quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Barroso diz que ataques de Bolsonaro às eleições são 'repetição mambembe' de Trump

 Em despedida do TSE, ministro do STF fez discurso em defesa da segurança do sistema eleitoral e críticas às campanhas pelo voto impresso e contra as urnas eletrônicas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez nesta quinta-feira sua última sessão presidida pelo ministro Luís Roberto Barroso que, em discurso, criticou os ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sistema eleitoral e às urnas, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e condenou a campanha do mandatário e seus apoiadores a favor do voto impresso.

— Boa parte do ano de 2021 foi gasto com uma discussão desnecessária, que significaria um retrocesso, a volta do voto impresso. O sistema é seguro, transparente e auditável — disse o ministro, lembrando que uma proposta sobre o voto impresso foi rejeitada pela Câmara dos Deputados e que a adoção do voto impresso já foi julgada inconstitucional pelo STF.

No próximo dia 22, assume o comando do TSE o ministro Edson Fachin, que passará o cargo para o ministro Alexandre de Moraes em agosto.

Em relação ao combate à desinformação durante sua gestão, Barroso afirmou que houve casos graves de manipulação grosseira de notícias, com ataques às instituições e outros comportamentos "inaceitáveis".

— O TSE montou uma estratégia de guerra para combater a desinformação na campanha de 2020. Imprensa profissional é um dos antídotos contra esse mundo da pós verdade e dos fatos alternativos, disfarces para mentira e as notícias fraudulentas — disse.

De acordo com Barroso, "o foco principal não foi o controle de conteúdo, mas o combate a comportamentos inautênticos, gente contratada para amplificar as notícias falsas: são os mercenários que fazem mal à democracia.

No discurso, Barroso disse também que "nos últimos tempos" a democracia e as instituições "passaram por ameaças das quais acreditávamos já haver nos livrado".

— Não foram apenas exaltações verbais à ditadura e à tortura, mas ações concretas e preocupantes —, afirmou o ministro.

Entre essas as ameaças, Barroso elencou, conforme disse em entrevista ao GLOBO, as manifestações em frente ao Exército que pediam a volta da ditadura militar, da qual Bolsonaro participou e a manifestação de 7 de Setembro com discursos antidemocráticos e com ofensas a ministros do STF e ameaças de não mais cumprir decisões judiciais, além de pedido de impeachment de ministro do STF "em razão de decisões judiciais que desagradavam".

Barroso ainda disse que o TSE procurou fazer sua parte na "resistência aos ataques à democracia" e voltou a afirmar que as reiteradas afirmações de Bolsonaro sobre supostas fraudes nas urnas fazem parte de uma estratégia "das vocações autoritárias".

— Aliás, uma das estratégias das vocações autoritárias em diferentes partes do mundo é procurar desacreditar o processo eleitoral, fazendo acusações falsas e propagando o discurso de que “se eu não ganhar houve fraude”. Trata-se de repetição mambembe do que fez Donald Trump nos Estados Unidos, procurando deslegitimar a vitória inequívoca do seu oponente e induzindo multidões a acreditar na mentira —, criticou. 

Em uma entrevista coletiva concedida após o encerramento da sessão de despedida, Barroso avaliou que o TSE está mais preparado para combater disparos em massa e divulgação de notícias falsas do que em 2018, e voltou a afirmar que a suspensão do Telegram pode ser uma medida adotada caso a Corte seja acionada.

— Não é possível termos em funcionamento no país aplicativos e plataformas que não respeitem as regras vigentes no país —, afirmou. 

Decisões

O ministro ainda elencou, entre as medidas tomadas pelo TSE durante sua gestão, a decisão que reconheceu que a prática da denominada "rachadinha" configura ato doloso de improbidade administrativa, "que importa lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito e enseja o indeferimento do registro de candidatura".

— Infelizmente, trata-se de prática corrupta recorrente, em que recursos são desviados dos cofres públicos para benefício particular —, apontou o ministro.

Outro julgamento da Corte eleitoral que foi destacado por Barroso aconteceu em novembro do ano passado, quando os ministros decidiram que "a acusação falsa formulada por um candidato, e disseminada em redes sociais no dia das eleições, de que as urnas estavam fraudadas configura abuso de poder político e uso indevido de meio de comunicação". O deputado estadual alvo da ação foi cassado.

— Parte da estratégia mundial de ataque à democracia é procurar minar a credibilidade do processo eleitoral, abrindo caminho para a quebra da institucionalidade —, disse. 

Homenagens

Em uma fala em homenagem a Barroso, Fachin afirmou que a atuação "proba, justa e transparente" de Luís Roberto Barroso "guiou" o tribunal mesmo nas situações de "ameaças de um passado sombrio não tão longínquo" que rondaram a Corte "dia e noite”.

— Vossa excelência defendeu incansavelmente – e com maestria – os valores democráticos e despertou a reflexão das cidadãs e dos cidadãos brasileiros no sentido de que o voto não é um mero direito, mas sim uma verdadeira oportunidade de escrever e reescrever a história do país —, disse Fachin.

Ainda durante a sessão, o ministro Alexandre de Moraes disse que conviver com Barroso foi um "grande aprendizado" e que o presidente do TSE deixa "legado importantíssimo de trabalho", além de "lealdade a valores da Justiça" e "avanço ao combate ao cupim que vem corroendo as instituições democráticas, as notícias fraudulentas”.

Mariana Muniz para O Globo, em 17.02.22 às 16:56

STF mantém restrições à propaganda eleitoral em jornais e na internet

Em julgamento, 6 ministros foram contra e 4 a favor de mudar regras atuais

Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho / STF

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter as restrições atualmente impostas à propaganda eleitoral em jornais impressos e na internet.

Parte do pacote de ações em análise na corte e que poderia afetar as eleições de outubro, o tema dividiu o plenário do STF e provocou um longo debate. Iniciado na semana passada, o julgamento foi concluído nesta quinta-feira (17).

Foram 6 votos a 4 contra o abrandamento das regras relativas à publicidade de candidaturas em meios impressos e na internet. Um dos ministros votou para atender ao pedido parcialmente.

A maioria dos ministros entendeu que as limitações em vigor não ferem princípios de isonomia, da livre concorrência, das liberdades de expressão, imprensa e informação. Além disso, frisaram o risco de mudanças nas regras meses antes da eleição.

Alguns dos magistrados afirmaram que a desregulamentação do tema embute o risco de proliferação de plataformas que se apresentam como empresas de comunicação e atuam, na verdade, para agravamento do ambiente de desinformação na internet.

Eles cobraram do Legislativo a aprovação de lei que balize o funcionamento de empresas de serviço de mensagens e de redes sociais no Brasil. Atualmente em análise na Câmara, o PL (projeto de lei) da Fake News se propõe a essa tarefa.

Autora da ADI (ação direta de inconstitucionalidade), a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) argumentou que a restrição à publicidade em veículos impressos é desproporcional, inadequada e não atinge seus objetivos. Afirmou também que as restrições atuais abrem mais espaço para as fake news.

De acordo com a Lei das Eleições ​(Lei 9.504/1997), a propaganda em ​meios de comunicação impressos se restringe a dez anúncios por candidato, por veículo e em datas diversas.

A peça publicitária não pode ocupar mais de 1/8 de página de jornal padrão e de 1/4 de página de revista ou tabloide. A divulgação pode ocorrer até a antevéspera das eleições.

Quanto à internet, a lei veda a veiculação de propaganda eleitoral paga, admitindo somente o impulsionamento de conteúdo devidamente identificado. Há impedimento também a que uma empresa qualquer difunda propaganda eleitoral em site próprio, mesmo que gratuitamente.

Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, não é possível alterar regras antigas e consolidadas sobre propaganda eleitoral há menos de um ano do pleito.

Medeiros afirmou que as restrições são uma opção legítima do legislador e que qualquer mudança deve ocorrer pela via legislativa.

Relator da ADI, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, opinou pela procedência do pedido por entender que as restrições legais violam os princípios como a livre concorrência e a liberdade de expressão.

Fux afirmou que propaganda eleitoral deve ser regulada de modo a assegurar a igualdade de condições entre os candidatos, mas a legislação atual contém expressiva diferença de tratamento.

Para ele, a vedação da propaganda paga na internet causa um desequilíbrio injustificado entre as diferentes plataformas de comunicação.

O presidente da corte afirmou que o impulsionamento de conteúdo eleitoral remunerado autorizado pela lei beneficia empresas gestoras de redes sociais. Por outro lado, ficam prejudicadas as empresas jornalísticas, proibidas de se financiarem com a propaganda eleitoral na internet.

Em relação aos veículos impressos, Fux entendeu que a existência de novos e variados meios de transmissão de informação pela internet tornou inadequadas as limitações quantitativas, espaciais e temporais aos anúncios nos jornais.

Existem, segundo ele, instrumentos legais eficazes para assegurar a igualdade de chances e combater o abuso do poder econômico no pleito. Citou, como exemplos, o dever de transparência na propaganda eleitoral, o limite de gastos em campanhas e a proibição ao financiamento destas por pessoas jurídicas.

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Fux foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.

Autor de voto pela improcedência do pedido por entender válidas as restrições, o ministro Kassio Nunes Marques afirmou que a propaganda eleitoral "não se presta a alavancar negócios e muito menos a gerar receitas a jornais, revistas ou tabloides".

"Trata-se de uma opção política do legislador sobre onde e como devem ser gastos os recursos provenientes do recurso eleitoral. Não há nisso, penso eu, nenhuma violação à liberdade de expressão", afirmou.

