quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Desmatamento e modelo agrícola aumentam risco de 'tempestade de poeira'

A tempestade de poeira que engoliu cidades do interior de São Paulo no último domingo (26/09) tem relação direta com a existência de grandes porções de solo seco e sem cobertura vegetal na região hoje, segundo especialistas entrevistados pela BBC News Brasil.

Imagem de satélite dos arredores de Franca, uma das cidades impactadas pela tempestade de poeira (Planet)

O fenômeno impactou várias cidade do nordeste paulista, como Franca, Ribeirão Preto e Barretos. A região tem forte presença do agronegócio e um dos menores índices de cobertura florestal original do país.

Também houve registros do fenômeno no Triângulo Mineiro, região vizinha da área atingida em São Paulo.

Coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Humberto Barbosa diz que a tempestade foi causada por uma combinação entre ventos fortes, seca intensa e solos desprotegidos.

A tempestade de poeira se formou no fim do período seco. Nesta época, diz ele, muitos agricultores deixam os solos nus para plantar no início das chuvas.

Como a região vive uma seca extraordinária e enfrenta altas temperaturas, a camada superficial do solo se ressecou e ficou vulnerável à ventania.

"A ventania gerou uma erosão eólica, que removeu não só a poeira como também o material de queimadas recentes", diz Barbosa.

Ele diz que imagens de satélite de alta resolução feitas na véspera da tempestade mostram grande quantidade de terra nua nos arredores de Franca.

O principal produto agrícola da região afetada é a cana-de-açúcar.

Nuvem de poeira no interior de São Paulo (Twitter)

"A impressão digital está lá: é muito clara a relação (da tempestade de poeira) com a degradação do solo", afirma.

Já a principal entidade que representa os produtores de cana-de-açúcar diz que a nuvem de poeira se formou por causa da seca excepcional e de incêndios acidentais em canaviais (leia mais abaixo).

Pouca vegetação nativa

Segundo o Relatório de Qualidade Ambiental 2020 - análise feita anualmente pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do governo de São Paulo -, resta pouca vegetação nativa na região impactada pela tempestade de poeira.

O relatório agrupa todos os municípios paulistas em 22 Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Na unidade que engloba Ribeirão Preto, resta 13,29% de vegetação nativa; na de Franca, 10,83%; e, na Barretos, só 5,52%, o menor índice do Estado.

Em todo o Estado de São Paulo, sobra 17,5% da vegetação original. Isso faz com que o Estado, o 12º maior do país, tenha a segunda maior área agrícola entre todas as unidades da federação, só atrás de Mato Grosso.

As matas remanescentes em São Paulo se concentram nas serras do Mar e da Mantiqueira, onde o relevo acidentado dificulta a atividade agrícola.

Mapa mostra que remanescentes de vegetação nativa no Estado de São Paulo se concentram no litoral (SMA-SP)

Renovação de canaviais

Gerd Sparovek , professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) e presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, diz à BBC News Brasil que a nuvem de poeira se deve à rara coincidência dos seguintes fatores: a ocorrência de ventos muito fortes num período em que há grandes extensões de solo seco e sem cobertura vegetal.

"Os canaviais, principal cultivo agrícola da região, vêm de dois anos consecutivos de um verão pouco chuvoso e que, neste ano, também foram afetados pelas geadas", afirma Sparovek.

Com isso, muitos canaviais se tornaram improdutivos e foram derrubados para dar lugar a uma nova plantação, diz ele.

"Na renovação dos canaviais, quase sempre, durante algum tempo, o solo fica sem cobertura e desagregado pelo preparo com gradagem (quebra de torrões para uniformizar a superfície)", afirma.

Sparovek diz que as mudanças climáticas influenciaram o fenômeno. "O que levou os canaviais a ficarem improdutivos foram as estiagens atípicas no verão e geadas atípicas no inverno", afirma.

"A frente fria e o vento também foram extremos. As mudanças climáticas, segundo o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), já alteraram os extremos climáticos em todo o planeta", completa.

Raízes ajudam a manter o solo coeso; quando removidas, erosão é facilitada (Embrapa)

Revolvimento intenso do solo

Segundo Humberto Barbosa, da Ufal, imagens de satélite mostram que, na área afetada pelo fenômeno, o solo de muitas propriedades foi revirado por máquinas agrícolas para prepará-lo para o plantio.

Essa prática, aliada ao uso intenso de fertilizantes e pesticidas na região, reduz a quantidade de matéria orgânica no solo, segundo o pesquisador.

A matéria orgânica cobre o solo e ajuda a mantê-lo coeso. Sem essa proteção, ele fica mais sujeito a se esfarelar com o vento ou a ser carregado pelas chuvas.

Terras agrícolas com solo seco nos arredores de Barretos, uma das cidades afetadas pela nuvem de poeira (Planet Labs)

Por isso, diz ele, muitos agricultores mundo afora têm abandonado técnicas que revolvam o solo e priorizado práticas menos invasivas.

Barbosa afirma que o procedimento de revolver o solo "sempre foi utilizado, mas as condições climáticas já não são as mesmas do passado".

Como a região vem enfrentando secas cada vez mais intensas, afirma ele, a movimentação do solo amplia o risco de erosão e de tempestades de areia.

O fenômeno pode causar problemas de saúde na população afetada, motivar acidentes de trânsito e contaminar rios.

Plantação de tomate feita sobre a palha da safra anterior (Embrapa)

A solução, diz ele, é investir em técnicas que mantenham a matéria orgânica no solo e evitem a erosão.

Um desses métodos é o chamado plantio direto na palha, no qual a semeadura é feita sobre restos da lavoura anterior. Assim, a terra não fica exposta.

Porém, dados do último Censo Agropecuário, de 2017, mostram que a técnica ainda é pouco empregada da região.

Em Ribeirão Preto, dos 29.675 hectares usados pela agricultura, só há plantio direto na palha em 253 hectares - 0,8% do total. Em Franca, o índice é de 5%.

Por outro lado, em regiões do país que cultivam grãos, como milho e soja, a maioria dos agricultores já adota a técnica, diz Gerd Sparovek, da Esalq-USP.

Segundo ele, há algumas dificuldades à adoção do plantio direto na cana, como o risco de pragas.

Mas Sparovek diz que há outras tecnologias que permitiriam manter o solo da região coberto, como a rotação de culturas.

"Reduzir as áreas sem cobertura é desejável e necessário não só pela erosão eólica como também pela erosão hídrica, principal problema de erosão e degradação do solo da agricultura tropical", afirma.

