quarta-feira, 16 de março de 2022
Ataques a civis se multiplicam na Ucrânia: 10 pessoas morrem na fila do pão e um teatro que serve de refúgio é bombardeado
Preparativos para a derrota
A Rússia está a caminho de perder a guerra, o que permitirá um "novo nascimento da liberdade" e nos tirará do estado de depressão em que nos encontramos devido ao declínio da democracia mundial. Por Francis Fukuyama.
Um carro blindado russo destruído e outros dois capturados por tropas ucranianas na região de Sumy, em uma foto do 7º dia do exército ucraniano. (Reuters)
Estou escrevendo estas linhas em Skopje, na Macedônia do Norte, onde passei uma semana ministrando um curso na Stanford Academy of Leaders for Development. Seguir a guerra na Ucrânia a partir daqui é o mesmo em termos de informações disponíveis; A única diferença é que estou em um fuso horário vizinho e que há mais apoiadores de Putin nos Bálcãs do que em outras partes da Europa. Isso se deve em grande parte à Sérvia, onde a vacina Sputnik é feita.
De qualquer forma, vou me atrever a fazer várias previsões:
1. A Rússia caminha para uma derrota total na Ucrânia. Teve uma estratégia incompetente, baseada na suposição equivocada de que os ucranianos eram pró-Rússia e seu exército entraria em colapso imediatamente após a invasão. Pelo que foi visto, os soldados russos levaram consigo o uniforme de gala para o desfile da vitória em Kiev, em vez de munição e rações suficientes. Neste momento, Putin já tem a maior parte de seu exército envolvido nesta operação; ele não tem grandes reservas de forças para convocar para o combate. As tropas russas estão presas nos arredores de várias cidades ucranianas e sofrem com enormes problemas de abastecimento e ataques constantes dos ucranianos.
2. A perda de suas posições pode não ser resultado de uma guerra lenta de desgaste, mas sim súbita e devastadora. Chegará um momento em que não será mais possível abastecer ou retirar o exército presente no terreno e então o moral desmoronará. Pelo menos no norte; Os russos estão se saindo melhor no sul, mas terão dificuldade em se segurar se caírem no norte.
3. Até que isso aconteça, não há solução diplomática possível. Não há acordo concebível que seja aceitável tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia, dado o que eles já perderam.
4. O Conselho de Segurança das Nações Unidas demonstrou mais uma vez sua inutilidade. A única coisa que serviu foi o voto da Assembléia Geral, que permitiu identificar os países que apoiam o mal ou que distorcem os fatos.
5. A decisão do governo de Biden de não declarar uma zona de exclusão aérea ou ajudar a mover os MiGs poloneses foi acertada; O presidente conseguiu manter a cabeça fria em um momento muito emocionante. É muito melhor para os ucranianos derrotarem os russos por conta própria, arrancando assim de Moscou a desculpa de que a OTAN a atacou, bem como evitando as possibilidades óbvias de escalada. Os MiGs poloneses, em particular, seriam de pouca utilidade para os ucranianos. Muito mais importante é o fornecimento contínuo de mísseis Javelin, mísseis Stinger, drones TB2, suprimentos médicos e equipamentos de comunicação, bem como a troca de informações. Presumo que os serviços de inteligência da OTAN já se conectaram com as forças ucranianas.
6. O preço que a Ucrânia está pagando é enorme, é claro. Mas o maior dano é causado por foguetes e artilharia, contra os quais nem os MiGs nem a zona de exclusão aérea podem fazer muito. A única coisa que vai parar o massacre é a derrota do exército russo no terreno.
7. Putin não sobreviverá à derrota de seu exército. Se tem tantos apoios, é porque o vêem como um homem forte. O que ele poderá oferecer quando sua incompetência for comprovada e seu poder de coerção for retirado?
8. A invasão já causou enormes danos aos populistas de todo o mundo, que antes do ataque expressaram simpatia uniforme por Putin, incluindo Matteo Salvini, Jair Bolsonaro, Éric Zemmour, Marine Le Pen, Viktor Orbán e, claro, Donald Trump, claro . Os aspectos políticos da guerra expuseram suas tendências autoritárias.
9. Até agora, a guerra tem sido uma boa lição para a China, que, como a Rússia, na última década acumulou Forças Armadas aparentemente de última geração, mas sem experiência de combate. O lamentável desempenho das forças aéreas russas provavelmente seria o mesmo no caso das forças aéreas do Exército de Libertação Popular, que também não estão acostumadas a gerenciar operações aéreas complexas. Esperemos que os líderes chineses não estejam iludidos sobre sua capacidade militar como os russos estiveram se pensarem em possíveis ações contra Taiwan.
10. Esperemos que Taiwan, por sua vez, perceba a necessidade de se preparar para lutar, como fizeram os ucranianos, e restabelecer o recrutamento. Não sejamos prematuramente derrotistas.
11. Os drones turcos vão vender muito bem.
12. Uma derrota russa permitirá um "novo nascimento da liberdade" e nos tirará do estado de depressão em que nos encontramos devido ao declínio da democracia mundial. O espírito de 1989 viverá graças a um punhado de bravos ucranianos.
Francis Fukuyama é um cientista político. Seu último livro publicado em espanhol é Identidad. A exigência de dignidade e a política do ressentimento (Deusto). Tradução de María Luisa Rodríguez Tapia. Publicado no EL PAÍS, em 16.02.22
Biden afirma que Putin “é um criminoso de guerra”
Um atentado destrói um teatro em Mariupol que servia de refúgio para a população civil | Rússia mata civis em Chernigov e Kiev e bombardeia Odessa e Zaporizhia
Parentes e amigos do soldado Rostislav Romanchuk participam de seu funeral em Lviv, no oeste da Ucrânia, na terça-feira. (Bernat Armague / AP)
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, opinou nesta quarta-feira que o presidente russo, Vladimir Putin, é um “criminoso de guerra”. Até agora, Biden se esquivava de usar a expressão, considerando que investigações internacionais estão em andamento para descobrir se a Rússia cometeu crimes de guerra na invasão da Ucrânia. O Kremlin não demorou a reagir: segundo a agência TASS, o porta-voz da presidência russa, Dimitri Peskov, afirmou que os comentários de Biden são "inaceitáveis e imperdoáveis".
As autoridades ucranianas denunciaram que as forças russas bombardearam um dos teatros da cidade de Mariupol, onde “centenas de civis” se refugiavam. A Rússia também atacou civis em Chernigov, no norte do país, onde pelo menos 10 pessoas morreram na fila para comprar pão, e em Kiev,demoliu dois edifícios residenciais . O exército russo também atacou Zaporizhia e Odessa no sul. Apesar dos ataques, tanto Moscou quanto Kiev estão mais otimistas em relação às negociações de paz . O Tribunal de Justiça da ONU ordenou que a Rússia suspenda imediatamente suas operações militares na Ucrânia. Embora a decisão seja vinculante, este tribunal não tem poder para aplicá-la.
Publicado originalmente por EL PAÍS, em 16.03.22
Corte da ONU determina que Rússia suspenda guerra na Ucrânia
Ucranianos obtêm primeira vitória num tribunal internacional contra a Rússia. Corte sediada em Haia, no entanto, não tem poder para assegurar cumprimento da decisão.
O mais alto tribunal das Nações Unidas, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, determinou nesta quarta-feira (16/03) que a Rússia suspenda suas operações militares na Ucrânia.
A guerra tem provocado uma catástrofe humanitária na região. O número de refugiados ucranianos já passa de 3 milhões e a Rússia segue com uma política de bombardeio de áreas civis.
"A Federação Russa deve suspender imediatamente as operações militares iniciadas em 24 de fevereiro de 2022 em território ucraniano", declarou o juiz-presidente da CIJ, Joan Donoghue.
Foram 13 votos a favor e dois contra. Os votos contrários partiram do vice-presidente da Corte, o russo Kirill Gevorgian, e da juíza chinesa Xue Hanqin.
A decisão da CIJ é o primeiro veredicto desse tipo proferido por um tribunal internacional desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, saudou a decisão no Twitter.
"A Ucrânia obteve uma vitória completa em seu caso contra a Rússia na Corte Internacional de Justiça. A CIJ ordenou que a invasão para imediatamente. A ordem é obrigatória sob a lei internacional. A Rússia deve cumprir imediatamente. Ignorar a ordem isolará ainda mais a Rússia", disse Zelenski.
A Corte também determinou que a Rússia "garanta que qualquer unidade militar regular ou irregular que esteja sob sua direção ou apoio, bem como organizações e pessoas submetidas ao seu controle ou direção, não avancem com as operações militares referenciadas".
Os juízes ainda concordaram por unanimidade (desta vez com os votos dos membros que se pronunciaram contra as decisões anteriores) que tanto a Rússia como a Ucrânia "não devem tomar nenhuma medida que agrave ou estenda a disputa perante a Corte, ou que a torne mais difícil de ser resolvida".
O caso
No dia 26 de fevereiro, dois dias após o início da invasão, a Ucrânia recorreu à CIJ, pedindo que a Rússia suspendesse as agressões e retirasse suas tropas.
