quarta-feira, 30 de março de 2022

Joe Biden tem razão: Putin não pode permanecer no poder

Declaração do presidente americano, que após a invasão da Ucrânia é impensável colaborar com chefe do Kremlin, causou polêmica, mas está correta. Difícil é saber como essa deposição seria na prática, opina Bernd Riegert.

Como vampiro ou caveira nazista, imagem de Putin na Ucrânia é execrávelFoto: Petr David Josek/AP/picture alliance

Ao declarar que o agressor bélico Vladimir Putin não pode mais permanecer no poder, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tem razão. Ele apenas disse espontaneamente o que muitos pensam e que seria o imperativo moral: o ditador no Kremlin, que provoca sofrimento a milhões de seres humanos, tem que ser deposto e julgado como criminoso de guerra.

Só foi infeliz expressar esse pensamento agora, quando se precisa de Putin como interlocutor nas negociações para, de algum jeito, dar fim à guerra desencadeada por ele na Ucrânia, através de um armistício. O próprio Biden não recua de sua declaração, após discussões nos EUA, mas ao mesmo tempo insiste que seu país não persegue como política oficial a troca de poder em Moscou. As duas coisas não combinam: ou um, ou outro.

No momento a prioridade é acabar com o terror das bombas contra a população ucraniana e sustar o avanço russo. Depois deve ficar claro que não pode mais haver cooperação com Putin e seus asseclas, os quais os EUA e a União Europeia culpam abertamente por crimes de guerra.

Quanto mais rápido ele e seu regime de dominação forem superados, melhor. Não pode mais haver relações políticas e econômicas com a Rússia sob Putin. Falando na TV nacional, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, também deixou esse ponto claro, embora não tenha qualificado o chefe do Kremlin diretamente de criminoso de guerra.

Assassínio planejado: uma alternativa

O argumento de que não se deve provocar Putin, não procede. Pois o autocrata sabe perfeitamente que o Ocidente não deseja nada mais ardentemente do que a deposição dele, independente de alguém o dizer publicamente. Decisivo é o fato de que uma mudança de regime não será fácil, na prática.

Como a Organização do Tratado do Atlântico Norte descartou a mobilização de tropas, em princípio um assassinato direcionado de Putin não entra em cogitação. Fica excluída, assim, uma solução como as aplicadas no caso de Osama bin Laden, Muammar al Kadafi, Saddam Hussein ou Nicolae Ceaucescu. Não por não ser moral ou legalmente justiificada, mas porque no momento é quase impossível chegar de fora até Putin, e porque na própria Rússia não há um movimento de resistência forte.

Partindo-se do princípio que o chefe de Estado não renunciará voluntariamente a seu posto, só resta a deposição do tirano por assassínio planejado, como se tem praticado desde a Antiguidade até os nossos dias. Certos especialistas em ética moral e direito internacional argumentarão que tal ato seria moralmente desprezível e fora dos limites da legalidade.

Em princípio, está correto. No entanto, pode-se encarar Putin como o supremo comandante de um partido que trava guerra. Assim, seu assassinato por combatentes inimigos seria justificável perante o direito internacional e a Convenção de Genebra sobre os direitos humanos.

Quem serás tu, Brutus?

A solução também poderia ser um Brutus próximo a Vladimir Putin, como expressou o senador Lindsey Graham, referindo-se ao político que, na Roma de 44 a.C., assassinou o ditador Júlio César. O conservador americano conclamou os russos a tomarem seu destino nas próprias mãos. Talvez alguns oligarcas ou outros da panela de liderança de Putin estejam dispostos a executar esse atentado.

Poderia ser, por exemplo, uma versão russa e mais bem-sucedida do coronel Claus von Stauffenberg, que em 1944 quase conseguiu matar com uma bomba o tirano nazista Adolf Hitler, e que hoje é justamente homenageado na Alemanha como herói. A questão também é: quem ou o que viria depois? O brutal sistema entrará em colapso se lhe faltar a cabeça? Ou um outro tirano simplesmente tomará o lugar?

A história ensina que é preciso se defender de tiranos. Pode-se descartar que o chefe do Kremlin, que sonha com uma ressurreição da União Soviética, não vá recorrer a meios outros? Ele próprio ameaçou a Otan com consequências jamais vistas, caso ela intervenha. O que quis dizer? Ofensivas atômicas? Um inverno nuclear?

Desse ponto de vista, o presidente Biden tem certamente razão: Putin não deveria ocupar o poder nem poder ordenar mortes sem sentido por mais um só dia. Uma mudança de regime é necessária. O assassínio de um tirano poderia ser uma solução, mas que provavelmente permanecerá no campo dos sonhos.

Bernd Riegert Correspondente da Deutsche Welle em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia. Este artigo reflete a opinião pessoal do autor. Publicado por DW em 29.03.22.

A guilhotina populista

Bolsonaro afastou a contragosto o ministro da Educação porque ficou difícil esconder seus malfeitos; já o presidente da Petrobras foi demitido por fazer a coisa certa

   Certo e errado, competência e incompetência, interesse nacional e interesse de alguns fazem pouca ou nenhuma diferença quando se trata de servir ao presidente Jair Bolsonaro. Em qualquer caso, cabeças podem cair. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi demitido, a contragosto do presidente, depois de ter feito uma coisa errada: aceitou um gabinete paralelo, facilitando a bandalheira de dois pastores malandros. Já o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, perderá o posto por ter feito a coisa certa: comandou com critérios empresariais uma companhia com acionistas no Brasil e no exterior. Diferentes na competência, no estilo de trabalho e na atenção às funções, coincidiram, no entanto, num ponto essencial: contrariaram o projeto de poder de seu chefe, um presidente empenhado na reeleição e, portanto, na preservação das condições políticas, jurídicas e pessoais associadas à Presidência.

Até o escândalo do tal gabinete paralelo, o ministro Milton Ribeiro foi sempre apoiado pelo presidente Bolsonaro. Como seu chefe, nunca levou a sério os mandamentos da boa administração nem respeitou os critérios de impessoalidade e de laicidade da função pública. Errou por omissão e por ação, mostrando-se incapaz de entender as funções da escola, de atividades como o Enem e da política educacional. Teve uma gestão desastrosa, como seus antecessores, e foi fiel aos padrões bolsonarianos, contrários à educação, à cultura e à ciência. Violou até as fronteiras do decoro e do ridículo, ao admitir a impressão de Bíblias com sua foto.

O ministro só perdeu o conforto e a segurança quando o Estadão, recentemente, revelou o gabinete paralelo. Em poucos dias, histórias chocantes foram publicadas pelos meios de comunicação, com gravações de falas indecorosas e testemunhos de prefeitos achacados por pastores ligados, informalmente, ao Planalto e ao Ministério da Educação. Sem poder negar o escândalo nem sua ligação com os vendedores de facilidades, o presidente Bolsonaro tratou de conter os danos e afastou o ministro, já condenado por grupos evangélicos ligados à política bolsonariana.

O presidente da República aproveitou a ocasião para afastar o chefe da Petrobras. Seria mais fácil, supostamente, porque as atenções estariam ocupadas também com a demissão do ministro Milton Ribeiro. Ao propor a substituição do general Joaquim Silva e Luna, o presidente Bolsonaro daria satisfação, talvez, aos descontentes com os preços dos combustíveis.

Outro político poderia gastar algum tempo explicando as condições do mercado internacional, os efeitos da guerra na Ucrânia e as limitações de uma empresa como a Petrobras. Não seria, no entanto, o caso de um populista pouco interessado em questões administrativas e, além disso, conhecido por suas tentativas de intervir na estatal. Com a demissão já anunciada, o presidente da Petrobras ainda apontaria, num pronunciamento público, duas limitações da empresa: não lhe cabe fazer política pública nem, “menos ainda”, política partidária.

Ao indicar para o comando da Petrobras o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Bolsonaro envia ao mercado, aparentemente, um recado tranquilizador. Já havia buscado entendimento com os generais apoiadores de Silva e Luna, ao discutir com eles, previamente, a demissão do presidente da estatal. Pires é respeitado como conhecedor do setor de energia e como defensor de políticas pró-mercado. Mas é cedo para falar sobre sua disposição de manter preços alinhados com o mercado internacional e de cuidar dos interesses dos acionistas. É cedo, também, para especular sobre uma possível defesa de subsídios aos consumidores, assunto complicado, em princípio, por envolver a equipe econômica.

Mas um ponto é certo. Não haverá um novo Bolsonaro. O presidente será o mesmo político populista e autoritário responsável pelo afastamento de Joaquim Silva e Luna, o mesmo explorador da religiosidade envolvido na escolha do pastor Milton Ribeiro, o mesmo candidato ligado ao Centrão e indiferente à boa administração.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S. Paulo, em 30.03.22


Dallagnol cancela chave Pix após doações atingirem R$ 575 mil

Deltan Dallagnol foi condenado a indenizar Lula por Powerpoint apresentado à imprensa durante a Lava Jato; segundo o ex-procurador, apoiadores da operação passaram a lhe fazer doações para quitar a dívida

O ex-coordenador da força tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, foi condenado a indenizar Lula em R$ 75 mil.  Foto: Felipe Rau/Estadão

O ex-procurador Deltan Dallagnol, da Operação Lava Jato, disse ter solicitado o bloqueio de sua chave Pix após receber R$ 575 mil em doações de seguidores. Desde a semana passada, quando foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em R$ 75 mil, Deltan vem relatando em suas redes sociais o montante recebido. Em vídeo publicado no último dia 24, ele exibiu a tela de seu celular para demonstrar que os depósitos não paravam de chegar

Segundo o ex-procurador, foram mais de 12 mil depósitos, sendo que o valor médio de cada doação foi de R$ 45. Ele descreveu o ato como um "protesto" contra a condenação a favor do petista, classificada por ele como injusta e "absurda", e agradeceu pelo apoio ao que ele considera "a causa do combate à corrupção". 

"Em breve, trarei informações sobre a prestação de contas desses valores, incluindo o tipo de aplicação em que estão e os rendimentos", afirmou nesta terça-feira, 29, via Twitter.

Como o montante recebido já ultrapassou em meio milhão o valor da indenização, ele prometeu doar o excedente a instituições filantrópicas que ajudem crianças com câncer e autismo.