Agricultor trabalha em sistema agroflorestal, onde não há prática de revolver o solo (Embrapa)

Outra ação que deve ser estimulada, segundo ele, é o reflorestamento de áreas mais sensíveis à erosão - medida já determinada pelo Código Florestal, mas que ainda carece de implementação.

Porém, segundo a Única, principal associação que representa o setor de cana-de-açúcar no Brasil, os produtores já adotam práticas adequadas de conservação do solo.

Diretor técnico da entidade, Antonio de Padua Rodrigues diz que a poeira não veio de canaviais em processo de renovação, mas sim de plantações de cana que não se desenvolveram por causa da forte seca.

Outra possível fonte da poeira, segundo ele, foram áreas atingidas por incêndios acidentais onde a cana já havia sido colhida.

Ele diz que os produtores de cana mantêm o solo coberto com palha após a colheita, ainda que antes do plantio revolvam o solo e não façam o plantio direto na palha. Ele afirma, porém, que neste ano muitas áreas pegaram fogo, deixando o solo exposto.

"O setor tem os melhores especialistas, os melhores consultores em solo. Foi uma coisa acima do normal por ter sido um ano muito seco: a cana não cresceu, muita área pegou fogo, e aí você não tem a palha e tem a cinza", afirma.

Práticas agrícolas inadequadas são apontadas como uma das causas para o Dust Bowl, uma série de tempestades de areia que atingiram o sul dos Estados Unidos nos anos 1930.

Tempestade de poeira ocorrida em Oklahoma (EUA) nos anos 1930

Na virada do século 19 para o 20, boa parte da região havia sido desmatada para o avanço da agricultura. Até que uma forte seca deixou os solos vulneráveis a ventanias.

Em poucos anos, milhões de hectares de terras antes consideradas férteis se tornaram inaptas para a agricultura.

O desastre estimulou o governo dos EUA a criar uma agência para educar agricultores sobre como conservar os solos, existente até hoje.

Segundo Gerd Sparovek, nas décadas de 1960 e 1970, houve um grande esforço para alterar o preparo do solo na região, o que fez com que a erosão eólica fosse controlada.

Hoje o fenômeno deixou de ser comum na região, embora ainda ocorra em zonas áridas dos EUA, como no deserto do Arizona.

João Fellet - @joaofellet, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 28 setembro 2021

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Senadores dos EUA pedem a Biden 'sérias consequências' caso Bolsonaro cause ruptura democrática

Em carta a secretário de Estado, presidente da Comissão de Relações Exteriores adverte para 'ataques pessoais' contra o STF.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, senador Bob Menendez, fala em audiência no Congresso em 14 de setembro. - Drew Angerer /AFP

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, senador Bob Menendez, e outros três senadores enviaram nesta terça-feira (28) uma carta instando o governo Biden a deixar claro para o presidente Jair Bolsonaro que qualquer ruptura democrática no Brasil "terá sérias consequências”. Na missiva enviada ao secretário de Estado, Antony Blinken, os senadores advertem que Bolsonaro vem fazendo ameaças de rompimento da ordem constitucional no Brasil e gestos de intimidação contra ministros do Supremo Tribunal federal (STF).

“Dado que o Brasil é uma das maiores democracias e economias do mundo e um dos principais aliados dos EUA na região, a deterioração da democracia brasileira tem implicações no hemisfério e além”, dizem os senadores na carta, a que a Folha teve acesso. “Instamos o senhor a deixar claro que os EUA apoiam as instituições democráticas brasileiras e que qualquer ruptura antidemocrática da atual ordem constitucional terá sérias consequências.”

Menendez é um moderado bastante respeitado em Washington e, à frente da Comissão de Relações Exteriores, tem grande influência sobre a política externa americana. Além dele, assinam a carta os senadores democratas Dick Durbin, Ben Cardin e Sherrod Brown.

Na carta ao secretário de Estado, os senadores também afirmam que Bolsonaro tem feito “ ataques pessoais” contra integrantes do STF e afirmou que estaria disposto a usar manobras fora da Constituição para impedir os ministros de exercerem suas atribuições legais. “Se o presidente Bolsonaro cumprir suas promessas e abertamente descumprir decisões do Supremo, isso irá estabeceler um precedente muito perigoso para outras tentativas de Bolsonaro de solapar o estado de direito.”

Em fevereiro, Menendez enviou uma carta a Bolsonaro cobrando que o mandatário e o então chanceler Ernesto Araújo “condenassem” e “rejeitassem categoricamente” os ataques de partidários do ex-presidente Donald Trump ao Capitólio em 6 de janeiro, afirmando que, caso isso não aconteça, haveria “prejuízo para a relação bilateral”.

A carta criticava os comentários de Bolsonaro e do chanceler sobre suposta fraude na eleição americana, dizendo que isso demonstra “apoio de seu governo a teorias da conspiração furadas e aos terroristas domésticos” que atacaram o Capitólio e ameaçam “minar a parceria entre os Estados Unidos e o Brasil”.

Em 5 agosto, o assessor de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, esteve no Brasil para discutir um possível veto à participação da China na instalação da infraestrutura da tecnologia 5G no Brasil.

Durante o encontro com Bolsonaro, Sullivan manifestou a preocupação do governo americano com as ameaças do presidente à integridade eleitoral e alegações sobre supostas fraudes nas urnas, segundo informou um alto funcionário da gestão Biden.

Patrícia Campos Mello para a Folha de São Paulo, em 28.09.2021

Advogada denuncia que Prevent Senior fez 'pacto' com o governo para validar cloroquina e frear lockdown

Bruna Morato, que representa médicos que denunciaram rede hospitalar para comissão, relata que médicos eram orientados a prescrever tratamento precoce e que profissionais não tinham autonomia na operadora

Advogada Bruna Morato, que representa 12 médicos que trabalharam na Prevent Senior, é ouvida nesta terça-feira (28) na CPI da Covid Foto: Agência Senado

Em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira, a advogada Bruna Morato afirmou que o governo federal tinha um "pacto" com a Prevent Senior para validar o tratamento com o chamado "kit covid", de medicamentos sem comprovação científica contra a doença, como cloroquina. Morato representa os médicos que trabalharam e denunciaram a operadora de saúde e afirma que existia uma estratégia para que a Prevent ajudasse a equipe que assessorava o governo, conhecida como "gabinete paralelo", a validar o chamado tratamento precoce. Segundo a advogada, o gabinete paralelo trabalhava alinhado com o Ministério da Economia para viabilizar estratégia para tentar evitar o lockdown.