O governo de Kiev acusou a Rússia de justificar ilegalmente a invasão, com Moscou alegando um falso genocídio contra as populações de língua russa nas regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk.
"A Rússia deve ser parada, e o tribunal tem um papel a desempenhar", disse o representante da Ucrânia, Anton Korynevych, ao tribunal, durante as audiências do caso.
A Rússia boicotou as sessões da CIJ no início deste mês e nenhum representante russo compareceu na leitura da decisão. Moscou vem argumentando que o tribunal "não tem jurisdição" porque o pedido da Ucrânia estaria fora do escopo da Convenção de Genocídio da ONU de 1948, na qual Kiev baseou seu caso.
A Ucrânia argumenta que a Convenção do Genocídio, que ambos os países assinaram, não permite uma invasão para evitar um genocídio. Não há evidências de que a Ucrânia tenha cometido ou planejado ataques que possam ser considerados crimes contra a humanidade.
Desde o início da guerra, a máquina de propaganda do governo de Vladimir Putin tem despejado, sem provas, uma série de acusações para justificar a invasão. Além das acusações sem provas de que Kiev estava cometendo "genocídio" contra a minoria russa da Ucrânia, Moscou também lançou acusações sem base de que os ucranianos estavam desenvolvendo armas biológicas e nucleares.
O caso apresentando por Kiev na CIJ corre em separado de uma investigação sobre crimes de guerra na Ucrânia iniciada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), outra Corte que também tem sede em Haia.
Efeitos
A CIJ foi criada após a Segunda Guerra Mundial para julgar disputas entre Estados-membros da ONU, com base em tratados e convenções.
As decisões da CIJ são vinculantes, mas a Corte não tem meios práticos para aplicá-las. Dessa forma, é praticamente certo que a decisão desta quarta-feira não deve ter efeitos práticos imediatos na guerra.
A decisão da CIJ, no entanto, apontam especialistas, deve contribuir para isolar ainda mais a Rússia no cenário internacional e fornecer ainda mais justificativas legais e políticas para reforçar sanções contra o regime de Vladimir Putin.
Putin não indica recuo sobre a invasão (Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik Kremlin/AP/dpa/picture alliance)
Por enquanto, Putin não vem exibindo sinais de abrandamento na invasão. Nesta quarta-feira, mesmo dia da decisão da CIJ, ele afirmou que a Rússia alcançará seus objetivos na Ucrânia e não se submeterá ao que chamou de tentativa ocidental de alcançar o domínio global e desmembrar a Rússia.
Segundo ele, o que a Rússia chama de operação militar especial está "indo conforme o planejado".
"No futuro próximo, seria possível que o regime pró-nazista em Kiev pudesse colocar as mãos em armas de destruição em massa, e seu alvo, é claro, teria sido a Rússia", disse Putin, lançando mais uma vez acusações sem provas para justificar a invasão.
Deutsche Welle Brasil, em 16.03.22
Biden enviará drones e sistemas antiaéreos à Ucrânia
Novo pacote é avaliado em 800 milhões de dólares e elevará para 1 bilhão de dólares a ajuda anunciada por Washington apenas na última semana. Acompanhe as últimas notícias da guerra.
Biden anuncia novo pacote de ajuda militar à Ucrânia
Rússia bombardeia teatro usado como abrigo em Mariupol, diz Legislativo local
Ataque russo teria matado 10 pessoas em fila para pão
Zelenski fala ao Congresso dos EUA
Lavrov vê esperança de acordo
Alarmes de emergência soam em várias cidades ucranianas
As atualizações estão no horário de Brasília.
17:54 – Prefeito de Melitopol é libertado
Ivan Fedorov, prefeito da cidade de Melitopol, no sudeste da Ucrânia, foi solto após ter sido abduzido cinco dias atrás por militares russos, segundo informou uma autoridade ucraniana nesta quarta-feira.
Uma câmara de segurança na semana passada havia registrado o momento em que Federov era conduzido para fora da sede da prefeitura, aparentemente cercado por militares russos.
Andriy Yermak, chefe de gabinete da presidência ucraniana, não divulgou detalhes sobre as circunstâncias da libertação de Fedorov
17:30 – Biden chamar Putin de criminoso de guerra é "inaceitável", diz Kremlin
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que a iniciativa do presidente americano, Joe Biden, de caracterizar o presidente russo, Vladimir Putin, como um criminoso de guerra era uma "retórica inaceitável e indesculpável", segundo reportou a agência de notícias Tass.
Ao se referir a Putin e à guerra na Ucrânia nesta quarta-feira, Biden afirmou a jornalistas em Washington: "Ele é um criminoso de guerra."
O comentário de Biden foi feito um dia após o Senado americano ter decidido, por unanimidade, pedir por uma investigação internacional de Putin por crimes de guerra na Ucrânia.
15:00 – Biden anuncia novo pacote de ajuda militar à Ucrânia
O presidente americano, Joe Biden, anunciou nesta quarta-feira o envio de mais armas antiaéreas e drones para a Ucrânia. O anúncio foi feito após o discurso de seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, ao Congresso dos EUA, por transmissão em vídeo, a partir de Kiev.
O novo pacote de ajuda militar à Ucrânia é avaliado em 800 milhões de dólares. Esse pacote elevará para 1 bilhão de dólares a ajuda anunciada por Washington apenas na última semana.
O novo pacote inclui o envio de 800 sistemas portáteis de mísseis antiáreos Stinger, 100 lançadores de granadas e 20 milhões de munições para armas de pequeno porte e um número não especificado de drones.
"Vamos dar à Ucrânia armas para lutar e se defenderam nos dias difíceis que tem pela frente", afirmou Biden. (AP)
16:30 - Rússia bombardeia teatro usado como abrigo em Mariupol, diz Legislativo local
A Câmara Municipal de Mariupol, cidade portuária no sudeste da Ucrânia sob pesado cerco russo, afirmou que militares russos bombardearam um teatro que era usado como abrigo por centenas de civis.
O Legislativo local divulgou uma imagem de um teatro e vídeos mostrando chamas saindo das ruínas do edifício. A informação não pôde ser verificada pela DW de forma independente.
A Câmara Municipal divulgou um comunicado relatando que um avião havia jogado uma bomba no teatro. "Ainda é impossível estimar a escala desse ato terrível e inumano, porque a cidade continua sendo bombardeada em áreas residenciais. É sabido que após o bombardeio a parte central do Teatro de Drama foi destruída, e que a entrada para o abrigo antibomba no edifício foi destruída."
Petro Andriushchenko, assessor do prefeito de Mariupol, afirmou, segundo a CNN, que o abrigo do teatro era o maior no centro da cidade, e que mais de mil pessoas poderiam estar abrigadas no local. "A probabilidade de irmos lá para retirar os escombros é baixa devido aos constantes bombardeios da cidade", disse.
Mais tarde, o Ministério da Defesa russo negou ter efetuado um ataque ao teatro em Mariupol.
12:20 - Ataque russo teria matado 10 pessoas em fila para pão
Ao menos dez pessoas morreram na cidade de Tchernihiv, no norte da Ucrânia, quando tropas russas dispararam sobre civis que se encontravam na fila para comprar pão, segundo a embaixada dos EUA em Kiev, autoridades ucranianas e a mídia do país. A informação não pôde ser verificada pela DW de forma independente.
"Em Tchernihiv, as tropas russas dispararam sobre pessoas que faziam fila para comprar pão: pelo menos dez mortos", escreveu o Serviço Estatal de Comunicações Especiais e Proteção da Informação da Ucrânia na sua conta no Twitter.
Um correspondente da televisão estatal ucraniana Suspilne que disse ter sido testemunha do ataque, confirmou o número de vítimas, indicou a agência Interfax-Ukraine. A agência ucraniana Ukrinform, por sua vez, noticiou que o ataque ocorreu por volta das 10h (hora local).
"Hoje forças russas dispararam e mataram dez pessoas que faziam fila para comprar pão em Tchernihiv. Ataques terríveis como esse têm de cessar", afirmou a embaixada dos Estados Unidos em Kiev, na sua conta do Twitter.
"Estamos considerando todas as opções disponíveis para garantir a responsabilização por qualquer crime de atrocidade na Ucrânia", acrescentou a representação diplomática americana.
10:25 - Zelenski: "A Ucrânia não desistirá"
Falando ao Congresso dos EUA, por transmissão em vídeo, a partir de Kiev, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse aos legisladores dos EUA que a Ucrânia não desistirá, apesar de lutar na "pior guerra desde a Segunda Guerra Mundial".
Ele pediu para que Washington aumente o envio de equipamento militar para que os ucranianos se defendam dos russos.
Zelenski voltou a pedir uma zona de exclusão aérea na Ucrânia, argumentando que a Rússia “transformou os céus em uma fonte de morte” para as tropas e a população na Ucrânia.
Fazendo um paralelo com tragédias históricas vividas pelos EUA, afirmou que seu país enfrenta hoje todos os dias, o que os americanos experimentaram no 11 de Setembro e no ataque a Pearl Harbor. "Peço para que vocês façam mais”, apelou.
