terça-feira, 15 de março de 2022

Ucrânia poderá ficar fora da Otan

"É uma verdade que deve ser reconhecida", diz presidente ucraniano. Possível adesão à aliança foi usada por Moscou como pretexto para invasão. Acompanhe as últimas notícias da guerra na Ucrânia.

Zelenski admite pela 1ª vez a possibilidade de a Ucrânia não fazer parte da Otan

Conflito já deixou mais de 3 milhões de refugiados

Kiev instaura toque de recolher de quase dois dias

Líderes do Leste Europeu viajam a Kiev

Militares ucranianos dizem ter frustrado ataque russo a Mariupol

Zoológico ucraniano apela por ajuda para salvar animais

Ao menos dois mortos em ataques a área residencial de Kiev

As atualizações estão no horário de Brasília.

14:55 – Zelenski admite pela 1ª vez a possibilidade de a Ucrânia não fazer parte da Otan

O presidente Volodimir Zelenski acenou, pela primeira vez, com a possibilidade de aceitar que a Ucrânia não faça parte da Otan no futuro.

O risco de uma adesão ucraniana à aliança foi um dos pretextos utilizados pela Rússia para justificar sua invasão ao país vizinho.

"A Ucrânia não é membro da Otan. Entendemos isso. Escutamos durante anos que as portas estavam abertas, mas também ouvimos que não podíamos aderir. É uma verdade que deve ser reconhecida", afirmou Zelenski em videoconferência com autoridades militares. 

Se a Ucrânia fosse um país-membro da Otan, todos os aliados seriam coletivamente obrigados a defendê-la em caso de ataque russo: isso é o que prevê o Artigo 5º do Tratado da Aliança.

A situação estratégica seria, portanto, completamente diferente do que é agora, quando cabe à aliança e cada Estado-membro decidir se prestarão apoio a Kiev e, caso afirmativo, de que modo.

Desde a independência da Ucrânia, em 1991, após o colapso da União Soviética, a liderança em Kiev tem tentado aproximar o país da aliança ocidental, mas enfrenta forte resistência da Rússia. 

O presidente russo, Vladimir Putin, se queixou repetidas vezes da expansão da Otan para o Leste Europeu, e considera uma possível adesão da Ucrânia à aliança como uma ameaça direta ao seu território. 

13:50 – Otan teme o uso de armas químicas pela Rússia

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que a organização teme que a Rússia esteja se preparando para realizar um ataque com armas químicas na Ucrânia. "Estamos preocupados que Moscou possa encenar uma operação de bandeira falsa, possivelmente com armas químicas", disse, citando as alegações, que chamou de "absurdas", feitas pelo Kremlin sobre supostos laboratórios ucranianos para a produção deste tipo de armamento.

Segundo ele, a Otan continua muito vigilante e enfatizou que a Rússia teria "um alto preço a pagar" se realizasse "tal violação do direito internacional". Ele evitou comentar sobre qual seria a resposta da organização caso um ataque deste tipo ocorresse. (AFP)

13:00 – Rússia impõem sanções a Biden

A Rússia impôs sanções contra o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e diversos funcionários do alto escalão do governo americano, em respostas às punições que enfrenta devido à invasão da Ucrânia.

De acordo com o Ministério do Exterior russo, os sancionados foram proibidos de entrar na Rússia. Além de Biden, a medida se aplica também ao secretário de Estado americano, Antony Blinken, e ao secretário de Defesa, Lloyd Austin.

Em comunicado, o ministério disse que as sanções são "consequência da política extremamente russofóbica seguida pelo atual governo americano". O Kremlin informou que as sanções contra Biden, Blinken e contra vários diretores de agências do governo americano entram em vigor a partir de hoje. (AFP)

12:24 – Jornalista que protestou em televisão russa é levada a tribunal

A jornalista russa que protestou contra a guerra na Ucrânia durante um noticiário do horário nobre na Rússia foi apresentada a um tribunal nesta terça-feira. Marina Ovsyannikova foi detida no dia anterior após invadir o jornal ao vivo da emissora estatal segurando um cartaz com os dizeres "não à guerra" e "não acredite na propaganda, eles estão mentindo aqui para você".

A jornalista será julgada por violar as leis de protesto e pode ser condenada a até dez dias de prisão. Ela é acusada de organizar um evento público não autorizado.

Jornalista segura cartaz de protesto contra guerra na Ucrânia durante transmissão de jornal russoJornalista segura cartaz de protesto contra guerra na Ucrânia durante transmissão de jornal russo

Ovsyannikova protestou durante jornal ao vivoFoto: AFP/Getty Images

Imagens do protesto circularam nas redes sociais no mundo todo. Ovsyannikova ficou poucos segundos no ar, antes que a transmissão ao vivo fosse interrompida por uma reportagem gravada. Antes do protesto, a jornalista gravou um vídeo criticando o governo de Vladimir Putin e a invasão da Ucrânia. (AFP, ots)

11:20 – UE anuncia novo pacote de sanções à Rússia

A União Europeia decidiu adotar um quarto pacote de medidas restritivas contra a Rússia "em resposta à sua agressão brutal contra a Ucrânia e seu povo", segundo comunicado divulgado no site da Comissão Europeia nesta terça-feira.

O objetivo é aumentar a pressão econômica sobre o Kremlin e paralisar sua capacidade de financiar a invasão da Ucrânia, diz o texto, apontando que as medidas foram coordenadas com parceiros internacionais, especialmente os Estados Unidos.

As novas sanções incluem uma ampla proibição de novos investimentos no setor de energia da Rússia; um veto à exportação pela UE de produtos de luxo, como carros e joias, para atingir diretamente a elite russa; e a inclusão de mais oligarcas e membros da elite econômica ligada ao Kremlin na lista de pessoas e entidades sancionadas.

10:15 – Destruição no aeroporto de Dnipro

Ataques com foguetes causaram "destruição maciça" no aeroporto da cidade de Dnipro, no leste da Ucrânia, disse o governador regional, Valentin Reznichenko, nesta terça-feira.

"Durante a noite, o inimigo atacou o aeroporto de Dnipro. Dois ataques. A pista foi destruída. O terminal está danificado. Destruição maciça", disse Reznichenko no Telegram.

"Vai levar muito tempo para nos recuperarmos", lamentou. (DW)

10:06 – Hospital infantil do Vaticano trata crianças ucranianas

O hospital infantil do Vaticano, Bambino Gesu, está tratando crianças ucranianas doentes e feridas. Desde o início da guerra, 33 crianças ucranianas receberam atendimento médico na clínica, informou o jornal italiano Il Tempo, citando o oficial de saúde regional.

Atualmente, há 18 crianças em tratamento, entre elas, uma de sete anos que precisa urgentemente de um transplante de medula óssea. 

Além disso, cinco meninas foram internadas recentemente, uma com câncer e quatro com ferimentos causados ​​por bombas. A crianças têm entre 7 e 14 anos. (ots)

08:15 – Conflito já deixou mais de 3 milhões de refugiados

A guerra na Ucrânia fez com que mais de 3 milhões de pessoas fugissem do país em apenas 19 dias, conforme informou nesta terça-feira a Organização Internacional para Migrações (OIM).

"Acabamos de receber os últimos números e podemos confirmar que foi superada a marca dos 3 milhões de refugiados", disse Paul Dillon, porta-voz da agência da ONU, sediada em Genebra.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) indicou que 90% desse grupo é composto por mulheres e crianças. (EFE)

08:00 – Kiev instaura toque de recolher de quase dois dias

Após novos ataques russos intensos ​​na capital ucraniana, o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, anunciou um longo toque de recolher. De terça-feira às 19h até quinta-feira às 6h (horário local), os moradores só poderão deixar suas casas para procurar abrigos subterrâneos, escreveu Klitschko no Telegram. Exceções se aplicam somente a pessoas com documentação especial. 

"Peço a todos os moradores de Kiev que se preparem para o fato de terem que ficar em casa por dois dias ou, em caso de alarme, em abrigos", enfatizou Klitschko. 

As tropas russas tentam cercar Kiev por vários lados. A cidade se prepara há dias para um possível bloqueio russo. (ots)

Duas pessoas em uma sacada sacodem panos. O prédio está bastante danificadoDuas pessoas em uma sacada sacodem panos. O prédio está bastante danificado.

Prédios residenciais de Kiev foram atingidos por bombardeios russos nesta terça-feiraFoto: Maxym Marusenko/NurPhoto/picture alliance

05:44 – Primeiros-ministros de Polônia, República Tcheca e Eslovênia viajam a Kiev

Os primeiros-ministros da Polônia, Mateusz Morawiecki, da República Tcheca, Petr Fiala, e da Eslovênia, Janez Jansa, viajam nesta terça-feira a Kiev como representantes do Conselho Europeu, para se encontrarem com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e o primeiro-ministro, Denys Chmygal. 

O objetivo da visita é "reafirmar o apoio inequívoco da União Europeia à Ucrânia e a sua liberdade e independência", afirmou Fiala no Twitter. 

De acordo com o assessor presidencial polonês Michal Dworczyk, espera-se que os líderes apresentem um pacote de ajuda da UE para a Ucrânia.

04:27 – Governo da Ucrânia lança página de doação de criptomoedas

O governo da Ucrânia lançou um site para doações de criptomoedas. "As criptomoedas desempenham um papel importante na defesa da Ucrânia", disse o vice-ministro de Transformação Digital, Oleksandr Bornyakov. 

Segundo ele, as criptomoedas "facilitam o fluxo de fundos para cidadãos e soldados ucranianos". 

O site Aid for Ukraine permite que os usuários enviem doações em dez criptomoedas diferentes, que são convertidas em dólares. Quase 50 milhões de dólares já foram arrecadados em poucas horas. O dinheiro será usado para apoiar militares e civis ucranianos.

Além da plataforma FTX, com sede nas Bahamas, as empresas ucranianas Everstake e Kuna também estão envolvidas na iniciativa. (ots)

04:17 – Militares ucranianos dizem ter frustrado ataque russo a Mariupol

O Exército ucraniano disse que se defendeu de uma tentativa russa de assumir o controle da cidade portuária de Mariupol nesta segunda-feira. O Estado-Maior informou em comunicado que as forças russas se retiraram após perdas. 

A cidade, localizada às margens do Mar de Azov, está sitiada por tropas russas há vários dias. Os moradores estão sem luz e água e enfrentam escassez de comida. Por outro lado, a Rússia informou que combatentes chechenos estão liderando uma ofensiva russa em Mariupol.

Autoridades locais informaram que mais de 2.300 pessoas morreram desde o início da guerra em Mariupol, cidade que tem cerca de 400 mil habitantes. As autoridades alertam que, com o aumento da intensidade dos ataques, o número de vítimas pode chegar a 20 mil. A DW não pôde checar as informações de forma independente. (ots)

03:11 – Negociações entre Ucrânia e Rússia devem ser retomadas nesta terça-feira

A quarta rodada de negociações entre a Ucrânia e a Rússia sobre o fim dos combates deve ser retomada nesta terça-feira, após ser interrompida no começo da tarde desta segunda. O encontro ocorre por videoconferência.

As delegações já se reuniram outras três vezes pessoalmente em Belarus. Até agora, as rodadas de negociações não levaram a acordos, mas ambos os lados expressaram um otimismo cauteloso no fim de semana. 