De acordo com a advogada, no início da pandemia, o diretor da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, tentou se aproximar do então ministro da Saúde, Henrique Mandetta. À época, houve várias mortes na rede hospitalar em razão da Covid-19, o que levou Mandetta a criticar a empresa.Sem sucesso na aproximação, o diretor da Prevent conseguiu por "outras vias" descobrir um grupo de médicos que assessorava o governo de forma paralela, disse Bruna relatando as informações que foram repassadas pelos médicos que a contrataram:

— Por conta das constantes críticas do ministro Mandetta, a direção tinha que tomar uma atitude. Num primeiro momento, se aproximar do ministério, por meio de um médico familiar de Mandetta, mas Mandetta não deu abertura, fazendo com que procurasse outras vias. O doutor Pedro [Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior] foi informado de que existia um conjunto de médicos assessorando o governo federal e alinhado com o Ministério da Economia — disse Bruna.

A informação chamou a atenção de membros da comissão, mas Bruna explicou que isso não significava envolvimento do ministro Paulo Guedes.

— Existe um interesse do Ministério da Economia para que o país não pare e, se nós entrarmos no sistema de lockdown, teremos um abalo muito grande. Existia um plano para as pessoas saírem para a rua sem medo. Eles desenvolveram uma estratégia. Qual? Através do aconselhamento de médicos. Era Anthony Wong, toxicologista, a doutora Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, o virologista Paolo Zanotto. E a Prevent Senior iria entrar para colaborar com essas pessoas — disse a advogada.

A advogada Bruna Morato, representante dos médicos que trabalharam na Prevent Senior, disse que havia um pacto ou aliança que alinhou a empresa à divulgação do tratamento precoce

A advogada Bruna Morato, representante dos médicos que trabalharam na Prevent Senior, disse que havia um pacto ou aliança que alinhou a empresa à divulgação do tratamento precoce

Anthony Wong morreu de Covid, informação que foi omitida certidão de óbito, segundo documentos em posse da CPI. Conhecido defensor do "tratamento precoce", ineficaz contra a Covid-19, ele foi submetido às mesmas drogas cujo uso defendia em um hospital da Prevent Senior. Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto são apontados como integrantes do gabinete paralelo. Em reunião no ano passado com Bolsonaro e outros médicos, Zanotto sugeriu a criação de um "shadow cabinet", ou seja, um "gabinete das sombras" para tratar do enfrentamento à pandemia.

A advogada afirmou ainda que, após os contatos dos médicos do chamado gabinete paralelo, a empresa sentiu segurança de que não seria incomodada pelo Ministério da Saúde.

— A informação que eu tive é que uma vez realizado esse pacto ou aliança junto com a... Entre esse conjunto de assessores que depois foram denominados por esta Comissão Parlamentar como sendo o gabinete paralelo, mas que, na época, eram apenas os assessores, é que após esse contato lhe foi transferida certa segurança, então, a Prevent Senior tinha segurança que ela não sofreria fiscalização do Ministério da Saúde ou de outros órgãos vinculados ao Ministério da Saúde.

A advogada disse que o prontuário de Anthony Wong mostra que, de fato, ele foi tratado com remédios sem eficácia para a Covid-19. E rebateu a versão da Prevent Senior de que os dados foram vazados de forma ilegal por um médico. Segundo Bruna Morato, as informações sobre Wong foram entregues pela própria empresa ao ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

Ela também disse que o prontuário de Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, dono das lojas Havan,mostra que ela teve Covid. O atestado de óbito, porém, não tem essa informação. Regina foi tratada na Prevent Senior.

Bruna Morato afirmou que a prescrição do "kit covid" levava em conta a redução de custos para a empresa:

— Uma estratégia de redução de custos, uma vez que era mais barato fornecer medicamentos do que fazer a internação.

A advogada também disse que o termo de consentimento para aceitar o tratamento sem eficácia comprovada era genérico. De acordo com ela, os pacientes eram induzidos a assiná-lo sem ter clareza do que se tratava:

— No momento em que eles iam fazer a retirada do medicamento, era passada a seguinte informação: para retirar a medicação, precisa assinar aqui. Não tinham ciência de que o "assine aqui" era o termo de consentimento.

Bruna falou do risco de demissão caso um médico não entregasse o "kit covid" aos pacientes:

— Chegou a um ponto tão lamentável, na minha opinião, que esse kit era composto por oito itens. E aí os médicos, pelo menos a explicação que me deram, os plantonistas pegavam o kit, eles entregavam ao paciente e diziam ao paciente: olha, eu preciso te dar, porque, se eu não te entregar esse kit, eu posso ser demitido; mas eu te oriento: se você for tomar alguma coisa daqui, tome só as proteínas ou só as vitaminas.

Outro problema, segundo ela, era a prescrição desses remédios para pacientes que tinham comorbidades, ou seja, outras doenças. O plano atende muitos idosos e seus clientes têm uma faixa etária alta.

— Os pacientes que utilizavam esses kits eram pacientes que já tinham muitas vezes comorbidades associadas, já faziam uso do que me ensinaram se chamar polifarmácia. Então, o conjunto de medicamentos, apesar de ser ineficaz, para aquela população se tornava letal, potencialmente letal — disse a advogada.

Investigação sobre omissões do CFM

A CPI aprovou um requerimento do senador Rogério Carvalho (PT-SE) para que seja soliciada ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal uma invetigação sobre possíveis omissões do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo e da Agência Nacional de Saúe Suplementar (ANS) na apuração de irregularidades envolvendo a Prevent Senior.

Bruna Morato disse que, segundo os relatos de seus clientes, médicos infectados pelo coronavírus eram obrigados a trabalhar.

A CPI aprovou outro requerimento para a Prevent Senior apresentar em 24 horas os termos de consentimento assinados pelos pacientes para aceitar o tratamento precoce com remédios sem eficácia. No depoimento que prestou na semana passada, Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, disse que havia autorização assinada em todos os casos.

Em seu depoimento na semana passada, Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, afirmou que profissionais já desligados da empresa adulteraram planilha interna para dar a ideia de fraude. Nesta terça, Bruna rechaçou essa versão, dizendo que nunca houve alteração de dados. Ela também afirmou que não era leal à empresa sofria sanções, como a redução de plantões.

Dossiê de 10 mil páginas

Logo na fala inicial, a advogada disse que representa 12 médicos e afirmou que, a pedido dos clientes, procurou a Prevent Senior para um acordo, que incluía três pontos, nenhum deles envolvendo compensações financeiras. Se o acordo tivesse prosperado, a empresa teria que admitir publicamente que o estudo feito sobre o uso de medicamentos como a cloroquina não foi conclusivo. A empresa também deveria assumir que não dava autonomia aos médicos, orientando-os a prescrever o "kit covid", que vinha lacrado. Por fim, a Prevent Senior dever ficar responsável por arcar com ações decorrentes de medidas adotadas por seus médicos, que tinham medo de ter que bancar seus custos.