Dirigindo-se diretamente ao presidente americano, Joe Biden, disse: "Presidente Joe Biden, você é o líder de sua grande nação. Desejo que seja o líder do mundo. Ser o líder do mundo significa ser o líder da paz". (DW, ots)
Infográfico mostra avanço das tropas russas na UcrâniaInfográfico mostra avanço das tropas russas na Ucrânia
09:25 - Ucrânia exige garantias de segurança
A Ucrânia afirmou nesta quarta-feira que quer que sua segurança seja garantida por forças internacionais e rejeitou propostas da Rússia para que adote um status de neutralidade comparável aos da Áustria e da Suécia - membros da União Europeia que não integram a Otan. Segundo a proposta russa, a Ucrânia não faria parte da aliança militar atlântica, mas poderia ter seu próprio exército.
"A Ucrânia se encontra num estado de guerra direta com a Rússia. Como resultado, o modelo só pode ser ucraniano e somente com garantias de segurança legalmente verificadas", disse o negociador-chefe ucranioano, Mikhailo Podolyak.
Ele pediu por um acordo de segurança juridicamente vinculativo, assinado por parceiros internacionais, que "não ficariam de fora no caso de um ataque à Ucrânia, como fazem hoje".
As declarações foram divulgadas pelo gabinete do presidente Volodimir Zelensky depois de o Kremlin afirmar que um status de neutralidade para a Ucrânia nos moldes da Suécia e da Áustria estava sendo discutido seriamente com Kiev para por fim a três semanas de guerra.
"Esta é uma opção que está sendo discutida agora", disse o portad-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, apontando que a possibilid pouco depois de o ministro do Exterior russo, Serguei Lavrov, afirmar que a neutralidade passou a ocupar o centro das negociações. (AFP)
07:53 – Cidade para onde fugiram habitantes de Mariupol é bombardeada
A cidade de Zaporínjia, no sul da Ucrânia, que tem servido como refúgio seguro para milhares de pessoas que fogem da cidade portuária sitiada de Mariupol, foi atacada pelas forças russas nesta quarta-feira, segundo autoridades ucranianas.
"Objetos civis foram bombardeados pela primeira vez em Zaporínjia", escreveu o governador regional, Alexander Starukh, no Telegram. "Os foguetes caíram na área da estação ferroviária Zaporozhye-2". Segundo ele, não houve vítimas.
Zaporínjia está situada cerca de 230 quilômetros a noroeste de Mariupol, cidade que está isolada do resto do país, contornada por tropas russas, e que enfrenta uma catástrofe humanitária em meio a uma drástica escassez de água, alimentos e energia.
A Rússia nega atacar civis. (ARD)
07:20 – Lavrov vê esperança de acordo
O ministro do Exterior russo, Serguei Lavrov, disse nesta quarta-feira ver chances de um acordo nas negociações entre Moscou e Kiev. Segundo Lavrov, a adoção de um status de neutralidade pela Ucrânia está sendo "seriamente discutido, naturalmente em conjunto com garantias de segurança".
"As negociações não são fáceis por razões óbvias", disse o ministro à emissora russa RBC. "Mesmo assim, há esperança de que se chegue a um acordo."
Num vídeo postado nas primeiras horas desta quarta, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, sinalizou haver margem para um acordo, afirmando que as posições adotadas pela Rússia durante as negociações se mostraram mais "realistas". Ele disse, no entanto, que ainda seria necessário mais tempo para decisões que atendessem aos interesses da Ucrânia.
Na véspera, Zelenski havia acenado com a possibilidade de aceitar que a Ucrânia não faça parte da Otan no futuro. O risco de uma adesão ucraniana à aliança foi um dos pretextos utilizados pela Rússia para justificar sua invasão ao país vizinho.
"A Ucrânia não é membro da Otan. Entendemos isso. Escutamos durante anos que as portas estavam abertas, mas também ouvimos que não podíamos aderir. É uma verdade que deve ser reconhecida", afirmou Zelenski em videoconferência com autoridades militares.
Representantes de ambos os países devem dar continuidade a negociações nesta quarta-feira, por videoconferência. (ARD, Reuters, ots)
05:37 – Quase 175 mil refugiados da Ucrânia registrados na Alemanha
O número de refugiados da Ucrânia que chegam à Alemanha continua aumentando. De acordo com o Ministério do Interior alemão, 174.597 refugiados foram registrados até agora.
No entanto, o número real pode ser maior, porque não há controles regulares na fronteira entre a Polônia e a Alemanha, e as pessoas com passaporte ucraniano podem circular livremente pela União Europeia por 90 dias.
Um registro é necessário somente se a pessoa desejar solicitar benefícios do Estado. (ARD)
04:29 – Autoridades reportam 500 mortes em Kharkiv desde o começo da guerra
De acordo com a administração local, ao menos 500 moradores foram mortos na cidade de Kharkiv, no leste da Ucrânia, desde o começo da invasão russa. A informação não pôde ser verificada de forma independente pela DW. A Rússia nega mirar civis em suas operações militares. (ots)
Foto mostra muitos escombros na frente de um prédio destruídoFoto mostra muitos escombros na frente de um prédio destruído.
Autoridades locais relataram a morte de 500 civis em Kharkiv, no leste ucraniano, desde o começo da guerra (Foto: Andrea Carrubba/AA/picture alliance)
04:03 – Negociações entre Ucrânia e Rússia seguem nesta quarta-feira
Um dos negociadores-chefe da Ucrânia, Mykhailo Podoliak, disse que as negociações com a Rússia continuarão nesta quarta-feira, mas afirmou que existem "contradições fundamentais" entre os dois lados. Ele descreveu as conversas como difíceis.
As conversações por videoconferência ocorrem após três rodadas de negociações pessoalmente em Belarus, que fracassaram em produzir resultados concretos.
Moscou insiste em obter garantias de que a Ucrânia não vá aderir à Otan, além de um acordo de neutralidade. Por sua vez, Kiev exige o fim imediato da guerra e a retirada das tropas russas.
Horas antes, o assessor da presidência ucraniana, Ihor Zhovkva, afirmou que as negociações se tornaram "mais construtivas". (AP)
04:00 – 90% dos ucranianos em risco de pobreza
De acordo com o especialista em desenvolvimento da ONU Achim Steiner, nove em cada dez ucranianos estão em risco de pobreza no caso de uma guerra duradoura.
Na pior das hipóteses, a economia do país entraria em colapso e acabaria com duas décadas de crescimento, disse Steiner, administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). (ARD)
03:35 – Ucrânia relata morte de mais um general russo
A Ucrânia disse que o major-general russo Oleg Mityaev foi morto nesta terça-feira em combates na cidade de Mariupol, no sudeste do país. A informação foi divulgada pelo assessor do Ministério do Interior ucraniano, Anton Gerashchenko.
Mityaev era comandante da 150ª divisão de fuzileiros motorizados e havia servido na Síria, disse Gerashchenko.
Não houve confirmação da Rússia sobre a morte. Segundo a Ucrânia, trata-se do quarto general russo morto desde o começo da guerra. (DW)
03:32 – FMI alerta que guerra na Ucrânia é grande golpe na economia global
O FMI alertou em um relatório publicado em seu site que a crise na Ucrânia causará um crescimento mais lento e uma inflação mais rápida em todo o mundo.
Preços mais altos de commodities como alimentos e energia vão impulsionar ainda mais a inflação, disse o FMI. A Ucrânia e a Rússia são grandes exportadores de trigo, e a guerra pode colocar pressão sobre a oferta global do grão. O preço do trigo atingiu um recorde nos últimos dias, disse o FMI.
Os países dependentes das importações de petróleo, do qual a Rússia também é um grande exportador, podem ter déficits maiores e mais pressão inflacionária, de acordo com o FMI. Alguns países exportadores de petróleo do Oriente Médio e da África, porém, podem se beneficiar de preços mais altos.
"As consequências da guerra da Rússia na Ucrânia já abalaram não apenas essas nações, mas também a região e o mundo", disse o FMI. (DW)
Foto mostra um homem com uma criança nos ombros. Ao lado, está uma mulher. Atrás, várias outras pessoas. Eles parecem estar em uma estação de trem. Foto mostra um homem com uma criança nos ombros. Ao lado, está uma mulher. Atrás, várias outras pessoas. Eles parecem estar em uma estação de trem.
Ucranianos aguardam trem em Lviv para fugirem para a Polônia (Foto: PAVLO PALAMARCHUK/REUTERS)
03:07 – Alarmes de emergência soam em várias cidades ucranianas
A Ucrânia amanheceu nesta quarta-feira ao som de alarmes de emergência em diversas cidades do país, alertando para que as pessoas buscassem abrigo.
De acordo com o jornal ucraniano The Kyiv Independent, alertas de ataque aéreo soaram na capital Kiev, em Cherkasy, Dnipro, Lviv, Ivano-Frankivsk, Odessa, Vinnytsia, Kirovohrad, Khmelnytskyi, Izyum, Kremenchuk, Bila Tserkva, Nikopol, Mykolaiv, Izmail, Poltava e na área de Kryve Ozero.