A Ucrânia exige o fim da guerra e a retirada das tropas russas. Moscou, entre outros pontos, quer que Kiev reconheça a península anexada da Crimeia como território russo e as áreas separatistas do leste ucraniano como estados independentes. (ots)

03:00 – Zoológico ucraniano apela por ajuda para salvar animais

Devido aos ataques russos à região de Kiev, um grande zoológico perto da capital ucraniana apelou por um corredor seguro para fornecer ajuda aos animais. 

"Não podemos tirar rinocerontes e girafas de lá, e não temos remédios para fazê-los dormir", disse o porta-voz Mykhailo Pinchuk, segundo a agência Unian. 

Sem um corredor seguro, os animais no zoológico de Demidiv estão prestes a morrer de frio e fome. De acordo com Pintschuk, os animais só sobreviveram até agora graças a alguns ajudantes que deram aos animais "restos dos restos". 

O zoológico precisa urgentemente de combustível e comida para aquecer e alimentar os animais. (ots)

02:32 – Ao menos dois mortos em ataques a área residencial de Kiev

Pelo menos três fortes explosões foram ouvidas em Kiev na manhã desta terça-feira (horário local), informou a agência de notícias AFP. Logo depois, uma coluna de fumaça pôde ser vista sobre a capital ucraniana. 

De acordo com o jornal The Kyiev Independent, dois prédios residenciais foram atingidos por bombardeios russos. Um deles teria 16, e o outro, cerca de dez andares. Ao menos duas pessoas morreram, e 27 foram resgatadas, segundo os serviços de resgate ucranianos.

Também de acordo com o The Kyiev Independent, uma estação de metrô foi danificada por uma onda de choque e permanecia fechada na manhã desta terça-feira. 

O Exército russo tenta cercar Kiev. Metade dos três milhões de habitantes ainda estão na cidade. Um assessor do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que a cidade está se preparando para uma "defesa feroz". (AFP, ots)

02:00 – Resumo do 19º dia da guerra: EUA alertam China contra apoiar Rússia

Washington alertou nesta segunda-feira, no 19º dia da guerra, para "consequências" para a China, caso o país se envolva, mesmo que indiretamente, no conflito entre Rússia e Ucrânia.

Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, expressou a preocupação americana com o alinhamento da China com a Rússia, em um encontro com diplomatas chineses em Roma.

O americano tentou deixar claro que ajudar Moscou a driblar as sanções impostas pelo Ocidente poderá resultar em um alto custo para o país.

"O assessor de Segurança Nacional e nossa delegação expressaram com clareza nossas preocupações [...] e as implicações que tal apoio teria para as relações da China não somente conosco, mas com parceiros ao redor do mundo", disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price.

O 19º dia da guerra também foi marcado pela retirada de civis de áreas de conflito e pelo anúncio da Rússia que restringiria exportações de grãos, entre outros fatos. MaiConfira um resumo da segunda-feira. 

Deutsche Welle Brasil, em 15.03.22

EUA anunciam novas sanções contra Rússia e o presidente de Belarus

As medidas fazem parte de um conjunto de sanções internacionais contra a Rússia e Belarus

Putin (AFP/Kremlim)

Os Estados Unidos anunciaram na terça-feira (15) novas sanções econômicas contra o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, e sua esposa, assim como outras pessoas e uma entidade russa, por corrupção e violações de direitos humanos, disse o Tesouro em comunicado.

Essas sanções miram em Lukashenko, aliado do presidente russo Vladimir Putin, e "chefe de um governo corrupto em Belarus, cuja rede de patrocínio beneficia sua comitiva e seu regime", bem como sua esposa, afirmou o Tesouro.

As medidas fazem parte de um conjunto de sanções internacionais contra a Rússia e Belarus, isso é devido a algumas das tropas russas terem invadido a Ucrânia pelo país.

Além disso, uma juíza de Moscou, Natalia Mushnikova, foi sancionada sob a Lei Magnitsky Global, que visa combater a corrupção e os abusos dos direitos humanos.

Três funcionários chechenos e o ministério ao qual estavam ligados também foram incluídos na lista de restrições do Tesouro por sua participação na prisão de Oyub Titiev, chefe da ONG russa de direitos humanos Memorial na Chechênia, condenado por porte de drogas em um caso envolvendo seus apoiadores, considerado pelo Ocidente como uma montagem.

"As decisões de hoje demonstram que os Estados Unidos continuarão a impor consequências concretas e significativas àqueles que cometem atos de corrupção ou estão ligados a graves abusos dos direitos humanos", disse a diretora do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro (OFAC), Andrea Gacki, citada no comunicado.

"Condenamos os ataques da Rússia aos corredores humanitários na Ucrânia e pedimos à Rússia que encerre sua guerra brutal e não provocada contra a Ucrânia", completou.

As sanções do Tesouro congelam todos os ativos que os envolvidos possam ter nos Estados Unidos e proíbem qualquer transação através do sistema financeiro dos EUA.

O Departamento de Estado dos EUA na terça-feira também anunciou medidas contra 11 funcionários do Ministério da Defesa russo em resposta à invasão da Ucrânia.

AFP (Agence France-Presse). Publicado no Correio Braziliense, em 15.03.22

Guerra na Ucrânia: as mulheres que se voluntariam para a linha de frente do conf

"Nossa resistência atual tem um rosto feminino", escreveu a primeira-dama da Ucrânia em sua conta no Instagram. 

Olena Zelenska, esposa do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, compartilhou fotos destacando os esforços das mulheres após a invasão russa.

'Tudo o que eu amo está aqui, então não posso deixar Kiev e vou lutar se for preciso', diz Yaryna Arieva

E não foi só Zelenska — as redes sociais estão cheias de imagens de mulheres com armas e uniformes militares prontas para lutar na guerra que assola a Ucrânia desde o final de fevereiro.

Famílias foram separadas quando milhões de pessoas, principalmente mulheres e crianças, fugiram para o oeste em busca de segurança, enquanto maridos e pais ficaram para defender cidades sob ataque russo.

Mas muitas mulheres também ficaram para lutar, incluindo Zelenska, apesar do extremo risco que suas vidas correm.

A BBC conversou com cinco mulheres ucranianas na linha de frente da guerra.

Kira Rudik — 'É assustador, mas estou com raiva'


Kira Rudik recebeu uma arma do governo por ser deputada (Kira Rudik)

"Eu nunca tinha tocado em uma arma até que a guerra começou", disse a parlamentar Kira Rudik. "Nunca precisei."

"Mas quando a invasão começou e havia a possibilidade de conseguir uma arma, fiquei tão chocada com tudo que decidi pegar uma. Ela é pesada e cheira a metal e óleo."

Rudik montou uma unidade de resistência em Kiev que está treinando para defender a capital ucraniana.

Ela mantém em segredo a sua localização, porque, segundo ela, os serviços de inteligência a avisaram que ela está na "lista de assassinatos" do presidente russo Vladimir Putin.

Apesar disso, ela continua seu trabalho como líder do partido Voz no parlamento da Ucrânia, enquanto também patrulha seu bairro com sua unidade.

Uma foto de Rudik com sua arma rapidamente viralizou, e ela diz que isso levou a uma onda de outras mulheres pegando em armas.

"Recebi tantas mensagens de mulheres me dizendo que estão lutando", disse ela à BBC.

"Não temos ilusões de como será esta guerra, mas sabemos que todos temos que lutar para proteger nossa dignidade, nossos corpos, nossos filhos. É assustador, mas também estou com raiva e esse é provavelmente o melhor sentimento que posso ter para lutar pelo meu país."

Das 44 milhões de pessoas que vivem na Ucrânia, 23 milhões são mulheres, segundo o Banco Mundial, e o país tem uma das maiores proporções de mulheres servindo em suas forças armadas.

O Exército ucraniano diz que 15,6% de seus soldados são mulheres — um número que mais que dobrou desde 2014.

Este número pode ser ainda maior após um anúncio em dezembro convocando todas as mulheres de 18 a 60 anos em boas condições físicas a se registrarem para o serviço militar.

As que foram recrutadas ou optaram por ficar na Ucrânia podem acabar enfrentando enormes perigos.

Não se sabe exatamente quantas pessoas morreram nos combates desde a invasão russa, mas as autoridades ucranianas afirmam que mais de mil mortes de civis ocorreram desde 24 de fevereiro.

Não é possível confirmar este número, mas a ONU afirma que, até 8 de março, 516 civis haviam sido mortos.

Além disso, acredita-se que milhares de combatentes de ambos os lados tenham morrido à medida que vai se tendo mais notícias sobre o conflito. E é provável que exista um número muito maior de feridos.

O presidente Zelensky disse que 1,3 mil soldados ucranianos morreram nas duas primeiras semanas da guerra.

Muitos ucranianos próximos aos combates agora vivem no subsolo em porões e estações de metrô para se proteger dos mísseis e ataques aéreos que atingem suas cidades.

Os bombardeios também têm sido indiscriminados, com novas imagens todos os dias de casas destruídas, hospitais arrasados e corredores humanitários ignorados.

Esta é a realidade para aqueles que optam por ficar na zona de guerra da Ucrânia.

Marharyta Rivachenko diz que recebeu essas flores de seus companheiros de batalhão no Dia Internacional da Mulher  (Marharyta Rivachenko)

Ao lado de políticos, mulheres comuns também estão se voluntariando para o esforço de guerra.

Alguns dias antes do início da invasão, Marharyta Rivachenko comemorou seu 25º aniversário em Budapeste, na Hungria, com amigos.

Agora, ela aprendeu a dormir com o som das sirenes de ataque aéreo em abrigos enquanto sua cidade é bombardeada por forças russas.

"Quando a guerra começou, minha família estava em Kharkiv e eu estava sozinha em Kiev. Eu não tinha para onde fugir", disse a gerente de relações públicas à BBC. "Eu não queria ir embora, queria fazer alguma coisa, então decidi me juntar à defesa."

Rivachenko fez cursos de primeiros socorros para se tornar médica em seu batalhão e agora é voluntária como auxiliar de enfermagem.

"Eu estou com muito medo", disse ela. "Eu amo minha vida e quero viver, mas minha vida depende desta guerra, então eu preciso fazer algo para ajudar a acabar com ela."

Yustyna Dusan — 'A minha prioridade é sobreviver'

Antes da guerra, Yustuna Dusan era uma ativista dos direitos dos animais, mas agora não tem tempo para ajudá-los (Yustyna Dusan)

Nem todos podem ingressar nas unidades de defesa territorial porque elas já têm voluntários demais e nem todos têm experiência suficiente.

A consultora de recrutamento de TI Yustyna Dusan está fazendo tudo o que pode para ajudar seu país.

"Eu estou na reserva e pronta para lutar", disse ela. "Fui retirada para Leópolis, pois sem arma ou carro, eu não poderia ajudar muito em Kiev. Então, estou me voluntariando em uma zona segura por enquanto para ajudar a organizar o envio de equipamentos e ajuda humanitária à linha de frente".

Antes da guerra, Dusan era ativista dos direitos dos animais. Mas, ela diz que não tem mais a estofo emocional para se preocupar com os animais.