Redação, O Estado de S. Paulo, em 30.03.22

Aliados de Eduardo Leite articulam com Temer para atrair MDB

Grupo negocia com ex-presidente na tentativa de unir a 3.ª via em torno do governador gaúcho, que permaneceu no PSDB


A ideia do grupo que apoia a candidatura de Eduardo Leite à Presidência é ampliar o debate para além do PSDB e buscar apoio em outros partidos que se colocam como alternativa ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).  Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini 

Os articuladores da tentativa de fazer do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), uma opção da terceira via ao Palácio do Planalto reforçaram o movimento para tornar viável uma eventual chapa com apoio do MDB, e planejam estender as conversas a outros líderes partidários. Na lista de prioridades está o ex-presidente Michel Temer (MDB). Ele tem sido procurado por tucanos e deve se encontrar nos próximas semanas com o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) para debater uma aliança que uniria Leite e a senadora Simone Tebet (MDB-MS) na mesma chapa presidencial.

Na segunda-feira, 28, no mesmo dia em que Leite anunciou sua permanência no PSDB e sua desincompatibilização do governo gaúcho, o que abre a possibilidade de ele ser candidato, Aécio e Temer conversaram por telefone e combinaram de aprofundar o diálogo para uma aliança na qual o gaúcho pode ser o protagonista.

Temer já conversou sobre o assunto com o senador tucano Tasso Jereissati (CE), em janeiro. No mês anterior, o próprio Leite falou com o ex-presidente, em São Paulo. No mês passado, Tasso procurou o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), e elogiou o nome de Tebet, ressaltando que ele pode ser uma “novidade”, com vantagem de ter “baixa rejeição”.

Em novembro do ano passado, o PSDB realizou prévias e definiu o governador de São Paulo, João Doria, como pré-candidato do partido ao Palácio do Planalto. A disputa foi polarizada entre o paulista, que teve 53,99% dos votos, e Leite, que somou 44,66%. 

No entanto, aliados do gaúcho, como Aécio, Tasso e o ex-senador José Aníbal (SP), tentam impedir que Doria seja o candidato da sigla. Eles apontam, além do fraco desempenho nas pesquisas, que costuma oscilar de 1% a 3% – índice similar ao de Leite –, o fato de Doria ter rejeição alta.

“Essa construção pode vir com alguma naturalidade. Ela não é contra ninguém, não é contra João, José ou Joaquim, é a favor do Brasil. É uma chance que estamos dando a uma terceira via efetivamente viável”, disse Aécio ao Estadão.

A ideia do grupo é ampliar o debate para além do PSDB e buscar apoio em outros partidos que se colocam como alternativa ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lideram as pesquisas de intenção de voto. 

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, vem conversando com os presidentes do MDB, Baleia Rossi; do União Brasil, Luciano Bivar; e do Cidadania, Roberto Freire. A ideia é tentar atrair também o ex-ministro Sérgio Moro (Podemos). “Devíamos chamar para essa conversa, além desses partidos, além do MDB, União Brasil e Cidadania, o Podemos também. Por que não o próprio PSD, que mostrou o interesse em tê-lo como candidato?”, disse Aécio. “Nada mais natural que (o PSD) avalie a possibilidade de apoiá-lo em outro partido. Ele não mudou de personalidade quando permaneceu no partido, é o mesmo candidato.”

Moro jantou com Bivar na segunda-feira, em Brasília, e fez um aceno ao líder partidário. O presidenciável disse que Bivar “seria um ótimo vice ou cabeça de chapa”. O União Brasil ainda não tem uma posição consensual quanto à disputa presidencial. Parte do partido planeja lançar Bivar como pré-candidato, mas não descarta apoiar outro nome da terceira via, do MDB ou do PSDB. Outra ala defende o apoio a Moro. Há na legenda, ainda, quem apoie a reeleição de Bolsonaro e quem pense em estar com Ciro Gomes (PDT). 

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo, em 30.03.22

'Não precisamos do amor romântico em nossas vidas', diz especialista em relacionamentos

Nas sociedades ocidentais, o amor costuma ser apresentado por meio do clichê de duas metades que se encontram para se sentirem completas. A história é reproduzida com frequência na literatura, cinema e televisão, mas pode ser bastante danosa quando enfatizada na realidade.

Imagem construída em torno do romance pode variar muito de acordo com a cultura (Getty Images)

É o que acredita a antropóloga Anna Machin, que dedicou quase 20 anos de sua carreira ao estudo das diferentes formas de amar.

Segundo a pesquisadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a supervalorização do amor romântico - aquele entre dois parceiros ou manifestado por meio da atração emocional por outra pessoa - pode nos fazer esquecer o quão importante são os demais tipos de amor.

"Não precisamos do amor romântico em nossas vidas. Há muitas outras formas de amor capazes de suprir nossas necessidades", diz a estudiosa.

O homem que questiona a definição do que é realidade

"Em muitos países, o amor romântico é visto como a mais importante fonte de amor, e esse discurso é repetido com frequência no cinema e nas redes sociais. Mas essa não é a verdade e, infelizmente, muitas pessoas gastam tempo e energia demais procurando um parceiro romântico e acabam negligenciando outros tipos de relacionamento".

Machin lançou em fevereiro deste ano o livro 'Why We Love: The New Science Behind Our Closest Relationships' (Porque amamos: a nova ciência por trás dos relacionamentos mais próximos, em tradução literal), no qual discute as muitas razões que levam o ser-humano a amar. A afeição entre parceiros é apenas uma delas, mas há também o amor entre amigos, pais e filhos e até o amor ao sagrado.

Segundo ela, a importância excessiva que damos ao amor romântico também pode criar uma ideia falsa de que todos precisam de um parceiro românico ou de um relacionamento de contos de fadas, trazendo decepções.

"O amor romântico pode trazer momentos maravilhosa, é verdade. Mas há períodos difíceis também e há pessoas que simplesmente não encontrarão alguém para viver essa experiência ou que sequer querem passar por isso", diz.

"Faríamos um grande favor às crianças e jovens se passássemos a ser mais realistas sobre o que é o amor romântico de verdade, porque precisamos recalibrar o espaço ocupado por ele em nossas vidas".

Em seu livro, Machin define o amor romântico como uma construção social. Segundo ela, até meados do século 18, os seres humanos cultivavam apenas o que os cientistas chamam de amor reprodutivo.

"Só passamos a chamá-lo de amor romântico quando, por volta do século 18, poetas decidiram romantizá-lo e as ideias de amor romântico que conhecemos hoje começaram a ser formadas na literatura", diz a especialista.

A imagem construída em torno do romance, aliás, também varia muito de acordo com a cultura. "Há 50 anos na China o conceito de encontrar uma alma gêmea era completamente desconhecido. Hoje em dia, os mais jovens falam e conhecem mais o amor romântico, porque foram expostos à filmes e outros materiais produzidos no mundo ocidental", diz a antropóloga.

"O amor romântico é uma construção cultural. Não é baseado na ciência, mas apenas uma história que inventamos sobre como o amor reprodutivo deveria ser."

Novos tempos

Pesquisas demográficas mostram que o amor romântico já está, em certa medida, perdendo importância em nossas vidas. Segundo o Escritório de Estatísticas Nacionais do Reino Unido, o número de pessoas morando sozinhas deve crescer em mais de 10 milhões no país até 2039. Além disso, apenas cerca de um em cada seis britânicos ainda acreditam atualmente na ideia de que há "uma pessoa certa".

"Há um crescente reconhecimento de que, na verdade, o amor romântico não deve ser o objetivo final de nossas vidas", diz Machin. Segundo a antropóloga, essa mudança é impulsionada principalmente pelas mulheres, que se sentem mais livres para viver suas vidas sem um parceiro ao seu lado.

Muitas pessoas têm se aberto para formatos de relacionamentos mais modernos (Getty Images)

"Mudanças políticas, sociais e em nosso próprio entendimento sobre o que é o amor ou o que constitui uma família estão aos poucos alterando a forma como vemos e priorizamos o amor romântico."

Ao mesmo tempo, muitas pessoas também têm se aberto para outros formatos de relacionamentos românticos. "O poliamor e outros tipos de relacionamentos não-monogâmicos têm ganhado mais espaço. Da mesma forma, os arromânticos, aqueles que não experimentam nenhum tipo de amor romântico, tem se sentido mais confortáveis para contar suas histórias", afirma a especialista.

Por que amamos?

Em seu livro, Anna Machin dedica dez capítulos para desvendar as muitas respostas para o questionamento que já foi levantado tantas vezes em nossa sociedade.

"Não há uma única resposta para essa pergunta e tudo depende contexto que analisamos", afirma a antropóloga. "O que é mais incrível no amor humano é que ele pode ser dirigido a muitas pessoas e seres diferentes: podemos amar nossos amigos, nossa família, nossos filhos e nossos amantes. Mas também podemos amar um Deus, nossos animais de estimação e até celebridades que não conhecemos".

Segundo a pesquisadora, em seu nível mais básico, o propósito do amor é a sobrevivência e a garantia da evolução. O ser-humano precisa passar seus genes adiante, ao mesmo tempo em que as mães precisam de uma rede de apoio para criar seus filhos.

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"Mas além disso, o amor também é um vício, sustentado por um conjunto de neuroquímicos como a ocitocina, a dopamina, a serotonina e a beta endorfina que nos fazem desejar estar com a pessoa que amamos", diz Machin.

Há ainda componentes sociais e pessoais que definem as razões por que amamos. Nem todos experimentamos o amor da mesma maneira ou desejamos alcançá-lo pelos menos motivos, e o local onde nascemos, a forma como fomos criados e até nossa genética podem influenciar nossas escolhas.

"Popularmente dizemos que o amor é uma emoção, mas na realidade é algo muito mais complexo do que isso", diz a pesquisadora de Oxford, que usou análises genéticas, de imagens cerebrais e neuroquímicos, além de extensas entrevistas, para elaborar sua tese.

Honestidade, ternura ou sofrimento?

O ser humano pode dirigir seu amor para parceiros, familiares, amigos, animais e até entes religiosos (Getty Images)

O contexto social em que fomos criados e vivemos depois de adultos tem grande influência sobre a forma que sentimos e demonstramos o amor, segundo Anna Machin.