Ela disse ter um dossiê de 10 mil páginas e que começou a atender médicos da Prevent Senior em 2014.

— Em 2020, os relatos se transformaram em relatos pavorosos. E, num primeiro momento, eu acredito que as histórias pareciam um tanto quanto confusas e assustadoras, para não dizer perturbadoras — disse Bruna Morato.

Ela ainda ironizou a forma como a Prevent Senior vem se portando:

— Gostaria de agradecer a própria Prevent Senior. Ela vem me atacando, e sendo um tanto quanto rude quanto as sua colocações. Eu agradeço a Prevent Senior, porque seria muito difícil explicar aqui a ideologia da empresa. Mas fica muito claro, quando a gente analisa os ataques infundados que vem fazendo à minha pessoa, demonstrar a constante política de opressão.

Bruna afirmou que, no começo, houve a orientação para as equipes não trabalharem "paramentadas" , porque isso poderia assustar os pacientes. Assim, nem todos os médicos usaram máscaras no início da pandemia, mas essa medida foi reconsiderada depois de algumas semanas.

Invasão de escritório

Documento da Policia Civil traz imagens de individuos estranhos circulando no prédio na hora que o sistema de monitoramento parou Foto: Reprodução

Bruna Morato relatou a invasão do seu escritório, de onde levaram um tablet e um computador invasão do seu escritório, de onde levaram um tablet e um computador, mas disse não poder afirmar haver relação com a Prevent Senior.

— Entraram com equipamento eletrônico muito moderno para o que foram fazer depois, duplicaram o IP de todas as câmeras, deixaram o sistema de vigilância vulnerável por quatro dias. Não suficiente, eles cortaram o cano de um banheiro de um escritório vizinho, inundando do terceiro ao oitavo andar, fazendo com que fosse necessário a entrada de pessoas no prédio para os reparos — disse ela, acrescentando: — Não posso afirmar qualquer relação com a empresa, mas aconteceu e desde então me sinto ameaçada.

Empresário convocado

A CPI aprovou a convocação do empresário Otávio Oscar Fakhoury. Segundo o requerimento de convocação, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AO), Fakhoury "foi identificado como o maior financiador dos canais de disseminação de notícias falsas, como o Instituto Força Brasil, Terça Livre e Brasil Paralelo". Ainda de acordo com Randolfe, "esses canais estimularam o uso de tratamento precoce sem eficácia comprovada, aglomeração e diversas outras fake news sobre a pandemia".

A comissão aprovou também um requerimento para pedir o compartilhamento de informações da Operação Pés de Barro, que apura irregularidades em compras do Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Ricardo Barros (2016-2018). Atualmente, Barros é líder do governo na Câmara.

André de Souza, de Brasília, para O Globo, em 28/09/2021

Governo deixa vencer testes de covid, remédios e vacinas; estoque de R$ 80 milhões será inutilizado

Ministério da Saúde foi alertado ao menos duas vezes sobre proximidade da data de validade de 32 tipos de insumos; documentos da pasta relatam o desperdício.       

Planilha do Ministério da Saúde aponta que, para sete insumos, houve mais de uma notificação sobre o vencimento do prazo Foto: Dida Sampaio/Estadão

A Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), ligada ao Ministério da Saúde, deixou vencer milhares de kits para diagnóstico da covid-19 e dezenas de medicamentos e vacinas para outras doenças. O órgão foi notificado sobre a proximidade da data de validade de 32 tipos de insumos. Mesmo assim, não agiu a tempo de distribuí-los. O resultado é que, agora, milhares de imunizantes, soros, diluentes e testes que custaram R$ 80,4 milhões não foram aproveitados a tempo e terão de ser inutilizados.

O desperdício inclui, por exemplo, mais de 18 mil kits de testes de covid, considerados fundamentais pelos especialistas para monitorar e controlar a transmissão do vírus. Também estão na lista 44 mil vacinas meningocócicas (contra meningite) e 16 mil vacinas contra a gripe.

As informações constam de documentos internos da pasta obtidos pelo Estadão. O material estava armazenado no Centro de Distribuição que o Ministério possui em Guarulhos (SP). Planilha do Ministério da Saúde aponta que, para sete desses insumos, houve mais de uma notificação sobre o vencimento do prazo. A SVS foi alertada, em abril e em junho deste ano, sobre produtos que venceriam entre 8 de julho e 31 de agosto. Eles custaram R$ 2,6 milhões aos cofres públicos.

Todos esses insumos fazem parte de uma lista de 271 itens que perderam a validade entre 2017 e 2021. Os insumos da planilha somam 1,8 milhão de unidades e custaram R$ 190,8 milhões aos cofres públicos. Quase a totalidade deles, ou 96%, foram perdidos a partir de 2019, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. O prejuízo foi de cerca de R$ 190,1 milhões a partir de 2019, ante o prejuízo de R$ 680 mil ocorrido entre 2017 e 2018.

Um ofício da coordenadora-geral substituta de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde, Katiane Rodrigues Torres, de 22 de setembro, registrou que houve "comunicação prévia, da proximidade de vencimento desses medicamentos". Ela apontou, no entanto, a "ausência de resposta das áreas responsáveis, em tempo hábil, para a distribuição destes Insumos Estratégicos para Saúde - IES".

A coordenadora pediu que fosse apresentada justificativa sobre os vencimentos e citou ainda os custos de armazenagem, que aumentaram "consideravelmente" a execução do contrato. O requerimento foi encaminhado por ela ao diretor de Logística do Ministério da Saúde, general Ridauto Lúcio Fernandes. Ele, por sua vez, enviou a documentação à SVS com pedido para que cada item da planilha tivesse “uma justificativa própria, não podendo a manifestação ser feita de forma genérica"

Fernandes citou, no documento, uma reunião da pasta com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, secretários e a consultoria jurídica da Saúde, em 13 de setembro, na qual "foi exposta a situação dos medicamentos que encontram-se armazenados em Guarulhos e que estão com o prazo de validade vencido".

Na lista de itens que se perderam, estão kits para diagnóstico de covid, dengue, zika e chikungunya, vacinas contra gripe, pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e contra a bactéria haemophilus influenza tipo b), tetraviral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela) e BCG, soros e diluentes.

'Longe de ser um episódio, reflete toda a conduta da política pública do governo federal há pelo menos 2 anos'

Carlos Lula, Presidente do Conass

Os testes para covid, dengue, zika e chikungunya são os itens mais caros perdidos pelo Ministério da Saúde. Por estes, a pasta pagou R$ 133 milhões. Deste total, R$ 77 milhões apenas pelos kits para detecção do novo coronavírus.