"É uma catástrofe que os animais sejam abandonados nas cidades para morrer", disse ela. "Mas minha prioridade é sobreviver, para poder ajudar nossas forças armadas que permanecerão firmes até o fim. Nossos filhos estão morrendo e querem matar todos os ucranianos e nos sentimos tão sozinhos nessa situação. Eu só quero não ser morta."

Olena Biletskyi — 'Eu quero que minha filha nasça em uma Ucrânia livre'

Olena Biletskyi, retratada antes da invasão, treina civis para a guerra desde 2014 (Ukraine Women's Guard)

A casa da ex-advogada Olena Biletskyi em Kiev tornou-se a principal sede da Guarda Feminina da Ucrânia.

Ela está grávida de seis meses e decidiu ficar na capital com o marido e as duas filhas, de 11 e 16 anos, para ajudar na defesa da cidade.

"Estamos organizando mulheres na resistência em todo o país", explicou. "Foi uma decisão familiar ficar e lutar, porque não queremos viver sob ocupação. É uma questão entre escravidão e liberdade e esse é o sentimento das mulheres em todo o país. Então vamos ficar em Kiev enquanto pudermos."

Ela e seu marido Oleksandr coordenam o trabalho fisicamente e psicologicamente desgastante de preparar civis para a guerra.

Seus esforços incluem treinamento sobre como fazer coquetéis Molotov, como usar rifles e publicar informações em 33 idiomas em seu site.

A organização de Biletskyi também trabalha para interromper as marcas ultravioletas que eles acreditam serem feitas pelas forças russas para servir como alvos para mísseis e paraquedistas — incluindo uma que sua família encontrou em seu próprio jardim.

"Nos primeiros dias, o medo e a ansiedade foram avassaladores", disse ela. "Mas agora não há medo, apenas o desejo de derrotar o inimigo. Eu não queria fugir e não pretendo. Eu não sei se sobreviveremos, mas quero viver, e eu sonho em ter minha terceira filha em uma Ucrânia livre e independente."

Yaryna Arieva — 'Eu não tenho medo por mim'

Yaryna Arieva e Svyatoslav Fursin se casaram no primeiro dia da guerra (Mikhail Palinchak)

Na manhã em que Putin se mudou para invadir a Ucrânia, Yaryna Arieva tinha uma coisa em mente — ela decidiu se casar. Ela vivia em casas separadas de Svyatoslav Fursin, agora seu marido, e os dois queriam ficar juntos durante todo o conflito.

Os recém-casados juntaram-se à defesa territorial para ajudar a defender Kiev.

"Eu farei tudo o que puder para proteger meu país e minha cidade", disse ela.

"Meu imóvel está aqui, meus pais estão aqui, meu gato está aqui. Tudo que eu amo está aqui, então não posso deixar Kiev e eu vou lutar se for preciso."

Arieva é deputada no conselho da cidade de Kiev, o que significa que ela recebeu uma arma e um colete à prova de bala. Ela se mudou para a base de defesa territorial com o marido, mas ainda não tem experiência suficiente para participar de combate.

Em vez disso, ela espera — rezando, fumando e trabalhando — po notícias de seu marido, que está lutando na linha de frente.

"Antes da guerra eu tinha muito medo. Eu tinha medo de cachorros, da escuridão", diz a jovem de 21 anos. "Mas agora, o único medo que tenho é perder meu marido — não estou com medo por mim."

Fursin esteve em duas missões de combate nas duas primeiras semanas da guerra, enquanto Arieva trabalha na sede da Defesa Territorial (Yaryba Arieva)

Trabalho perigoso

Voluntários estão morrendo na linha de frente, incluindo muitas mulheres.

Em 24 de fevereiro, no primeiro dia em que os tanques russos cruzaram a Ucrânia, a veterana de 52 anos e mãe de cinco filhos, Iryna Tsvila, foi morta em Kiev.

Ela trabalhava como voluntária para defender a cidade ao lado de seu marido Dmytro, que também morreu no mesmo dia.

Uma semana depois, um carro que transportava pessoas que entregavam comida a abrigos de animais perto de Kiev foi alvejado, matando Anastasiia Yalanskaya, de 26 anos, e outras duas pessoas.

Os cães estavam sem comida há três dias e testemunhas dizem que ela se recusou a deixar Kiev para poder ajudá-los.

Outra jovem voluntária, Valeriia "Lera" Matsetska, foi baleada por um tanque russo enquanto dirigia para buscar remédios para sua mãe, de acordo a USAID, entidade para a qual ela trabalhava. Ela estava a poucos dias de seu aniversário de 32 anos.

  • Harriet Orrell, do Serviço Mundial da BBC, em 15.03.22

Brasil confirma dois casos da 'deltacron': o que se sabe sobre nova variante do coronavírus'

O Ministério da Saúde do Brasil confirmou nesta terça-feira (15/3) os dois primeiros casos de covid-19 no país causados pela variante chamada de "deltacron".

Os primeiros casos de covid relacionados a essa nova variante foram detectados na França em janeiro de 2022 (Getty Images)

Numa conversa com jornalistas, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que essa nova versão do coronavírus foi detectada em um paciente do Pará e em outro do Amapá.

"Essa é uma variante de importância, que requer monitoramento. As variantes são classificadas como variantes de importância e de preocupação, e as autoridades sanitárias estão aqui para, diante dessas situações, tranquilizar a população brasileira", disse Queiroga.

Embora seja utilizado em reportagens e postagens de redes sociais, o nome deltacron não é adotado oficialmente pelas instituições de saúde. Por ora, a designação utilizada em estudos e publicações especializadas para essa nova linhagem é AY.4/BA.1.

Confira a seguir o que já se sabe e o que ainda falta conhecer sobre essa nova variante.

Origem e espalhamento

Os primeiros casos de uma variante do coronavírus que une alguns genes da delta com outros da ômicron foram confirmados na França em janeiro de 2022.

De lá para cá, ela também foi encontrada na Bélgica, na Alemanha, na Dinamarca e na Holanda, de acordo com informações do Gisaid, uma plataforma online onde cientistas do mundo todo compartilham sequências genéticas do coronavírus.

Mais recentemente, alguns casos de covid relacionados à deltacron também foram observados nos Estados Unidos e, agora, no Brasil.

A quantidade de sequências positivas desta linhagem ainda é bem baixa: até o momento, foram depositadas no Gisaid apenas 47 amostras da AY.4/BA.1, sendo que 36 delas vêm da França.

Embora não seja uma informação conclusiva, o fato de esse número não ter crescido de forma exponencial de janeiro para março pode ser interpretado como um sinal preliminar de que essa linhagem não possui uma capacidade de espalhamento superior à da ômicron.

Outro dado que corrobora essa perspectiva vem de um estudo ainda não publicado por pesquisadores da Helix, uma empresa privada que trabalha com sequenciamento genético nos Estados Unidos.

Os cientistas analisaram mais de 29 mil amostras positivas para covid-19 que foram colhidas entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022, período em que tanto a delta quanto a ômicron circularam com bastante intensidade por terras americanas.

As variantes do coronavírus mais preocupantes trazem mutações na proteína da espícula (a estrutura vermelha da ilustração), que se liga aos receptores das nossas células (azul) e dão início à infecção .

De todos esses casos positivos, foram identificados apenas dois que traziam a tal da deltacron.

Os autores concluem que, por ora, esses episódios com as duas variantes são "raros" e "não existem evidências de que uma combinação delta-ômicron resulta num vírus mais transmissível em comparação com as linhagens da ômicron em circulação".

Como as variantes se misturam?

O virologista Felipe Naveca, que integra a Rede de Genômica da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), explica que a recombinação de variantes não é algo raro ou inesperado.

"É possível que isso já tenha acontecido várias vezes, com outras linhagens. Mas, como no início as variantes do coronavírus não eram tão diferentes umas das outras, ficava mais difícil detectar esses eventos."

"Os vírus estão em constante evolução e o surgimento de novas versões não é necessariamente uma coisa ruim. Precisamos agora avaliar e entender o impacto que isso pode ter na pandemia", complementa.

Mas como essa recombinação acontece na prática? Primeiro, é preciso ter em mente que os últimos meses foram marcados por uma intensa circulação de duas variantes do coronavírus: a delta e a ômicron.

Nesse contexto, um indivíduo pode se infectar simultaneamente com as duas versões do patógeno, ao ter contato com pessoas infectadas num bar, no transporte público ou em qualquer outro local onde ocorrem aglomerações.

As duas variantes podem, então, infectar uma célula ao mesmo tempo. O resultado desse processo é que as novas cópias de vírus que surgem dali trazem alguns genes característicos da ômicron e outros pedaços do código genético da delta.

No caso da deltacron, por exemplo, os cientistas observaram que ela carrega a espícula da ômicron e o "corpo" da delta.

Vale lembrar aqui que a espícula, ou a proteína S, é uma estrutura que fica na superfície do vírus. A função dela é se conectar aos receptores das células humanas para dar início à infecção.

Ainda não está claro se essa "mistura" de duas linhagens importantes do coronavírus pode causar um quadro mais grave, com risco maior de hospitalização ou morte.

Também não existem informações se ela consegue escapar da imunidade, conferida por uma infecção prévia ou pela vacinação.

Os cientistas estão fazendo pesquisas para responder a essas perguntas e os primeiros resultados devem ser divulgados nas próximas semanas.

Tomar todas as doses de vacina é uma das principais atitudes para barrar o surgimento de novas variantes do coronavírus.

Há razão para preocupar-se?

Autoridades em saúde pública nacionais e internacionais têm pedido ponderação e calma a respeito dessa nova variante.

Ao anunciar a descoberta dos dois primeiros casos no país, o ministro Queiroga falou em "tranquilizar a população brasileira" e disse que a detecção da deltacron é "fruto do fortalecimento da capacidade de vigilância genômica no Brasil".

Em entrevistas recentes, Maria Van Kerkhove, líder técnica de covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS), destacou que até agora "não foram observadas mudanças epidemiológicas ou na severidade da doença relacionadas a essa variante".

"Infelizmente, esperamos ver mais vírus recombinados, pois mudar com o passar do tempo é justamente o que esses patógenos fazem", explicou a especialista.

Naveca concorda com os prognósticos e as análises. "Da parte científica, a gente precisa aumentar a vigilância genômica e fazer cada vez mais sequenciamentos de amostras para entender se essa nova variante tem algum impacto", aponta.

"Já do ponto de vista individual, é muito importante completar o esquema vacinal com as doses recomendadas", recomenda.

"E os demais cuidados preventivos, como a lavagem das mãos e o uso de máscaras de boa qualidade, especialmente em ambientes fechados, continuam a funcionar para diminuir o risco de se infectar com qualquer variante do coronavírus", conclui o virologista.

André Biernath - @andre_biernath, de Londres para a BBC News Brasil, em 15.03.22

quinta-feira, 10 de março de 2022

Com alta dos combustíveis, Senado aprova projeto que busca conter o impacto na bomba

Projeto cria uma conta de estabilização para subsidiar o preço da gasolina e do diesel e cria um auxílio de R$ 300 para motoristas de baixa renda; texto segue para a Câmara dos Deputados


Frentista abastece carro; Senado aprovou projeto que cria uma conta de estabilização dos preços dos combustíveis.  Foto: Marcelo Chello/Estadão

O Senado aprovou o projeto que cria uma conta de estabilização dos preços dos combustíveis no País, incluindo um auxílio para motoristas de baixa renda e a ampliação do vale-gás pago a famílias carentes. O texto ainda terá que passar pelo crivo da Câmara dos Deputados. 