A antropóloga explica em seu livro que nossa relação com o amor pode mudar de acordo com as relações que observamos à nossa volta e tomamos como exemplo para nós mesmos. A cultura também pode ter um grande impacto aqui.

"O local onde nascemos também afeta a forma como definimos o amor e até as palavras que costumamos associar com ele", diz.

A especialista cita como exemplo um estudo publicado em 2016 na revista acadêmica Psychology in Russia com pessoas nativas da África Central, do Brasil e da Rússia. Enquanto os brasileiros entrevistados usaram com frequência a palavra honestidade para descrever o amor e associaram o sentimento com moral e família, os termos mais mencionados pelos russos foram sofrimento, confiança e auto sacrifício.

Já os centro-africanos usaram a palavra "ternura" para falar de amor - para eles, o sentimento está intimamente ligado com o lado espiritual.

"Há estudos que também nos mostram que a linguagem corporal exibida quando estamos apaixonados ou demonstramos amor é algo muito específico da cultural", afirma Machin.

Mas infelizmente, é impossível saber exatamente como as outras pessoas experimentam o amor. "Você nunca saberá como eu sinto amor, assim como eu nunca saberei como você se sente quando está amando", diz a especialista.

Por isso mesmo, as formas mais usadas pelos pesquisadores para estudar o tema são os exames cerebrais e de substâncias químicas, além das entrevistas e da observação da linguagem corporal.

"Analisamos alguns pontos objetivos para termos uma vaga ideia de como é a experiência do outro com o amor. A atividade cerebral das pessoas, por exemplo, pode ser diferente de acordo com a intensidade dos sentimentos, assim como a neuroquímica no corpo", explica Machin.

Qual a influência da genética?

A genética também pode influenciar na forma como sentimos e demonstramos o amor (Getty Images)

Apesar da comunidade científica já ter se debruçado sobre o tema, a influência da genética na forma como sentimos e demonstramos o amor pode ser novidade para muitos.

Segundo Anna Machin, os genes estudados em suas pesquisas estão associados às substâncias neuroquímicas que sustentam o amor.

"São os chamados genes receptores - os neuroquímicos no cérebro se prendem a esses receptores e causam sensações ou despertam comportamentos", explica a antropóloga. "A quantidade, a localização e a capacidade dos receptores de se conectarem com as substâncias químicas influenciam na forma como o ser-humano sente o amor".

"Digamos que uma pessoa tenha um número muito alto de receptores de ocitocina no cérebro - ela vai experimentar uma sensação de amor muito mais forte do que alguém que tem um número menor".

A especialista explica em seu livro que os genes podem também tornar algumas pessoas mais empáticas, afetuosas fisicamente ou até mais apegadas aos seus entes amados.

Anna Machin é enfática ao dizer que só podemos amar ou manter relacionamentos amorosos de qualquer tipo quando há uma relação entre dois seres.

"Não podemos amar objetos, apenas outras pessoas, animais ou entidades religiosas. Algumas pessoas podem apresentar distúrbios psicológicos em que dizem amar um objeto, mas nesses casos não há liberação neuroquímica ou qualquer tipo de evidência cerebral de que elas estão apaixonadas", diz a antropóloga.

Da mesma forma, o amor próprio não se enquadra na definição usada pela ciência de amor. "O amor é uma relação recíproca ou diádica e não se pode ter algo assim consigo mesmo".

Julia Braun, de S. Paulo para a BBC News Brasil em 27.03.22

terça-feira, 29 de março de 2022

EUA e Reino Unido veem com desconfiança garantias russas para cessar-fogo

Representantes dos países afirmam que é preciso esperar ações da Rússia, não apenas declarações; sanções serão mantidas neste primeiro momento    

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fala durante coletiva de imprensa na Casa Branca nesta terça-feira, 29. Biden vê com desconfiança os avanços das negociações entre Rússia e Ucrânia Foto: Nicholas Kamm / AFP 

Após as negociações entre Ucrânia e Rússia na Turquia, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reagiu com desconfiança à declaração russa de retirada de tropas nas regiões de Kiev e Chernihiv. Questionado sobre como avaliava a declaração russa, Biden disse “não ler nada” sobre a retirada até que ela aconteça e garantiu a manutenção das sanções. “Vamos ver se eles seguem o que estão sugerindo”, respondeu.

Mais cedo, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, reagiu da mesma maneira. Segundo Blinken, os EUA não viram “sinais de real seriedade por parte do país comandado por Vladimir Putin. “Existe o que a Rússia diz e existe o que a Rússia faz. Estamos focados neste último”, disse durante uma coletiva de imprensa.

A desconfiança contra a Rússia também foi expressada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson. Em uma reunião com ministros, ele afirmou que o cessar-fogo da guerra da Ucrânia, por si só, não seria motivo para a retirada das sanções contra a Rússia. “A pressão sobre Putin deve ser aumentada tanto por meio de novas medidas econômicas quanto pelo fornecimento de ajuda militar para garantir que a Rússia mude completamente o curso”, anunciou o porta-voz de Johnson.

Segundo o porta-voz, a retirada total das tropas russas da Ucrânia “seria um bom começo” para a mudança de postura do Reino Unido. “Julgaremos Putin e seu regime por suas ações, não por suas palavras”, declarou.

As declarações foram feitas horas após a primeira negociação entre Rússia e Ucrânia que parece ter avanços reais. A Rússia disse que está preparada para acelerar uma possível reunião entre os presidentes Vladimir Putin e Volodmir Zelenski - ideia que rejeitavam até a reunião - e afirmou que vai retirar as tropas do norte ucraniano.

Para os Estados Unidos, o anúncio da Rússia de redução das hostilidades em torno de Kiev pode ser “um meio pelo qual a Rússia mais uma vez está tentando desviar e enganar as pessoas a pensar que não está fazendo o que está fazendo”. “Se eles de alguma forma acreditam que um esforço para subjugar “apenas”, entre aspas, a parte leste da Ucrânia e a parte sul da Ucrânia pode ter sucesso, mais uma vez eles estão se enganando profundamente”, declarou.

O secretário de estado norte-americano pediu que as tropas “acabem com a agressão agora, parem de atirar, recue suas forças e, claro, se envolve em negociações”.

Nesta terça-feira, 29, enquanto a reunião entre os dois países acontecia, a Rússia atacou a cidade de Mikolaiv, no sul, e deixou ao menos 7 mortos e 22 feridos. Um dos edifícios atingidos pelos bombardeios foi o prédio governamental da cidade.

Após as negociações, o chefe da delegação russa, Vladimir Medinski, disse em entrevista a uma agência de notícias estatal russa, a Tass, que a redução das operações militares no norte não representa um cessar-fogo. “Este não é um cessar-fogo, mas esta é a nossa aspiração: alcançar gradualmente uma desescalada do conflito, pelo menos nestas frentes”, disse.

Primeiro-ministro britânico Boris Johnson afirmou nesta terça-feira, 29, que cessar-fogo da Rússia não é suficiente para acabar com sanções  Foto: Andy Rain / EFE

Reunião da Otan

Alguns membros da aliança se reuniram virtualmente nesta terça-feira, depois das negociações entre Ucrânia e Rússia. Segundo a Casa Branca, o presidente dos EUA, Joe Biden, conversou durante uma hora com o presidente francês Emmanuel Macron, o chanceler alemão Olaf Scholz, o primeiro-ministro italiano Mario Draghi e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson. Até o momento, não há informações sobre o que foi discutido na chamada.

Segundo Joe Biden, parece haver um consenso entre esses países de aguardar os próximos passos da Rússia para avaliar o que fazer. “Mas, enquanto isso, continuaremos a manter fortes sanções”, disse Biden. “Vamos continuar a fornecer aos militares ucranianos a capacidade de se defenderem. E vamos continuar atentos ao que está acontecendo.”

De acordo com uma leitura da Casa Branca da reunião da Otan, os líderes “analisaram seus esforços para fornecer assistência humanitária aos milhões afetados pela violência, tanto dentro da Ucrânia quanto buscando refúgio em outros países, e enfatizaram a necessidade de acesso humanitário a civis em Mariupol. Eles também discutiram a importância de apoiar mercados de energia estáveis à luz das atuais interrupções devido a sanções.”

A Ucrânia e vários países não pertencentes à aliança foram convidados a participar de parte de uma reunião de dois dias dos ministros das Relações Exteriores da Otan na próxima semana, de acordo com um comunicado da aliança militar com sede em Bruxelas.

A Otan disse que os convites foram para “os Ministros das Relações Exteriores da Austrália, Finlândia, Geórgia, Japão, República da Coreia, Nova Zelândia, Suécia e Ucrânia, bem como o Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores”. A reunião está marcada para o próximo dia 7 de abril.

Turquia vê progresso após encontro mediado por Erdogan

Na contramão da desconfiança dos aliados da Otan, a Turquia considerou as negociações desta terça-feira um avanço para o fim da guerra. “Esta guerra que causou a morte de milhares de pessoas e o deslocamento de milhões de outras deve parar”, disse o ministro das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, em comentários televisionados.

Segundo Cavusoglu, o próximo passo da negociação seria os ministros das Relações Exteriores da Rússia e da Ucrânia se reunirem para “dar a forma ao entendimento comum mais recente”, alcançado nesta terça.

O país assumiu uma posição de mediador entre os dois países em guerra e recepcionou os negociadores no Palácio de Dolmabahçe, em Istambul, a última residência no Bósforo dos sultões e que também foi a última sede administrativa do Império Otomano, que atualmente abriga escritórios da presidência turca. “O mundo inteiro espera boas notícias”, disse o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, antes do início das discussões.

Macron pede a Putin que haja trégua em Mariupol

O presidente da França, Emmanuel Macron, conversou com presidente Vladimir Putin nesta terça-feira, 29, para pedir que a trégua seja estabelecida em Mariupol. O telefonema teve o objetivo de se chegar a um acordo para a retirada com segurança dos civis que permanecem na cidade, que vive o pior cenário da guerra da Ucrânia, e para a entrega de ajuda humanitária.

Segundo uma fonte de Paris ouvida pelo New York Times, Putin “ouviu os pedidos e demandas” de Macron e “disse que ele pensaria sobre eles e retornaria”.