Na avaliação do presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, "perder doses de algo que é plenamente controlável" é consequência da "falta de planejamento do Ministério". "Longe de ser um episódio, reflete toda a conduta da política pública do governo federal há pelo menos 2 anos", disse ele, titular da pasta do Mranhão.

A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre os milhares de testes e medicamentos vencidos. A pasta, porém, não respondeu até as 10 horas desta terça-feira, 28. 

Veja 15 insumos que perderam a validade em 2021:

Vacina Meningocócica com líquida seringa preenchida - 44.250

Vacina BCG Intradérmica 10 doses - 27.055

Kit Amplificação Sars-Cov2 - 100 reações - 18.257

Vacina contra a gripe 10 doses - 16.432

Imunoglobulina anti-tetânica 250UI/ML Sol INJ 1ML: 6.308

Vacina contra a Febre Amarela 10 doses: 6.272

Vacina dupla adulto (10 doses): 3.972

Vacina papiloma vírus humano (Tipo 6, 11, 16 E 18 Recombinante) - 1 dose: 2.401

Vacina meningocócica C Conjugada - Frasco: 2.178

Diluente para vacina Tríplice Viral (MMR) 1 DOSE: 2.055

Kit Molecular Zika Dengue Chikungunya (ZDC) - 48 reações - Acessórios: 1.496

Kit Molecular Zika Dengue Chikungunya (ZDC) - 48 reações - Amplificação: 1.496

Kit Molecular Zika Dengue Chikungunya (ZDC) - 48 reações - Controle: 1.496

Vacina contra Hepatite A (Rotina Pediátrica) 1 dose: 1.440

Imunoglobulina anti-varicela Zoster - 1 dose: 1.334

Eduardo Rodrigues e Julia Affonso para  O Estado de S.Paulo, em 28/09/21

De volta ao Brasil, Moro discute candidatura em 2022

Ex-ministro se reuniu com integrantes da cúpula do Podemos; sigla tenta convencê-lo a assumir papel de candidato da ‘terceira via’ na corrida presidencial.

       O ex-ministro Sérgio Moro, hoje sócio-dretor da consultoria americana Alvarez & Marsal  Foto: REUTERS/Adriano Machado (12/5/2020)

De volta ao Brasil, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro já iniciou as conversas políticas para decidir se vai disputar a eleição presidencial de 2022. No sábado, Moro se reuniu de manhã com integrantes da cúpula do Podemos, em encontro realizado na casa do senador Oriovisto Guimarães (PR). Por enquanto, o ex-juiz quer aguardar até novembro para bater o martelo sobre o seu futuro

Além de Oriovisto, participaram da conversa de sábado a deputada federal Renata Abreu, presidente nacional do Podemos, e os outros dois senadores do Paraná: Álvaro Dias e Flávio Arns. O comando do partido tenta convencer Moro a assumir o papel de candidato da chamada terceira via para se contrapor à polarização vista hoje nas pesquisas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. O partido alega dispor de pesquisas que indicariam o bom potencial de uma candidatura presidencial de Moro. Mas o ex-juiz ainda analisa outras hipóteses.

Uma delas é a de concorrer ao Senado. Neste caso, há duas opções sendo avaliadas: disputar pelo Paraná, sua terra natal, ou por São Paulo, onde tem bastante popularidade. Para 2022, existe apenas uma vaga em jogo por Estado para o Senado. E, no caso do Paraná, Álvaro Dias deve tentar a reeleição. Assim, a disputa por São Paulo seria mais viável e poderia, inclusive, fazer parte de um pacote político mais amplo, que incluiria uma aliança nacional em torno de outra candidatura de terceira via.

A terceira opção para Moro é seguir atuando como consultor e renovar seu contrato com a Alvarez & Marsal, empresa onde atua como diretor-executivo do escritório de Washington na área de compliance. Assim, Moro tem sinalizado a apoiadores que só pretende definir seu futuro em novembro, já que, nesse período, seu contrato de consultor completará um ano. Ele decidirá se o renovará ou se vai migrar para a disputa eleitoral.

Na próxima semana, Moro deve intensificar sua agenda de conversas, viajando até Brasília. Na capital, deverá conversar também com lideranças de outros partidos, até para avaliar o potencial de uma aliança entre os interessados em construir uma candidatura de terceira via.

Marcelo de Moraes para O Estado de S.Paulo, em 28 de setembro de 2021

Tasso Jereissati anuncia desistência das prévias do PSDB e manifesta apoio a Eduardo Leite

Anúncio foi feito na tarde desta terça-feira (28), em Brasília. Além do governador do RS, seguem na disputa João Doria e Arthur Virgilio Neto.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) anunciou, na tarde desta terça-feira (28), a desistência das prévias do PSDB e apoio ao governador do RS Eduardo Leite, para a Presidência da República nas eleições do próximo ano.

"O governador do Rio Grande do Sul tem todas as qualidades que um homem público tem para nos representar neste momento. Esse cara pensa igual a mim. Temos uma afinidade também de postura ética, de compromisso com a democracia. Por essa razão, estou aqui hoje dizendo que não sou candidato nas prévias, mas isso não quer dizer que eu não estou na luta", destacou Jereissati.

Segundo o senador, a união é necessária para o momento político no Brasil. "Seria não somente uma conclusão pragmática minha, mas quase uma obrigação fazer com que nos juntássemos, déssemos as mãos e buscássemos, dentro do partido, uma união".

Tasso disse ainda que na quarta-feira (29) fará uma visita ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. De acordo com ele, FHC está "no mínimo torcendo pela nossa caminhada". O ex-presidente havia declarado apoio a João Dória.

As prévias do partido estão marcadas para acontecer no dia 21 de novembro.

Além de Leite, são candidatos nas prévias o governador de São Paulo, João Doria, e o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto.

Por g1 RS, em 28/09/2021 15h31  Atualizado há 15 minutos

Um Poeta

Bonfim Tobias      


Estrela Apagada

  O amor, por vez, acaba pouco a pouco,

  Vai perdendo as cores co’a idade,

  Sussurro de carinho fica rouco,

  E do que fomos fica a saudade!

  Pouco vale o passado e a sorte

  De ter sido amado nesta vida,

  Ninguém nota, entre tantas, se a morte

  Apagou uma estrela esquecida.

  O cérebro esquece a lembrança

  De alegria, de lágrima e bonança

  E de desejos nunca confessados,

  Mas isso são as coisas da existência,

  De mentiras, verdades, incoerência,

  Vestindo-nos a másc’ra de amados!