Kassio destacou que apenas o Legislativo pode alterar as restrições legais impostas à propaganda eleitoral questionadas pela ANJ.

Destacou ainda que, embora a Lei das Eleições seja de um período em que a internet não tinha tanta influência na disputa eleitoral, esse fator, por si só, não constitui uma inconstitucionalidade.

Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes se alinharam ao entendimento de Kassio.

André Mendonça, por sua vez, atendeu em parte o pedido da ANJ, por entender que deve ser admitida a propaganda paga em sites de jornais na internet. No entanto, para ele, limitações para jornais impressos devem prosseguir, dentro de parâmetros a serem estabelecidos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Marcelo Rocha, de Brasília para a Folha de S. Paulo, em 17.02.22, às 19h37

Brasil busca 140 vítimas das chuvas após recuperar mais de cem corpos em Petrópolis

As autoridades alertam para um risco muito alto de novos deslizamentos de terra após as chuvas, que já deixaram pelo menos 104 mortos. "Vai ser difícil encontrar alguém vivo", avisa um vizinho

Equipes de resgate carregam corpos de vítimas do deslizamento de terra em Petrópolis, em 16 de fevereiro. (Ricardo Moraes / Reuters)

As equipes de resgate mobilizadas na cidade brasileira de Petrópolis ainda procuram pelo menos 140 vítimas depois de terem localizado até quinta-feira os corpos de mais de uma centena de pessoas mortas pela tempestade que na noite de terça-feira trouxe terror, desolação e devastação a este município serrano próximo Rio de Janeiro. “No momento, registramos 104 mortes. E também há 24 resgatados com vida”, explicou a Defesa Civil. Cinquenta bombeiros retomaram as tarefas de resgate ao amanhecer em busca de vítimas na lama, enquanto as autoridades alertam para o risco muito elevado de novos deslizamentos devido às fortes chuvas previstas para esta quinta e sexta-feira.

Petrópolis é uma cidade muito turística, localizada a 70 quilômetros do Rio de Janeiro, que com seu clima frio atraiu o imperador Pedro II, que se instalou ali quando fazia muito calor na então capital. O antigo palácio de verão agora abriga o Museu Imperial.

O Exército aderiu à operação com soldados e equipamentos para liberar as ruas. Alguns vizinhos também colaboram na busca das vítimas. “Fui criado aqui, conheço todo mundo. Eu vim para ajudar a equipe (de resgate). É surreal. Infelizmente, será difícil encontrar alguém vivo", explicou Luciano Gonçalves, 26 anos, à Agence France Presse, enquanto procurava, com a enxada na mão, a lama que tomou conta de grande parte da cidade.

As equipes de resgate trabalham no que o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, descreveu a princípio como um teatro de guerra. Os bombeiros vasculham a lama com tratores, cães, barcos e até aeronaves. A polícia também enviou cerca de 200 agentes nesta cidade de 300.000 habitantes para coletar e cruzar informações sobre pessoas cujo paradeiro é desconhecido para elaborar uma lista oficial. Antes da atualização desta quinta-feira de manhã, havia 35 desaparecidos.

Especialistas concordam que catástrofes dessa magnitude se devem a uma combinação de fatores. Nesse caso, eles apontam para as fortes chuvas, a topografia da região e, como em outras tragédias semelhantes que chocam periodicamente o Brasil, a fragilidade das favelas construídas ilegalmente em áreas íngremes por famílias que não têm condições de morar em outros lugares. As autoridades registraram em Petrópolis mais de 300 deslizamentos de terra, além de enchentes e quedas de árvores.

Na noite de terça-feira, as nuvens descarregaram sobre a cidade o volume de água esperado para todo o mês de fevereiro. Foi uma tempestade histórica. O governador Castro garantiu que foi “a pior chuva desde 1932”. De qualquer forma, esta cidade e outras vizinhas sofreram uma tragédia ainda maior há pouco mais de uma década. Uma tempestade em 2011 na mesma época, no meio da estação chuvosa, matou mais de 900 pessoas na região.

Desde dezembro, o Brasil sofreu outras tragédias menores devido às chuvas extremas nos estados da Bahia, São Paulo e Minas Gerais.

Naiara Galarraga Gortazar, a autora deste artigo, é correspondente do EL PAÍS no Brasil. Anteriormente, foi vice-chefe da seção Internacional, correspondente para as Migrações e enviada especial. Trabalhou nas redações de Madri, Bilbao e México. Durante uma pausa em sua carreira no jornal, foi correspondente em Jerusalém da Cuatro/CNN+. É licenciada e mestre em Jornalismo (EL PAÍS/UAM). Publicado originalmente em 17.02.22.

Um juiz ordena que Trump e dois de seus filhos testemunhem sob juramento sobre seus negócios

A decisão também afeta Ivanka Trump e Donald Trump Jr. Os três podem se beneficiar da quinta emenda e não responder perguntas do promotor público de Nova York

Donald Trump beija sua filha Ivanka na frente de Donald Trump Junior em um comício de campanha em New Hampshire em fevereiro de 2020. (Rick Wilkin / Reuters)

Donald Trump deve passar por interrogatório e responder sob juramento na investigação civil sobre os supostos crimes fiscais de seu empório Trump Organization, liderado pelo procurador do distrito de Nova York, conforme decisão quinta-feira do juiz da Suprema Corte de Nova York, Arthur Engoron . Os filhos da ex-presidente Ivanka Trump e Donald Trump Jr. também terão que comparecer à intimação da procuradora-geral do estado, Letitia James, no prazo máximo de 21 dias.

Um dos advogados de Trump já anunciou que vai recorrer da decisão. Se eles finalmente enfrentarem perguntas da promotoria, podem respondê-las ou aproveitar a quinta emenda da Constituição para não testemunhar. Engoron negou o pedido da família do ex-presidente para anular as citações de James no caso civil ou adiá-las até a conclusão da investigação criminal paralela conduzida pelo Gabinete do Procurador Distrital de Manhattan.

Quando outro filho de Trump, Eric Trump, e o ex-chefe financeiro da Organização Trump Allen Weisselberg foram a uma intimação da promotoria em 2020, eles invocaram essa emenda centenas de vezes. A defesa do ex-presidente acusou James, um democrata, de tentar obter informações no processo civil que possam servir de material para o processo criminal. Trump “terá o direito de se recusar a responder a qualquer pergunta que, segundo eles, possa incriminá-los, e essa recusa não poderá ser comentada ou usada contra ele em um processo criminal”, escreveu o juiz da Suprema Corte de Nova York.

Engoron divulgou a decisão após uma aparição de duas horas de advogados de Trump e James. “Em última análise, um procurador-geral do estado começa a investigar uma entidade empresarial, descobre evidências abundantes de possível fraude financeira e quer questionar, sob juramento, vários dos diretores das entidades, incluindo seu homônimo. Ela tem todo o direito de fazê-lo", dizia o documento judicial de oito páginas assinado pelo juiz.

A promotoria de Nova York investiga há anos possíveis crimes cometidos pelo conglomerado empresarial do magnata para determinar se a empresa fez declarações "fraudulentas ou enganosas" do valor de vários imóveis e propriedades, que eles superfizeram para obter empréstimos bancários. Trump disse na terça-feira que o trabalho de James é uma "investigação falsa sobre uma grande empresa que fez um trabalho espetacular para Nova York" e uma "continuação de uma caça às bruxas racialmente motivada como nunca foi vista" nos Estados Unidos.

Em dezembro passado, Trump entrou com uma ação no tribunal federal contra James por uma suposta violação de seus direitos constitucionais. Ele a acusou de que sua investigação é "guiada apenas por animosidade política e pelo desejo de assediar, intimidar e retaliar um cidadão comum que ela considera um oponente político".

O processo civil de James avança em paralelo com a investigação criminal liderada pela promotoria de Manhattan para determinar se Trump ou sua organização falsificaram o valor das propriedades para obter acesso a potenciais credores e, assim, garantir o financiamento. No verão passado, o Gabinete do Procurador Distrital de Manhattan acusou a empresa de Trump de manter um plano "esmagador e audacioso" por 15 anos para fraudar o Tesouro, e o então diretor financeiro Weisselberg de esconder uma renda no valor de 1,7 milhão de dólares, permitindo-lhe sonegar cerca de US$ 900.000 em impostos. .

Antonia Laborde, a autora deste artigo, é Correspondente do EL PAÍS em Washington desde 2018. Trabalhou na Telemundo (Espanha), no jornal econômico Pulso (Chile) e no meio online El Definido (Chile). Mestre em Jornalismo pelo EL PAÍS. Publicado originalmente em 17.02.22

Covid-19: Brasil registra 1.128 mortes e mais de 131 mil novos casos em 24 horas

Com isso, o país totaliza 641.902 vítimas da pandemia até o momento.

O Brasil registrou 1.128 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas, segundo o boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) desta quinta-feira (17/2). (Reuters)

O Brasil está com um patamar alto em número de novos casos: nesta quinta-feira foram mais 131.049 oficialmente registrados. O país já tem 27.937.835 casos da doença confirmados desde o início da pandemia.

Como os registros de casos e mortes ficam acumulados em fins de semana e feriados, um indicador considerado mais fiel à situação atual é a média móvel de casos e óbitos nos últimos sete dias.

Nesta quinta, a média móvel de casos corresponde a 116.905, com tendência de queda nos últimos dias, após um período de alta e de quebra de recordes. A média móvel de mortes foi de 841.

Esse patamar é semelhante ao observado em agosto do ano passado - embora mais baixo em comparação aos picos de mortes da pandemia, em abril de 2021, quando a média de mortes ultrapassou 3,1 mil.