O Kremlin, em seu próprio relato da discussão, disse que Putin falou sobre “as medidas tomadas pelos militares russos para fornecer assistência humanitária urgente e garantir a evacuação segura de civis, inclusive de Mariupol”.

A CNN, por sua vez, ouviu de uma fonte que Putin teria chamado as negociações desta terça-feira com a Ucrânia de promissoras.

NYT, W.P., THE GUARDIAN, REUTERS / Por Redação d'O Estado de S. Paulo, em 29.03.22

França: eleições em guerra

A invasão da Ucrânia pode desarmar o populismo nas urnas e fortalecer a proteção das frágeis democracias europeias

Um funcionário de uma empresa de publicidade coloca vários cartazes eleitorais dos candidatos à Presidência da França, esta segunda-feira em Saint-Herblai. (SEBASTIEN SALOM-GOMIS (AFP)

A invasão russa da Ucrânia fortaleceu a União Europeia e a OTAN. Deveria também fortalecer as democracias ocidentais, submetidas durante uma década a tensões internas por forças populistas de direita e esquerda, e hoje confrontadas com um desafio externo e incomparavelmente maior: o de um autocrata, Vladimir Putin, que bombardeia civis ucranianos e empunha o poder nuclear arma diante do mundo.

As eleições presidenciais de 10 e 24 de abril na França permitirão avaliar nas urnas o impacto da guerra que Putin iniciou em 24 de fevereiro. As pesquisas refletem o chamado efeito bandeira: em tempos de crise, geralmente há um cerrar fileiras em torno do líder. O atual presidente, o centrista Emmanuel Macron, estabeleceu-se como o favorito, embora tenha perdido alguma vantagem nos últimos dias em relação à sua perseguidora imediata, Marine Le Pen, líder histórica da extrema direita. Assim como na reta final da campanha anterior, em 2017, o líder da esquerda populista, Jean-Luc Mélenchon, prevaleceu como candidato do voto útil da esquerda e acredita ter opções para ir ao segundo turno.

No contexto de guerra e de ameaça existencial à Europa, mesmo os candidatos mais radicais estão fazendo um esforço para suavizar suas posições. Le Pen, que em uma campanha anterior recebeu um empréstimo milionário de um banco russo, não quer mais, como em 2017, tirar a França da UE e do euro. Mélenchon, que em janeiro justificou a mobilização militar russa devido à suposta "ameaça" representada pela Ucrânia, ainda é a favor da saída da OTAN, mas agora diz que, em plena guerra, não é hora de retirar seu país da o acampamento ocidental. É significativo que a maior baixa nas pesquisas tenha sido o ultra estudioso Éric Zemmour, cujas explosões racistas e declarações entusiásticas de fé em Putin não se encaixam bem com o imperativo de pacificação desta campanha.

A guerra impôs um momento de sobriedade e seriedade. Talvez marque o início do fim de uma década populista no Ocidente que encorajou autocratas na Rússia ou na China. Em pouco mais de um mês, os europeus se rearmaram militar e institucionalmente enviando armas para a Ucrânia ou impondo sanções maciças à Rússia. Mas é hora também de um rearmamento ideológico. Putin vê na UE a encarnação da decadência ocidental e do relativismo moral, mas ao atacar um país democrático que aspira a aderir à UE como a Ucrânia, ele pode agir como um choque elétrico: ele nos lembrou de não tomar como certo pluralismo imperfeito democracias, e que vale a pena defendê-las. Nesta luta, a França é a capital.

Editorial do EL PAÍS, em 29.03.22

Chaves para as negociações entre Rússia e Ucrânia: o que cada país quer?

Os principais obstáculos ao diálogo de paz em Istambul são a integridade territorial e a soberania da Ucrânia. Moscou exige que Kiev desista da península da Crimeia e da região de Donbas


Trabalhadores de saúde ucranianos evacuam um refugiado ferido da cidade de Irpin, perto de Kiev, na segunda-feira passada. (Foto: ATEF SAFADI - EFE)

As delegações da Rússia e da Ucrânia iniciaram uma nova rodada de negociações presenciais em Istambul na terça-feira sob os auspícios do governo turco, após duas semanas de discussões por videoconferência. O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, pediu a ambas as equipes de negociação "uma paz justa" na qual, como afirmou, "não deve haver um perdedor". O objetivo fundamental deste novo diálogo entre assessores presidenciais russos e ucranianos é alcançar um cessar-fogo.No entanto, embora ambas as partes estejam dispostas a aproximar suas posições, um abismo continua separando as demandas do país invasor, a Rússia, das demandas que Kiev afirmou estar disposta a aceitar; especialmente em relação à exigência de que a Ucrânia reconheça a soberania russa sobre a Crimeia – que Moscou invadiu e anexou ilegalmente em 2014 – e a independência da região de Donbass. O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, resumiu a posição de seu país em relação a essa negociação com uma frase: "[Em troca da paz] não estamos dispostos a trocar pessoas, território ou soberania".

O que a Rússia exige para parar a guerra?

As principais exigências da Rússia para parar a guerra que começou há cinco semanas não mudaram substancialmente daquelas que o presidente Vladimir Putin listou pouco antes de lançar a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, confirmou o ministro das Relações Exteriores ucraniano Kuleba em uma entrevista com este diário . Essas exigências russas são, em primeiro lugar, que a Ucrânia aceite um status de neutralidade, ou seja, que renuncie à adesão à OTAN, e também a proteja ao inscrever esse compromisso em sua Constituição, que agora inclui o objetivo de ingressar na Aliança Atlântica. Segundo, que Kiev reconhece a península da Crimeia como território russo, que Moscou anexou há oito anos com um referendo realizado naquele território sob presença militar e não reconhecido pela comunidade internacional.

Outra reivindicação russa à Ucrânia é o reconhecimento de Donetsk e Lugansk, na área ucraniana oriental de Donbas, como estados independentes. Entre as reivindicações iniciais da Rússia estavam a "desnazificação" da Ucrânia -Putin sustenta que o governo e o exército daquele país são controlados por neonazistas e grupos de extrema direita-, a desmilitarização e a proteção da língua russa no ex-república soviética.

As principais condições da Ucrânia para um possível acordo de paz são três: a primeira é obter garantias de segurança. A segunda é o reconhecimento de sua integridade territorial dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas - que incluem a Crimeia e Donbas - e a terceira é um cessar-fogo e a retirada do Exército russo. Kiev também exige a abertura de corredores humanitários para evacuar a população das áreas sitiadas por tropas russas com o compromisso expresso de Moscou de que os civis em fuga não serão atacados.

O que a Ucrânia quer dizer quando pede garantias de segurança?

Em sua conversa com o EL PAÍS, o ministro Kuleba especificou que seu governo aspira a “algo semelhante” ao artigo 5º da OTAN; ou seja, um compromisso dos Estados que se tornam garantes da segurança da Ucrânia para defender o país se alguém o atacar. Kuleba explicou que essas garantias obrigariam "os países que oferecem suas garantias de segurança a fornecer à Ucrânia todas as armas necessárias dentro de 24 horas, a adotar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU exigindo parar a agressão e impor sanções". A delegação ucraniana disse na reunião de Istambul que essas garantias de segurança podem ser supervisionadas por Israel, Polônia, Canadá e Turquia em troca da renúncia à entrada na Aliança Atlântica.

Quais são os principais obstáculos para as negociações?

As questões sobre as quais as posições de Moscou e da Ucrânia continuam a ser mais inconciliáveis ​​são a questão territorial e os aspectos ligados à soberania nacional ucraniana. Em seu discurso televisionado no domingo, o presidente Zelensky enfatizou que deseja a paz, mas especificou que ambas as questões constituem linhas vermelhas para seu país: "A soberania e a integridade territorial da Ucrânia estão além de qualquer dúvida". Diante disso, a Rússia insiste em sua exigência de que a Ucrânia aceite o fato consumado de sua anexação unilateral da Crimeia em 2014 e reconheça a soberania russa sobre aquela parte de seu território. Moscou também exige que Kiev renuncie às regiões de Donetsk e Lugansk em Donbas, e reconheça as duas províncias dessa região ucraniana como estados independentes. Em 2014, logo após o referendo ilegal na Crimeia, separatistas pró-Rússia, apoiados pelo Kremlin, votaram em parte desses territórios para reivindicar a independência. Antes da invasão, Putin reconhecia-os como repúblicas, assumindo também a sua reivindicação sobre todo o Donbas (a área onde fica Mariupol, por exemplo), embora controlassem apenas um terço dele na altura.


Um residente caminha perto de um caminhão russo destruído na cidade de Trostianets, no nordeste, em 29 de março de 2022. - A Ucrânia disse em 26 de março de 2022 que suas forças haviam recapturado a cidade de Trostianets, perto da fronteira russa, uma das primeiras cidades a cair sob o controle de Moscou em sua invasão de um mês.  (Foto: FADEL SENNA/AFP)

Como se aproximam as posições da Ucrânia?

Zelensky reiterou que seu país está pronto para discutir um status neutro para seu país e se retirar da OTAN, pela última vez neste domingo, em entrevista a vários meios de comunicação independentes russos. No entanto, o presidente ucraniano condiciona essa discussão a uma retirada das tropas russas e que essa questão seja submetida a referendo, pois seria necessária uma mudança constitucional. Como fez ao longo de seu mandato, Zelensky insistiu em sua entrevista com a mídia russa – proibida para transmissão na Rússia – que Kiev não tem planos de recapturar todo o território de Donetsk e Lugansk pela força. O presidente ucraniano fez alusão a um "compromisso" em Donbass e deu a entender que aceitaria um retorno aostatus quo anterior à invasão; ou seja, uma retirada das forças russas para a linha de demarcação que, antes de 24 de fevereiro, separava a área de Donbas controlada por Moscou, através dos separatistas pró-russos, da área dominada pelo exército ucraniano.

E da Rússia?

