: execução da minuta golpista

Casa de Anderson Torres em Brasília — Foto: Gabriel Sabóia

O documento encontrado pela Polícia Federal em 12 de janeiro na casa do ex-ministro Anderson Torres, a minuta golpista, foi redigido logo no começo de dezembro. O texto com o objetivo de reverter o resultado da eleição, na qual Jair Bolsonaro foi derrotado, faz menção direta ao dia da diplomação de Lula no TSE, ou seja, 12 de dezembro. A cerimônia seria, à princípio, no dia 19 daquele mês, mas foi antecipada em 29 de novembro.

7 de dezembro: Silveira procura do Val

Durante uma sessão no Congresso Nacional, o então deputado federal Daniel Silveira procurou por Marcos do Val para avisar que Bolsonaro desejava falar com o senador. O presidente e do Val conversam por telefone e combinaram um encontro para o dia 9 de dezembro.

Marcos do Val afirma que, após o contato inicial de Silveira, procurou Alexandre de Moraes e que foi aconselhado pelo ministro a ouvir o que o ex-presidente queria dizer. "Ele disse ‘vai, porque quanto mais informação, melhor’", contou o senador à imprensa, posteriormente, após as revelações da Veja.

9 de dezembro: discurso no cercadinho e encontro com senadores

Bolsonaro fala com apoiadores no Palácio da Alvorada — Foto: Reprodução

Também no início de dezembro, o então presidente Jair Bolsonaro discursou, pela primeira vez após a derrota, aos seus apoiadores no cercadinho em frente ao Palácio do Planalto. Na ocasião, Bolsonaro, assim como seu vice de chapa, deu a entender que movimentações golpistas estariam ocorrendo.

Na ocasião, em tom vago, ele pediu para que seus eleitores se mantivessem esperançosos, e afirmou que as coisas dariam certo "no momento oportuno".

— É pelo país de vocês.(...) O que eu digo a vocês, vamos acreditar, vamos nos unir, criticar só quando tiver certeza, buscar alternativas. Vamos vencer, se manifestando de acordo com as nossas leis, vocês são cidadãos de verdade. Está na hora de parar de ser tratado como outra coisa aqui no Brasil. Acredito em vocês, vamos acreditar em nosso país. Se Deus quiser tudo dará certo no momento oportuno.

Neste mesmo dia, o presidente recebeu Daniel Silveira e Marcos do Val para uma reunião no Alvorada, que durou cerca de 40 minutos. Em mensagens obtidas pelo GLOBO, o plano desenhado foi para que do Val se aproximasse do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes para gravar conversas e captar algo comprometedor. Uma possível prisão de Moraes colocaria o país em uma crise política.

Reprodução de suposta mensagem do senador Marcos do Val (Podemos-ES) de conversa com o ex-deputado Daniel Silveira — Foto: Reprodução

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança do presidente, daria o suporte técnico à operação, fornecendo os equipamentos de espionagem necessários.

10 de dezembro: a insistência de Silveira

No dia seguinte à reunião, Silveira enviou uma série de mensagens para cobrar Marcos do Val por uma resposta. O deputado afirmou que a missão era segura, mas o senador não respondeu. Diante da hesitação, Silveira seguiu insistindo.

12 de dezembro: Marcos do Val procura Moraes

Três dias após a reunião, na data em que Lula foi diplomado, Marcos do Val teria procurado Alexandre de Moraes. Em mensagem, o congressista pedia para conversar pessoalmente com o magistrado sobre o encontro que teve com Bolsonaro e Daniel Silveira. A reunião entre os dois foi agendada para o dia 14.

Neste dia, bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal para resgatar o indígena extremista que havia sido preso. Em seguida, Brasília foi depredada.

14 de dezembro: encontro entre Moraes e do Val

No dia 14 de dezembro, Alexandre Moraes encontrou Marcos do Val no salão branco do STF por alguns minutos. O parlamentar contou a proposta que recebeu do então presidente Jair Bolsonaro. Neste mesmo dia, o senador informou a Daniel Silveira que não faria parte do plano: "Irmão, vou declinar da missão", escreveu. O deputado aceitou: "Entendo, obrigado".

Bolsonaro faz a última live como presidente 30/12/2022 — Foto: Reprodução

Horas antes de embarcar para os Estados Unidos, Jair Bolsonaro fez seu último pronunciamento enquanto presidente. Na live de despedida, ele disse aos apoiadores que não teve apoio para tomar uma atitude.

— Agora, muitas vezes, dentro das quatro linhas, você tem que ter apoios. Alguns acham que é “pega a (caneta) Bic, assine, faça isso, faça aquilo” e está tudo resolvido. Eu entendo que eu fiz a minha parte, estou fazendo até hoje a minha parte. Estou fazendo até hoje a minha parte. Hoje são 30 de dezembro. Até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas. Agora, certas medidas têm que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições.

Matéria da Redação d'O GLOBO, em 02.02.23, às 14,40 hs.