A rede CNN relatou que, de acordo com sua equipe no local, explosões altas foram ouvidas nos subúrbios de Kiev. Imagens divulgadas nas redes sociais mostram colunas de fumaça se erguendo sobre a capital ucraniana.
Segundo o The Kyiv Independent, estilhaços atingiram um prédio residencial de 12 andares em Kiev. Duas pessoas ficaram feridas e 37 foram retiradas do local, de acordo com o Serviço Nacional de Emergência.
Autoridades locais de Zaporínjia relataram explosões, inclusive na estação ferroviária da cidade. (ots)
Foto mostra um prédio de 12 andares danificado. Há chamas no terceiro andar e fumaça nos andares superiores.Foto mostra um prédio de 12 andares danificado. Há chamas no terceiro andar e fumaça nos andares superiores.
Mais um prédio residencial foi atingido por ataque nesta quarta-feira em Kiev (Foto: STATE EMERGENCY SERVICE/REUTERS)
02:30 – Zelenski discursará ao Congresso dos EUA
O residente ucraniano, Volodimir Zelenski, discursará ao Congresso dos Estados Unidos nesta quarta-feira, por vídeo. É o segundo discurso em menos de um mês.
Espera-se que, após a fala, o presidente dos EUA, Joe Biden, anuncie mais 800 milhões de dólares em assistência de segurança à Ucrânia. Esse pacote elevará para 1 bilhão de dólares a ajuda anunciada por Washington apenas na última semana.
Desde que Biden chegou à Casa Branca, em janeiro de 2021, os Estados Unidos doaram 2 bilhões de dólares em ajuda militar e humanitária à Ucrânia.
De acordo com o Wall Street Journal, que cita autoridades dos EUA, o novo pacote de ajuda incluirá mísseis antitanque Javelin e mísseis antiaéreos Stinger.
Segundo o jornal, o dinheiro para financiar a ajuda está incluído no pacote de gastos que Biden assinou nesta terça-feira e que inclui 13,6 bilhões de dólares em ajuda humanitária e militar para a Ucrânia e o Leste Europeu, após a invasão russa.
Ao assinar a lei, o presidente anunciou que, na quarta-feira, daria mais detalhes sobre "o que exatamente os Estados Unidos estão fazendo na Ucrânia" e como os novos fundos permitirão "intensificar rapidamente sua resposta e ajudar a aliviar o sofrimento que a guerra" está provocando no povo ucraniano. (DW, EFE)
O 20º dia de guerra na Ucrânia foi marcado pela visita de três primeiros-ministros do Leste Europeu a Kiev, em meio a bombardeios na capital ucraniana.
Os primeiros-ministros da Polônia, Mateusz Morawiecki, da República Tcheca, Petr Fiala, e da Eslovênia, Janez Jansa, viajaram à capital ucraniana como representantes do Conselho Europeu. A viagem ocorreu de trem, uma vez que os voos para o país estão suspensos.
Os três líderes se reuniram com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e o primeiro-ministro ucraniano, Denis Shmyhal, e receberam um relato da situação no país. O objetivo da viagem era reafirmar o apoio da União Europeia à Ucrânia.
O dia também foi marcado por fortes bombardeios a prédios residenciais em Kiev e pela morte de dois jornalistas da Fox News nos arredores da capital ucraniana, entre outros fatos. Confira um resumo da do 20º dia de guerra.
Deutsche Welle Brasil, em 16.03.22
Zelenski pede mais apoio em discurso no Congresso dos EUA
Presidente ucraniano volta a apelar por zona de exclusão aérea, mais apoio militar e novas sanções contra a Rússia. Fala é aplaudida de pé pelos legisladores americanos.
Em pronunciamento diante do Congresso dos EUA nesta quarta-feira (16/03), o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, assegurou que o "terror" que seu país vive "é algo que a Europa não vê há 80 anos".
No discurso, realizado por meio de transmissão em vídeo diretamente de Kiev, ele voltou a pedir uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, argumentando que a Rússia "transformou os céus em uma fonte de morte para milhares de pessoas" na Ucrânia.
"Lembrem-se do 11 de Setembro. A Ucrânia vive isso todos os dias. Um terror que a Europa não vê há 80 anos", disse o líder ucraniano.
Ele também apelou para que Washington intensifique o envio de equipamento militar, para que os ucranianos possam se defender.
Ao final da fala, Zelenski foi aplaudido de pé pelos legisladores americanos.
"Slava Ukraini" ("glória à Ucrânia"), disse a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, ao apresentar o discurso, enquanto os legisladores se levantavam e batiam palmas com entusiasmo ao ver Zelenski na tela.
"Destino da Ucrânia sendo decidido"
O líder ucraniano enfatizou que "neste momento" o "destino" de seu país "está sendo decidido", já que o ataque "brutal" da Rússia mira "os valores humanos básicos" dos ucranianos.
O pronunciamento de Zelenski no Congresso dos EUA ocorre depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, assinou uma lei que inclui 13,6 bilhões de dólares em ajuda militar e humanitária para a Ucrânia e os países do flanco leste da Otan.
Zelenski saudou o esforço internacional, mas apelou no discurso aos congressistas “que façam mais, novos pacotes são constantemente necessários a cada semana, até que as máquinas militares da Rússia parem".
"Restrições são necessárias contra todos nos quais este regime injusto se baseia", afirmou. "Todos aqueles (políticos russos) que permanecem nos seus cargos", acrescentou.
Apelo por zona de exclusão ou aviões
Depois de citar o famoso "Eu tenho um sonho", de Martin Luther King, ele disse: "Tenho uma necessidade, uma necessidade de proteger nosso céu. Preciso de sua decisão, de sua ajuda".
Zelenski renovou os pedidos de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, um pedido que ele fez várias vezes desde que a invasão começou em 24 de fevereiro.
"É pedir demais, criar uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, salvar as pessoas? É pedir demais, uma zona de exclusão aérea humanitária?", acrescentou, emendando para um pedido por aeronaves americanas.
"Se isso for pedir demais, oferecemos uma alternativa. Vocês sabem que tipo de sistemas de defesa precisamos", falando em "aeronaves que podem ajudar a Ucrânia, ajudar a Europa".
A Otan já rejeitou diversas vezes o pedido de Zelenski pela criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, argumentando que isso envolveria abater caças russos e deflagrar uma guerra mundial.
"Nós sabemos que elas existem e você as têm. Elas não estão nos céus ucranianos", disse Zelenski, pouco antes de mostrar um vídeo com cenas fortes de seu país sob a devastação dos bombardeios russos.
A Otan já rejeitou diversas vezes o pedido de Zelenski pela criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, argumentando que isso envolveria abater caças russos e deflagrar uma guerra mundial.
Houve debates sobre transferir caças da Polônia, um membro da Otan, para a Ucrânia, para serem pilotados pela Força Aérea ucraniana, mas a proposta não prosperou.
Ao final do discurso, dirigindo-se diretamente ao presidente americano, Joe Biden, afirmou, em inglês: "Presidente Joe Biden, você é o líder de uma nação, de sua grande nação. Desejo que seja o líder do mundo. Ser o líder do mundo significa ser o líder da paz".
Deutsche Welle Brasil, em 16.03.22
Guerra na Ucrânia: o histórico 'contra-ataque' dos EUA e aliados ocidentais contra o 'agitador' Putin
O presidente russo chegou ao poder em 31 de dezembro de 1999. Nos 20 anos que se passaram desde então, Putin tem tentado minar a ordem liberal internacional.
Putin foi cortejado por presidentes americanos, enquanto a Otan expandia para leste (Getty Images)
Sucessivos presidentes dos Estados Unidos tentaram, com dificuldade, aprender como lidar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Agora, porém, quando a União Europeia e a Alemanha uniram-se a esse esforço, a realidade é outra.
O ex-espião da KGB quer reviver a grandeza russa czarista e restaurar o poderio e a ameaça da União Soviética antes de sua dissolução, em 1991.
Ele buscou - às vezes, com sucesso - redesenhar o mapa da Europa. Ele tentou - às vezes, com sucesso - imobilizar as Nações Unidas. Ele tem estado determinado - às vezes, com sucesso - a enfraquecer os EUA e promover sua divisão e seu declínio.
Fim da História?
Putin chegou ao poder numa época de arrogância ocidental. Os EUA eram a única superpotência num mundo unipolar.
A tese de intelectual americano Francis Fukuyama, falando do "fim da História" e proclamando o triunfo da democracia liberal, era amplamente aceita.
Alguns economistas até mesmo venderam a teoria de que o mundo não veria mais recessões, parcialmente graças aos ganhos de produtividade proporcionados pela nova economia digital.
Também se pensou que a globalização e a interdependência que ela criou evitariam que grandes potências econômicas travassem guerras, e a internet era amplamente vista como uma força para o bem global.
Especialmente no início, os mesmos otimismo e ilusão equivocados coloriram a forma como o Ocidente via Putin.