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse na segunda-feira que vê um acordo entre a Rússia e a Ucrânia como "possível". Moscou poderia ter renunciado a algumas de suas demandas iniciais sobre a Ucrânia, especialmente em três aspectos: a desmilitarização do país, a proteção legal do russo —cerca de 30% dos ucranianos têm essa língua como língua materna— e o que Putin definiu como “desnazificação” , de acordo com o Financial Times,que afirma ter concordado com o projecto de cessar-fogo em que as delegações russa e ucraniana estão a trabalhar em Istambul. A Rússia também poderia estar disposta a aceitar a entrada da Ucrânia na União Europeia, sempre de acordo com o documento citado por aquele jornal. A Rússia anunciou na terça-feira sua decisão de reduzir "radicalmente" a atividade militar em torno da capital ucraniana, Kiev, e da cidade sitiada de Chernigov, no norte, após negociações realizadas em Istambul com a delegação ucraniana, segundo disse o vice-ministro da Defesa russo, Alexandr Fomin. a mídia.

Publicado originalmente por EL PAÍS. Direto de Madrid (Espanha), em 29.03.22

Ucrânia oferece à Rússia sua saída da OTAN em troca de garantias de segurança em seu território

Moscou garante que reduzirá "drasticamente" as operações militares nas áreas de Kiev e Chernihiv para avançar no diálogo

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan nesta terça-feira durante o encontro entre as delegações ucraniana e russa em Istambul. ( Foto: AFP)

A reunião entre as delegações russa e ucraniana, realizada na terça-feira em Istambul, terminou sem um acordo firme, mas com o progresso mais notável até o momento e uma clara mudança de tom. O lado russo definiu o diálogo como "construtivo" e representantes ucranianos chegaram a dizer que o que foi discutido na Turquia prepara as bases para um possível encontro entre os líderes dos dois países, embora Moscou prefira que os chanceleres assinem um acordo primeiro.

A equipe de negociação ucraniana do governo de Volodímir Zelenski afirmou que a Ucrânia selaria sua neutralidade e, portanto, se recusaria a ingressar na OTAN -como exige o presidente Vladimir Putin- desde que Kiev tenha garantias de segurança em seu território oferecidas por países terceiros. Pela primeira vez, o governo de Kiev também falou em negociar a situação na Crimeia - que Moscou anexou em um referendo ilegal em 2014 - embora dentro de um período de 15 anos e falando sobre o status da região de Donbas, mas em uma reunião entre Zelensky e Putin que parecem mais próximos agora.

Por sua vez, o vice-ministro da Defesa russo, Alexander Fomin, anunciou que, para avançar no diálogo e "aumentar a confiança mútua", Moscou decidiu "reduzir drasticamente as operações militares" nas áreas de Kiev e Chernihiv. Representantes do governo de Kiev e seus aliados ocidentais receberam o anúncio com ceticismo, temendo que pudesse ser uma tática de Moscou para se reorganizar diante de sua falta de progresso e quando suas tropas estão paralisadas em muitas frentes e enfrentam contra-ofensivas ucranianas.

Os negociadores enviados por Kiev - representantes do governo, parlamentares e militares liderados por David Arajamia, presidente do grupo majoritário no Parlamento ucraniano - apresentaram uma moção que está agora na mesa da Rússia para avaliação. A principal proposta da Ucrânia envolve sua “neutralidade” militar – que inclui a recusa em aderir à OTAN, estabelecer bases militares estrangeiras em seu território e desenvolver armas nucleares – em troca de um tratado de garantia. Esse tratado teria que ser certificado nos Parlamentos e em uma cúpula internacional na qual seriam designados os países garantidores.

O acordo funcionaria como uma versão adaptada do artigo 5º da carta da OTAN sobre defesa mútua: em caso de agressão ao território ucraniano, esses países - após um período de consulta de três dias - teriam a obrigação de enviar armas, material de defesa ou até mesmo forçar uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia. Entre os países que a Ucrânia propôs estão Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Israel, Polônia e Turquia, embora ainda não tenha fechado negociações com seus respectivos governos.

A península da Crimeia e a área de Donbas, que Moscou controla por meio dos separatistas pró-Rússia, seriam excluídas dessa proteção.. A Ucrânia deixou claro que ainda considera suas fronteiras reconhecidas internacionalmente – isto é, incluindo Donbas e Crimeia – mas promete não tentar recapturar partes controladas pelo Kremlin à força. No final da reunião, o assessor presidencial ucraniano, Mijaílo Podoliak, explicou à imprensa que Kiev sugere dar a ambos os governos um prazo de 15 anos para negociar seu status. Em relação a Donbas, por outro lado, disse que a situação é "diferente". O acordo com o compromisso de "neutralidade" também deve passar por referendo na Ucrânia, já que exige uma mudança constitucional para retocar o artigo que marca a adesão à OTAN como meta.

O Reino Unido, por meio de Downing Street, apontou que vê "alguma redução" nas forças russas ao redor da capital, embora Washington veja isso mais como uma "realocação e não uma retirada". Após a mesa de diálogo em Istambul, o principal negociador de Moscou, Vladimir Medinski, ressaltou que a anunciada redução da ofensiva em torno de Kiev e Chernihiv não representa um cessar-fogo. Ainda há "um longo caminho a percorrer" para chegar a um acordo mútuo com a Ucrânia, disse ele em entrevista à agência estatal TASS. Na sexta-feira, o Ministério da Defesa russo anunciou que concentraria sua ofensiva em Donbas, no leste da Ucrânia, embora pouco depois de ter lançado ataques em áreas no oeste do país.

Mediação da Turquia

A reunião começou às 9h30, hora local (uma hora a menos na Espanha continental), com uma recepção do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que exortou ambas as delegações a cumprir sua “missão histórica” para alcançar “uma paz justa”. para ambas as partes. Depois de uma hora e meia de encontro entre os chefes de delegação russos e ucranianos, todas as equipes de negociação (incluindo representantes do governo, parlamentares e militares) se reuniram por mais três horas, com intervalos.

Inicialmente, a reunião estava programada para continuar na quarta-feira, mas dada a apresentação da proposta ucraniana, ambas as delegações voltaram para casa para continuar as consultas com seus respectivos governos. O chefe da diplomacia turca, Mevlüt Çavosuglu, expressou sua esperança de que a próxima reunião possa ocorrer entre os chanceleres, com a intenção de que saiam da reunião com um acordo assinado.

Uma fotografia mostra edifícios destruídos em Kharkiv em 29 de março de 2022, destruídos por bombardeios de tropas russas, no 34º dia da invasão russa da Ucrânia.  - A Ucrânia está pedindo um "acordo internacional" para garantir sua segurança, que seria assinado por vários países garantidores, disse em 29 de março de 2022 o negociador-chefe ucraniano após várias horas de conversas russo-ucranianas em Istambul.  (Foto de Sergey BOBOK/AFP)

O 34º dia da invasão russa

Antes das negociações, Erdogan exortou os representantes de Kiev e Moscou a agir "com responsabilidade" e concordar com um cessar-fogo. “Estou certo de que um cessar-fogo permanente pode ser alcançado”, disse o presidente turco em discurso dirigido a delegados de ambos os partidos no Gabinete Presidencial do Palácio Dolmabahçe, em Istambul, segundo a agência de notícias Efe. “Acreditamos que não há perdedores em uma paz justa e equitativa. A continuação da guerra não é do agrado de nenhuma das partes e um cessar-fogo imediato beneficiaria a todos”, sublinhou o presidente turco no seu discurso televisionado.

Aludindo implicitamente aos combates diários desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro , Erdogan considerou que havia chegado a hora de o fogo cessar "o mais rápido possível". "Todo mundo está esperando as boas notícias de você", ele insistiu depois de relembrar seus esforços de mediação.

Até agora, os dois lados se encontraram pessoalmente três vezes em território bielorrusso, enquanto no dia 10 os ministros das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, e da Ucrânia, Dmitro Kuleba, se reuniram sem sucesso em Antália . Desde então, as negociações ocorrem quase que diariamente em formato de videoconferência entre delegações e grupos de trabalho.

A mudança de local para as negociações pela Turquia, algo que o lado ucraniano havia buscado devido ao crescente envolvimento da Bielorrússia na campanha de guerra russa, foi decidida no fim de semana após vários esforços turcos. Erdogan telefonou para Zelensky na sexta-feira, certificando depois que houve "progresso" nas posições de negociação. No domingo, ele conversou por telefone com Putin, a quem convenceu a transferir as negociações para Istambul.

A Turquia, apesar de ser um dos membros mais antigos da OTAN, é o único país da Aliança que não apoiou as sanções contra a Rússia. “Não podemos quebrar as pontes com Moscou, senão quem falará com eles? Decidimos manter os canais abertos”, disse o porta-voz presidencial turco na segunda-feira.

ANDRÉS MOURENZA e  MARIA R. SAHUQUILLO, de Istambul Turquia) e  Odessa (Ucrânia) para o EL PAÍS, em 29 DE MARÇO DE 2022 - 14:36Atualizada:29 DE MARÇO DE 2022 - 16:01 CEST. 

O inferno são os outros

Bolsonaro anuncia que eleição será ‘luta do bem contra o mal’. Poucos ilustram de modo tão preciso o conceito bolsonarista de ‘bem’ como Collor e Valdemar Costa Neto

No domingo passado, o presidente Jair Bolsonaro lançou ilegalmente a sua campanha pela reeleição durante um ato político-partidário em Brasília. O evento, organizado pelo PL e financiado com recursos públicos do fundo partidário, teve a forma de um comício e os discursos de um comício. E comícios, como determina a Lei Eleitoral, só estão autorizados a partir do dia 16 de agosto.

Mas, por incrível que pareça, o inequívoco ato de campanha antecipada foi o que menos chamou a atenção naquela festa fora de hora. Afinal, todos sabem que Bolsonaro jamais desceu do palanque após a posse e governa, por assim dizer, calculando o potencial de seus atos e palavras para atrair ou repelir eleitores, não para melhorar as condições de vida de todos os brasileiros.

O que merece destaque é o tom do discurso do presidente no evento, indicativo do que será a tônica de sua campanha. No palco, ao lado de familiares, ministros de Estado e aliados da estirpe de Valdemar Costa Neto e Fernando Collor de Mello, Bolsonaro classificou a eleição presidencial deste ano como uma “batalha espiritual”, uma “luta do bem contra o mal”, sendo ele, naturalmente, a encarnação do “bem”.