O Senado também aprovou no mesmo projeto a criação de um auxílio-gasolina de R$ 300 a motoristas de baixa renda. O custo é de R$ 3 bilhões e beneficiaria motoristas autônomos, taxistas e motociclistas de aplicativo com renda familiar mensal de até três salários mínimos. O benefício, porém, esbarra na lei eleitoral, que proíbe a criação de novos subsídios em ano de eleições.

A votação ocorreu no dia em que a Petrobras anunciou um aumento de 18,7% na gasolina, de 24,9% no diesel e de 16% no gás de cozinha, para recuperar uma defasagem em relação aos preços no mercado internacional. O anúncio provocou reação no Senado e aumentou a pressão pela aprovação do pacote. 

Combustível 

De última hora, o relator do projeto, Jean Paul Prates (PT-RN), incluiu um dispositivo que força a Petrobras a usar os lucros arrecadados em 2022 na amenização dos preços administrados pela própria estatal. Dessa forma, os senadores cobram que a petrolífera também ofereça uma "parcela de contribuição" na crise. O trecho, contudo, não faz referência a anos futuros.

O projeto cria uma conta de estabilização, autorizando o governo federal a aportar recursos para minimizar o impacto de altas sucessivas na bomba. Os recursos para abastecer a conta incluem os dividendos da Petrobras pagos à União, especificamente a parcela arrecadada acima do previsto no Orçamento, e as receitas do pré-sal, além de outras fontes relacionadas ao petróleo.

Aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro defenderam o auxílio e afirmaram que a proposta veio do governo e é de interesse direto do chefe do Planalto, em busca de reeleição. O Executivo, no entanto, ainda analisa a legalidade do pagamento. Se o subsídio não puder ser criado neste ano, só poderia ser pago em 2023 pelo governo eleito em outubro. Em último caso, o dispositivo poderá ser vetado pelo Planalto.

"Por enquanto, não pode ser usado. Por isso, a gente está vendo que não é eleitoreiro, ninguém está ajudando o governo ou atrapalhando o governo. Estamos tentando ajudar as pessoas que estão sofrendo com essa alta", disse o relator. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), por sua vez, reforçou a intenção de o Executivo adotar a medida imediatamente. "Essa foi iniciativa do governo, do presidente, ele é o governo."

No mesmo projeto, o Senado aprovou a ampliação do vale-gás pago a famílias carentes, estendendo o benefício a 11 milhões de famílias, o dobro do público atendido atualmente. O impacto é de R$ 1,9 bilhão, também submetido ao teto de gastos. Os senadores se mobilizam para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tirar as amarras fiscais desses benefícios, mas a PEC ainda não andou.

A equipe econômica do governo é contra o fundo de estabilização, mas conseguiu emplacar alterações que condicionam a medida ao espaço fiscal e orçamentário. Na prática, o aporte de recursos ficará submetido ao teto de gastos públicos e à disponibilidade efetiva de recursos no caixa federal. O projeto também enfrenta resistências na Câmara. Por isso, o Senado incluiu o auxílio gasolina e a ampliação do vale-gás, medidas com forte apelo político, no mesmo texto.

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo, em 10.03.22

Senado aprova projeto que altera cobrança do ICMS sobre combustíveis

O projeto aprovado pelo Senado força os Estados a cobrarem o ICMS sobre o litro de combustível, e não mais sobre o preço final do produto

O Senado aprovou, por 68 votos favoráveis, 1 contrário e 1 abstenção, o projeto que altera o modelo de cobrança do ICMS, imposto arrecadado pelos Estados, sobre os combustíveis e isenta a aplicação do PIS e a da Cofins, que são tributos federais, sobre o óleo diesel e o gás de cozinha até o fim do ano.

O projeto do ICMS foi desidratado em relação ao texto aprovado inicialmente pela Câmara e foi defendido pela equipe econômica do governo do presidente Jair Bolsonaro. Após a aprovação final, as mudanças dependerão de nova votação na Câmara.

O texto enfrenta resistência de governos estaduais, que não querem abrir mão de arrecadação em ano eleitoral. O projeto entrou em um impasse eleitoral. Governadores não querem turbinar o discurso do presidente Jair Bolsonaro de que o vilão da alta é o imposto cobrado pelos Estados.

O parecer aprovado pelo Senado força os Estados a cobrarem o ICMS sobre o litro de combustível, e não mais sobre o preço final do produto. Além disso, institui um modelo de cobrança monofásica, em apenas uma fase de comercialização, e de alíquota única entre os Estados.



Senado Federal; as mudanças no ICMS dependerão de aprovação do Confaz, do qual os secretários estaduais fazem parte Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As mudanças, no entanto, dependerão de aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), do qual os secretários estaduais fazem parte e onde as deliberações só são aprovadas por unanimidade. Na prática, o novo modelo dependerá de decisão dos próprios governadores.

Como regra de transição, a proposta congela a cobrança de ICMS sobre o diesel, até o fim deste ano, conforme a média de preços dos últimos cinco anos. É uma forma de amenizar o impacto ao consumidor final, principalmente os caminhoneiros. Nesta quinta-feira, 10, a Petrobras anunciou um reajuste de 18,7% na gasolina e de 24,9% no diesel.

Os governos regionais tentaram aprovar um dispositivo para estender o congelamento a todos os combustíveis até o final do ano, de acordo com os preços de novembro do ano passado, mas não houve apoio suficiente.

No mesmo projeto, o Senado aprovou a isenção do PIS e da Cofins, impostos federais, sobre o diesel e o gás de cozinha até o fim deste ano. A medida vai provocar uma queda de arrecadação de R$ 18 bilhões e não precisará de compensação fiscal, de acordo com o texto, dispensando uma regra da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O governo agiu para aprovar o projeto de lei complementar em um movimento para tentar reduzir impostos e ganhar tempo enquanto avalia a concessão de um subsídio direto à Petrobras, medida que não tem apoio da equipe econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. Um congelamento de preços chegou a entrar na mesa de negociação como alternativa, mas foi descartado no momento.

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo, em 10.03.22  

Preço do combustível será central na campanha eleitoral

Mundo caminha para um choque de preços do petróleo como não ocorre há 40 anos. O presidente e candidato Jair Bolsonaro está diante de um dilema. Leia aqui o artigo de Alexander Busch, da Deutsche Welle Brasil.

"Aumentar o preço do diesel vai impulsionar a inflação. E isso irá arranhar a já baixa popularidade de Bolsonaro" (Foto: Shiraaz Mohamed/Xinhua/picture alliance)

O presidente russo, Vladimir Putin, ameaçou reduzir as exportações de petróleo para países consumidores do Ocidente. Embora ainda não esteja claro o quanto a Rússia vai cortar suas exportações, é provável que o preço do petróleo suba.

Atualmente, um barril de petróleo bruto custa cerca de 130 dólares. Isso é cerca do dobro do que no início do ano. Para comparação, a última vez que o petróleo bruto custou mais foi em meados de 2008, quando o furacão Katrina interrompeu a produção no Golfo do México.

Mas agora a situação é dramática. Com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, é possível que o preço de um barril de petróleo suba para mais de 200 dólares. Lembremos que, no início da pandemia, há dois anos, o preço do petróleo caiu abaixo de zero dólares por um curto período de tempo. As empresas petrolíferas pagaram um prêmio a seus clientes quando eles disponibilizavam suas instalações de armazenamento.

Isso agora acabou, e um debate acalorado está ocorrendo no Brasil sobre os preços dos combustíveis. Há várias semanas, o governo, a Petrobras e o Congresso vêm negociando se e como o aumento dos preços do petróleo poderia ser repassado aos consumidores. Afinal, a Petrobras não aumenta seus preços desde o início de janeiro. O diesel atualmente oferecido está cerca de 50% mais barato do que deveria custar se comparado ao preço no mercado mundial. A gasolina é cerca de um terço mais barata no Brasil.

Os preços baixos em comparação com o exterior ameaçam o fornecimento. Cerca de um quinto do combustível é importado ou produzido por empresas privadas. Para elas, vale cada vez menos a pena importar diesel e vendê-lo mais barato. O perigo de que os postos de gasolina fiquem sem gasolina é particularmente grave no Nordeste do país, onde o combustível é importado.

O presidente Bolsonaro está agora diante de um dilema. De alguma forma, a Petrobras tem que aumentar os preços nos próximos dias para evitar o risco de desabastecimento. No entanto, aumentar o preço do diesel vai impulsionar a inflação. O aumento dos preços do transporte irá acelerar ainda mais a inflação dos alimentos. E isso irá arranhar a já baixa popularidade de Bolsonaro. Mesmo o Auxílio Brasil será de pouca utilidade se a assistência social para os pobres for neutralizada por preços mais altos.

E o candidato Bolsonaro fica diante de um dilema. Ele pode compensar os preços mais altos dos combustíveis com subsídios ou incentivos fiscais, como para os motoristas de caminhão. Isso aumenta o déficit orçamentário e, portanto, as taxas de juros, e retardará ainda mais o já baixo crescimento. Ele também pode congelar os preços dos combustíveis, e corre o risco de problemas de abastecimento, adia o problema da inflação para o futuro e empurra a Petrobras para uma crise de dívida, assim como Dilma Rousseff fez há dez anos.

Não só os políticos, mas também os investidores estão curiosos sobre qual caminho Bolsonaro escolherá.

Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 09.03.22.

A inteligência dos EUA não impediu a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas uniu o bloco ocidental

Informações precisas compartilhadas com Kiev e aliados europeus deram tempo para coordenar as sanções e enviar tropas de reforço para os países membros da OTAN no leste

Um soldado ucraniano em Brovary em 6 de março.(DIMITAR DILKOFF (AFP)

Seis dias se passaram desde que o presidente dos EUA, Joe Biden, disse acreditar que Vladimir Putin já havia tomado a decisão de invadir a Ucrânia, em 18 de fevereiro, até que a ofensiva russa se tornasse efetiva nas primeiras horas de 24 de fevereiro. semanas que o presidente russo fez todos os preparativos necessários para o ataque. Os serviços de inteligência coletaram e compartilharam informações detalhadas em tempo real sobre o movimento das tropas russas através da fronteira. Eles também estavam familiarizados com o plano do Kremlin de fabricar uma desculpa na forma de um ataque de “bandeira falsa” para justificar sua incursão na Ucrânia .

A inteligência dos EUA removeu o fator surpresa da equação. Ajudou a preparar a onda sincronizada de sanções contra o Kremlin e facilitou a evacuação de cidadãos americanos na Ucrânia. Também desempenhou um papel no envio de tropas de reforço para os países membros da OTAN na Europa Oriental e, em última análise, ajudou a moldar a opinião pública, que é unânime em sua condenação da guerra.