O aumento recente de casos e mortes pela covid-19 é atribuído em grande parte à variante ômicron.

De acordo com o painel da Universidade Johns Hopkins, os Estados Unidos lideram globalmente em número de casos (78,2 milhões) e óbitos (929,8 mil).

Em relação aos casos oficialmente registrados, em 2ª lugar vem a Índia (42,7milhões), e depois o Brasil.

Em mortes, o Brasil está, de acordo com dados oficiais, em segundo lugar o mundo — embora a subnotificação de casos e mortes em diversos países (como Brasil, Rússia e Índia) torne as comparações mais complexas.

BBC News Brasil, em 17.02.22

Bolsonaro paga a conta

Bolsonaro acerta contas com o Centrão para que possa seguir com sua campanha pela reeleição

Por meio de um decreto publicado no dia 11 passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) autorizou o pagamento de R$ 25 bilhões em emendas parlamentares até as eleições de outubro. É um recorde até mesmo para os padrões de sua administração, já notabilizada por ter liberado valores sem precedentes a título de emendas parlamentares, malgrado ser o governo que menos conseguiu converter em lei projetos de sua iniciativa ou interesse.

Do montante total liberado por Bolsonaro, quase a metade será paga por meio das emendas do relator-geral do Orçamento da União, as chamadas emendas RP-9, sustentáculo do “orçamento secreto”, mecanismo que o presidente engendrou, como revelado pelo Estadão, para comprar um arremedo de base de apoio no Congresso. Ou seja, não haverá qualquer tipo de transparência sobre cerca de R$ 12 bilhões de que poderão dispor os parlamentares aliados do governo neste ano eleitoral. Como também não houve transparência sobre a origem e o destino de outros tantos bilhões de reais liberados por emendas RP-9 em 2020 e 2021, ao arrepio de nada menos do que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

A autorização de Bolsonaro para o pagamento recorde de emendas parlamentares não significa que todo o dinheiro estará disponível de imediato. Para organizar minimamente a farra, o governo estabeleceu um limite para a execução das verbas oriundas das emendas de relator. De acordo com o decreto, até março poderão ser gastos “apenas” R$ 2,7 bilhões a título de emendas RP-9. Até setembro, o montante chegará a R$ 12 bilhões.

Seguramente, o governo será muito pressionado a respeito da liberação desses recursos, tanto por parlamentares como por membros da própria equipe econômica que ainda resistem bravamente à predação do orçamento público. Embora seja muitíssimo significativo – basta dizer que o valor das emendas RP-9 supera o orçamento de muitos Ministérios –, os valores parecem pouco para atender à voracidade dos beneficiários em potencial, sobretudo porque muitos deles estão em plena campanha para renovar seus mandatos e querem receber o dinheiro bem antes de outubro.

O “árbitro” dessa disputa por dinheiro público em que só o contribuinte sai perdendo será o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), prócer do Centrão a quem Bolsonaro, por meio de outro decreto, deu poder decisório sobre a execução orçamentária, uma prerrogativa que era do Ministério da Economia.

Com a autorização do pagamento recorde de emendas parlamentares em 2022, Bolsonaro faz um novo acerto de contas com o Centrão para que possa prosseguir em sua campanha pela reeleição sem ser fustigado pelo Congresso.

Passam de 140 os pedidos de impeachment contra o presidente da República que dormitam na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Para a parte da sociedade representada nesses pedidos, os documentos simbolizam a indignidade e a inaptidão de Bolsonaro para o cargo. Para os caciques do Centrão, a “papelada” é a chave que abre uma via de acesso ao Orçamento da União com a qual, antes de Bolsonaro, eles apenas sonhavam.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 17.02.22

Lula promete o atraso

Ao falar da omissão petista na promoção das reformas, Lula diz que o País não precisa delas. Eis os fatos: não houve e nunca haverá governo do PT reformista

A razia bolsonarista demanda a eleição de um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem da verdade, a crise política, econômica, social e, sobretudo, moral que está arruinando o Brasil começou muito antes, durante o trevoso mandarinato lulopetista, e culminou na eleição de Jair Bolsonaro – mau militar, mau deputado e mau presidente. Ou seja, com exceção do breve intervalo do governo de Michel Temer, que representou um instante de racionalidade reformista em meio a tanta irresponsabilidade demagógica, já se vão 20 anos de retrocesso e destruição do futuro.

Se depender de Lula da Silva, no entanto, o atraso será transformado de vez em política de Estado. Pois o líder das pesquisas de intenção de voto para presidente diz, sem qualquer constrangimento, que o País, pasme o leitor, não precisa de reformas – justamente os instrumentos indispensáveis para modernizar o Brasil, criando as condições para o desenvolvimento pleno de sua imensa potencialidade.

No dia 15 passado, Lula deu uma entrevista à rádio Banda B, de Curitiba, na qual a entrevistadora ousou lhe perguntar por que ele, quando esteve na Presidência, não promoveu “as reformas que o País tanto precisava”, embora tivesse apoio da maioria no Congresso. Ótima pergunta. Lula não se deu ao trabalho nem ao menos de afetar algum ânimo reformista. De bate-pronto, respondeu: “Mas quem é que disse que o Brasil precisava das reformas?”.

É esse o candidato que se apresenta para o trabalho de “reconstrução e transformação do Brasil”, conforme se lê num papelucho apresentado pelo PT em 2020 como um plano para o futuro – melhor seria qualificá-lo de ameaça.

Ora, quem é contra as reformas – seja as que ainda não foram feitas, seja aquelas que já foram aprovadas, como a trabalhista e a previdenciária, e evitaram que o País afundasse ainda mais na crise – não está interessado em reconstruir nada. Não haverá solidez em nenhum projeto de governo nem de país se este não estiver escorado em amplas e profundas reformas; fora disso, resta apenas o populismo estatólatra.

Esta é a verdade sobre Lula e o PT: não fizeram as reformas porque consideram que o País não precisa delas. A omissão petista ao longo de 14 anos não se deu por uma questão circunstancial – ou seja, nem sequer se deram ao trabalho de tentar encaminhar alguma reforma de vulto. Lula e o PT não fizeram as reformas porque não quiseram e continuam a não querer.

A resposta de Lula é um acinte, especialmente com os desempregados e com as famílias mais vulneráveis. O Estado, inchado, perdulário e dominado por interesses privados, é incapaz de prestar os serviços básicos para a população, além de drenar recursos que deveriam ser investidos em desenvolvimento e na geração de empregos, mas Lula acha que não há necessidade de reformar nada. Em sua visão, o País não precisaria de nenhuma mudança estrutural. Ou seja, tudo pode ficar como está.

Se a resposta de Lula é constrangedora pelo descaramento com que admite a omissão petista, é ainda mais assustadora pelo que revela a respeito do presente e do futuro. O declarado desprezo do líder petista pelas reformas deveria ser suficiente para antever um porvir sombrio, caso se confirme o favoritismo de Lula e o PT volte ao poder, apesar do histórico de corrupção e incompetência.

A despeito das articulações de Lula para posar de centrista, é preciso ser muito ingênuo para acreditar que um dia haverá um governo do PT reformista. Lula, fiel à sua natureza, aproveita-se das reformas que outros fizeram, colhe os frutos e a popularidade das mudanças estruturais que outros implementaram, mas ele mesmo não quer fazer nada. Lula não está disposto ao trabalho árduo de promover mudanças legislativas estruturais, politicamente difíceis e que exigem contrariar interesses de setores organizados. Prefere ridicularizá-las.

A educação, a saúde, a economia e tantos outros setores fundamentais do País precisam urgentemente das reformas para funcionarem melhor. Basta de populismo negacionista.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 17.02.22

Bolsonaro critica Fachin e diz que ministros do STF querem deixá-lo inelegível

Para presidente, magistrados agem em favor de Lula e futuro presidente do TSE admite não confiar no sistema eleitoral

Jair Bolsonaro sempre defendeu o voto impresso e, no ano passado, chegou a ameaçar a realização das eleições sem a adoção desse modelo. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O presidente Jair Bolsonaro atacou ontem o Supremo Tribunal Federal (STF) e disse que os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso querem torná-lo inelegível, “na base da canetada”, para beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu principal adversário na disputa ao Palácio do Planalto neste ano. Bolsonaro também criticou declarações de Fachin, que, em entrevista ao Estadão, afirmou que a Justiça Eleitoral “já pode estar sob ataque de hackers” e citou a Rússia como origem da maior parte dessa ofensiva.

“Não estou na Rússia para programar ataque hacker a computadores do Tribunal Superior Eleitoral”, disse Bolsonaro, em entrevista à Jovem Pan News, diretamente de Moscou. Fachin assumirá o comando do TSE no próximo dia 22 e tem demonstrado preocupação com a disseminação de informações falsas na campanha. “O próprio Fachin acaba de comprovar, no meu entender, que não tem confiança no sistema eleitoral. Eu não sei o que está passando na cabeça deles. Se o sistema eleitoral é inviolável, por que essa preocupação? Acabaram de comprovar que existe e pode ser violável”, declarou o presidente, classificando a manifestação de Fachin como “constrangedora”, no momento em que ele se encontra na Rússia.

Sigilo

Bolsonaro sempre defendeu o voto impresso e, no ano passado, chegou a ameaçar a realização das eleições sem a adoção desse modelo. Na entrevista à Jovem Pan News, o presidente também acusou Moraes de ter quebrado o sigilo telefônico de um de seus ajudantes de ordens. Segundo Bolsonaro, a medida teria sido tomada no inquérito que apura se ele divulgou informações sigilosas, em live, de investigação sobre ataque às urnas.