O Air Force One, avião do presidente dos EUA, foi recebido com honras em Moscou em 2002 (Getty Images)
Sucessivos presidentes americanos deixaram-se levar. Bill Clinton, o ocupante da Casa Branca quando Putin ascendeu ao poder, deu de bandeja a esse ultranacionalista um popular ressentimento, ao promover a expansão da aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) até a fronteira da Rússia.
Como George F. Kennan, o famoso arquiteto da estratégia dos EUA na Guerra Fria, alertou na época: "Expandir a Otan será o mais fatídico erro da política americana em toda a era pós-Guerra Fria".
George W. Bush errou completamente em sua leitura do colega russo. "Eu olhei nos olhos daquele homem", Bush disse depois de seu primeiro encontro com ele, em Eslovênia, em 2001. "Eu o achei bastante direto e confiável… Eu fui capaz de ter uma ideia sobre sua alma."
Bush cometeu o erro de pensar que ele poderia seduzir Putin e gentilmente persuadi-lo a seguir o caminho democrático.
No entanto, embora Bush tenha visitado a Rússia mais que qualquer outro país - incluindo, como um favor pessoal, duas viagens em 2002 à cidade-natal de Putin, São Petersburgo -, o líder russo já exibia tendências perigosas.
Em 2008, ultimo ano de Bush como presidente, Putin invadiu a Geórgia - o que ele chamou de "operação para garantir o cumprimento da paz".
O Kremlin argumentou na época - e tem argumentado desde então - que era hipocrisia de Washington reclamar dessa violação do direito internacional depois que Bush invadira o Iraque.
George W. Bush recebeu Putin em seu rancho no Estado do Texas... (Getty Images)
...o que levou a uma certa animação da população e do comércio locais (Getty Images)
Barack Obama tentou reestruturar as relações entre EUA e Rússia. Sua primeira secretária de Estado, Hillary Clinton, até entregou a seu colega russo, Sergey Lavrov, um botão de reinício (reset) de brinquedo.
Mas Putin sabia que os EUA, após suas longas guerras no Afeganistão e no Iraque, não queriam mais policiar o mundo.
Quando Obama recusou-se, em 2013, a cumprir seu alerta anterior contra Bashar al-Assad, quando o ditador sírio usou armas químicas contra seu próprio povo, Putin viu uma oportunidade.
Ao ajudar Assad a travar sua guerra assassina, ele estendeu a esfera de influência de Moscou no Oriente Médio quando os EUA queriam sair da região.
No ano seguinte, ele anexou a Crimeia e estabeleceu uma presença no leste da Ucrânia.
Apesar de ter ouvido de Obama que deveria "parar com isso", Putin até tentou influenciar o resultado da eleição presidencial de 2016, na esperança de que Hillary Clinton, sua inimiga de longa data, fosse derrotada, e Donald Trump, seu fã havia tempos, vencesse.
Clinton promoveu a expansão da Otan, política que para muitos foi um erro (Getty Images)
O magnata não escondia sua admiração por Putin, uma bajulação que parece ter encorajado o presidente russo ainda mais.
Para o deleite de Moscou, Trump criticou a Otan publicamente, enfraqueceu o sistema de alianças dos EUA do pós-guerra e tornou-se uma figura tão polarizadora que deixou os EUA mais divididos politicamente do que em qualquer momento desde a Guerra Civil (1861-1865).
É possível dizer que precisamos voltar 30 anos para encontrar um líder americano cuja postura diante do Kremlin resistiu ao tempo.
Depois da queda do Muro de Berlim, George H.W. Bush resistiu à tentação de festejar a vitória dos EUA na Guerra Fria — para o espanto dos jornalistas que cobriam a Casa Branca, ele se recusou a viajar para Berlim como forma de comemorar vitória —, sabendo que isso fortaleceria radicais no Politburo e um Exército russo que buscava a derrubada de Mikhail Gorbachev.
Aquela vitória magnânima ajudou quando veio a missão de reunificar a Alemanha, o que foi provavelmente o maior sucesso de Bush em política externa.
Putin é obviamente um adversário mais difícil, até mesmo mais duro de se lidar do que Leonid Brezhnev ou Nikita Khrushchev, o premiê soviético durante a crise dos mísseis em Cuba.
De Clinton a Trump, os presidentes americanos tiveram dificuldade para como lidar com Putin (Crédito: Stephen Jaffe / Getty Images)
Desde a virada do século, porém, nenhum presidente americano realmente soube como lidar com Putin. Joe Biden, como George H.W. Bush, é um combatente da Guerra Fria que dedicou sua presidência à defesa da democracia, nos EUA e no exterior.
Ao buscar o restabelecimento do papel tradicional dos EUA do pós-guerra como líder do mundo livre, ele buscou mobilizar a comunidade internacional, ofereceu ajuda militar à Ucrânia e adotou o mais duro regime de sanções até hoje direcionado contra Putin.
Conforme as forças russas concentravam-se na fronteira com a Ucrânia, Biden também compartilhou informações da inteligência americana mostrando que Putin havia decidido invadir o vizinho, em maneiras que buscaram abalar as costumeiras campanhas de desinformação e operações de bandeira falsa do Kremlin.
Seu discurso sobre o Estado da União tornou-se uma convocação. "A liberdade sempre triunfará sobre a tirania", disse. Apesar de Biden não discursar com a clareza ou força de John Kennedy (1961-63) ou Ronald Reagan (1981-89), foi entretanto um discurso significativo.
O que tem sido chocante desde o início da invasão russa, entretanto, é uma liderança presidencial contundente vinda de outro lugar.
Volodymyr Zelensky tem sido louvado e celebrado, conforme ele continua sua extraordinária jornada pessoal de comediante para o =colosso churchilliano.
O papel da Alemanha
Em Bruxelas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem sido outra presença imponente.
Essa ex-política alemã tem sido uma força por trás da decisão, pela primeira vez na história da União Europeia, de financiar e comprar armamentos para uma nação sob ataque, um compromisso que inclui não apenas munição, mas também aviões de combate.
Ursula von der Leyen, comissária europeia, tem sido uma líder de destaque (Getty Images)
Seu compatriota, o chanceler alemão, Olaf Scholz, também demonstrou mais determinação na sua relação com Putin que sua antecessora, Angela Merkel.
Em alta velocidade, ele alterou décadas de política externa alemã pós-Guerra Fria, uma abordagem frequentemente baseada em cautela e timidez nas relações com o líder russo.
Berlim enviou sistemas antitanques e antiaéreos para a Ucrânia (encerrando a política de não enviar armamentos para zonas ativas de guerra), paralisou o projeto de gasodutos do Mar Báltico Nord Stream 2, retirou sua oposição ao bloqueio da Rússia do sistema internacional de pagamentos Swift e até mesmo comprometeu-se com um gasto de 2% do Produto Interno Bruto alemão com a área da defesa.
O maior ataque contra um Estado europeu desde a Segunda Guerra Mundial endureceu a determinação europeia. Mas também parece que a relativa fraqueza dos EUA tenha contribuído para isso.
Cientes da atabalhoada retirada dos EUA do Afeganistão e da possibilidade de uma presidência Trump 2.0, líderes europeus parecem ter percebido que não podem mais depender tanto de Washington para defender a democracia neste momento de perigo máximo.
Em seu discurso do Estado da União, Biden falou sobre a forte resistência enfrentada por Putin (Crédito: Pool / Getty Images)
A liderança do mundo livre tornou-se, nesta crise, um esforço comum.
Após o fim da Guerra Fria, Washington pediu às nações europeias que fizessem mais para policiar sua própria vizinhança, algo que eles não conseguiram fazer quando o desmembramento da ex-Iugoslávia levou à guerra civil na Bósnia.
Historiadores podem muito bem concluir que foi preciso uma combinação da agressividade de Putin, a fragilidade americana, a heroica determinação da Ucrânia e o medo de que a estabilidade pós-guerra da Europa esteja verdadeiramente ameaçada para que isso finalmente acontecesse.
Seria ingênuo ser levado pelo romantismo dos discursos de Zelensky ou sucumbir a uma elevação de dopamina ao vermos a tomada de um superiate de propriedade russa nas redes sociais. Putin está intensificando a guerra.
A semana passada, porém, enviou uma mensagem a Moscou - e também a Pequim - de que a ordem internacional pós-guerra continua a funcionar, apesar do emprego da máquina de guerra russa para levá-la ao colapso.
Da mesma forma que a história nunca acabou, também não acabou a democracia liberal.
Como Joe Biden disse em seu discurso sobre o Estado da União, durante uma passagem em que a retórica também serviu como uma sóbria análise: Putin "pensou que ele podia entrar, e o mundo ficaria deitado. Em vez disso, ele encontrou um muro de resistência que ele nunca havia imaginado".