O que está em jogo em 2022 são questões bem mais terrenas, para as quais Bolsonaro tem poucas respostas a oferecer. Entende-se, portanto, que, para um incumbente que não tem realizações positivas para apresentar aos eleitores que justifiquem a sua recondução ao cargo – ao contrário, há muitos erros a escamotear –, só resta o recurso à narrativa sobrenatural, tratando todos os muitos milhões de brasileiros que não votam em Bolsonaro como se fossem a encarnação do demônio.

Já do lado do “bem”, segundo Bolsonaro, estão ninguém menos que Valdemar Costa Neto e Fernando Collor de Mello. O primeiro, chefão do PL, partido pelo qual Bolsonaro escolheu concorrer à reeleição, é uma das figuras mais proeminentes do escândalo do mensalão petista, tendo sido condenado e preso pelo crime de corrupção; o segundo, ex-presidente da República, brilha com vergonhoso destaque na história brasileira por ter sofrido impeachment em razão de um escândalo de corrupção.

O elástico conceito bolsonarista de “bem” ignora as suspeitas de “rachadinha” que recaem sobre o presidente e seus filhos Flávio e Carlos Bolsonaro. Ignora também o escândalo de corrupção envolvendo a aquisição de vacinas em meio à maior tragédia sanitária que já se abateu sobre o País. 

E o que dizer dos pastores evangélicos que se aninharam no Ministério da Educação, sob o beneplácito do ministro Milton Ribeiro e, ao que parece, do próprio presidente da República, para traficar influência e pedir propina para facilitar o acesso de prefeitos aos recursos do orçamento para a educação? É esse o “bem” que Bolsonaro afirma representar?

No comício em Brasília, Bolsonaro, ademais, classificou como “um velho amigo” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Afirmou ter citado seu nome no voto pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff por um “dever de consciência”. Ou seja, o mesmo Bolsonaro que se apresenta ao País como a encarnação do “bem” é o indivíduo que diz ter uma dívida de consciência com um dos mais notórios torturadores da ditadura militar, o que diz muito sobre sua alma.

Por fim, seria o triunfo do “bem” sobre o “mal” a reeleição de um presidente que admite, sem meias-palavras, ter engulhos por ter de cumprir a Constituição? É claro que não.

O bem que o País precisa é o resgate da política como o meio mais eficiente para a concertação pacífica dos interesses da sociedade. É o respeito às leis e à Constituição. É a união dos brasileiros como povo, não como membros de facções irreconciliáveis. É a defesa do meio ambiente. É a valorização da verdade factual e o respeito à liberdade de imprensa. É a superação da irresponsabilidade demagógica e a retomada do diálogo, da confiança e do respeito mínimo entre os cidadãos, mesmo os divergentes. O bem só terá chance de triunfar, portanto, se Bolsonaro for derrotado.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.03.22

Datafolha: 53% dos brasileiros acham que corrupção irá aumentar nos próximos meses

Outros 17% dos entrevistados acham que os casos de corrupção vão diminuir, e 26% entendem que o cenário não se modificará.

Pesquisa do Instituto Datafolha publicada nesta terça-feira (29) no jornal "Folha de S.Paulo" mostra que 53% dos brasileiros acham que a corrupção vai aumentar daqui para a frente. Segundo o jornal, na pesquisa anterior, de dezembro de 2021, este número era de 36%. Outros 17% ouvidos na pesquisa mais recente acham que os casos de corrupção vão diminuir, e 26% entendem que o cenário não se modificará. 4% não sabem.

Feita na terça (22) e quarta-feira (23), a pesquisa, que ouviu 2.556 pessoas acima de 16 anos, em 181 cidades de todo o país, foi realizada em meio às denúncias que atingem o Ministério da Educação, até então sob comando de Milton Ribeiro, que deixou o cargo nesta segunda-feira (28). Em um áudio revelado no início da semana passada, o ministro diz que, a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL), repassava verbas do ministério para municípios indicados pelos pastores.

A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou menos.

De acordo com o jornal "Folha de S.Paulo", o índice de agora mostra uma alta do pessimismo do brasileiro em relação ao levantamento de dezembro de 2021, mas ainda distante do pico alcançado em março daquele ano, quando 67% dos entrevistados achavam, na ocasião, que a corrupção aumentaria. Na mesma pesquisa, de março, 8% achavam que a corrupção iria reduzir (menor índice).

Os resultados:

Corrupção vai aumentar: 53% (36% em dezembro de 2021, 61% em setembro, 56% em julho e 67% em março)

Corrupção vai diminuir: 17% (30% em dezembro de 2021, 11% em setembro, 13% em julho e 8% em março)

Corrupção vai ficar como está: 26% (29% em dezembro de 2021, 24% em setembro, 26% em julho e 23% em março)

Não sabem: 4% (4% em dezembro de 2021, 3% em setembro, 5% em julho e 3% em março)

Segundo o Datafolha, a expectativa do aumento de corrupção é maior entre os que ganham até dois salários mínimos e os quem têm ensino fundamental, 59%; e entre as mulheres, 58%. É menor entre os que recebem mais de dez salários: 38%.

A expectativa de redução na corrupção é superior entre homens, 20%; quem tem ensino superior, 20%; e pessoas com renda acima de dez salários, 26%.

Publicado originalmente por g1 - São Paulo, em 29.03.22

Prévias têm a sua validade, mas não são uma corrente', diz Leite, do PSDB

Governador do RS, que perdeu as prévias do partido para João Doria, se diz disposto a ser candidato a presidente da República.


Eduardo Leite: Prévias não são uma 'corrente' para que o partido se mantenha amarrado

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, disse, nesta terça-feira (29), que as prévias do PSDB para definir o pré-candidato à presidência da legenda nas eleições de 2022 – vencidas pelo governador de São Paulo, João Doria – "não são uma corrente" para a legenda.

Leite lembrou ainda uma declaração de Doria em fevereiro, quando o governador de SP afirmou estar disposto a apoiar outro nome na disputa presidencial.

"Se lá adiante tiver que fazer algum gesto em relação a outra candidatura, ele [Doria] fará. Ele disse isso em um evento", disse o governador do RS. "As prévias têm sua validade, mas não são uma corrente que o partido tenha para ficar amarrado."

Na segunda-feira (28), o governador do Rio Grande do Sul anunciou a renúncia ao cargo – passo necessário para concorrer a outro posto nas eleições de 2022. Na ocasião, ele anunciou também que permaneceria no PSDB, descartando uma ida para o PSD.

"Se eu quero ajudar o Brasil, quero ajudar a mudar o meu partido antes disso. Foi uma conversa amistosa [com Gilberto Kassab, presidente do partido]. Nos encontramos na sexta e falamos ao telefone no domingo. Ele foi muito correto comingo. O sentimento é o mesmo: de buscar uma alternativa para o Brasil", disse Leite.

FHC defende prévias; Doria falou em 'golpe'

No sábado (27), o governador paulista João Doria chamou de "golpe" qualquer tentativa de colocá-lo como candidato à presidência pelo partido e relembrou das prévias.

"Diante de prévias realizadas com o amparo da Justiça Eleitoral, com investimentos também registrado na Justiça Eleitoral - foram R$ 10 milhões investidos para que o partido fizesse suas prévias – as prévias valem. Qualquer outro sentimento diferente disso é golpe", afirmou Doria.

Sem mencionar Leite, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse na segunda que as prévias do partido devem ser respeitadas.

Quem é Eduardo Leite

Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite tem 37 anos e é natural de Pelotas, no Sul do RS.

O político foi eleito vereador de Pelotas em 2008. Quatro anos depois, Leite foi eleito prefeito da cidade, com 57% dos votos válidos no segundo turno.

O então prefeito não concorreu à reeleição em 2016, voltando à cena política em 2018, quando anunciou sua candidatura ao governo do estado. Após receber quase 36% dos votos no primeiro turno, Leite venceu o governador José Ivo Sartori (MDB) no segundo turno, com quase 54%.

Mesmo tendo declarado voto em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Eduardo Leite passou a criticar o presidente, sobretudo durante a pandemia.

"Foi um erro colocar Bolsonaro no poder. Está cada vez mais claro que é um erro mantê-lo lá", escreveu em setembro de 2021.

Meses antes, em julho, Leite falou publicamente sobre sua homossexualidade pela primeira vez. Em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, o governador afirmou sofrer ataques e piadas de adversários por sua orientação sexual, mas disse que não tinha nada a esconder.

"Eu sou gay. E sou um governador gay, não sou um gay governador", disse a Bial.

Diante da repercussão, Leite usou as redes sociais para agradecer as manifestações de apoio que recebeu. No Ano Novo de 2022, o governador postou seu primeiro registro ao lado do namorado, o médico Thalis Bolzan.

Publicado originalmente por g1 RS, em 29.03.22.

Bolsonaro entregar MEC ao Centrão seria uma 'vergonha', diz Malafaia

O pastor Silas Malafaia, uma das lideranças evangélicas mais influentes do país, classificou como uma "vergonha" a possibilidade de o comando do Ministério da Educação ser entregue a um indicado do Centrão.

Malafaia defende Bolsonaro, mas afirma: 'Eu não posso colocar a mão no fogo nem por filho meu' (,MAURO PIMENTEL/AFP VIA GETTY IMAGES)

A entrevista foi concedida na segunda-feira (28/03), horas depois de outro pastor, Milton Ribeiro, ter sido exonerado do cargo em meio ao agravamento da crise gerada após a publicação de reportagens sobre a atuação de dois pastores que estariam cobrando propina de prefeitos em troca de acesso ao agora ex-ministro e liberação de verbas da Educação.

Segundo as reportagens veiculadas pelos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Folha de S. Paulo", dois pastores estariam cobrando até R$ 15 mil para garantir a liberação de verbas. Um áudio divulgado na semana passada mostra Milton Ribeiro afirmando que, entre suas prioridades, estaria atender pessoas próximas a um dos pastores que faziam parte de uma espécie de "gabinete paralelo" do MEC.

Em sua defesa, Milton Ribeiro negou qualquer irregularidade e disse que pediu, ainda no ano passado, que a Controladoria-Geral da União (CGU) investigasse o caso. O pedido foi confirmado pelo órgão.

Na quinta-feira (24/03), o presidente Jair Bolsonaro (PL) demonstrou apoio a Ribeiro afirmando que colocaria sua "cara no fogo" pelo ministro, mas na segunda-feira o presidente assinou a exoneração de Milton Ribeiro, que havia pedido o seu desligamento da pasta em uma carta.