“Para mim foi uma surpresa quando recebemos por escrito um pedido de audiência do Fachin, juntamente com o ministro Alexandre, que tem vários inquéritos contra mim, contra meu ajudante de ordens”, disse Bolsonaro, numa referência à visita que os dois magistrados fizeram a ele no Planalto, recentemente, para entregar o convite da cerimônia de posse no TSE. Fachin vai substituir Barroso. Moraes ocupará a cadeira de vice e, em meados de agosto, no início oficial da campanha, será o presidente do TSE.

“Foi quebrado o sigilo telefônico do meu ajudante de ordens na questão de vazamentos e isso permitiu a Moraes ter acesso à troca de mensagens entre mim e o ajudante de ordens”, disse Bolsonaro. “Difícil continuar três ministros do STF agindo dessa maneira. É uma perseguição clara (...). Essas três pessoas (Fachin, Barroso e Moraes) não contribuem com o Brasil em nada.”

Ainda na entrevista, Bolsonaro afirmou que vai analisar as explicações do TSE aos questionamentos das Forças Armadas sobre o funcionamento da urna eletrônica. “Ou nós vamos concordar ou discordar totalmente, de forma técnica”, disse ele. A participação das Forças na preparação das eleições é inédita e se dá a convite do TSE, após Bolsonaro pôr em dúvida a lisura do processo e a segurança das urnas.

Procurados, Fachin, Moraes e Barroso não quiseram se manifestar sobre as declarações do presidente.

Bruno Luiz e Giordanna Neves , de Brasília para O Estado de S.Paulo, em 16.02.22

TSE torna pública resposta aos militares sobre urna eletrônica após insinuações de Bolsonaro

Comissão de Transparência mantinha conteúdo sob reserva; documento é divulgado diante de vazamentos parciais


O presidente do TSE ministro Luís Roberto Barroso (centro) realiza o inicio do processo de transição da Presidência com o ministro Edson Fachin (à esq.), próximo presidente do TSE, com a presença do ministro Alexandre de Moraes - Antonio Molina - 15.fev.22/Fotoarena/Agência O Globo

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgou as perguntas feitas pelo Exército e as respostas da corte eleitoral sobre o sistema eletrônico de votação.

O material reforça o que a corte eleitoral vem sustentando nos últimos meses de que as urnas eletrônicas são seguras para rebater falas do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a suposta vulnerabilidade dos equipamentos.

O presidente do TSE ministro Luís Roberto Barroso (centro) realiza o inicio do processo de transição da Presidência com o ministro Edson Fachin (à esq.), próximo presidente do TSE, com a presença do ministro Alexandre de Moraes - Antonio Molina - 15.fev.22/Fotoarena/Agência O Globo

Em nota desta quarta-feira (16), o TSE afirmou que a Comissão de Transparência Eleitoral, instalada em setembro de 2021, mantinha o conteúdo dessa discussão sob reserva. Porém, diante o vazamento da existência e do teor das perguntas, resolveu divulgar os documentos que contêm as perguntas formuladas pelas Forças Armadas e as respostas elaboradas pela área técnica da Corte Eleitoral.

​São dois documentos que, juntos, somam mais de 700 páginas. No primeiro, estão listados 48 quesitos e as respectivas respostas. O segundo arquivo reúne anexos, incluindo legislação, que complementam as explicações dadas pela STI (Secretaria de Tecnologia da Informação) do tribunal.

O TSE informou às Forças Armadas que "aprimora rotineiramente seus procedimentos" e que realiza testes de segurança sobre seus sistemas, tanto por equipe interna quanto por equipe externa que atua sob contrato específico. Os testes visam a correção de vulnerabilidades eventualmente encontradas e da verificação dessas correções.

"A cada ciclo eleitoral os sistemas são atualizados, aprimorados e, antes de serem submetidos à assinatura digital e lacração, passam por baterias de testes locais, testes em campo, testes de desempenho e simulados nacionais que garantem o pleno e bom funcionamento desses", afirmou o tribunal.

A corte listou uma série de procedimentos voltados para a segurança durante todo o processo eleitoral, incluindo o dia das eleições.

Destacou, por exemplo, a existência de uma sala-cofre certificada pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que protege o órgão contra vandalismo, ocorrências físicas de incêndio, alagamento, possivelmente queda do prédio e outros.

A decisão de divulgar o material foi tomada em conjunto pelo atual presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, e pelos seus sucessores, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Consideram que as informações prestadas às Forças Armadas a respeito do processo eletrônico de votação são de interesse público e não impactam a segurança cibernética da Justiça Eleitoral.

No ofício que acompanha os documentos enviados ao general Heber Garcia Portella, que é Centro de Defesa Cibernética do Comando de Defesa Cibernética do Exército, Barroso destacou que as perguntas são de grande relevância e fazem parte de reflexões, aquisições e programações futuras do órgão.

Enfatizou que as informações que envolvem a cibersegurança dos sistemas eleitorais precisam ser tratadas com o máximo de reserva, para não se criar vulnerabilidades ou facilitar ataques.

"Infelizmente, há maus precedentes nessa matéria", disse o magistrado, numa referência ao vazamento de informações sigilosas de inquérito da Polícia Federal que apura ataque hacker a sistemas da Justiça Eleitoral em 2018, anos das últimas eleições gerais.

O material foi divulgado por Bolsonaro e aliados durante transmissão ao vivo em agosto do ano passado, como parte da estratégia para encampar a tese de que o resultado das urnas eletrônicas é manipulável.

"Informações sensíveis, que facilitam a atuação criminosa, foram divulgadas em rede mundial", afirmou o presidente do TSE.

Sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), Bolsonaro é investigado nesse episódio.

Encarregada da apuração, a PF disse ter visto crime de Bolsonaro em sua atuação no vazamento de dados sigilosos sobre o suposto ataque ao sistema da Justiça Eleitoral.

Moraes encaminhou as conclusões da polícia para manifestação do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Marcelo Rocha, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado ooriginalmente em 17.02.22

Nota oficial contra Moro empurra Polícia Federal para debate eleitoral

Comunicado acusa ex-ministro de ataques 'descabidos' e provoca polêmica dentro e fora da PF

O ex-juiz Sergio Moro, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro - Everson Bressan - 01.nov.2019/Fotoarena/Folhapress

A decisão de Paulo Maiurino, diretor-geral da Polícia Federal, de rebater declarações do ex-ministro e presidenciável Sergio Moro (Podemos) empurrou a instituição para dentro do debate eleitoral.

Por meio de nota divulgada nesta terça-feira (15), a PF acusou Moro de mentir nas declarações que tem feito sobre o trabalho que o órgão desempenha nos últimos meses.

A PF atacou também o ex-juiz por sua atuação na passagem no Ministério da Justiça, do qual a polícia é subordinada.

Segundo o texto da Polícia Federal, Moro desconhece a corporação e não se envolveu quando teve oportunidade, ficando fora de todos os debates que tratavam de interesses dos servidores.

A nota provocou polêmica dentro e fora da corporação. Moro deixou o ministério em abril de 2020 ao acusar Jair Bolsonaro (PL) de inferência na PF e hoje se apresenta como pré-candidato à sucessão do presidente.

Como mostrou a Folha, a cúpula da PF vinha desde o ano passado sustentando internamente um discurso de preocupação com eventual exploração da atuação do órgão durante a campanha eleitoral.

Agora, diz que foi preciso reagir publicamente aos ataques do ex-ministro para fazer a defesa institucional da corporação. Alega que Moro faz discurso eleitoreiro "vazio" porque não teria havido mudança significativa em termos operacionais entre o período em que foi ministro (janeiro de 2019 a abril de 2020) e o atual.

Ela lembra que aliados de Bolsonaro são alvos de investigação por ataques infundados ao STF (Supremo Tribunal Federal) e a seus integrantes.

Alega ainda que a manifestação conta com o respaldo de uma parcela significativa de servidores da PF. Cita a insatisfação deles com Moro por não brigar pela categoria durante a discussão da reforma da Previdência realizada pelo atual governo.

A passagem do ex-juiz pelo Ministério da Justiça foi muitas vezes criticada internamente na corporação, mas a gestão do diretor Maiurino também é alvo de ressalvas por parte de quadros que ocuparam posições relevantes em gestões anteriores ao próprio Moro.

O delegado Paulo Maiurino é diretor-geral da Polícia Federal - Alesp

Em redes sociais, integrantes da PF fizeram críticas ao comunicado. O delegado Alexandre Saraiva foi ao Twitter e escreveu que "'a verdade dói'", compartilhando o link do comunicado.

O policial foi responsável por apresentar no Supremo uma notícia-crime contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles por supostamente ter atrapalhado investigações de exploração ilegal de madeira. O político sofreu desgaste e acabou deixando o cargo.

Em outra publicação, replicada por Moro, anotou: "Nota da PF de ontem: 'Vale ressaltar que a Polícia Federal vai muito além da repressão aos crimes de corrupção'. Qual a relação com a tragédia em Petrópolis? Em 2011 o crime drenou os recursos destinados à prevenção. O combate à corrupção salva vidas".

Na mesma rede social, o delegado Fabiano Bordignon, que chefiou o Departamento Penitenciário Nacional durante a gestão de Moro, afirmou que prefere "as operações espetaculares do passado, que revelaram as chagas abertas da corrupção política, ao espetáculo atual da impunidade".

Há meses Moro tem feito críticas à atuação da polícia e deve ser essa uma das suas principais bandeiras na sua corrida eleitoral.

Nesta terça à noite, após a manifestação da PF, o ex-ministro voltou ao assunto.