Nick Bryant, de Sydney para a BBC News, em 16.03.22. Nick Bryant é autor do livro When America Stopped Being Great: a history of the present (Quando a América Parou de Ser Grande: uma história do presente). Ele é ex-correspondente da BBC em Nova York (EUA) e vive hoje em Sydney (Austrália).
terça-feira, 15 de março de 2022
A ditadura explícita e a disfarçada
Situação do Brasil não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, mas é bom ficar de olho
O presidente Jair Bolsonaro e o premiê húngaro, Viktor Orbán, reuniram-se em Budapeste; Bolsonaro chamou líder de extrema direita de 'irmão'. Foto: EFE/EPA/Vivien Cher Benko
É fácil se ver no meio de uma manifestação ao caminhar pelas ruas de Budapeste, a belíssima capital da Hungria. De um lado do rio Danúbio, em Buda, o partido ultraconservador Mi-Hazank exibe seus símbolos patrióticos. Do outro, em Peste, militantes antivacina prestam solidariedade aos caminhoneiros canadenses. Todos os anos há uma enorme parada gay, sem repressão policial.
Parece uma democracia, mas não é. Livros de temática inclusiva são multados, uma universidade inteira acabou expulsa do país por abrigar intelectuais críticos ao governo e a Constituição foi reescrita para permitir a reeleição eterna do Fidesz, o partido do primeiro-ministro Viktor Orbán.
Nas duas últimas semanas foram divulgados os resultados anuais de dois rankings de democracia, o da revista britânica The Economist e o do instituto V-Dem, que é sediado em Gotemburgo, na Suécia. Tais rankings são especialmente necessários em casos como o da Hungria, em que o autocrata de plantão, Viktor Orbán, usa o manto da democracia para esconder um duro regime autoritário. Os dois estudos estão anexados à versão digital da coluna.
Estive na Hungria quando Jair Bolsonaro visitou Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão”. Antes, o presidente brasileiro havia visitado o autocrata russo, Vladimir Putin, que nunca tentou disfarçar seus ímpetos autoritários. “A visita de Bolsonaro a Putin e a Orbán não trouxe nenhum resultado prático, apenas serviu para mostrar à base do presidente que ele tem amigos no mundo”, analisa o cientista político Christian Lynch no minipodcast da semana.
E que amigos! Dias depois da visita de Bolsonaro, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Num congresso no ano passado, o V-Dem vaticinou que a onda autoritária aumentaria a possibilidade de guerras pelo planeta. Viktor Orbán enfrenta uma eleição difícil no próximo dia 3 de abril, e fustiga o tempo todo o Judiciário, a academia e a imprensa para se manter no poder. No Brasil, essas mesmas instituições têm ajudado a frear seu “irmão” Bolsonaro.
Vivemos numa época em que golpes de Estado, de direita ou de esquerda, saíram do cardápio político do Ocidente. O autoritarismo passou a ser uma doença que se instala aos poucos. Rankings como o do V-Dem e o da The Economist detectam os primeiros sinais do mal.
No ranking do V-Dem, o Brasil está entre os países em que a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Nossa situação não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, a ditadura explícita e a disfarçada – mas é bom ficar de olho.
É fácil se ver no meio de uma manifestação ao caminhar pelas ruas de Budapeste, a belíssima capital da Hungria. De um lado do rio Danúbio, em Buda, o partido ultraconservador Mi-Hazank exibe seus símbolos patrióticos. Do outro, em Peste, militantes antivacina prestam solidariedade aos caminhoneiros canadenses. Todos os anos há uma enorme parada gay, sem repressão policial.
Parece uma democracia, mas não é. Livros de temática inclusiva são multados, uma universidade inteira acabou expulsa do país por abrigar intelectuais críticos ao governo e a Constituição foi reescrita para permitir a reeleição eterna do Fidesz, o partido do primeiro-ministro Viktor Orbán.
Nas duas últimas semanas foram divulgados os resultados anuais de dois rankings de democracia, o da revista britânica The Economist e o do instituto V-Dem, que é sediado em Gotemburgo, na Suécia. Tais rankings são especialmente necessários em casos como o da Hungria, em que o autocrata de plantão, Viktor Orbán, usa o manto da democracia para esconder um duro regime autoritário. Os dois estudos estão anexados à versão digital da coluna.
Estive na Hungria quando Jair Bolsonaro visitou Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão”. Antes, o presidente brasileiro havia visitado o autocrata russo, Vladimir Putin, que nunca tentou disfarçar seus ímpetos autoritários. “A visita de Bolsonaro a Putin e a Orbán não trouxe nenhum resultado prático, apenas serviu para mostrar à base do presidente que ele tem amigos no mundo”, analisa o cientista político Christian Lynch no minipodcast da semana.
E que amigos! Dias depois da visita de Bolsonaro, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Num congresso no ano passado, o V-Dem vaticinou que a onda autoritária aumentaria a possibilidade de guerras pelo planeta. Viktor Orbán enfrenta uma eleição difícil no próximo dia 3 de abril, e fustiga o tempo todo o Judiciário, a academia e a imprensa para se manter no poder. No Brasil, essas mesmas instituições têm ajudado a frear seu “irmão” Bolsonaro.
Vivemos numa época em que golpes de Estado, de direita ou de esquerda, saíram do cardápio político do Ocidente. O autoritarismo passou a ser uma doença que se instala aos poucos. Rankings como o do V-Dem e o da The Economist detectam os primeiros sinais do mal.
No ranking do V-Dem, o Brasil está entre os países em que a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Nossa situação não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, a ditadura explícita e a disfarçada – mas é bom ficar de olho.
João Gabriel de Lima, escritor, Professor da FAAP e doutorando em Ciência Politica na Universidade de Lisboa. Publicado origalmente n'O Estado de S. Paulo, em 12.03.22.
Derrotar autoritários como Bolsonaro é prioridade, diz Steven Levitsky
Autor que estuda fim da democracia defende coalizão ampla para oposição garantir vitória acachapante na eleição
Autor do celebrado "Como as Democracias Morrem", o cientista político Steven Levitsky, 54, afirma que a presença de um líder autoritário no comando de países como Brasil ou Estados Unidos é uma situação emergencial e que removê-lo do poder deve ser a prioridade.
No caso do Brasil, segundo Levitsky, isso deve ser feito por meio de uma coalizão ampla, com partidos da esquerda à direita, para eliminar o risco de o presidente Jair Bolsonaro (PL) contestar o resultado e contar com o respaldo das Forças Armadas.
"A melhor maneira de garantir que os militares não fiquem tentados a embarcar numa aventura é por meio de uma derrota acachapante de Bolsonaro", diz o professor da Universidade Harvard.
Para ele, os estragos causados por Bolsonaro nas instituições democráticas foram menores do que os provocados pelo ex-presidente Donald Trump. Mas não por um compromisso do brasileiro com a democracia, e sim por ter faltado a força necessária.
Enquanto Trump contou com o Partido Republicano, Bolsonaro passou a maior parte do governo sem legenda e sem base no Congresso, diz Levitsky.
A democracia sobreviveu em ambos os casos, pelo menos até agora, mas, para ele, isso não necessariamente significa sinal de vitalidade das instituições.
"Acho que às vezes nós botamos muita fé nas instituições. Tanto no Brasil como nos EUA, tivemos muita sorte de os autoritários que elegemos não terem construído maiorias como Rafael Correa [no Equador], Alberto Fujimori [no Peru], Vladimir Putin [na Rússia], Hugo Chávez [na Venezuela]."
No livro "Como as Democracias Morrem", o sr. dizia não ter certeza de que a democracia americana sobreviveria a Trump. Ela sobreviveu. Foi uma surpresa?
Bem, não. Os EUA têm um grande número de fatores que favorecem a sobrevivência democrática e dificultam a vida de um presidente autoritário. Temos uma oposição forte com instituições fortes, incluindo um Judiciário independente, uma mídia poderosa, o federalismo.
Mas é importante dizer que, após quatro anos de governo Trump, a democracia americana emerge muito, muito mais fraca do que antes. Ela não sobreviveu intacta. Estamos hoje numa situação mais precária do que estávamos quando o livro foi publicado, e a democracia americana está mais ameaçada.
Não seria possível argumentar que a reação institucional à invasão do Capitólio demarcou um limite claro e mostrou que a democracia não está em questão?
A insurreição foi um sintoma da polarização extrema. Muitos países enfrentaram algum tipo de levante violento na história, e o fator relevante para o desfecho é a reação do sistema político, dos principais partidos.
Onde eles fazem uma defesa inequívoca da democracia, os perpetradores dos atos violentos tendem a ficar marginalizados e enfraquecidos. Foi o que aconteceu na Espanha em 1991 e na Argentina em 1987.
Mas onde os principais partidos políticos se omitem, toleram, perdoam, justificam ou até apoiam os que atacam as instituições, a democracia tende a se enfraquecer. Foi o que aconteceu na França em 1934.
Nos EUA, a resposta do Partido Republicano importa muito, e infelizmente não está parecendo boa.
O que se pode dizer do Brasil, onde pessoas que se manifestam contra a democracia recebem apoio do próprio presidente?