Nos últimos dias, Malafaia criticou Ribeiro e chegou a pedir a sua exoneração ao mesmo tempo em que defendia o presidente Jair Bolsonaro, de quem é aliado.

À BBC News Brasil, Malafaia disse que o caso não afetará o mundo evangélico, que Bolsonaro deverá obter pelo menos 60% dos votos evangélicos nestas eleições e que a bancada religiosa irá aumentar em relação a 2018. Malafaia disse, ainda, acreditar na honestidade de Bolsonaro, mas questionado sobre se colocaria a "mão no fogo" pelo presidente, hesitou.

"Eu não posso colocar a mão no fogo nem por filho meu. Já disse para você: eu não tenho atributos da onisciência e onipresença. Mas eu acredito no presidente", afirmou.

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Quão prejudicial o caso envolvendo o agora ex-ministro Milton Ribeiro é para a comunidade evangélica?

Silas Malafaia - Seria prejudicial se nós encobríssemos ou protegêssemos o ministro e os pastores envolvidos. Se a gente se omite e se cala, quem cala consente. Quem fica quieto é permissivo. Mas dentro do momento, nós nos posicionamos. Queremos uma investigação total. Somos mais de 200 mil pastores e não vamos receber pecha de corrupto por causa de dois caras. Num primeiro momento, nós somos questionados. A instituição "pastor" é questionada, mas nós tivemos uma voz muito forte. Queremos uma investigação. Gente ruim e corrupta tem em todo lugar e nós não somos isentos nesse negócio.

BBC News Brasil - O senhor acha que o presidente Jair Bolsonaro demorou para decidir pela exoneração de Milton Ribeiro?

Malafaia - Eu acho que no primeiro momento, quando o caso veio à tona, acho que o presidente precisava se posicionar e dar uma palavra. Convocar a imprensa e dizer: 'Recomendar alguém para um ministro atender não significa que o ministro tem que fazer o que esse alguém está pedindo'. Isso é republicano. Eu não acho que o problema é o presidente mandar o ministro receber alguém. Eu só acho que o presidente podia rapidamente esclarecer e afastar o ministro.

BBC News Brasil - Na quinta-feira (24/03), o presidente Bolsonaro disse que colocaria a cara dele no fogo pelo ministro Milton Ribeiro. O senhor acha que ele errou nessa declaração?

Malafaia - De zero a dez, eu dou oito para acreditar que o ministro não esteja envolvido em nada. Eu não dou dez que eu não boto a mão no fogo nem por filho, porque o ser humano é de uma complexidade enorme e eu não tenho atributos divinos de onipresença e onisciência.

Essa força de expressão é pra dizer que acredita na inocência dele. Eu também acredito. Não vou dizer que acredito 100%, porque eu não sei, mas vou dizer que, na dúvida, eu dou credibilidade a ele. Mas queremos uma investigação profunda - seja sobre ele, seja sobre os pastores. Eu não acho que você 'botar a mão no fogo' por alguém o isenta de alguma coisa. Essa força de expressão do presidente, de dizer que confia no Milton, é uma força de expressão exagerada porque ele poderia dizer: 'Olha, por enquanto eu confio no Milton, até que me provem o contrário'.

BBC News Brasil- Aproveitando essa figura de linguagem, o senhor coloca sua mão no fogo pelo presidente Jair Bolsonaro?

Malafaia - Eu não posso colocar a mão no fogo nem por filho meu. Já disse para você: eu não tenho atributos da divindade de onisciência e onipresença. Eu acredito no presidente. Pelo histórico dele. Por que o presidente iria se sujar com um negócio de dois pastores? Isso aí não tem cabimento. Isso é tentativa do PT de jogar lama no presidente. Não tem cabimento.

BBC News Brasil- O áudio do agora ex-ministro Milton Ribeiro é muito claro. Ele diz o seguinte: Minha prioridade é atender os municípios que mais precisam e em segundo lugar os amigos do pastor Gilmar porque esse foi um pedido do presidente. Aí não há nenhuma menção a uma simples apresentação (dos pastores ao ministro). Ele diz que a priorização seria um pedido do presidente...

Malafaia - Entre a fala do ministro e a fala do presidente tem uma distância daqui para a China. Entre o que o ministro está falando e o que o presidente falou... o camarada quer chegar na frente do outro para poder fazer graça... [...] O presidente eu conheço como é. Eu duvido que ele tenha dito: 'Olha, dá prioridade aí para o que o Gilmar quer'. Se o presidente disse isso, eu mudo de nome.

BBC News Brasil- Considerando a proximidade que ocorre neste governo entre o governo e a comunidade evangélica, o senhor acha que essa aproximação se deu da forma adequada? O senhor acha adequado que haja pastores formando a agenda para ministros de Estado?

Malafaia - Eu não acho nada demais. O pastor é um cidadão como qualquer outro. Assim como o governo Lula recebia sindicalista de tudo que é lugar porque era o segmento mais afeito a eles. Eu não acho nada demais. O que eu acho demais é pastor ser lobista. Isso é que é demais. O pastor deixou de ser cidadão porque é pastor? Claro que não. Agora, pastor se usar disso para fazer lobby é uma vergonha.

BBC News Brasil- A pesquisa mais recente do Datafolha indica que o eleitorado evangélico está dividido: 37% por cento com Bolsonaro e 34% por cento com Lula. Por que, na sua avaliação, o eleitorado evangélico está dividido entre esses dois candidatos?

Malafaia - Para mim, a pesquisa é mentirosa e eu vou provar. A revista Exame mostrou Bolsonaro com 53% e Lula com 30% e alguma coisinha. [Nota: os dados exatos da pesquisa Exame/IDEA sobre eleitorado evangélico são: 54% para Bolsonaro e 21% para Lula]. Eu posso não entender de outros segmentos, mas de mundo evangélico eu entendo. Eu mudo de nome: 'Bolsonaro tem no mínimo 60% do povo evangélico' [...] Eu conheço os 100 maiores líderes evangélicos desse país. Eu quero saber qual deles está dando apoio a Lula. Não conheço nenhum.

BBC News Brasil- Para o senhor, sempre fica muito claro que é quase incompatível para um evangélico ser de esquerda ou votar na esquerda. Por quê?

Malafaia - Bem. Existe uma coisa que são os fundamentos do Evangelho e isso é inegociável. Por exemplo: aborto, casamento com pessoas do mesmo sexo. É princípio. É fundamento. Deus fez macho e fêmea. Como é que eu posso apoiar alguém que defende o aborto?

BBC News Brasil- Mas as discussões em torno do aborto e em torno dos direitos às minorias como LGBT sempre estiveram presentes dentro do PT e mesmo assim em 2002 e 2006 o senhor apoiou o candidato o então candidato Lula...

Malafaia - O PT nunca mostrou isso bem claro lá atrás. Isso começou nos debates a partir de 2006, no Congresso Nacional. Foi lá que o PT mostrou. Eu apoiei Lula e nunca escondi isso. Eu acreditava que Lula podia resgatar o país, porque ele veio de um lugar de gente pobre, ele veio do Nordeste. Eu acreditava nisso, amigo. Apoiei ele em 2002, em 2006, não. [Nota: em seu próprio perfil no Twitter, Malafaia admite que apoiou o petista em 2006]. Participei do conselho de Lula e, quando eu vi a diferença entre o discurso e a prática, eu pedi pra sair. Então o PT botou as unhas de fora sobre essas questões a partir de 2006. Antigamente, estavam calados. Não falavam de aborto e nem diziam nada sobre casamento gay. Então essa conversa não me pega. Quando eu descobri a diferença entre discurso e prática, eu caí fora. Porque, meu amigo: apoiar alguém não é problema. Se manter no erro é que é problema.

BBC News Brasil- Mas como é possível acreditar que esse apoio que o senhor e outras lideranças do mundo evangélico dão para o presidente Bolsonaro apoio genuíno quando consideramos que no ano passado, com o aval do presidente, o governo anistiou R$ 1,4 bilhão em dívidas de igrejas, muitas delas evangélicas?

Malafaia - Nós temos direito constitucional de imunidade tributária. O governo não fez favor nenhum para a gente. Lula nunca teve nenhuma atitude em relação à Igreja, à religião. O governo Dilma teve um secretário da Receita que começou a colocar pegadinhas para tentar nos ferrar.

BBC News Brasil- De qualquer forma, o que ocorreu é que no ano passado, com aval do presidente, houve essa anistia...

Malafaia - Anistia porcaria nenhuma. Direito que vocês da imprensa não investigam para mostrar isso com transparência [...] E outra... não saiu do presidente (a anistia). Foi no Congresso Nacional. O Congresso Nacional reconhece a imunidade tributária da instituição.

BBC News Brasil- Agora que o ministro Milton Ribeiro está fora, o senhor acredita que esse cargo tem que ser preenchido por alguém ligado à comunidade evangélica? O senhor teme que o Centrão ocupe esse cargo?

Malafaia - Na minha opinião seria uma falta de ética monstruosa se algum líder evangélico viesse a indicar outro ministro. Em primeiro lugar, Milton não foi indicado por nenhum de nós. Milton não é indicação da bancada evangélica nem de liderança evangélica. Quero deixar isso aqui bem claro. E nós não estamos indicando ninguém. Isso é uma questão do presidente. E se algum líder evangélico abrir a boca, com todo o respeito: é uma vergonha. Nem que o presidente me perguntasse, eu diria: 'Eu não tenho nenhum nome para ajudar'

BBC News Brasil- Mas em relação à possibilidade de o Centrão ocupar esse cargo. Como o senhor vê isso?

Malafaia - Me diz uma estatal que o Centrão nomeou... Quem? Dos ministérios de verbas bilionárias, quem é que está lá do Centrão?

BBC News Brasil- O FNDE está com Centrão. O FNDE tem um orçamento de R$ 64 bilhões...[Nota: o presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação é Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, um dos líderes do Centrão].

Malafaia - Com todo o respeito, não foi entregue nada agora. É só ver a nomeação dos caras. Então, essa não vale.

BBC News Brasil- Mas como o senhor avaliaria se esse cargo fosse entregue a um indicado do Centrão?