"Eu respeito muito a PF, os delegados, agentes, escrivães, peritos, papiloscopistas e servidores. Este momento vai passar. Vocês vão voltar a ser valorizados", disse.

"Contem comigo para continuar sendo uma das instituições mais respeitadas no combate ao crime", afirmou ao comentar uma reportagem sobre redução no número de prisões envolvendo casos de corrupção realizadas pela PF.

Um inquérito aberto para apurar as denúncias feitas pelo ex-juiz ainda não foi concluído até hoje. O presidente da República já foi ouvido na investigação. A manifestação do diretor-geral ocorre, portanto, em meio a uma investigação em curso.

A nota emitida pela PF também deve dar munição a Moro sobre o fim desse inquérito, politizando a conclusão da apuração.

A investigação foi aberta em abril de 2020 a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), após a saída de Moro do governo, quando pediu demissão do cargo de ministro da Justiça e denunciou uma suposta interferência de Bolsonaro na PF para a proteção de aliados e familiares.

​Em entrevista à Jovem Pan nesta segunda (14), Moro disse que o atual governo e o Congresso destruíram a Lava Jato e afirmou que hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por corrupção.

Na resposta, a PF disse que Moro fez "descabidos ataques" ao órgão e mentiu.

"A Polícia Federal efetuou mais de mil prisões, apenas por crimes de corrupção, nos últimos três anos. Neste mesmo período, a PF realizou 1.728 operações contra esse tipo de crime. Somente em 2020, foram deflagradas 654 ações —maior índice dos últimos quatro anos", consta na nota da polícia.

"Vale ressaltar que a Polícia Federal vai muito além da repressão aos crimes de corrupção. Em 2021, bateu recorde de operações. No total, foram quase 10 mil ações, aumento de 34% em relação ao ano anterior."

O texto da PF também colocou que o papel da corporação não é produzir espetáculos, mas sim conduzir investigações, "desconectadas de interesses político-partidários".

A atual a gestão da Polícia Federal se posiciona nos bastidores como crítica dos chamados excessos da Lava Jato.

No fim do ano passado, quando foi deflagrada operação contra o presidenciável Ciro Gomes (PDT), a PF vetou pedido para realização de entrevista à imprensa que seria realizada no Ceará sobre a operação. Integrantes da cúpula afirmaram na época que os pedidos de buscas e apreensão são no modelo "lava-jatista", sendo midiáticos.

Marcelo Rocha, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 17.02.22

"Não há ameaça real, superamos ciclos do atraso", diz Barroso sobre democracia e eleições

Presidente do TSE fala sobre ataques de Bolsonaro e afirma não crer que militares queiram se envolver na política. Entrevista à Folha de S. Paulo, publicada hoje.

O ministro Luís Roberto Barroso - Antonio Augusto - 23.abr.2021/Secom/TSE

O ministro Luís Roberto Barroso deixará a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na próxima terça-feira (22), após os quase dois anos em que organizou uma eleição municipal ainda no primeiro ano da pandemia da Covid-19, criou uma comissão de transparência com um indicado das Forças Armadas e fez parcerias com redes sociais para evitar compartilhamentos de desinformações.

Nesse período, ele e a Justiça Eleitoral também foram alvo de intensos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL), por meio de xingamentos e de acusações sem comprovação de fraudes. Barroso será substituído no cargo pelo ministro Edson Fachin, que comandará o TSE até agosto.

"Eu optei por não entrar com ação penal, queixa-crime [contra o presidente], por muitas razões, mas a principal é que eu não trato isso como uma questão pessoal. A democracia foi a causa da minha geração e eu me mobilizo para defendê-la, mas eu não paro para bater boca", afirmou o ministro, em entrevista à Folha.

Nos últimos dias, o TSE enviou uma série de respostas para as Forças Armadas sobre 80 dúvidas apresentadas em relação às urnas eletrônicas. O documento tem 700 páginas e, a pedido dos militares, estava sob sigilo. Diante de vazamentos sobre seu teor, porém, Barroso decidiu divulgá-lo na tarde desta quarta-feira (16).

Antes, o ministro disse à Folha que vinha considerando essa possibilidade. 

"Eu apenas não divulguei porque havia um trato feito no âmbito da Comissão [de Transparência Eleitoral] de que as coisas ali debatidas seriam mantidas sob reserva e que, ao final, se faria um relatório noticiando o que foi discutido."

O ministro Edson Fachin apontou uma preocupação do TSE com ameaças autoritárias. O sr. acha que existe uma ameaça real e que ela pode prejudicar as eleições? 

Eu não acho que haja uma ameaça real, mas houve momentos de preocupação, como o comício na porta do quartel-general do Exército, como tanques de guerra na Praça dos Três Poderes, como ataques infundados ao sistema eleitoral, o pronunciamento do 7 de Setembro com ofensas ao ministro do Supremo e a declaração de que não cumpriria mais decisões judiciais.

Esses são sinais preocupantes. Mas acho que as instituições brasileiras, tanto as instituições formais quanto as informais, reagiram de uma forma muito positiva, demonstrando a vitalidade da democracia.

Eu me refiro à imprensa, ao presidente da Câmara, ao presidente do Senado, ao presidente do Supremo e à intelectualidade de maneira geral.

Acho que nós já superamos os ciclos do atraso e que não há risco de retrocessos, mas eu gosto de citar uma frase da Legião Urbana em que eles dizem "não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas".

O dano dos ataques que o presidente Jair Bolsonaro tem feito ao sistema eleitoral pode ser revertido? Eu acho que a percepção crítica do sistema eleitoral é de uma parcela muito pequena da população. O próprio Datafolha fez a pesquisa e deu pouco mais de 20%.

Portanto, o presidente falando todos os dias contra o sistema gerou desconfiança em pouco mais de 20% da população. Certamente, gente que não conviveu com todas as fraudes que havia no tempo do voto em papel.

Quando o sr. assumiu o TSE, estava preparado para tantos ataques, inclusive pessoais, do presidente da República ou esperava uma postura mais institucional? 

A gente tem de viver a vida como vem. Eu não tinha muitas previsões e trato ataques pessoais com a pouca relevância que eu acho que eles merecem. Mas reagi imediatamente aos ataques institucionais, no tom que me parecia próprio.

O presidente deve ser responsabilizado por esses ataques, na sua visão? 

Eu optei por não entrar com ação penal, queixa-crime [contra o presidente], por muitas razões, mas a principal é que eu não trato isso como uma questão pessoal. A democracia foi a causa da minha geração e eu me mobilizo para defendê-la, mas eu não paro para bater boca. Acho que algumas pessoas são espiritualmente desencontradas, mas eu não dou a elas o poder de me tirar do meu centro.

Mas e em relação aos ataques institucionais, não só pessoais? 

Nesses, onde havia acusações falsas de fraude, o Tribunal Superior Eleitoral fez uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal para apuração. Depois, fiz outra notícia-crime quando do vazamento de dados da arquitetura do TSE que estavam em inquérito sigiloso da Polícia Federal.

Essas apurações vão ter conclusão em breve? 

Quem conduz os inquéritos é o ministro Alexandre de Moraes.

O vereador Carlos Bolsonaro vai comandar a campanha digital do pai, o presidente. Ele tem um histórico de ataques e desinformação nas redes sociais. Ex-ministros também estão apresentando desinformações em relação à viagem à Rússia. Vai ser um problema nas eleições? 

A desinformação em si é um problema. Eu não falo de pessoas, mas a desinformação é um problema tão grande que nós temos, no TSE, uma comissão permanente de enfrentamento à desinformação.

Ontem [terça-feira, 15], assinamos parcerias com todas as principais redes sociais que operam no Brasil para o enfrentamento da desinformação, sobretudo dos chamados comportamentos inautênticos, que é a utilização de robôs, perfis falsos e trolls —pessoas contratadas para difundir notícias falsas—, e para minimizar o risco dos disparos em massa ilegais. Estamos tomando as providências possíveis, sobretudo para a proteção do sistema eleitoral.

O TSE tem investido bastante em transparência a respeito do processo de votação. Nesse sentido, as respostas dadas aos militares a respeito das urnas não poderiam ter sido públicas? [O conteúdo foi divulgado nesta quarta após a entrevista] Olha, não há nenhum problema, nem nas perguntas nem nas respostas, que impeça a divulgação.

Apenas não divulguei porque havia um trato feito no âmbito da Comissão [de Transparência Eleitoral] de que as coisas ali debatidas seriam mantidas sob reserva e que, ao final, se faria um relatório noticiando o que foi discutido. Mas, para ser sincero, diante do vazamento, nós estamos considerando divulgar publicamente, porque não há nenhum problema. Não tem nada comprometedor, não tem nenhuma crítica. São só perguntas e respostas técnicas. Para falar a verdade, é um documento técnico de leitura árdua.

Os srs. chegaram a conversar com o general indicado para a comissão a respeito disso? 

Porque a falta de divulgação tem dado munição ao presidente para fazer ataques ao TSE e às urnas. Não conversamos a respeito.

O general [da reserva e ex-ministro da Defesa] Fernando Azevedo não vai ser mais diretor-geral do TSE. Isso dá uma sinalização ruim? Primeiro, é uma pena, porque ele é um quadro altamente qualificado, mas, se uma pessoa alega motivos de saúde, tudo o que você pode fazer é aceitar a decisão.

Mesmo sem Azevedo, os militares vão ter uma participação maior nessa eleição do que nas anteriores, já que fazem parte da Comissão de Transparência Eleitoral e solicitam informações. Isso dá mais segurança às eleições ou traz riscos? 