O Senado e a proteção das eleições

Entre os absurdos gerados na Câmara, tem até proposta de censura sobre pesquisas eleitorais

 Sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), a Câmara tem produzido propostas legislativas que são verdadeiros retrocessos em matéria eleitoral. Felizmente, o Congresso é composto por duas Casas, e o Senado tem conseguido limitar os danos. Na quarta-feira passada, os senadores impediram a volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais (deputado federal, deputado estadual e vereador). É preciso advertir, no entanto, que o Senado tem ainda muito a fazer na defesa do sistema eleitoral e dos direitos políticos. Entre os absurdos gerados na Câmara, tem até proposta de censura a pesquisas eleitorais.

São dois os principais projetos sobre legislação eleitoral: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 28/2021 e o projeto de um novo Código Eleitoral. No dia 22 de setembro, o plenário do Senado concluiu a votação da PEC 28/2021, mas sem a volta das coligações. Os senadores aprovaram a redação apresentada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que, entre outros itens, estabeleceu novos critérios para a distribuição de recursos públicos entre as legendas e incluiu na Constituição a regra da fidelidade partidária. Além disso, a partir de 2026, a posse do presidente da República será no dia 5 de janeiro e a dos governadores, no dia 6. Como os senadores aprovaram uma parte da PEC original, o texto não voltará à Câmara.

Com a nova redação da PEC 28/2021, o Senado impediu um significativo retrocesso. Autorizadas até 2017, as coligações partidárias nas eleições proporcionais faziam com que o voto em determinado candidato pudesse eleger outro candidato, de outro partido, simplesmente em razão do convênio entre as legendas. Nesse sistema, o eleitor não tinha controle sobre os efeitos do seu voto, o que é profundamente problemático para a representação política.

Além disso, as coligações serviam para esconder a falta de representatividade de muitos partidos nanicos. Apesar de receberem pouquíssimos votos, candidatos dessas legendas usufruíam, em razão da coligação, dos votos de outros candidatos, de outras legendas, no cálculo do preenchimento das cadeiras legislativas. Com isso, as coligações ajudavam a viabilizar partidos totalmente inviáveis, sem nenhuma representatividade, o que favorecia a disfuncional e perniciosa fragmentação partidária.

Agora, o Senado recebeu a proposta relativa ao novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos, aprovada na Câmara. De pronto, chama a atenção a precipitação na tramitação de um projeto de tamanha envergadura. Em tempos de pandemia, com outras prioridades e, principalmente, com as limitações decorrentes das regras sanitárias, não há condições mínimas de avaliação desse novo marco legal.

A confirmar a precipitação, o projeto de novo Código Eleitoral contém graves e inconstitucionais aberrações. Prevê-se, por exemplo, a proibição da divulgação das pesquisas de intenção de voto na véspera e no dia das eleições. A proibição de cobertura jornalística sobre algum aspecto do pleito é violação das liberdades individuais e dos direitos políticos.

Além de configurar censura prévia e de tratar o cidadão como incapaz – o Estado assumiria o papel de interventor na autonomia individual, regulando o que cada um deveria utilizar na decisão sobre o seu voto –, a medida seria forte incentivo à desinformação e à manipulação. Com os veículos de comunicação impedidos de divulgar as pesquisas de intenção de voto, feitas com metodologia reconhecida, não haveria contraponto a pesquisas falsas ou distorcidas que certamente vão circular nas redes sociais e grupos de WhatsApp, confundindo os eleitores.

Além disso, o projeto do novo Código Eleitoral abranda a Lei da Ficha Limpa, diminui a transparência do uso do dinheiro público por partidos, exclui restrições relativas ao emprego desses recursos e diminui a punição de condutas que ferem a lei eleitoral. Diante desse perigoso quadro, cabe ao Senado ser muito cauteloso. É preciso submeter a proposta de um novo Código Eleitoral a uma rigorosa e pausada análise, que exclua os retrocessos e as inconstitucionalidades. Mudar para piorar é um atentado contra o eleitor.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de setembro de 2021

Com o País distraído com crises e as bobagens do presidente, a Câmara passa boiadas e jabutis

O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade

Com tantas crises, declarações e revelações absurdas, o foco nestes mil dias de governo Jair Bolsonaro foi no presidente e no governo. Enquanto isso, variadas boiadas continuaram passando pelo Congresso, especialmente pela Câmara. A mais nova foi uma drástica mudança num dos eixos do combate à corrupção: a Lei de Improbidade.

Assim como teve de devolver ao Planalto o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes e o projeto mexendo com o Marco Civil da Internet, o Senado teve de agir firmemente também para evitar audácias da Câmara: distritão, volta das coligações partidárias e novo Código Eleitoral já para 2022. O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade.

Câmara discute regulamentar publicidade do governo em programa de banda larga

Plenário da Câmara dos Deputados.  Foto: Cleia Viana/Agência Câmara - 1/9/2021

O projeto da Câmara seria aprovado a toque de caixa pelo Senado na semana passada, não fosse uma articulação para uma audiência pública nesta terça-feira, 28/9, antes da votação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na quarta-feira de manhã, e pelo plenário, já à tarde. Assim, rapidinho.

Toda lei é sujeita a mudanças e adaptações à realidade e à dinâmica da política e do próprio País. Foi assim, com bons propósitos, que surgiu o projeto para atualizar a Lei de Improbidade, debatido em 14 audiências públicas por dois anos e meio na Câmara. Ele, entretanto, foi trocado por um substitutivo, aprovado em surpreendentes oito minutos, em junho deste ano, unindo de bolsonaristas a petistas.

Os contrários ao substitutivo conseguiram retirar um “liberou geral” para o nepotismo, mas muitos bois, ou jabutis, como se diz em Brasília, permaneceram. Não para preservar o erário e as boas práticas administrativas e éticas, mas para criar uma blindagem, ou anistia, para os responsáveis.

São três blocos de improbidade na atual lei. Enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público e violação aos princípios da administração pública: impessoalidade, legalidade, publicidade e moralidade, previstos na Constituição. No texto em pauta, porém, só os atos especificados na lei, um por um, serão enquadrados. O que não for citado não vale, como “carteirada” ou furar fila de vacinação, entre tantos outros.

“As maneiras de violar esses princípios são infinitas e é impossível relacionar todas as possibilidades na lei. É por isso que são citados exemplos, referências”, diz o procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, ativista contra o substitutivo da Câmara e um dos participantes da audiência pública de terça-feira.

A justificativa dos deputados foi conter promotores que extrapolam no uso da lei, tratando como criminosos gestores públicos que cometam erros administrativos por falta de experiência ou de assessoria. Sim, isso acontece, mas é preciso conter esses promotores, não matar a lei. A Lei de Abuso de Autoridade existe para isso.