Quase duas décadas após a polêmica invasão do Iraque com o argumento nunca comprovado da existência de armas de destruição em massa, os serviços de inteligência dos EUA conquistaram agora uma vitória, ainda que sem nenhum papel redentor e que não impediu o ataque: Putin já está sitiando a capital ucraniana, Kiev, imperturbável pelas baixas civis. Mas a inteligência dos EUA ajudou a reunir aliados contra a ameaça do Kremlin e deu tempo para desenvolver um programa coordenado e sem precedentes de sanções em várias frentes. No entanto, nada disso ajudou a parar o que parece ser o maior risco de uma guerra mundial dos últimos 80 anos.

Uma mulher idosa é transportada em segurança dentro de um carrinho de compras na cidade ucraniana de Irpin, que está sob ataque. (AP)

“A qualidade da espionagem dos EUA está além do nosso alcance, eles se infiltraram em todos os cantos de Moscou e está claro que eles temem sinceramente que algo possa acontecer”, disse um alto funcionário europeu em Washington a este jornal no início de fevereiro. Naquela época, as autoridades europeias ainda usavam um tom muito diferente de suas contrapartes americanas. Enquanto os americanos consideravam a retirada de diplomatas da Ucrânia, seus parceiros na Europa diziam que não havia motivos suficientes para fazê-lo. Enquanto Washington expunha o arsenal de sanções que estava disposto a aplicar, Bruxelas escondia suas cartas.

De qualquer forma, naquela época Washington ainda não tinha certeza de que Moscou havia tomado a decisão de invadir; mas era certo que Putin tinha um plano perfeitamente desenhado e que queria fazê-lo. Em 28 de janeiro, funcionários do Pentágono alertaram que a Rússia tinha plena capacidade militar para invadir todo o país , com cerca de 130.000 soldados na fronteira ucraniana – um número inédito desde os dias da Guerra Fria. “Existem várias opções disponíveis para [Putin]”, disse o secretário de Defesa Lloyd Austin. “Incluindo a tomada de cidades e territórios significativos” bem como “atos políticos provocativos como o reconhecimento de territórios separatistas”.

O próprio presidente ucraniano, Volodymir Zelenskiy, alertou o Ocidente contra a divulgação de mensagens “alarmistas” sobre um ataque iminente, o que, somado às contínuas negações da Rússia, contribuiu para criar dúvidas sobre a veracidade das informações tratadas pelos aliados. O tempo esclareceu essas suspeitas de forma atroz.

Soldados na região leste de Luhansk, que Vladimir Putin reconheceu como uma república independente antes de lançar a invasão. (SPUTINIK)

Em 21 de fevereiro, Putin reconheceu a soberania dos territórios pró-russos de Donetsk e Luhansk como duas novas repúblicas independentes e ordenou que os primeiros soldados russos cruzassem a fronteira para “manter a paz” e proteger a população local, que o Kremlin retratou como vítimas. de “genocídio” por Kiev. Putin condenou os ataques terroristas na área. Apenas 48 horas depois, no meio de uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas em Nova York (antes do amanhecer de 24 de fevereiro na Ucrânia), o presidente russo declarou guerra à Ucrânia sob o eufemismo de “operação militar especial”.

Os primeiros avisos de que tal coisa poderia acontecer chegaram à Casa Branca em outubro por meio de reuniões secretas da equipe de segurança nacional. A confusão da retirada das tropas americanas do Afeganistão era muito recente, assim como o conflito decorrente do acordo militar sobre desenvolvimento de submarinos assinado com o Reino Unido e a Austrália sem informar os aliados europeus. Biden então tentou conter as suspeitas europeias e optou por compartilhar as descobertas de inteligência com seus parceiros do outro lado do Atlântico (a Alemanha e outros estados da UE que são altamente dependentes do gás russo pegaram as informações e agiram de acordo); e com a opinião pública depois. Depois disso, ele reforçou a quantidade de ajuda dos EUA à Ucrânia.

Sempre um passo à frente do Kremlin, os serviços de inteligência dos EUA também tiveram que lidar com a desinformação, componente fundamental da guerra híbrida, encimada por um mais tradicional: operações de sabotagem. No final de janeiro, Washington alertou que a Rússia estava planejando um ataque de “bandeira falsa” contra suas forças no leste da Ucrânia como desculpa para invadir a ex-república soviética. Um mês depois, Moscou recorreu a supostos atos terroristas em Donetsk e Luhansk para justificar a “operação militar especial” que levou o mundo à beira do abismo. O Kremlin continua a usar o chamariz de sabotagem como ferramenta de desinformação: o incêndio na usina nuclear de Zaporizhzhiana sexta-feira foi causado por "sabotagem ucraniana" para desviar a culpa para Moscou, segundo o embaixador russo na ONU. Os dados de satélite refutaram esta afirmação.

A precisão da inteligência dos EUA sobre este assunto deve-se a uma conjunção de elementos: uma rede de informação reconstruída no terreno na Rússia; satélites governamentais e comerciais – como os da Maxar Technologies, com sede no Colorado – rastreando movimentos de tropas; a capacidade aprimorada de interceptar comunicações e até mesmo material de código aberto selecionado das mídias sociais russas.

De acordo com o The New York Times, as melhorias na tecnologia de criptologia e interceptação eletrônica na última década, somadas a uma crescente dependência global de redes de computadores e comunicações móveis, reforçaram a quantidade de recursos disponíveis. Apesar de Vladimir Putin evitar o uso de aparelhos eletrônicos, seus soldados carregam celulares inseguros nos bolsos, multiplicando os alvos de coleta de dados.

Parlamentares democratas e republicanos recentemente consideraram a precisão das previsões um merecido endosso da comunidade de inteligência, que havia sido criticada pelos fiascos no Afeganistão ou, em 2003, pelo suposto arsenal de armas de destruição em massa de Saddam Hussein.

Nos EUA, alguns argumentam que Washington e Kiev poderiam ter feito mais com uma inteligência tão abundante, que o governo Biden compartilhou com o de Zelenskiy, apesar de certas reservas iniciais. A Casa Branca compartilhou sua inteligência com a Ucrânia mesmo antes de a Rússia começar a reunir tropas no ano passado e acelerou a troca de informações durante a crise. O governo americano suspendeu suas restrições habituais para compartilhar suas descobertas com os ucranianos e depois com os aliados.

Mesmo assim, os Estados Unidos e a Ucrânia muitas vezes discordaram em público e em particular sobre a natureza e extensão da ameaça russa, bem como as ações a serem tomadas. Zelenskiy não mobilizou reservistas até 23 de fevereiro, às vésperas da invasão, quando decretou estado de emergência por 30 dias.

AMANDA MARS e MARIA ANTONIA SÁNCHEZ-VALLEJO, de Washington DC e Nova York , em 08.03.22 para o EL PAÍS.

Um exército de milhares de hackers ameaça a Rússia com ataques implacáveis

Anonymous e outros grupos de ativistas cibernéticos tentam sabotar a infraestrutura russa para impedir o avanço de Moscou na guerra

Um membro das forças ucranianas patrulhava Kiev em 27 de fevereiro usando uma máscara de Guy Fawkes. (ARIS MESSINIS (AFP)

"Estamos criando um exército digital", escreveu o ministro ucraniano de Assuntos Digitais, Mykhailo Fedorov , no Twitter ., em 26 de fevereiro. Foi dois dias após a invasão russa, e o líder prometeu uma lista de tarefas para “talentos digitais” de todo o mundo. Fedorov deu um link no Telegram para uma conta que esta semana já tinha mais de 300.000 membros. A adesão não implica qualquer tipo de ação posterior, mas os responsáveis ​​pela sua gestão não param de sugerir ataques específicos: bloquear páginas ferroviárias russas, analisar e-mails hackeados de membros do Parlamento russo ou sites do governo regional russo. “Por favor, nos dê uma mão. Teremos um bate-papo em grupo para compartilhar pensamentos criativos e abordar a guerra de informações. Todos podem participar", diz uma mensagem no Telegram.

O outro grande grupo organizado é o Anonymous. Desde o início do conflito, seus membros vêm propondo e executando ataques com graus variados de sucesso. Uma ocorrência foi encher as avaliações de restaurantes do Google Maps Rússia e Bielorrússia com frases sobre a invasão. Foi um ataque cibernético para entregar informações diretamente aos cidadãos. Apesar de não ter provas de que a ação foi bem-sucedida, o Google anunciou que estava limitando esse serviço: “Devido a um aumento recente no conteúdo contribuído no Google Maps relacionado à guerra na Ucrânia, implementamos proteções adicionais para monitorar e evitar conteúdo que viole nossas políticas do Maps, incluindo o bloqueio temporário de novas avaliações, fotos e vídeos na Ucrânia, Rússia e Bielorrússia.

O conflito na Ucrânia poderia se tornar a primeira grande guerra cibernética?

O Anonymous também é creditado por hackear centenas de câmeras de videovigilância na Rússia para lançar mensagens contra a invasão da Ucrânia e "incitar os civis a lutarem" contra o Kremlin, descobriu um repórter da Bloomberg. Ou que em algumas estações de recarga de carros elétricos em Moscou, mensagens como “Putin é um idiota” ou “Glória à Ucrânia” foram exibidas nas telas da bomba. E uma campanha de spam maciça enviada a russos aleatórios "dizendo a verdade sobre a guerra na Ucrânia".

O Anonymous não é uma organização estruturada ou fechada. Para aderir a este grupo basta querer fazê-lo ou dizer que faz parte dele. O EL PAÍS perguntou a uma conta do Twitter em espanhol com dezenas de milhares de seguidores e criada em 2020 se era a conta “oficial”. Não é o maior, mas é o que twitta sobre a Ucrânia diariamente. Sua resposta foi: “Somos todos uma equipe, não existe um Anonymous oficial”. Isso significa que qualquer indivíduo ou organização pode operar sob esse nome.

“Eles não têm uma estratégia bem definida, entre outras coisas porque a ideia do próprio grupo é que eles nem sabem quem são. Qualquer um pode ser do Anonymous, desde que compartilhe seus valores”, explica Andrea G. Rodríguez, pesquisadora principal em tecnologias emergentes do European Policy Center em Bruxelas.

Um grupo chamado Cyberpartisans of Belarus, por exemplo, anunciou no início do conflito que havia sabotado serviços de trem que transportavam tropas russas na Bielorrússia, em uma extensão desconhecida. Os chats de mais de um ano do Conti, um grupo de ransomware (um tipo de software malicioso que sequestra um sistema e o libera quando é pago um resgate), que anunciou seu apoio à invasão russa, também vazaram. Mais uma vez, ninguém sabe ao certo quem está por trás disso: o vazamento foi através de uma conta no Twitter e na sala dos fundos há supostamente um pesquisador de segurança cibernética "patriota ucraniano" .

Essa enorme fusão de nomes e ações é nova e tem consequências imprevistas: "É algo sem muitos precedentes", diz Lukasz Olejnik, pesquisador e consultor independente de segurança cibernética e ex-assessor de guerra cibernética do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Genebra. No caso do exército cibernético ucraniano, ele acrescenta, “parece ser um pouco dirigido de cima, mas não está claro se os efeitos reais dessas atividades têm alguma contribuição significativa para o conflito armado”.