Eu não acho que são [todos] os militares. Tem um representante das Forças Armadas indicado pelo ministro da Defesa. Em mais de 30 anos de democracia do Brasil, os militares não se envolveram em política e não creio que queiram se envolver em política, e é bom que seja assim.

O sr. tem conversado com plataformas de redes sociais e muito já se discutiu sobre como elas lucram com desinformação. Isso continua sendo um problema? 

Existe um problema que não é propriamente das plataformas, é um problema da condição humana.

O ódio, a mentira e sensacionalismo geram muito mais engajamento do que um discurso racional e moderado. O post ou a notícia absurda dão muito mais cliques, e a remuneração das plataformas em geral se dá em função do número de acessos.

Portanto, há um problema que precisa ser neutralizado. Para isso, existe a legislação e existem os acordos que nós estamos fazendo, pelos quais, consensualmente, se procura evitar esse tipo de abuso.

O sr. disse que o Telegram vai estar no acordo que o TSE fez com as plataformas ou "não vai estar". O que quis dizer com isso? Eu acho que, para atuar no Brasil e ser um ator relevante no processo eleitoral brasileiro, qualquer plataforma e qualquer entidade precisa estar submetida à legislação brasileira e às decisões da Justiça brasileira. Não é [só] o Telegram.

Mas o Telegram, necessariamente, teria de participar do acordo com o TSE? 

Eles têm de ter uma representação que possa receber e cumprir as ordens e seguir a legislação brasileira. Já há um projeto na Câmara dos Deputados, aprovado no Senado, que diz isso. É uma questão de fazer valer.

Eu tenho dito que o ideal é que o Congresso tome essa deliberação, mas, se o Congresso não tomar essa deliberação, a matéria provavelmente vai chegar, se não ao TSE, ao menos no Supremo.

O acordo seria um passo à frente que o Telegram teria que tomar, não? 

Mas é que um acordo exige um consenso. A característica de acordo é que é um ato de vontade, e portanto ninguém é obrigado a fazê-lo. Mas, a cumprir a lei, é.

O presidente da Câmara disse que deseja que essa lei das fake news não seja contra o Telegram especificamente e que seja moderada... Eu estou de acordo. Uma lei não deve ser especificamente contra ninguém. A característica de uma lei é ser uma norma geral e abstrata. Vale para todo mundo.

Em 2020, os usuários tiveram bastante dificuldade em justificar ausência no aplicativo do TSE. Esse problema está resolvido para esse ano? 

Está bem equacionado. É preciso lembrar que o TSE, no dia das eleições, sofreu um massivo ataque –chama-se ataque de negação de serviço.

Milhares de computadores de diferentes partes do mundo tentaram derrubar o sistema do TSE, sem conseguirem. Eu sou muito convencido de que a coordenação desses ataques veio daqui de dentro do Brasil, mas a Polícia Federal infelizmente nunca conseguiu chegar nos atores.

Há proteção para um novo ataque massivo? 

O que eu posso assegurar é que não há risco de um ataque interferir no resultado das eleições, porque as urnas nunca entram em rede.

Você pode derrubar o sistema do TSE, mas não tem como fraudar a eleição, porque a urna eletrônica, às 17h, quando termina a votação, imprime o boletim com o resultado da eleição. Esse boletim é impresso em muitas vias, é distribuído aos partidos e é colocado na internet.

O envio desses dados ao TSE é só para fazer a totalização. São quase 6.000 municípios, milhares de candidatos e você faz uma totalização centralizada, mas dá para fazer a conta à mão. Não tem como fraudar a eleição.

Eu não posso garantir que não vá haver ataque, nem posso garantir que não vão derrubar o sistema. Posso dizer que até agora nunca conseguiram. Mas, se derrubarem, não acontece nada de ruim no tocante ao resultado das eleições

Luís Roberto Barroso, 63

Nascido em Vassouras (RJ), o ministro se formou, fez doutorado e deu aulas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Além de atuar na advocacia privada, foi procurador do estado no Rio. Foi indicado ao STF pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013

José Marques, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 17.02.22.

Disque STF

Sabotagem à política sanitária, agora da parte de Damares, merece novo veto

O Supremo Tribunal Federal tem atuado, ao longo da pandemia, como um contraponto necessário às omissões e sabotagens do governo Jair Bolsonaro (PL).

São exemplos desse papel decisões como a que reafirmou a competência concorrente de estados, municípios e União para gerir a crise, bem como a que manteve a obrigatoriedade do passaporte da vacina para todo viajante do exterior que desembarca no Brasil.

Enquanto a primeira permitiu a implementação local de restrições à circulação e ao funcionamento de estabelecimentos, cruciais nos momentos em que o coronavírus matava diariamente milhares de brasileiros, a segunda visava o objetivo óbvio de impedir que não vacinados escolhessem o território brasileiro como destino.

Nesta semana, a intervenção do tribunal, na figura do ministro Ricardo Lewandowski, mostrou-se mais uma vez necessária diante das deploráveis manifestações do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves.

Conforme revelou a Folha, a pasta elaborou nota técnica contrária aos imperativos da imunização infantil e do passaporte vacinal, os mais recentes alvos das hostes bolsonaristas —depois do distanciamento, das vacinas e das máscaras.

Mais grave, o ministério também incentivou que o Disque 100, principal canal governamental para denúncias de violações dos direitos humanos, fosse usado por aqueles que não se vacinam para relatar "discriminações" sofridas.

Como um professor que corrige uma tarefa malfeita, Lewandowski determinou que o documento seja retificado a fim de que se coadune com a interpretação conferida ao tema pela corte.

Nele devem ser incluídas afirmações que, embora elementares, servem para evitar a desinformação —como esclarecer que "vacinação compulsória não significa vacinação forçada" e pode ser implementada por meio da "restrição ao exercício de certas atividades", desde que previstas em lei.

Quanto ao Disque 100, o ministro prescreveu que a pasta pare de utilizá-lo fora de suas finalidades institucionais e deixe de estimular "o envio de queixas relacionadas às restrições de direitos consideradas legítimas" pelo Supremo.

Não deixa de ser lamentável que questões dessa natureza terminem decididas em um tribunal. No entanto, ante a treva bolsonarista, trata-se do menor dos males.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 17.02.22 

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‘Cena de filme de terror’: os relatos sobre o temporal que virou tragédia com quase 100 mortos em Petrópolis

O temporal causou estragos em diversos pontos do município. Segundo o governo do Rio de Janeiro, foram registradas 89 áreas atingidas, com 26 deslizamentos.

Bombeiros procuram por sobreviventes na lama (Reuters)

"Foi cena de um filme de terror", define o dentista Lucas Ribas sobre o que presenciou em Petrópolis, na região Serrana do Rio de Janeiro, após o município ser atingido por um temporal na terça-feira (15/2).

Lucas saía do trabalho durante a noite quando viu o cenário de destruição deixado pela forte chuva.

"No Centro da cidade havia muitos corpos, muita gente morta que foi levada pela chuva, se afogaram, bateram em algum lugar ou ficaram presas nos carros", diz à BBC News Brasil.

De acordo com o Corpo de Bombeiros, até 21h30 de quarta (16), foram contabilizadas 94 pessoas mortas em decorrência das fortes chuvas de terça-feira.

Nas redes sociais, enquanto algumas pessoas compartilharam registros do impacto causado pela chuva, outras divulgaram fotos de entes queridos que desapareceram em meio ao temporal.

O volume de água acumulada na cidade chegou a 259 milímetros em apenas seis horas de terça-feira, segundo o Climatempo. O valor supera o que era esperado para todo o mês de fevereiro: 238,2 milímetros.

De acordo com o jornal O Globo, dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) apontam que há pelo menos 90 anos Petrópolis não enfrentava uma chuva tão volumosa em 24 horas como a de terça.

A Prefeitura de Petrópolis decretou estado de calamidade pública. Nos hospitais, segundo a gestão local, as equipes foram reforçadas para atender as vítimas.

Imagens registrada pelo dentista Lucas Riba mostram passageiros em ônibus tomado pela enchente

Para os moradores, as cenas presenciadas em razão do temporal nunca serão esquecidas.

"Ainda não caiu a ficha. Eu tenho 44 anos, nasci em Petrópolis, a gente sempre presenciou várias tragédias, mas sempre em lugares isolados e não também no Centro da cidade. O que aconteceu aqui ontem acho que nunca mais vai acontecer porque foi algo impressionante", diz a professora Bianca Maria Leite.

'Foi tudo muito rápido'

O temporal culminou em um cenário desolador em Petrópolis. Em vários vídeos que circulam pela internet, é possível ver imagens de árvores, eletrodomésticos, móveis e veículos sendo levados durante a enchente.

Inúmeras casas foram atingidas. Em algumas, os moradores perderam todos os eletrodomésticos e móveis, enquanto em outros a própria construção foi devastada pela forte chuva.

"Perdi tudo, não tem nada. Levou tudo embora. Não sei o que a gente vai fazer a partir de agora, porque a pedra ali tá quase caindo de novo. Se descer vai pegar mais casas para baixo", disse em entrevista ao telejornal SBT Rio um morador que teve a casa atingida.

Segundo o governo do Rio de Janeiro, ao menos 372 pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas na cidade.

O comércio local também foi atingido e muitos ficaram embaixo d'água. Em vídeos que circulam nas redes é possível ver diversos estabelecimentos alagados.