Malafaia - Não acredito que o presidente vai fazer isso, mas já que você quer uma conjectura: se o presidente fizer isso, ia ser uma vergonha. Estaria indo contra aquilo tudo que ele falou [...] Se o presidente entregar o MEC ao Centrão, aí você pode dizer que o presidente se rendeu a eles.

BBC News Brasil- O senhor teme que esse caso no Ministério da Educação tenha o mesmo impacto que o caso da Máfia das Sanguessugas, em 2006, que resultou em uma redução de 50% na bancada evangélica no Congresso na época? [Nota: a Máfia das Sanguessugas foi um caso de corrupção que veio à tona em 2006 e que consistia no direcionamento de licitações para a compra de ambulâncias com dinheiro repassado por emendas parlamentares. Entre os condenados, havia pastores evangélicos].

Malafaia - Em primeiro lugar, estamos falando de dois pastores que não estão nem entre os 100 maiores líderes evangélicos desse país. Isso não diz nada. O mundo evangélico sabe quem é quem no nosso meio. Você está falando da Máfia das Sanguessugas, mas tinha um monte de gente envolvida e eu queria informar para você que no governo Dilma também tinha evangélicos próximos. Então, não vão ser dois pastores que vão jogar na lama mais de 200 mil. A bancada evangélica vai aumentar. Isso não é motivo para diminuir a bancada. Não tem deputado evangélico envolvido nesse negócio até aqui. E se tiver, que venha à tona, por favor, para o nosso povo não eleger esses caras.

Leandro Prazeres, de Brasília - DF para a BBC News Brasil, em 29.03.22

segunda-feira, 28 de março de 2022

Eduardo Leite anuncia renúncia ao Governo do RS e sugere atuar nas eleições a presidente

Governador decide permanecer no PSDB e recusa convite do PSD para disputar o Planalto

Em vídeo para as redes sociais, Leite afirmou que vai "renunciar ao poder para não renunciar à política". "Preciso participar ativamente desse momento tão decisivo do nosso país e no meu estado", completou, ressaltando que irá viajar pelo país e falar com jovens.

Ao anunciar que permanece no PSDB e renuncia ao Governo do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite afirmou nesta segunda-feira (28) que está se apresentando ao país em eleições que considera críticas e que se vê em condições de ser candidato ao Planalto.

O PSDB, no entanto, já escolheu o governador de São Paulo, João Doria, como presidenciável da sigla, em prévias que Leite perdeu em novembro passado.

Por isso, em entrevista à imprensa, Leite não disse de modo explícito que pretende ser candidato no lugar de Doria, mas deixou claro que é uma opção para o PSDB e os demais partidos da terceira via, sobretudo MDB e União Brasil —as três siglas acertaram que irão apresentar uma candidatura única.

"Eu estou me apresentando para dar essa colaboração, para que a gente viabilize uma alternativa para o país, para que a gente promova a união do centro democrático", disse.


O governador Eduardo Leite (PSDB-RS) durante entrevista em que anunciou renúncia e permanência no PSDB - Gustavo Mansur/Palácio Piratini

O gaúcho afirmou que "muita gente acredita" que ele deve estar na liderança e disse se sentir preparado para concorrer, além de ter vontade e disposição de contribuir num projeto nacional.

Leite afirmou ainda que não está desrespeitando as prévias e disse que telefonou para Doria e teve uma conversa amigável. "As prévias são referência, são legítimas, mas não esgotam a discussão", disse.

Como revelou a Folha, o governador gaúcho decidiu não aceitar o convite do PSD de Gilberto Kassab para ser candidato a presidente da República, mas deixará o Palácio Piratini até dia 2 de abril, prazo legal, para tentar viabilizar sua candidatura ao Planalto pelo PSDB e como representante da terceira via.

Na última pesquisa do Datafolha, divulgada na semana passada, Leite apareceu com 1% as intenções de voto no cenário em que ele substitui Doria como candidato. O governador paulista marca 2%.

No evento, Leite evitou definir seu futuro político e não descartou concorrer ao Legislativo ou à reeleição, caso o caminho para o Planalto não se viabilize. "A renúncia me abre muitas possibilidades e não me retira nenhuma. [...] Estarei onde eu melhor puder ajudar", disse.

Aliados de Leite no PSDB, liderados pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG), trabalham para que o nome do gaúcho seja chancelado por outros partidos da terceira via, sob o argumento de que ele seria um candidato mais viável que Doria.

A aposta é a de que Doria não deve decolar nas pesquisas até o meio do ano, o que levaria o PSDB a buscar alternativas. Como mostrou o Painel, o plano é que Leite viaje pelo país e inicie sua pré-campanha.

Leite endossou essa tese ao dizer que a política é dinâmica e que a escolha de um presidenciável não depende apenas das prévias, mas "de novos atores que se envolvem", referindo-se aos partidos aliados. Como a Folha mostrou, porém, o gaúcho enfrenta resistência mesmo nessas siglas.

Ele disse que, ao se apresentar, não quer dispersar candidaturas, mas, ao contrário, unificá-las. E também afirmou "não querer passar por cima de ninguém".

Aliados de Doria, porém, rechaçam a troca da candidatura, argumentando que as prévias foram um processo legítimo registrado na Justiça Eleitoral. Neste domingo (27), Doria afirmou que desrespeitar as prévias seria um golpe.

"As prévias valem. Qualquer outro sentimento diferente disso é golpe. Uma tentativa torpe, vil, de corroer a democracia e fragilizar o PSDB", disse.

O governador também retuitou uma mensagem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). "As prévias do PSDB foram realizadas democraticamente. Assim sendo, penso que devem ser respeitadas", publicou FHC nesta segunda.

Respondendo a jornalistas, Leite minimizou a pecha de golpista. Ele resgatou uma fala de Doria em que o paulista admite retirar sua candidatura em nome de união na terceira via para afirmar que ambos estão com o mesmo propósito.

​"Ninguém está desrespeitando prévias. O próprio governador João Doria já manifestou essa disposição de buscar entendimento, convergência, de eventualmente à frente, se houver entendimento de que outro nome possa reunir essa capacidade eleitoral, de fazer esse gesto. Estamos todos com o mesmo sentimento", disse.

Leite voltou a dizer que é importante avaliar não só a intenção de votos, mas também quem tem menor rejeição, cenário que o favorece em relação a Doria.

O governador disse que a forma de viabilizar as viagens ainda deve ser definida.

"A minha escolha impacta bem mais do que a minha vida, [...] e por isso foi tão ponderada, tão demorada e tão difícil", disse. No vídeo, ele exalta a mudança geracional e líderes mundiais jovens. Também defendeu a diversidade.

O PSDB exaltou a decisão de Leite de permanecer no partido e elogiou seu governo. "Com diálogo, entendimento e coerência política, soube equacionar problemas gravíssimos que duravam décadas", afirmou em nota.

Durante meses, Leite chegou a conversar com o PSD e ensaiar uma migração, vendo aliados como os secretários estaduais Agostinho Meirelles e a ex-senadora Ana Amélia Lemos se filiando ao partido. Por fim, decidiu permanecer no partido pelo qual se elegeu vereador e prefeito em Pelotas e governador em 2018.

Na entrevista, Leite agradeceu a confiança e a sensibilidade de Kassab. Afirmou que, se estivesse pensando em projeto pessoal e não coletivo, o PSD seria um caminho fácil para a candidatura nacional.

Leite foi convencido por aliados tucanos de que sua candidatura no PSD seria isolada, sem a coligação com siglas aliadas, e pressionada por membros da sigla aliados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) ou ao ex-presidente Lula (PT).

Depois de tentar lançar Leite e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) sem sucesso, agora Kassab mira no ex-governador Paulo Hartung (ES) como nome do partido para o Planalto.

O próprio Leite divulgou em suas redes sociais a carta em que líderes do PSDB, como os senadores José Serra (SP) e Tasso Jereissati (CE), o presidente nacional, Bruno Araújo, e até aliados de Doria pediam que reconsiderasse a filiação, dizendo que não poderiam perdê-lo.

Crítico da reeleição, o governador já havia prometido não concorrer a um segundo mandato, apesar de pedidos de aliados para reconsiderar. Ele afirmou que sua posição se mantém.

No entanto, encontrar um nome para a sucessão de sua gestão e definir a costura política entre partidos da base tem se mostrado difícil. Enquanto Leite pontua bem nas pesquisas estaduais, seus indicados não.

Na entrevista, Leite defendeu o nome de seu vice, Ranolfo Vieira Júnior, que trocou o PTB pelo PSDB depois de críticas de Roberto Jefferson à gestão, como seu candidato no estado. "O PSDB tem um grande nome para continuar liderando esse projeto", disse.

Também afirmou que vai buscar convergência com o MDB, partido da sua base que apresentou o nome do deputado Gabriel Souza para o Governo do Rio Grande do Sul.

Nascido em Pelotas, Leite foi eleito vereador na cidade natal aos 23 anos, sendo ainda secretário municipal e presidente da Câmara.

Em 2012, foi eleito prefeito, aos 27. Ao fim do mandato, com aprovação alta e abrindo mão da reeleição, conseguiu eleger sua vice, Paula Mascarenhas.

Em 2018, ele chegou ao segundo turno da disputa para o governo gaúcho contra o então mandatário José Ivo Sartori (MDB) —o Rio Grande do Sul nunca reelegeu um governador. Foi eleito com 53,6% dos votos válidos.

No governo, Leite encaminhou privatizações, incluindo a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento), voltando atrás em uma promessa de campanha, avançou em reformas e conseguiu a adesão do estado, que tem uma das situações mais críticas de dívida no país, ao RRF (Regime de Recuperação Fiscal).

No ano passado, em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, ele falou pela primeira vez publicamente sobre sua sexualidade, afirmando ser "um governador gay" e assumindo o relacionamento com o médico Thalis Bolzan.

A declaração levou Leite a ser questionado sobre o voto em Bolsonaro, em 2018, apesar de falas homofóbicas do presidente ao longo dos anos. O gaúcho tentou se descolar da imagem de Bolsonaro, com quem teve um racha durante a pandemia.

Fernanda Canofre  e Carolina Linhares, de Porto Alegre e São Paulo para a Folha de S. Paulo, em 28.03.22