Também não se sabe em quais países existem mais ciberativistas Anonymous ou qual o grau de cooperação que eles têm entre si. Subgrupos regionais são conhecidos. Na Espanha, por exemplo, o último relatório de hacktivismo do Centro Criptológico Nacional (CCN-CERT), o braço da CNI dedicado à segurança cibernética, destaca três. Anonymous Espanha, Anonymous Catalonia, que desde 1º de outubro de 2017 realizou várias operações para divulgar informações confidenciais, como a divulgação de dados pessoais das afiliadas da Vox em Sabadell, e a 9ª Empresa Anônima, à qual uma rubrica separada. É assim que o CCN-CERT os chama, embora se chamem La Nueve. “Somos uma perspectiva finita dentro de um conceito muito mais amplo como o Anonymous que escapa a toda delimitação. (...) Não somos nada mais do que um questionamento que busca acabar com tantos pressupostos ultrapassados ​​que perpetuam o império da violência institucionalizada ou do capitalismo pela internet”, definem-se em entrevista publicada em seu Tumblr .

Apesar da natureza espetacular do vídeo em que o Anonymous anunciou o lançamento da Operação Rússia , suas reais capacidades são relativas. “Eles são mais spoilers do que qualquer outra coisa. No papel, eles não têm meios para realizar um ataque cibernético forte, como entrar nos sistemas do Kremlin, bloquear uma rede elétrica ou assumir o centro de controle russo dos drones militares usados ​​na Ucrânia", enfatiza Rodríguez.

"Parece que até agora não há ataques cibernéticos de alto impacto", acrescenta Olejnik. “Exceto talvez por dois eventos, um dos quais é a suposta desativação da internet via satélite KA-SAT no dia do início da invasão. O outro efeito significativo é a interrupção (supostamente) dos processos de fluxos de refugiados devido ao ciberataque que apagou os sistemas informáticos de controlo fronteiriço” na véspera da invasão, acrescenta.

O relatório do CCN-CERT considera que a realidade hacktivista na Espanha "é composta por identidades individuais com pouca ou nenhuma formação técnica como ameaças cibernéticas, com coletivização ou identidade de grupo fraca ou inexistente, e fundamentalmente motivada por alcançar notoriedade através de menções em redes sociais". Do ponto de vista desta organização, a ameaça é igualmente descafeinada no cenário internacional.

E se houver um governo por trás?

Grupos de hacktivistas têm um halo de vigilantes cibernéticos que impõe respeito entre a comunidade de hackers e até mesmo entre a população de computadores não iniciada. Não é por acaso que o Anonymous, o grupo mais famoso, tem como imagem a máscara de Guy Fawkes usada no filme V de Vingança , símbolo da geração milenar de resistência à tirania. Esse prestígio pode ser doce para quem deseja realizar ações muito específicas no ciberespaço sem revelar sua identidade. Porque, além de sua reputação, o fato de permanecerem anônimos facilita a sua personificação. Não se sabe se os serviços secretos de algum país já se apresentaram como um grupo de hacktivistaspara encobrir um ataque cibernético. O que se sabe é que isso foi feito por pelo menos um APT, um grupo organizado de hackers profissionais supostamente patrocinados por governos.

Aconteceu em 2017 no mesmo cenário para o qual todos os holofotes estão direcionados atualmente: Ucrânia. O grupo russo Voodoo Bear, que nesse mesmo ano lançou no país o vírus NotPetya, originalmente projetado para afetar o software de contabilidade mais utilizado na ex-república soviética e que depois se espalhou pelo mundo, realizou uma série de ataques direcionados a sabotar redes de comunicação sob o nome de F Society, um grupo fictício de ativistas cibernéticos retirados da série Mr. Robot . Foi a primeira vez que este APT realizou um ataque de bandeira falsa, segundo disse ao EL PAÍS Adam Meyers, chefe de inteligência da CrowdStrike .

Uma década antes, em 2007, a Estônia sofreu uma série de ataques cibernéticos que fecharam a arquitetura digital do país quando as autoridades decidiram transferir um monumento soviético para uma parte menos visível da capital Tallinn. Embora os ataques tenham começado a partir de centenas de computadores pessoais localizados em dezenas de países e tenham sido coordenados em fóruns da Internet, a Otan suspeita que Moscou esteja por trás da operação. O Kremlin sempre negou.

MANUEL G. PASCUAL e JORDI PÉREZ COLOMÉ para O EL PAÍS, em 10.03.22

Kamala Harris pede investigação de crimes de guerra na Rússia

"Os EUA estão preparados para defender cada centímetro da OTAN", diz o vice-presidente, visitando Varsóvia após a fracassada oferta polonesa de combatentes soviéticos para lutar na Ucrânia

KamaKamala Harris, em sua aparição conjunta com o presidente polonês, Andrzej Duda, esta quinta-feira em Varsóvia. (CZAREK SOKOLOWSKI (AP)

Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, visitou a Polônia nesta quinta-feira para perguntar sobre a situação dos refugiados deslocados pela invasão russa da Ucrânia e para mostrar o compromisso de seu país com os territórios do flanco leste da Otan. Também com a própria Aliança Atlântica: “Os Estados Unidos estão preparados para defender cada centímetro do território da NATO”, disse Harris em Varsóvia, referindo-se ao artigo 5º, que garante que uma agressão contra uma das partes implica um ataque ao conjunto.

O número dois de Joe Biden aproveitou uma coletiva de imprensa conjunta com o presidente polonês, Andrzej Duda, para solicitar que os supostos crimes de guerra perpetrados por Moscou nessas primeiras três semanas de guerra sejam investigados. “Deve haver uma investigação e é obrigação de todos permanecerem vigilantes. Não tenho dúvidas de que os olhos do mundo estão voltados para a guerra e para o que a Rússia está fazendo como parte de sua agressão, de suas atrocidades. Sem dúvida”, sentenciou.

A visita faz parte de uma das viagens internacionais de maior destaque nos 13 meses de trabalho de Harris. Mas começa confuso pela encenação esta semana da distância entre o desejo da Polônia de ajudar e os cálculos realistas do Pentágono. 

Na segunda-feira, o ministro das Relações Exteriores da Polônia, Zbigniew Rau, anunciou que seu país, que faz fronteira com a Ucrânia e recebeu 1,33 milhão de refugiados do conflito, segundo o Departamento de Estado cederia os caças de fabricação soviética, cerca de trinta MiG29, aos Estados Unidos em troca de F-16 norte-americanos com características semelhantes. Esses antigos caças, símbolos da Guerra Fria, seriam enviados para a zona de guerra de uma base americana na Alemanha para uso de pilotos ucranianos, que aprenderam a pilotá-los. O Pentágono rejeitou esta manobra considerando que poderia ser interpretada pelo presidente russo, Vladimir Putin, como uma provocação e levar a uma escalada indesejada do conflito.

O presidente Duda, numa aparente tentativa de amenizar a divergência, assegurou que a proposta de Varsóvia foi uma resposta a um pedido desesperado lançado pelo presidente ucraniano, Volodímir Zelenski. Imediatamente após as intenções da Polônia serem conhecidas, Washington declarou que o anúncio havia pego seus funcionários “de surpresa”.

"É uma situação extremamente complicada", respondeu Duda à pergunta se consultou suas intenções com os Estados Unidos antes de lançar a ideia. “Como membro responsável da OTAN, ouvimos os pedidos de ajuda. Nesse caso, eles vieram de Kiev e, até certo ponto, da mídia. Nós nos comportamos como um membro confiável da OTAN deveria se comportar”, disse o presidente polonês.

Harris, por sua vez, evitou perguntas diretas sobre o assunto. “Os Estados Unidos e a Polônia estão alinhados com o que foi feito até agora e concordamos que estamos preparados para ajudar a Ucrânia e os ucranianos. Ponto”, limitou-se a apontar. A vice-presidente concentrou seu discurso na ajuda humanitária e de segurança que os Estados Unidos forneceram à Ucrânia e à Polônia. E anunciou o envio de cerca de 50 milhões de euros de fundos adicionais para refugiados por meio de uma agência americana de cooperação internacional.

Iker Seis Dedos, o autor deste artigo, é  correspondente do EL PAÍS em Washington. Licenciado em Direito Económico pela Universidade de Deusto e mestre em Jornalismo UAM/EL PAÍS, trabalha no jornal desde 2004, quase sempre ligado à área cultural. Depois de passar pelas seções El Viajero, Tentaciones e El País Semanal, foi editor-chefe de Domingo, Ideas, Cultura e Babelia. Publicado em 10.03.22.

Congresso quer derrubar veto de Bolsonaro e permitir renegociação de dívida para micro e pequenas empresas

Com aval para renegociar débitos, elas terão cerca de um mês para regularizar situação. São 340 mil endividadas

O Congresso deve derrubar, nesta quinta-feira, o veto do presidente Jair Bolsonaro ao programa de renegociação de dívidas de micro e pequenas empresas. Em seguida, o Comitê Gestor do Simples Nacional vai ampliar em um mês o prazo para regularização das pequenas empresas, conforme apurou O GLOBO.

Micro e pequenos empresários aguardam uma solução para esse impasse há dois meses, quando Bolsonaro vetou o programa. Inúmeras empresas ficaram "no limbo" à espera de uma definição e havia o temor de as firmas serem excluídas do Simples, sem condições de pagar ou renegociar suas dívidas com o governo.

De acordo com o Sebrae, em 31 de janeiro de 2021, data original do fim do prazo para enquadramento no Simples, cerca de 440 mil empresas estavam em débito. Nesse meio tempo, em torno de 100 mil empresas conseguiram regularizar sua situação, resultando em pelo menos 340 mil com dívidas atualmente.

Ana Paula Setti, dona do restaurante Victória, em Palmas (TO), foi uma das que conseguiram se acertar antes do fim do segundo prazo estipulado pelo governo, marcado para dia 31 deste mês. A empresária parcelou seus débitos que estavam inscritos na Dívida Ativa da União.

(Mais dificuldade: Empresário pode vender negócio com dívida do Pronampe, mas nem todos os bancos aceitam)

Sem esse Refis para micro e pequenas empresas, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) editou regras no início do ano facilitando essa negociação, com descontos nas multas e juros, além de entrada de 1% da dívida. No entanto, essa possibilidade só existia para quem tinha débitos inscritos na Dívida Ativa.

Durante a pandemia, mesmo com o medo de ser desenquadrada do Simples, Ana Paula Setti precisou deixar de arcar com alguns impostos. Segundo ela, a prioridade para manter o negócio aberto era pagar outros compromissos, como os salários dos funcionários.

— Tinha esperança grande no Refis, mas foi vetado pelo presidente. Agora tem a chance dele voltar, do Congresso derrubar o veto, mas fiz a opção de parcelar as dívidas que estavam ativas na União para não ser desenquadrada do Simples. Pra mim seria péssimo que a minha empresa saísse do Simples — contou.

O deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP) foi o relator do projeto na Câmara. Ele destacou que todos os partidos estão atentos ao tema.

— O governo está a favor, todos estarão a favor. Há uma ampla frente pela derrubada — disse.

Adesão ao Simples

Outra preocupação com a demora em analisar o veto é pelo prazo curto para a adesão das empresas ao programa. A data final  para a regularização do Simples era 31 de março. Após a derrubada do veto. o Comitê Gestor do Simples deve fazer uma novo alargamento desse prazo até 29 de abril

Esse período a mais será importante para Henrique Pacheco, dono do Salada Paulistana, bar no Mercadão em São Paulo que tem duas filiais no litoral do estado. Durante a pandemia, o estabelecimento ficou fechado por meses, o dinheiro em caixa minguou e as dívidas aumentaram.