Existem diversos paralelos entre o Brasil e os EUA. Bolsonaro parece que, de forma consciente, imitou Trump ao longo dos anos. Nós elegemos uma figura autoritária de direita em 2016, vocês fizeram o mesmo dois anos depois. Vivemos uma confusão, mas sobrevivemos e conseguimos removê-lo do poder, e tem uma boa chance de que os brasileiros façam o mesmo em 2022.
Mas também existem muitas diferenças. A principal é que Bolsonaro não tem um grande partido político por trás dele. Ele conseguiu comprar apoio do centrão e de legendas pequenas de direita, mas não tem um partido bolsonarista verdadeiro e forte. Trump tinha 1 dos 2 maiores partidos dos EUA, o que o tornou muito mais perigoso.
Por outro lado, o controle do presidente do Brasil sobre os militares é maior do que nos EUA. Então existe a possibilidade de Bolsonaro mobilizar aliados militares de uma forma que Trump não conseguiu. Por enquanto, não parece que isso vá acontecer.
Quatro anos atrás, o sr. disse em entrevista à Folha que era mais otimista sobre o futuro da democracia no Brasil do que muitos brasileiros. Continua otimista?
Basicamente, sim. Mas, mesmo num cenário em que Lula vença, Bolsonaro não seja capaz de dar um golpe e um governo democrático se instaure, isso não vai ser a solução para os problemas do Brasil.
Isso elimina uma das maiores ameaças, mas um governo Lula teria muito trabalho a fazer para persuadir a maioria dos brasileiros de que o sistema funciona e de que a elite política pode atender as demandas da população.
Ou seja, se digo que estou otimista, não significa que o Brasil esteja a ponto de se tornar uma Suécia, mas eu acho que o regime democrático brasileiro vai sobreviver.
E quanto a um cenário em que Bolsonaro perca, não aceite o resultado e tenha o Exército a seu lado nessa contestação?
Essa é a grande interrogação. Nos EUA, Trump não pôde contar com os militares, ao passo que, no Brasil, Bolsonaro talvez possa. A resposta a essa interrogação vai determinar o destino da democracia brasileira. Eu acho que há razões para acreditar que os militares vão se comportar como nos EUA.
Líderes militares no Brasil têm mostrado preocupação com a politização das tropas, houve renúncias no ano passado e eles não participaram da mobilização contra o Supremo Tribunal Federal. E, mais importante, militares em geral não intervêm na política se não tiverem um apoio social generalizado. Se Bolsonaro perder de maneira expressiva, ele vai estar muito isolado para atrair os militares.
Por isso sempre digo que Lula precisa construir uma coalizão muito grande. A melhor maneira de garantir que os militares não fiquem tentados a embarcar numa aventura é por meio de uma derrota acachapante de Bolsonaro.
Quando Bolsonaro era candidato, o sr. afirmou que ele pontuava em todos os quesitos como um líder autoritário. Essa análise mudou com ele como presidente?
Não, mas é interessante notar que Bolsonaro atacou menos as instituições democráticas do que Trump. Trump controlou um partido grande, e isso lhe deu muito poder. O equivalente no Brasil seria ter uma base grande no Congresso, mas Bolsonaro ignorou isso na primeira metade do mandato.
Bolsonaro provocou danos inimagináveis à sociedade brasileira na saúde pública, na questão ambiental e em muitas outras áreas, mas ele não provocou tanto dano às instituições democráticas. Pelo menos não ainda. Mas não porque a gente tenha subestimado seus compromissos com a democracia, e sim porque ele tem sido um presidente muito fraco para causar grandes estragos.
A expressão "as instituições estão funcionando" se mostra acertada?
Bem, as instituições funcionam até que elas deixem de funcionar. As instituições brasileiras são muito fortes. Elas estão entre as mais robustas da América Latina. Mas não é só que as instituições estejam funcionando. É que Bolsonaro, até agora, não teve a força necessária, ou talvez a habilidade necessária, para subordiná-las ou manipulá-las.
A sobrevivência da democracia não significa necessariamente que as instituições tenham funcionado. Acho que às vezes nós botamos muita fé nas instituições. Tanto no Brasil como nos EUA, tivemos muita sorte de os autoritários que elegemos não terem construído maiorias como Rafael Correa [Equador], Alberto Fujimori [Peru], Vladimir Putin [Rússia], Hugo Chávez [Venezuela].
Em seu livro, o sr. cita duas regras não escritas fundamentais para a democracia: a tolerância mútua [reconhecer a legitimidade dos adversários políticos] e a reserva institucional [comedimento no uso dos poderes]. Como zelar por essas normas quando o presidente é o primeiro a desrespeitá-las?
Quando você tem um autoritário no poder em uma democracia presidencial como a brasileira ou a americana, você está em uma situação emergencial. Você está além de se preocupar com a erosão de regras não escritas. Você precisa se preocupar com a sobrevivência da própria democracia.
Então, antes de perguntar o que é possível fazer por essas normas, é preciso remover o presidente autoritário. Quando o presidente está violando essas duas regras de forma flagrante e reiterada, até que ele seja um ex-presidente, não há como restaurá-las.
Sempre que uma democracia conviver com uma força política expressiva que seja antidemocrática, discussões sobre normas de tolerância mútua precisam ir para o segundo plano até essa força ser isolada e derrotada.
O lugar onde essas normas não escritas podem ser reconstruídas é dentro de uma coalizão de oposição aos autoritários. Eu defendo a construção de uma coalizão da esquerda à direita contra as forças autoritárias tanto nos EUA como no Brasil.
Bolsonaro recentemente visitou Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, dois líderes autoritários. Isso sinaliza algo sobre o que o presidente brasileiro pretende fazer?
É um sinal preocupante. Estamos num período de realinhamento no Ocidente e, dependendo de como a guerra na Europa evoluir, pode haver uma mudança geopolítica significativa. Vemos nas democracias ocidentais a ascensão de uma direita antiliberal que, cada vez mais, tem desafiado a ordem democrática.
Essa direita iliberal é transnacional. Seus líderes e ideólogos se falam, entram em contato com extremistas da América do Sul e do Leste Europeu. Tudo isso é assustador e diz muito sobre quão extremista o Bolsonaro é e sobre quão limitado é o seu comprometimento com as instituições democráticas liberais. Mas isso não nos diz quão bem-sucedido ele vai ser, porque nem Putin nem Orbán virão salvar Bolsonaro.
Em seu livro, o sr. dizia que uma crise poderia fortalecer líderes autoritários, mas a pandemia parece ter indicado o oposto para Trump e Bolsonaro. Houve casos em que alguns líderes se aproveitaram da crise para concentrar poder, como nas Filipinas, na Índia, na Hungria e em El Salvador, mas você está certo em relação a Trump e Bolsonaro. Essa crise de saúde pública não só não os beneficiou como parece tê-los prejudicado bastante.
Historicamente, crises econômicas, crises que tiram do governo a capacidade de entregar resultados para a população, elas tendem a enfraquecer tanto líderes democráticos como autoritários.
Nessa crise [da Covid], a melhor resposta provavelmente dependeria de aceitar o que dizem especialistas e dar poder a eles, mas Trump e Bolsonaro não admitem fazer isso. E o fato de eles terem recusado a expertise os levou a abdicar da possibilidade de concentrar poder e impor restrições, por exemplo.
Os dois tiveram uma das piores respostas do mundo. Nem todos os autocratas reagiram assim, mas o caso deles nos mostra que nem todas as crises têm o mesmo efeito em relação a líderes autoritários.
Muita coisa mudou desde que seu livro foi publicado e o sr. está escrevendo o próximo. Vai ser uma continuação?
Vai ser um pouco mais concentrado nos EUA, embora também tenha uma dimensão comparativa. A questão principal é: por que partidos políticos tradicionais se viram contra a democracia?
Nós argumentamos que, nos EUA, o desenvolvimento gradual de uma democracia multirracial nos últimos 50 anos provocou uma radicalização do Partido Republicano e o levou para um caminho autoritário.
Nós também olhamos para instituições contramajoritárias nos EUA. Os EUA têm uma enorme quantidade de instituições que minam a vontade da maioria. Então nós fazemos um apelo por uma reforma constitucional em direção a uma democracia mais democrática nos EUA.
RAIO-X, Steven Levitsky, 54. Cientista político, mestre pela Universidade Stanford e doutor pela Universidade da Califórnia, Berkeley, é professor de governo na Universidade Harvard, onde também atua no Centro Weatherhead para Relações Internacionais e no Centro David Rockefeller para Estudos Latino Americanos. É autor, entre outras obras, de "Como as Democracias Morrem" (Zahar, 2018), escrito com Daniel Ziblatt.
Entrevista a Uirá Machado, publicada originalmente na Folha de S. Paulo, em 14.03.22
Moro rebate Doria sobre caso Arthur do Val e fala em pacto contra Lula e Bolsonaro
Ex-juiz nega efeito de áudios em sua campanha e afirma que terceira via deve mostrar adversários reais
O ex-juiz Sergio Moro rebateu nesta terça-feira (15) declarações do governador João Doria (PSDB) sobre os impactos do caso Arthur do Val em sua candidatura presidencial e falou em um pacto de não agressão entre os candidatos da chamada terceira via.