O relator no Senado é Weverton Rocha (PDT-MA), alvo de processo por... improbidade. Ele não acatou nenhuma emenda e não mudou uma vírgula no texto da Câmara que, em resumo, estabelece que quem desvia dinheiro público ou causa dano ao patrimônio sem dolo, sem má-fé, coitadinho, está perdoado.

O prazo para investigar quebras de sigilos, provas do exterior e, eventualmente, vários envolvidos será só de seis meses. Mais: a prescrição também é rapidinha, até retroativa; o tempo de pena máxima aumenta, mas acaba o tempo mínimo, que era de oito anos. Cereja do bolo: os procuradores terão de pagar honorários se as ações forem consideradas descabidas.

Se a Câmara não conseguiu criar a “Lei Moro”, para impedir a candidatura do ex-juiz Sérgio Moro em 2022, foi bem-sucedida para transformar a Lei de Improbidade em pá de cal da Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história. Em vez de ajustes, de meio-termo, joga-se tudo no lixo. Quem comemora?

Eliane Cantanhede, a autora deste artigo, é comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal (PE) e do Telejornal Globo News "Em Pauta". Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 28.09.21

Mil dias a menos

Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia de Jair Bolsonaro no Planalto, o mais completo e desastroso desgoverno do Brasil independente

Completados mil dias, são mil dias a menos com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia do mais completo e mais desastroso desgoverno do Brasil independente. Haver sobrevivido também pode ser uma razão para festejar, se for possível conter, por algum tempo, a indignação e a dor pelos milhares de mortes atribuíveis ao negacionismo, à irresponsabilidade e a uma incompetência fora dos padrões conhecidos. Passados quase três quartos do mandato, restam, no entanto, os perigos associados à ambição de um presidente empenhado em continuar no poder – se possível, por meio de uma reeleição.

Não há por que esperar uma transfiguração de Bolsonaro, em sua luta para sobreviver politicamente e adiar, ou talvez evitar, as consequências legais de seus desmandos e omissões. Enquanto estiver na Presidência, ele tentará preservar o custoso apoio do Centrão. Além disso, continuará forçando a equipe econômica a encontrar, no Orçamento, recursos para gastos eleitoreiros. Não há por que esperar, também, um desempenho, em qualquer setor – educação, crescimento econômico, saúde, emprego e bem-estar –, melhor do que aquele registrado até agora.

O primeiro grande feito de Bolsonaro foi interromper a recuperação econômica iniciada em 2017, depois da recessão de 2015-2016. A economia cresceu apenas 1,4% em 2019, menos que no ano anterior, e já estava mais fraca no começo de 2020, antes da pandemia. O recuo de 4,1% naquele ano foi menor que o de várias economias desenvolvidas e emergentes, mas o País entrou em 2021 com desemprego de 14,7%, muito acima dos padrões dos países de renda média. Pior que isso, milhões de pessoas estavam desassistidas e dependentes de campanhas de solidariedade para comer.

Ameaças golpistas foram o complemento do cenário econômico de insegurança, desemprego e miséria crescente. Logo depois da invasão do Congresso americano por uma turba incitada pelo presidente Trump, Bolsonaro ameaçou algo semelhante, no Brasil, se a eleição do próximo ano for feita com voto eletrônico. Meses depois, um projeto de restabelecimento do voto impresso foi derrubado no Parlamento, mas o presidente continuou insistindo no assunto.

Conflitos com os Poderes Legislativo e Judiciário marcaram toda a gestão bolsonariana, e neste ano ele se concentrou em ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ataques às duas Cortes foram temas das manifestações golpistas de 7 de setembro, lideradas pelo presidente em Brasília e em São Paulo. Essas manifestações foram por ele descritas como democráticas, em seu vergonhoso discurso na abertura da assembleia anual das Nações Unidas, em Nova York.

Rejeição das instituições e ameaças de golpe, mais ou menos ostensivas segundo as circunstâncias, foram acompanhadas, em alguns dos momentos mais feios, de elogios à ditadura militar e a um notório torturador daquele período, o coronel Brilhante Ustra, chamado de herói por Bolsonaro. O mesmo qualificativo foi atribuído a um conhecido miliciano morto pela polícia na Bahia.

Elogios a um torturador e a um miliciano combinam com a política de facilitação de acesso às armas. Pessoas sérias podem apoiar essa política, mas seus principais beneficiários são obviamente os criminosos e os bolsonaristas dispostos a formar milícias de apoio a um líder antidemocrático.

Alimentada pela incompetência e pela irresponsabilidade, a inflação acumulada em 12 meses bateu em 10%, atormentando famílias já acuadas pelo desemprego e pela perda de renda. As projeções de crescimento econômico em 2022 estão abaixo de 2% e algumas instituições do mercado já anunciaram estimativas próximas de 0,5%. O desastre na saúde e o fracasso econômico foram complementados, nesses mil dias, com devastação ambiental, desmonte do Ministério da Educação e comprometimento da imagem do País, manchada por um extremista percebido em todo o mundo como caricatura patética do já patético Donald Trump. Cada um desses mil dias é para ser lamentado.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de setembro de 2021 

Lula tenta reescrever a história da corrupção no Brasil

Segundo ex-presidente, a culpa da grave crise econômica nacional caberia à Operação Lava Jato – não à própria corrupção. Uma cínica tentativa de criar uma nova narrativa e evitar um mea culpa, escreve Alexander Busch.

Corrupção na Petrobras manchou imagem internacional da estatal e do Brasil

Em 10 de março de 2021 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva expôs pela primeira vez sua visão particular do escândalo de corrupção da Lava Jato: devido à operação, o Brasil teria perdido cerca de R$ 172 bilhões em investimentos, e 4 milhões de cidadãos teriam ficado sem emprego, queixou-se, lamentando que uma empresa tão imponente como a estatal Petrobras tenha sofrido danos.

As sentenças de Lula por lavagem de dinheiro e corrupção acabavam de ser suspensas por motivos formais. Seus adeptos festejaram o fato como uma absolvição, muitos interpretaram essa aparição pública em março como seu primeiro discurso de campanha.

Na realidade, o ex-chefe de Estado está incorrendo numa estranha distorção da história. Pois não foram os inquéritos da Justiça no escândalo que causaram danos à economia e à Petrobras, mas sim a corrupção, a má gestão, as decisões econômicas equivocadas nos cerca de 13 anos em que o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula esteve no poder.

Jogar para a Justiça a responsabilidade pelos prejuízos é como culpar pela doença o médico que a diagnosticou no paciente.