Com tantos compromissos, Pacheco deixou de pagar os impostos do Simples em dezembro e espera conseguir parcelar as dívidas com a derrubada do veto no Congresso.

— O Simples ficou pesado num momento de dificuldade e então atrasei por conta disso. Pretendo em março, abril, quando der uma recuperada, pedir parcelamento e estou aguardando essa medida ser votada — contou.

Sem o pagamento simplificado de tributo do Simples, muitas empresas se tornariam inviáveis economicamente. O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, disse que o setor como um todo está em uma situação delicada e que a decisão sobre o veto demorou muito mais do que deveria. O projeto foi aprovado no Senado em agosto do ano passado e passou pela Câmara em dezembro.

Segundo Solmucci, essa demora causou dois problemas principais: por conta dos problemas com dívidas, muitos empresários estavam negativados, o que dificulta a tomada de crédito, além da incerteza vivida pelo setor que dificulta o planejamento para o restante do ano. Pronampe: Inadimplência de bares e restaurantes dispara com alta de juros, diz Abrasel

— Essas duas coisas juntas vão acarretar problemas enormes, alguns deles ligados à própria operação do dia a dia e outra ligada a angústia, é angustiante não saber o que vai acontecer — disse.

A Abrasel divulgou uma pesquisa na quarta-feira mostrando que 45% dos bares e restaurantes inscritos no Simples Nacional estão com parcelas em atraso. Desse número, 27% estão na dívida ativa e 24% podem ser inscritos a qualquer momento.

Silas Santiago, gerente de políticas públicas do Sebrae, ressalta que a demora na apreciação do veto prejudicou os pequenos empresários, porque eles não sabiam se poderiam voltar ao Simples ou não.

— (O governo) prorrogou o prazo para regularização, mas ficar pagando o Simples sem ter certeza se você está dentro ou não é prejudicial também. Estamos procurando resolver isso com orientações para os pequenos empresários — destacou.O caso de Claudine Divitis, sócia proprietária do Sterna Café Paulista Eluma, em São Paulo, é um pouco diferente.

Como o estabelecimento fica em um prédio comercial na Avenida Paulista, o movimento caiu  bastante com o home office e ainda não voltou. A empresária precisou utilizar o caixa de emergência para cumprir os compromissos com o Simples durante a pandemia e aderiu aos programas do governo que permitiram o adiamento do pagamento em alguns meses.

— Os impostos, todos eles, continuaram sendo cobrados e sendo devidos sem nenhum tipo de perdão ou anistia, ou redução permanente. O que houve foi postergação da data de vencimento — ressaltou Divitis. Viu isso?  Caixa lança linha de crédito que antecipa o frete para caminhoneiros autônomos

Entenda o projeto

O projeto vetado permite a renegociação de cerca de R$ 50 bilhões em dívidas com o governo de microempreendedores individuais, micro e pequenas empresas enquadradas no Simples. Essa negociação seria feita por meio do Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no  âmbito do Simples Nacional (Relp).

As empresas que entrarem no programa poderão pagar uma entrada, com parcela de até oito vezes, e quitar o restante da dívida em até 180 meses (15 anos) com descontos proporcionais à queda de faturamento.

As empresas que desejarem poderão aderir ao Relp até o fim do mês seguinte à publicação da lei. Ou seja, se for publicda em março, até o fim de abril.

O “tamanho” da entrada varia entre 1% e 12,5% do valor da dívida. Já os descontos sobre esse montante serão concedidos de acordo com a queda do faturamento: quanto maior essa redução, maior será o desconto.

O projeto estabelece um escalonamento para empresas que não tiveram redução do faturamento até as que perderam mais de 80% dos ganhos. Os descontos variam entre 65% e 90% para o valor da multa e juros de mora e de 75% a 100% para os encargos legais.

Gabriel Shinohara n'O Globo, em 10.03.22

Caetano Veloso, o “decano” aplaudido pelos ministros do STF

— Gal queria vir, Betania, Chico, e os outros decanos. Não sei se tem mais de um decano, acho que não. Eles são nossos orixás, como a gente diz. Mas cada um tem suas agendas — disse Paula. 

 Grupo de artistas do Ato pela Terra reúne-se com ministros do STF para entrega de memorial | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF / Rosinei Coutinho/SCO/STF

No encontro de artistas com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) realizado nesta quarta-feira, para pedirem atenção a projetos que afrouxam as leis ambientais, Caetano Veloso foi chamado de “decano” do grupo por Paula Lavigne. A descrição arrancou aplausos dos artistas e também dos ministros, em especial Carmén Lúcia e Rosa Weber. A produtora cultural e esposa do cantor foi a principal responsável pela organização da agenda.

— Gal queria vir, Betania, Chico, e os outros decanos. Não sei se tem mais de um decano, acho que não. Eles são nossos orixás, como a gente diz. Mas cada um tem suas agendas — disse Paula. 

O título de decano da Corte é dado ao ministro mais antigo. Gilmar Mendes, que é o decano do STF, não estava presente. Além de Carmén Lúcia e Rosa, estavam no encontro Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

Bela Megale n'O Globo, em 10.03.22

STF rejeita ação do PDT e mantém Lei da Ficha Limpa sem alterações

Seis ministros votaram para validar prazo previsto na legislação para condenado ficar inelegível

Supremo Tribunal Federal decidiu manter Lei da Ficha Limpa sem alterações. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 9, por 6 votos a favor, rejeitar recurso que afrouxaria as regras de punição para políticos enquadrados na Lei da Ficha Limpa. Ação movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) pedia a alteração de um dos artigos da legislação, para reduzir o prazo de proibição de o condenado poder disputar uma eleição.

Os ministros indeferiram o pedido do PDT sem sequer analisar o mérito das demandas. A decisão do Supremo mantém a Lei da Ficha Limpa nos moldes atuais, ou seja, políticos se tornam inelegíveis por oito anos somente “após o cumprimento da pena”, como diz o texto da legislação. Com base nesta determinação, os condenados ficam com os direitos políticos suspensos durante o tempo de prisão e se tornam inelegíveis ao conquistarem a liberdade. Ou seja, um político condenado a cinco anos de prisão fica com direito suspenso por esse período e não pode se candidatar nos outros oito anos, ficando, portanto, fora da disputa eleitoral por 13 anos.

A ação do PDT questionava especificamente o termo “após o cumprimento da pena”. O partido solicitou ao Supremo que o tempo de eventual prisão fosse contato. Assim, o político condenado a cinco anos de prisão, ficaria esse período com direitos suspensos e mais três anos impedido de disputar uma eleição, somando os oito anos previstos na Lei da Ficha Limpa.

O julgamento foi retomado com dois votos proferidos a favor da admissibilidade do processo. Em setembro do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise) para avaliar o dispositivo, quando o relator da ação, Kassio Nunes Marques, e Luís Roberto Barroso já haviam se posicionado sobre o caso.

Partiu de Moraes a proposta de rejeitar a ação. Em seu voto, o ministro apontou a possibilidade da criação de problemas regimentais como consequência do processo, uma vez que o PDT solicitou a declaração de inconstitucionalidade de um artigo da Lei da Ficha Limpa, que, em julgamento de 2012, foi declarada integralmente constitucional.

“Uma vez decidido, não cabe repetição de ação direta e não cabe ação rescisória”, disse. “Houve discussão, houve julgamento que consta no dispositivo (…) Nós estamos discutindo o que já foi discutido! Não houve mudança da lei”, completou

O magistrado argumentou, ainda, que, a depender do resultado, o Supremo “acabaria com a inelegibilidade”. “A ideia da lei da ficha limpa foi exatamente expurgar da política, por mais tempo que seja possível, criminosos graves”, afirmou. O posicionamento a favor de não reconhecer a validade da ação foi acompanhado por Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.

Alexandre de Moraes abriu divergência para rejeitar ação do PDT. Foto: Gabriela Biló / Estadão

Divergiram de Moraes os ministros Kassio Nunes Marques, Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Gilmar Mendes. Dias Toffoli não estava presente no julgamento. Ao analisar o mérito do pedido do PDT, Nunes Marques e Barroso divergiram entre si em relação ao modo como deveriam ser contabilizados os descontos do período de inelegibilidade.

Antes de Moraes apresentar seu voto pela rejeição da ação, o relator propôs a detração dos oito anos de inelegibilidade do período de cumprimento da pena — ou seja, um candidato condenado a cinco anos de prisão, ficaria somente mais três anos sem poder concorrer.

Ao divergir de Nunes Marques, o ministro Barroso considerou ser necessário analisar também o período entre a decisão do tribunal e o início do cumprimento da pena. Segundo ele, o período aguardado pelo condenado até ser preso deve ser descontado dos oito anos de inelegibilidade. De acordo com esta interpretação, o réu ficaria com os direitos políticos durante a prisão e cumpriria proporcionalmente a inelegibilidade, considerando o tempo já transcorrido desde a condenação

“O que a lei da ficha limpa quis fazer foi acrescentar oito ano, por isso acredito que não deva incorporar”, disse Bareroso. “A lei da ficha limpa foi além da suspensão dos direitos políticos dá mais oito anos de inelegibilidade”, completou. “Nós devemos ser rigorosos, mas não injustos”, finalizou

O presidente do Instituto Nāo Aceito Corrupçāo, o procurador de justiça do Ministério Público de São Paulo, Roberto Livianu, elogiou o posicionamento de Alexandre de Moraes e considerou importante a decisão do Supremo, porque preserva “a segurança jurídica e protege o patrimônio público”. “Na minha avaliação, foi uma vitória importante da sociedade no sentido de proteger a Lei da Ficha Limpa, porque estamos vivendo um processo de desmonte da legislação contra a corrupção. Não existe essa retração proposta pelo PDT na área eleitoral”, disse ao Estadão.

Weslley Galzo, de Brasília para o Estado de S. Paulo, em 09.03.22.

Tragédia de família na Ucrânia, imortalizada em foto, resume massacre do Exército russo

Ele disse a eles: “Minha família inteira morreu no que vocês chamam de operação especial e nós chamamos de guerra. Você pode fazer o que quiser comigo. Não tenho mais nada a perder.”


Mãe e dois filhos foram mortos ao atravessarem os restos de uma ponte em Irpin, tetando fugir para Kiev; um voluntário da igreja que os ajudava também morreu (Foto: Lynsey Addario/)

Eles se conheceram no ensino médio, mas se tornaram um casal alguns anos mais tarde, depois de se encontrarem novamente em uma pista de dança em uma boate na Ucrânia. Casados em 2001, eles moravam em uma comunidade-dormitório nos arredores de Kiev, em um apartamento com seus dois filhos e seus cachorros, Benz e Cake. Ela era contadora. Ele, programador.

Serhiy e Tetiana Perebinis possuíam uma minivan Chevrolet. Eles compartilhavam uma casa de campo com amigos. Tetiana era uma jardineira dedicada e uma ávida esquiadora. Ela tinha acabado de voltar de uma viagem de esqui na Geórgia.