"Eu estava na academia e ela começou a alagar. Eu só senti que tinha que sair dali. Um pessoal ficou limpando a água do chão e jogando pro ralo. Nisso, consegui ir ao shopping, que tem três andares de estacionamento. Fiquei aguardando e não parava de chover nunca. Quando vi, a rua parecia um rio muito fundo, porque passava muita água. Olhei pro lado da academia e ela estava toda revirada: a água entrou no fundo da academia, foi destruindo tudo e jogou os equipamentos na metade da rua", detalha o universitário Vinícius Magini.

O dentista Lucas Ribas conta que ele e outros funcionários lutaram para salvar os equipamentos do consultório em que ele trabalha. "Foi tudo muito rápido, como se fosse um tsunami de lama. Quando a gente viu era uma aguinha entrando no consultório, logo isso virou muita água, depois começou a transbordar e virou enchente. Foi tempo de a gente subir com equipamentos, fechar as portas, tirar tudo de valor que tinha e salvar o máximo de coisas que podia. Foi desesperador", diz.

Bombeiros atuam em resgates de vítimas da tragédia (EPA)

Na noite de terça, inúmeros pontos da cidade ficaram sem energia elétrica. Na região central houve diversos relatos de roubos e estabelecimentos saqueados em meio ao rastro de destruição do temporal.

Os desaparecidos

Em meio ao temporal, inúmeras pessoas desapareceram. Há registros de busca por moradores de diferentes idades, de crianças a idosos.

Há relatos de pessoas que teriam sido levadas pela água, outras que estariam em regiões que foram soterradas e pessoas que estavam em veículos que foram carregados pela enchente.

De acordo com as autoridades locais, não há números oficiais de desaparecidos na cidade.

Atualmente, cerca de 400 bombeiros auxiliam nas buscas em diferentes áreas da cidade.

Sem respostas, familiares buscam notícias pelas redes sociais. Em alguns posts feitos na terça-feira, é possível observar atualizações de familiares que comemoram que a pessoa foi encontrada bem. Em outros, porém, há a confirmação de que a pessoa foi uma das vítimas das consequências do temporal.

"Infelizmente acharam ele sem vida. Pra ser sincera, não sei o que realmente houve, só tive a notícia de que o corpo dele está no IML", diz uma amiga de um adolescente que teve a morte confirmada. Ela havia disponibilizado o seu número de celular para receber notícias sobre o amigo na noite de terça, após ele ser considerado desaparecido.

No Instituto Médico Legal (IML) da cidade, familiares buscam respostas sobre os desaparecidos.

Chuva causou enchentes e deslizamentos em diversos pontos da cidade (Reuters)

"Vi a chegada de três carros da Defesa Civil com corpos. É angustiante", diz Anallu Andrade. Ela é prima de um garoto de oito anos que estava em um ônibus que foi levado pela enchente.

"Fui para o IML porque um policial viu meu story (postagem temporária no Instagram; nela, Anallu buscava pelo primo) e disse que possivelmente meu primo já foi encontrado sem vida, porque encontraram um menino na faixa etária dele que parecia com ele, só não tinha como me dar certeza. Sabendo disso, eu cheguei ao IML sem nenhuma certeza se é ele ou não", diz Anallu.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro divulgou que montou uma força-tarefa com cerca de 200 agentes, com profissionais como peritos legistas e criminais papiloscopistas, auxiliares de necropsia e servidores de cartório para auxiliar na identificação das vítimas.

Após passar algumas horas no IML, Anallu voltou para casa sem respostas. Ela deverá retornar ao local nesta quinta-feira (17/2). "A avó e a mãe dele estão sem condições de ir (ao IML)", explica.

Depois do temporal

Na quarta-feira, Petrópolis amanheceu em clima de luto. Os números de corpos encontrados foram atualizados ao longo do dia.

"O dia seguinte é triste. A cidade embaixo da lama e as pessoas sem nem saber por onde começar", diz o dentista Lucas Ribas.

O fotógrafo Breno Luis Telles fez registros na manhã seguinte ao temporal. "Fiz imagens no Centro Histórico e infelizmente o cenário é de guerra. Nunca vi uma coisa assim. Gente morta em todos os lados, carros em cima de carros, um cheiro horrível. Infelizmente, a gente vê uma cidade que parece que foi bombardeada", diz à BBC News Brasil.

Fotógrafo registrou Petrópolis na manhã de quarta-feira após o temporal (Breno Telles)

Na cidade, foi possível ver cenas como morros que vieram abaixo, ruas bloqueadas por materiais deixados pela inundação, veículos empilhados, casas destruídas, estabelecimentos atingidos pela lama, comerciantes tentando estimar o prejuízo causado pela tragédia e famílias buscando formas para recomeçar.

Os moradores convivem com o temor de novos temporais. Na quarta, a previsão era de chuva fraca a moderada para a região. A Secretaria de Estado de Defesa Civil alertou que o município segue em estágio operacional de crise e orientou a população a ficar atenta aos informes, porque alertas sobre a situação podem ser atualizados a qualquer momento.

A Defesa Civil municipal argumentou que o temporal foi causado pela "passagem de uma frente fria pelo oceano, em conjunto com as instabilidades geradas pelo aquecimento diurno, mais a disponibilidade de umidade".

Nas redes sociais e em vários pontos da cidade foram organizadas campanhas para arrecadar itens para ajudar as pessoas afetadas de diferentes formas pela chuva.

Vinícius Lemos - @oviniciuslemos, da BBC News Brasil, em 16.02.22

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Para furar bolha da Lava-Jato e se aproximar dos jovens, Moro lança “morocast”

No discurso de filiação ao Podemos, Sérgio Moro admitiu que sua voz racha de vez em quando. O ex-juiz rachou a direita e encantou os bolsonaristas arrependidos 



Por Bela Megale

No discurso de filiação ao Podemos, Sérgio Moro admitiu que sua voz racha de vez em quando. O ex-juiz rachou a direita e encantou os bolsonaristas arrependidosNo discurso de filiação ao Podemos, Sérgio Moro admitiu que sua voz racha de vez em quando.

Na tentativa de falar com eleitores de fora da bolha da Lava-Jato e se aproximar dos mais jovens, Sergio Moro lançará um podcast no próximo mês. Batizado de “Morocast”, o projeto terá duas entrevistas semanais transmitidas por meio do Youtube.

A meta da campanha é que a iniciativa ajude Moro retirar a toga para se aproximar das pessoas como efetivo candidato à Presidência. No podcast, Moro vai fazer entrevistas com médicos, educadores, representantes da sociedade civil, entre outros, para coletar propostas que serão incluídas no programa seu governo.

O Globo, em 16/02/2022 • 18:36

Tribunal de Justiça de Minas vai pagar R$ 607 mil de aluguel sem licitação por escritório de ‘apoio’ em Brasília

Contrato tem vigência de cinco anos; Corte diz que filial vai servir para 'apoio logístico e administrativo' na capital federal   

Escritório do TJMG em Brasília fica no oitavo andar do Edifício CNC. Foto: Riva Moreira/TJMG

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) inaugurou nesta quarta-feira, 16, um escritório de representação em Brasília. O contrato de locação, com dispensa de licitação e vigência de cinco anos, vai custar um total de R$ 607 mil.

A sala vai funcionar no oitavo andar do Edifício da Confederação Nacional de Comércio (CNC), na Asa Norte, próximo ao acesso para a Praça dos Três Poderes, onde ficam o Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

O TJ-MG diz que o escritório vai servir como um ‘órgão de assessoramento técnico’ para ‘apoio logístico e administrativo’ aos magistrados e servidores mineiros. A ideia, ainda segundo a Corte, é ampliar a interlocução com os tribunais superiores, sediados em Brasília, e viabilizar ‘parcerias técnicas’ e ‘novos projetos que possam inovar ou dinamizar o desenvolvimento do Poder Judiciário’.

“Além de estreitar ainda mais as relações institucionais, especialmente, com os Tribunais Superiores e o Conselho Nacional de Justiça, representantes do Poder Judiciário mineiro passam a contar com infraestrutura necessária para realizar reuniões e encontros, bem como acompanhar a tramitação dos procedimentos administrativos”, diz um trecho da nota divulgada pelo tribunal.

A cerimônia de inauguração do escritório contou com a presença do presidente do TJ-MG, desembargador Gilson Soares Lemes; do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do vice-governador do Distrito Federal, Paco Britto (Avante); do senador Carlos Viana (MDB-MG) e do deputado Diego Andrade (PSD-MG); dos ministros João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Leonardo Puntel, do Superior Tribunal Militar (STM), Luiz Felipe Vieira Melo, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e Antônio Augusto Anastasia, do Tribunal de Contas da União (TCU).

Redação d'O Estado de S. Paulo, em 16.02.22, às 19h02

Não é tempo de medo

As eleições deste ano serão produtivas se forem capazes de propiciar melhor percepção das questões coletivas.

Por Nicolau da Rocha Cavalcanti

Com exceção dos poucos defensores da intervenção militar, a imensa maioria dos brasileiros apoia o regime democrático, com a realização periódica de eleições. O consistente apoio popular não impede, no entanto, que ano eleitoral provoque em muitos de nós um frio na barriga. Qual Congresso sairá das urnas nestas eleições? Quem ocupará pelos próximos anos a Presidência da República?

Não é sem motivo essa apreensão. As eleições de 2014 e de 2018 geraram fortes frustrações e revoltas, tanto em quem apoiou os candidatos vencedores como em quem votou nos derrotados. Em público, talvez os eleitores ainda defendam seus candidatos, mas é impossível, por exemplo, que alguém identificado com a proposta petista não tenha se surpreendido com Joaquim Levy no Ministério da Economia de Dilma Rousseff ou que alguém entusiasmado com as ideias de Paulo Guedes em 2018 não esteja decepcionado com os resultados do governo atual. Mais do que atritos entre familiares e amigos – tão visíveis nos tempos atuais –, a política pode suscitar profundas frustrações interiores.