Ele não detalhou como seria esse acordo, mas disse que a intenção é unir forças contra os "reais adversários" na corrida pelo Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em entrevista divulgada na noite de segunda (14), Doria, pré-candidato do PSDB à Presidência, afirmou que a repercussão dos áudios sexistas de Arthur do Val sobre mulheres ucranianas "fragilizou" a candidatura de Moro. O deputado, que tinha sua candidatura ao Governo de São Paulo apoiada pelo ex-juiz, desistiu da campanha e saiu do Podemos depois do escândalo.
Nesta terça, Moro rebateu a afirmação de Doria. "Não creio. Esse episódio foi lamentável, eu manifestei de pronto meu repúdio àquelas declarações inaceitáveis, o deputado se afastou tanto da construção da candidatura dele como também do próprio MBL e do Podemos. Não vejo como isso possa sinceramente afetar nada", disse.
Em relação às negociações na terceira via, o ex-juiz disse que "existe algo que é bastante claro que temos pelo menos um pacto para saber que os reais adversários são os extremos e não as demais candidaturas de centro".
Questionado, Moro não quis dar detalhes sobre esse acordo, dizendo, inclusive, que ele ainda estaria em montagem. "Esse pacto está sendo construído, não está definido, não tenho como te responder", afirmou.
A declaração foi dada em entrevista à imprensa após dois compromissos em Brasília, um com o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e outro com representantes do Fórum Nacional de Filantropia.
Ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, Moro também se mostrou favorável ao projeto que libera a mineração em terras indígenas, desde que haja autorização expressa das populações tradicionais.
"Tem que respeitar principalmente a autonomia do povo indígena afetado. Tem que haver a concordância", afirmou, acrescentando que não se pode partir do "pressuposto de que nunca é de interesse do povo indígena o exercício de atividade econômica".
Segundo ele, o projeto "estabelece a consulta da comunidade", mas "não deixa claro até que ponto vai ser respeitada a vontade do povo indígena".
"Qualquer exploração mineral e qualquer outra atividade tem que ser também ambientalmente correta, obter as licenças, assumir os compromissos de recomposição do ambiente degradável, mas a questão fundamental é respeitar a autonomia dos povos indígenas."
Moro também defendeu que sejam nomeadas mais mulheres para chefiar ministérios do governo federal, mas não se comprometeu em indicar um patamar mínimo de ministras em sua gestão, caso vença as eleições deste ano.
Além disso, o pré-candidato a presidente pelo Podemos voltou a afirmar que o Judiciário tem dado decisões que ajudam no retrocesso da agenda de combate à corrupção, que é uma de suas principais plataformas de campanha.
Em relação às negociações para firmar coligação com outros partidos, o ex-ministro disse acreditar que as articulações vão começar a evoluir em abril, após o fim da janela partidária.
"Como está nesse período de transferência [de deputados entre as legendas], o foco dos partidos tem sido formar as bancadas nos estados, mas existem discussões sendo realizadas em termos de alianças", disse.
Ele afirmou que ainda está otimista em relação à possibilidade de se unir com políticos que também se lançaram como pré-candidatos neste ano.
"Há uma conversa no sentido de ter uma candidatura única entre vários partidos. Não sabemos se isso vai evoluir, mas há uma expectativa de que sim, se possa ter a construção de uma candidatura única de centro contra os extremos políticos", disse.
Matheus Teixeira, de Brasília para a Folha de São Paulo, em 15.03.22
O engole-vento, o bicho-preguiça e os bombardeios russos a Kiev
O adolescente que bateu na porta da KGB
Vladimir Putin busca punir não só a Ucrânia, mas, por meio dela, todo o Ocidente, sem imaginar que, em vez de semear discórdia, como de costume, a Europa se uniu como poucas vezes antes em sua resposta à monstruosa agressão
Bonecas Matryoshka com a imagem do presidente Putin, à venda em uma loja de souvenirs russa em Atenas na segunda-feira. (Foto: Orestis Panagiotou / EFE)
Estamos no final dos anos sessenta. A juventude do mundo se entrega ao movimento hippie ; em Paris e no México erguem-se barricadas contra os poderes estabelecidos; em Praga são assinadas petições a favor da sua Primavera e, mais tarde, contra o ocupante russo. Enquanto o mundo se rende aos processos libertadores, em Leningrado um adolescente, que por sua baixa estatura parece ter menos de 17 anos, bate à porta da KGB. O jovem que devora obras de Marx, Engels e Lenin consegue se encontrar com um oficial e pede que ele se junte às fileiras da polícia secreta. O funcionário recomenda que você termine seus estudos mais cedo. O adolescente que vai para a KGB todos os anos depois disso se chama Vladimir Putin .
Duas décadas depois, o Muro de Berlim cai. O adolescente de outrora tem 37 anos, é um alto funcionário da KGB, onde ingressou em 1975, após estudar direito, e se sente um peixe na água naquele ambiente de poder, controle e desprezo pelas pessoas comuns. Ele trabalha em estreita colaboração com a Stasi em Dresden, na Alemanha Oriental. E enquanto os berlinenses comemoram a queda do comunismo e com garrafas de cerveja na mão ajudam a destruir o muro que divide sua cidade, enquanto Budapeste, Varsóvia, Praga e Bucareste comemoram a queda dos governos totalitários e depois de quatro décadas preparam suas primeiras eleições na União Soviética União Mikhail Gorbachev realizou perestroikae transparência e os russos gostam de poder dizer a verdade após 70 anos de terror, enquanto todos esses processos libertadores estão ocorrendo no mundo, o jovem tenente-coronel da KGB queima documentos. Ao contrário dos outros, Putin não tem nada a comemorar porque seu universo, o da força despótica do Estado totalitário, acaba de se desintegrar. Tanto ele quanto seus colegas da KGB na Europa Oriental destroem documentos e telefonam para Moscou, mas ninguém atende suas ligações. Nesse momento, o jovem kagebeshnik , o implacável funcionário da KGB, entra em pânico com as manifestações massivas que exigem um trio de valores ocidentais: mudança, liberdade e democracia. Desde então, esse trio se tornou seu inimigo, e o Ocidente o alvo de sua ira.
Os anos passam. Nos anos noventa, Putin participa do saque do que resta do estado soviético e, junto com outros saqueadores, torna-se um oligarca. Em 1999, o ex-oficial da KGB torna-se primeiro-ministro e, pouco depois, presidente da Rússia, cargos que ocupa há mais de duas décadas.
Ao longo desses 20 anos, ele recebeu o namoro de vários presidentes americanos: George W. Bush fala sobre seus olhos azuis que não conhecem o mal, Barack Obama se esforça para restabelecer suas relações presidenciais , Donald Trump o mima . Mas em vez de seus rostos, Putin vê o trio ameaçador de valores ocidentais e vira as costas para eles. Na Rússia, ele prende e mata dezenas e centenas de pessoas por dizerem o que pensam, jornalistas e historiadores como Anna Politkóvskaia, ativistas e políticos da oposição como Mikhail Khodorkovsky, Alexei Navalny e Boris Nemtsov, além dos cantores do grupo Pussy Motim, e transforma a Rússia de volta em um país de medo e terror. Nemtsov inventa um slogan que define a Rússia de Putin: país de bandidos e ladrões (strana zhulikov i vorov ). Este slogan torna-se um slogan duradouro e Nemtsov é assassinado . Depois dele, Navalni o adota – envenenado e preso – e eles continuam a repetir manifestações massivas que enfrentam Putin.
A Ucrânia, país que em 2014, na revolução de Maidan, expulsou o presidente pró-russo Viktor Yanukovych, deu as costas à Rússia e se aproxima do Ocidente, tornou-se alvo da ira de Putin por representar o trio de valores que o presidente russo abomina. Desde que o país se tornou voluntariamente independente da Rússia, teve sua Revolução Laranja e, finalmente, elegeu Volodymyr Zelensky como presidente – aquele jovem ator cômico, a cara do odiado trio – Putin teve dificuldade em se controlar. Em seu encontro com Emmanuel Macron, diante da longa mesa, a certa altura, com sarcasmo e raiva, pronunciou a letra de uma canção russa popular – e vulgar, além de humilhante para as mulheres: “Quer você goste ou não, minha linda, você terá que aturar o que eu fizer .” O presidente ucraniano respondeu em um tweet: "Sim, a Ucrânia é uma beleza, mas não é sua". O resto é conhecido: há quase 20 dias, Putin efetivamente se colocou no papel do estuprador da música: ele busca punir não apenas a Ucrânia, mas, por meio dela, também o odiado Ocidente. No entanto, mal imaginava que, em vez de semear a discórdia, como de costume, entre os países europeus, tenha ajudado o Ocidente a se unir como poucas vezes antes em sua resposta à monstruosa agressão e na recepção de refugiados do país atacado.
Monika Zgustova, a autora deste artigo, é escritora; seu último romance é Nós parecíamos melhor no escuro (Galaxia Gutenberg). Publicado originalmente no EL PAÍS, em 14.03.22.