E então, no final do mês passado, a Rússia invadiu a Ucrânia, e os combates rapidamente avançaram para Kiev. Não demorou muito para que os projéteis de artilharia caíssem em seu bairro. Uma noite, um projétil atingiu seu prédio, levando Tetiana e as crianças a se mudarem para o porão. Finalmente, com o marido no leste da Ucrânia cuidando de sua mãe doente, ela decidiu que era hora de pegar seus filhos e fugir.

Serhiy Perebinis segura os retratos da esposa, Tetiana, e dos filhos Mykyta, 18, e Alisa, 9, que morreram em um ataque de morteiro lançado pela Rússia quando tentavam fugir de Kiev em um corredor humanitário.

Serhiy Perebinis segura os retratos da esposa, Tetiana, e dos filhos Mykyta, 18, e Alisa, 9, que morreram em um ataque de morteiro lançado pela Rússia quando tentavam fugir de Kiev em um corredor humanitário.  Foto: Lynsey Addario/The New York Times

Eles não conseguiram. Tetiana, de 43 anos, e seus dois filhos, Mykyta, de 18, e Alisa, de 9, junto com um voluntário da igreja que os ajudava, Anatoly Berezhnyi, de 26 anos, foram mortos no domingo ao atravessarem os restos de concreto de uma ponte danificada em sua cidade de Irpin, tentando fugir para Kiev.

A bagagem deles - uma mala com rodinhas azul, uma mala cinza e algumas mochilas - ficou espalhada perto de seus corpos, junto com uma maleta verde para um cachorrinho que estava latindo.

Eles eram quatro pessoas entre as muitas que tentaram atravessar a ponte no fim de semana passado, mas suas mortes ressoaram muito além de seu subúrbio ucraniano. Uma fotografia da família e de Berezhnyi deitado ensanguentado e imóvel, tirada por uma fotógrafa do The New York Times, Lynsey Addario, resume o massacre indiscriminado por um Exército russo invasor que tem cada vez mais como alvo áreas civis densamente povoadas.

As vítimas da guerra de Putin na Ucrânia

Geórgia se torna refúgio para russos opositores à invasão da Ucrânia

Milhares de georgianos reticentes assinaram uma petição exigindo a introdução de vistos para os russos e relembram que a força militar russa ocupa dois territórios do país

Número de refugiados da guerra na Ucrânia chega a 2 milhões.

Segundo a ONU, quantidade pode chegar a 4 milhões de pessoas. na tragédia de refugiados de crescimento mais rápido desde a 2.ª Guerra.

Na Guerra da Ucrânia, os moradores idosos não têm a opção de fugir das bombas de Putin.

Dificuldade de locomoção, apego ao lar e solidão transformam os mais velhos em alvo civil vulnerável aos ataques russos

Fugindo da invasão da Rússia

A vida da família e suas horas finais foram descritas em uma entrevista concedida por Serhiy e uma madrinha, Polina Nedava. Serhiy, também de 43 anos, disse que soube da morte de sua família no Twitter, a partir de postagens de ucranianos.

Na única vez em que caiu em lágrimas durante a entrevista, Serhiy contou ter dito à mulher na noite anterior à sua morte que lamentava não estar com ela. “Eu disse a ela: ‘Perdoe-me por não poder defendê-la’”, disse ele. “Eu tentei cuidar de uma pessoa, e isso significa que não posso protegê-la.”

“Ela disse: ‘Não se preocupe, eu vou sair’.”

Depois que ela não conseguiu sair, ele disse que achava importante que suas mortes tenham sido registradas em fotografias e vídeos. “O mundo inteiro deveria saber o que está acontecendo aqui”, disse ele.

Estilhaços do morteiro russo que matou Tetiana, e seus filhos, quando tentavam fugir de Kiev.  Foto: Lynsey Addario/The New York Times

Segunda fuga por causa da guerra

A família Perebyinis já havia sido deslocada uma vez pela guerra, em 2014, quando morava em Donetsk, no leste, e a Rússia fomentou uma revolta separatista. Eles se mudaram para Kiev para escapar dos combates e começaram a reconstruir suas vidas. Quando os tanques russos entraram na Ucrânia no mês passado, eles mal podiam acreditar que estava acontecendo de novo, disse Serhiy.

A empregadora de Serhiy, a SE Ranking, uma empresa de software com escritórios na Califórnia e em Londres, incentivou os funcionários a deixar a Ucrânia imediatamente assim que os combates começaram.

Ela até alugou quartos para eles na Polônia, disse. Mas sua mulher atrasou sua partida por causa da incerteza sobre como retirar sua mãe, que tem doença de Alzheimer.

Uma colega de trabalho, Anastasia Avetysian, disse que a SE Ranking forneceu fundos de emergência para a retirada de funcionários e que Tetiana, como contadora-chefe na Ucrânia, esteve ocupada em seus últimos dias distribuindo esses fundos.

“Estávamos todos em contato com ela”, disse Avetysian em entrevista por telefone. “Mesmo quando ela estava escondida no porão, ela estava otimista e brincando em nosso bate-papo em grupo que a empresa agora precisaria fazer uma operação especial para tirá-los, como ‘Saving Private Ryan’.”

Mas por trás das piadas havia um período de espera e intensa preocupação, disse Serhiy. Seu filho, Mykyta, passou a dormir durante o dia e a ficar acordado a noite toda, vigiando sua mãe e sua irmã.

Quando havia sons de luta, ele os acordava e os três se moviam para um corredor, longe das janelas. “Meu filho estava sob muito estresse”, disse Serhiy.

No sábado passado, depois de dois dias no porão, eles fizeram uma primeira tentativa de saída. Mas enquanto eles estavam arrumando sua minivan, um tanque passou na rua do lado de fora. Resolveram esperar.

No dia seguinte, eles se levantaram e se mudaram por volta das 7 da manhã. Tetiana havia discutido o plano minuciosamente com o marido. Ela e seus dois filhos e sua mãe e seu pai, que moravam nas proximidades, se juntariam a um grupo da igreja e tentariam sair em direção a Kiev, e depois chegar a algum lugar seguro de lá.

Eles dirigiram o mais longe que puderam em Irpin, mas então Tetiana foi forçada a abandonar a minivan. Eles partiram a pé em direção a uma ponte danificada sobre o Rio Irpin.

Para escapar, eles foram forçados a atravessar cerca de cem metros de rua em um lado da ponte. Enquanto as forças russas disparavam contra a área, muitos tentavam se esconder atrás de uma parede de tijolos.

O voluntário da igreja, que já havia retirado sua própria família, mas voltou para ajudar outras pessoas, estava com Perebyinis e seus filhos quando eles começaram a correr para o outro lado.

Descobrindo a morte da família pelo Twitter

Durante a noite, Serhiy tentou monitorar a localização de sua mulher usando um aplicativo localizador em seus telefones. Mas não mostrava nada: a família estava em um porão, sem sinal de celular.

Perto do amanhecer, contou, viu um sinal, mostrando o endereço de localização deles. Mas nada os mostrava se movendo. A cobertura do celular havia se tornado muito irregular na cidade.

O próximo sinal de uma localização no telefone de Serhiy veio por volta das 10 da manhã de domingo. Foi no Hospital Clínico No. 7 em Kiev. Algo tinha dado errado.

Ele ligou para o número de sua mulher. Estava tocando, mas ninguém atendeu. Ele ligou para os números de telefone de seus filhos, com o mesmo resultado.

Cerca de meia hora depois, ele viu um post no Twitter dizendo que uma família havia sido morta em um ataque de morteiro na rota de saída de Irpin. Pouco tempo depois, apareceu outro post no Twitter, com uma foto. “Reconheci a bagagem e foi assim que soube”, disse ele.

Serhiy Perebyinis segura o casaco de sua mulher, Tetiana, ensaguentando e perfurado por estilhaços do morteiro lançado pelo Exército russo sobre os civis em Kiev.

Serhiy Perebyinis segura o casaco de sua mulher, Tetiana, ensaguentando e perfurado por estilhaços do morteiro lançado pelo Exército russo sobre os civis em Kiev.  Foto: Lynsey Addario/The New York Times

Quando o morteiro atingiu, a família e Berezhnyi estavam a cerca de 12 metros da cratera deixada pelo morteiro. Eles não tiveram chance. A explosão enviou um jato de centenas de fragmentos de estilhaços metálicos. Seus corpos caíram na rua lamacenta ao lado de um monumento aos mortos da 2ª Guerra em Irpin. Uma placa no monumento dizia: “Memória eterna para aqueles que se apaixonaram pela pátria na Grande Guerra Patriótica”.

Os pais de Tetiana estavam atrás da mãe e dos filhos e saíram ilesos. Eles agora estão com Polina, a madrinha. No dia seguinte, uma tempestade de neve caiu sobre Kiev.

As malas, uma das quais havia sido aberta pela explosão ou depois aberta por moradores, estavam cobertas de neve na rua ao lado de manchas de sangue. Continha apenas roupas: uma regata infantil rosa, calça de moletom, meias amarelas e azuis de tamanho infantil, aparentemente para Alisa.

‘Minha família inteira morreu’

Quando solicitado a descrever sua mulher, Serhiy caiu em sua cadeira. Poliana disse que ela tinha um espírito “leve”, muitas vezes brincava e animava uma sala. “Fomos casados por 23 anos e reformamos três apartamentos e nunca discutimos uma vez”, disse Serhiy.

Berezhnyi havia levado sua mulher para o oeste da Ucrânia, mas voltou a Irpin para ajudar na retirada organizada por sua igreja, a Igreja Bíblica Irpin, disse o pastor Mykola Romaniuk em entrevista por telefone.

Quando o ataque de morteiros começou, com projéteis caindo a algumas centenas de metros de distância, Romaniuk disse que outros voluntários da igreja viram Berezhnyi correr para ajudar Tetiana. “Ele pegou a mala dela e eles começaram a correr”, disse ele.

O retrato de Tetiana Perebyinis, morta com seus filhos por estilhaços de um morteiro russo, e que Serhiy Perebyinis guarda com ele  (Foto: Lynsey Addario/The New York Times)

Berezhnyi, disse o pastor Romaniuk, foi tranquilo e generoso. “Ele era o tipo de amigo que está pronto para ajudar sem precisar de palavras”, disse ele. “Não sei como Deus pode perdoar tais crimes.”

Em meados de fevereiro, antes do início da guerra, Serhiy viajou para sua cidade natal, Donetsk, no leste da Ucrânia controlado pelos rebeldes, para cuidar de sua mãe, que estava doente com covid-19. Depois que as hostilidades começaram, o ponto de passagem foi fechado e ele ficou preso no leste.

Para retornar a Kiev do leste da Ucrânia controlado pelos separatistas após a morte de sua família, Serhiy viajou para a Rússia e voou para a cidade de Kaliningrado, para cruzar uma fronteira terrestre com a Polônia.

Na fronteira Rússia-Polônia, disse ele, os guardas russos o interrogaram, tiraram suas impressões digitais e pareciam prontos para prendê-lo por razões pouco claras, embora ele tenha sido autorizado a seguir viagem.

Ele disse a eles: “Minha família inteira morreu no que vocês chamam de operação especial e nós chamamos de guerra. Você pode fazer o que quiser comigo. Não tenho mais nada a perder.”

Andrew E. Kramer, de Kiev para o The York Times / reproduzido no Brasil pelo O Estado de S. Paulo, em  10/03/2022 | 10h01Atualização: 10/03/2022 | 11h28