Tem-se, assim, uma situação paradoxal. Batalhamos – ou nossos pais e avós batalharam – pela restauração da democracia, mas agora o direito ao voto parece suscitar pouco entusiasmo. Jovens (e não tão jovens) não querem votar. Nem sequer começou a campanha eleitoral, e as pesquisas de opinião já provocam prematuros sentimentos de euforia ou de melancolia, a depender do posicionamento político de cada um. Sem que nenhum voto tenha sido depositado nas urnas, o cenário já estaria definido.

Surge, então, a questão: será que o discurso democrático sobrevaloriza o voto? O tão festejado protagonismo da sociedade no regime democrático seria ilusório? Não existem respostas binárias para essas questões. Há, no entanto, um fato incontestável: são os nossos votos que elegem os governantes e parlamentares. Assim, mais do que reduzirem o voto a um exercício de autoengano, as frustrações com a política desvelam as muitas consequências do voto.

Ano eleitoral não é tempo de medo, e sim de responsabilidade. Eleições são janelas de oportunidade: para apoiar o que está funcionando, para corrigir o que está atrapalhado, para retirar da função pública quem se mostrou incapaz de suas atribuições, para incluir na vida pública novos talentos. Os efeitos do voto são impressionantes. Não há espaço para a desmobilização.

Além disso, as eleições de 2022 têm uma conotação especial. A pandemia bagunçou nossa cronologia. Os eventos prévios à covid-19 parecem situar-se noutra geração, noutro mundo. Essa peculiar percepção do tempo tem efeitos negativos, alguns perturbadores. A vida, que sempre corre, parece ter acelerado ainda mais. Mas essa específica dinâmica do tempo também pode favorecer a responsabilidade política, ao permitir um maior distanciamento.

Em certo sentido, é positivo que o ano de 2018 pareça distante. Tivemos de conviver por mais tempo com as escolhas feitas nas eleições passadas. Tudo demorou mais do que o relógio nos contou. Além de advertir sobre a responsabilidade política, este novo ritmo do tempo propicia a sensação, saudável em tantos âmbitos da vida, da “primeira vez”: votar em 2022 como se fosse a primeira vez.

A sensação de estreia gera entusiasmo, favorece a atenção e, fundamental para o exercício dos direitos políticos, recorda-nos de que sabemos pouco, que a nossa experiência política é limitada. É preciso ler mais, conversar mais, debater mais, escutar novas perspectivas. Não é estimular a insegurança, mas suscitar a necessidade de conhecer mais sobre os candidatos e suas propostas e, especialmente, sobre o próprio processo democrático, com suas várias possibilidades de participação.

Nesta trajetória, talvez possamos redescobrir um aspecto fundamental do fenômeno político. O processo é mais importante e transformador do que o resultado em si. Obviamente, o resultado das urnas é relevante, mas não é o decisivo, especialmente em médio e longo prazos. Mais do que pela vitória ou derrota de determinado partido político, a campanha e as eleições de 2022 serão produtivas se forem capazes de propiciar melhor percepção das questões coletivas e maior responsabilidade de todos com a coisa pública.

Talvez seja esta expectativa que gere frustração: nas eleições, esperamos que nossos candidatos vençam e que as coisas melhorem. É natural esperar isso, mas ao mesmo tempo é frustrante esperar tão pouco. É frustrante – e equivocado, num regime democrático – achar que o futuro comum depende tão pouco da gente.

A democracia não é apenas uma ideia. Cabe a nós realizá-la na prática. Quando se dá atenção ao processo – quando se vê que as coisas acontecem não apenas nas urnas, mas especialmente antes e depois delas: neste caminho de ampliar percepções, aprimorar diagnósticos, promover diálogos, construir pontes e reforçar o cuidado com o coletivo –, a mágica acontece. Os resultados da democracia deixam de depender do acaso para se tornarem a consequência natural do nosso trabalho – ou das nossas omissões.

Nicolau da Rocha Cavalcanti, o autor deste artigo, é advogado e jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 16.02.22

General desiste de cargo no TSE contrariado com uso político das Forças Armadas por Bolsonaro

Família pressionou ex-ministro Fernando Azevedo por temer agravamento de problema cardíaco diante de tensão política

     O general de Exército da reserva Fernando Azevedo e Silva; ex-ministro da Defesa desistiu de assumir a Diretoria-Geral do TSE Foto: Adriano Machado/Reuters

Por Eliane Cantanhêde e Felipe Frazão

A desistência do ex-ministro da Defesa e general de Exército da reserva Fernando Azevedo e Silva de assumir o cargo de diretor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desvela o desconforto corrente na caserna com as novas “funções” relacionadas às eleições de 2022. O general estava incomodado e reclamou, a pessoas próximas, que o presidente Jair Bolsonaro tinha voltado a manipular os militares e a atacar o sistema eleitoral, lançando as Forças Armadas em narrativas para desacreditar as urnas, contra iniciativas do TSE e do Supremo Tribunal Federal. Com trânsito nos três poderes, Fernando Azevedo preferiu, no entanto, justificar a decisão por motivos de saúde e familiares.

Fontes com acesso ao ex-ministro disseram que ele descobriu um problema cardíaco que requer tratamento imediato. Amigos e familiares, contrários ao cargo, o pressionaram a desistir por causa do alto estresse previsto para a função, no caldeirão político que se formou. Essa versão também foi compartilhada pelo ex-ministro com militares da reserva e da ativa, inclusive no Forte Apache, o Comando Geral do Exército.

(Fachin: ‘A Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers’)

Auxiliares do general disseram que ele estava animado com o profissionalismo do corpo técnico e vinha estudando a estrutura do tribunal. Ele e outros militares que teriam cargos no TSE passaram uma semana na sede da Corte, em janeiro. Em conversa com o Estadão, Azevedo referendou o processo de votação. “As urnas eletrônicas funcionam há 26 anos, nunca tiveram problema e foram aprovadas pelo Congresso. O Congresso aprova, a Justiça eleitoral cumpre”, afirmou. “Fiquei muito honrado com o convite e a confiança dos ministros (Edson) Fachin, (Luís Roberto) Barroso e Alexandre (de Moraes). O TSE tem excelentes quadros, 90% dos funcionários passaram por concurso, muitos têm mestrado e doutorado, conhecem profundamente administração pública.”

Depois do diagnóstico, no entanto, há cerca de três semanas, ela passou a consultar amigos e familiares e sofreu forte pressão dos filhos para declinar. Azevedo comunicou a decisão nesta terça-feira, dia 15, em reunião de cerca de três horas com os ministros da corte. Por enquanto, o atual diretor-geral, Rui Moreira de Oliveira, fica no cargo.

O general, segundo pessoas próximas, tinha consciência da pressão que sofreria e da responsabilidade do cargo, sentindo-se encarregado de legitimar o poder que vai ser entregue ao próximo presidente eleito. Compartilhava também do “constrangimento” de segmentos da caserna incomodados com manipulação da marca das Forças Armadas pelo presidente.

Passou a incomodar setores das Forças Armadas o protagonismo que receberam numa disputa que tem colocado em lado opostos o TSE e o presidente Jair Bolsonaro. Além do cargo administrativo que o ex-ministro ocuparia, os militares passaram a integrar, de forma inédita, a Comissão de Transparência Eleitoral, criada pela Justiça diante da crescente onda de desinformação e de tentativas de desacreditar as urnas eletrônicas.

As Forças Armadas não se negam a participar institucionalmente, mas nos bastidores não são poucos os oficiais da ativa que veem nessas duas frentes uma armadilha. Isso porque, segundo eles, podem se ver no meio de uma guerra entre a corte e o presidente Jair Bolsonaro, chefe-supremo das Forças Armadas.

Para oficiais, tanto o cargo agora dispensado pelo general de Exército da reserva Fernando Azevedo e Silva quanto o assento ocupado pelo general de Divisão Heber Garcia Portella, chefe do Centro de Defesa Cibernética, na comissão, abrem flancos para manobras políticas com os militares por parte do presidente Jair Bolsonaro e para novos desgastes como os já acumulados pelo engajamento dos generais da reserva e da ativa no alto escalão do governo.

Um exemplo ocorreu na semana passada. Bolsonaro usou uma transmissão nas redes sociais para “vazar” e até distorcer informações sobre questões enviadas pelos militares à Justiça Eleitoral, sobre o funcionamento do sistema eletrônico de votação. Bolsonaro disse que o Exército havia encontrado “dezenas de vulnerabilidades” sobre as urnas eletrônicas e que ficaram sem explicação. Mas, como o Estadão antecipou, os militares enviaram apenas perguntas técnicas. Elas estavam sob sigilo até esta quarta-feira, dia 16.

Em resposta a Bolsonaro, os ministros do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes decidiram lançar luz sobre o documento. A corte publicou a íntegra dos questionamentos do Exército e as respectivas respostas.

As desconfianças sobre as urnas, bandeira do presidente e sua base, são compartilhadas por parte do oficialato da reserva e até por generais que compõem o governo. O Estadão revelou no ano passado que o ministro da Defesa, general Braga Netto, havia ameaçado a realização das eleições sem voto impresso aprovado, o que ele negou. A proposta governista foi derrotada no Congresso. O ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, escalou o assessor de confiança Eduardo Gomes, coronel que trabalhou na inteligência do Exército, para divulgar desinformações e suspeitas infundadas sobre as urnas, ao lado de Bolsonaro.

 Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, edição online, em 16 de fevereiro de 2022 | 19h36