O drama da Petrobras

Lula citou uma análise realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), por encomenda da Central Única dos Trabalhadores (CUT), examinando as consequências econômicas da Operação Lava Jato, entre 2014 e 2017. Nela, os pesquisadores distorcem os fatos, pois o ocaso da Petrobras já havia iniciado muito antes das investigações judiciárias, a partir de março de 2014.

O ex-chefe de Estado e sua sucessora, Dilma Rousseff, tencionavam transformar a estatal na locomotiva industrial do Brasil. Mas no processo dividiram a pele da onça antes de ela ter sido caçada, já que os lucros com o petróleo não jorravam tão rápido como se esperava, devido às complexas tecnologias do pré-sal.

Em consequência, a Petrobras se endividou ao ponto de, em 2013, se tornar a companhia cotada na bolsa de valores com o maior volume de dívidas do mundo. Ao mesmo tempo, o governo recrutou a multinacional também para o combate à inflação, e a gasolina e o diesel passaram a ser vendidos mais barato.

Quando, a partir de 2014, o preço do petróleo começou a cair, investigadores de Curitiba revelaram gradualmente um gigantesco esquema de corrupção, em que firmas de construção privadas, em especial a Odebrecht, haviam desviado bilhões, junto com a gerência da Petrobras e com a bênção do governo e seus parceiros de coalizão.

Teorias de conspiração em curso online

No decorrer das investigações, prenderam-se diversos diretores da Petrobras e da indústria de construções, e suas empresas foram excluídas das concorrências públicas. Muitos fornecedores que haviam pagado propina também ficaram proibidos de trabalhar com a Petrobras.

Nesse ínterim, o Instituto Lula elaborou as conclusões do Dieese na forma de um curso online, em que especialistas explicam como as investigações da Justiça prejudicaram a classe trabalhadora.

A abertura cabe ao ex-chefe da Petrobras Sergio Gabrielli, que reproduz as teorias de conspiração de praxe da esquerda. Segundo estas, o FBI e as Forças Armadas americanas teriam usado como seu capanga o juiz Sergio Moro, "treinado nos Estados Unidos", a fim de enfraquecer a estatal do petróleo. Gabrielli se permite até explicar que os R$ 6 bilhões de subornos, divulgados oficialmente pela primeira vez em 2014, seriam "quase nada" diante do faturamento da Petrobras.

Tudo isso é a tentativa cínica de sobrepor uma nova narrativa à Lava Jato – evitando assim o mea culpa necessário a um recomeço político para Lula e seu partido.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 18.08.21

Tasso Jereissati desiste de prévias do PSDB para apoiar Eduardo Leite contra Doria

O senador Tasso Jereissati (CE) vai abrir mão de disputar as prévias do PSDB em favor do governador gaúcho Eduardo Leite, que tem como principal adversário João Doria (SP).


Governador Eduardo Leite receberá apoio do Senador Tasso Jereissati

O anúncio está previsto para esta terça, 28, às 15h, no Congresso, com a presença de Leite. Logo, será um bom termômetro do posicionamento das bancadas tucanas no Senado e na Câmara.

Os dois vinham discutindo a possível aliança desde agosto, como mostrou o Estadão. As prévias tucanas estão marcadas para 21 de novembro.

No mês passado, Doria afirmou em entrevista ao programa Roda Viva que Tasso já tinha abandonado a disputa interna do partido. Diante da má repercussão dentro do partido, o governador paulista recuou e pediu desculpas.

“Quem achava que seria um passeio para Doria, errou feio”, afirmou à Coluna o ex-senador Cássio Cunha Lima (PB).

Eliane Cantanhêde para O Estado de São Paulo, em 28.09.21

Valdemar Costa Neto fala em irregularidades no Banco do Nordeste e pede a demissão da diretoria

Presidente nacional do PL e um dos principais líderes do Centrão, Valdemar Costa Neto gravou um vídeo em que pede a Jair Bolsonaro a demissão de toda a diretoria do Banco do Nordeste por suspeita de irregularidade em um contrato com uma ONG. A atual presidência do banco foi indicada pelo partido de Costa Neto.

O valor chegaria a R$ 600 milhões por ano. Costa Neto já teria entrado em contato pessoalmente com o presidente. No Planalto, o clima era de apreensão à espera da divulgação do vídeo.

Costa Neto foi condenado pelo envolvimento no escândalo do mensalão, em 2012, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do qual era aliado.

Alberto Bombig e Matheus Lara para o Estado de S. Paulo, em 27 de setembro de 2021

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Covid no Brasil: por que últimos dias de setembro são decisivos para futuro da pandemia

O final de setembro é marcado pelo fim do inverno e o início da primavera no Hemisfério Sul. Mas, em 2021, esse período também pode estar relacionado a outra mudança significativa, ao menos no Brasil: especialistas indicam que os próximos dias serão decisivos para entender o futuro da pandemia de covid-19 por aqui.

Apesar de queda constante nos registros de infecções e óbitos relacionados ao coronavírus, acontecimentos recentes podem alterar perspectivas de controle da pandemia(Getty Images)

E isso tem a ver com uma série de fatores que ocorreram nas últimas semanas e que podem ter influência direta no número de casos, hospitalizações e mortes pela doença provocada pelo coronavírus.

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Falamos aqui de aglomerações registradas em protestos, eventos e viagens, o menor impacto da variante Delta no Brasil, o avanço da vacinação e até o alívio em algumas medidas restritivas que foram mantidas por cidades e Estados nos últimos meses.

Por ora, as estatísticas trazem certa esperança: desde junho, as médias móveis de casos e óbitos por covid-19 caem constantemente. Mesmo assim, os últimos dias foram marcados por ligeiros aumentos nesses índices.

"De uma maneira geral, podemos dizer que o cenário está cada vez melhor, após aquele período de caos na saúde que vivemos entre março e maio", destaca o epidemiologista Paulo Petry, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Mas será que os gráficos seguirão nessa trajetória de queda daqui para frente? E o que cidadãos e gestores públicos deveriam fazer agora para manter essa onda de boas notícias?

Onde estamos?

O primeiro semestre de 2021 foi marcado por uma segunda onda altíssima de infecções e óbitos por covid-19 no Brasil. Os sistemas de saúde de várias cidades entraram em colapso e não existiam vagas suficientes para suprir a demanda de novos pacientes.

No auge da crise, o país chegou a registrar médias móveis de 77 mil novos casos e 3 mil mortes pela doença todos os dias. Não à toa, o país foi classificado como o epicentro da pandemia naquele momento.

Na virada para o segundo semestre, essas curvas começaram a cair, embora tenham se mantido em patamares muito elevados durante os meses de julho e agosto.

Mais recentemente, ao longo do mês de setembro, as médias móveis estavam na casa dos 14 mil novos casos e 500 óbitos por covid-19 — números que chegam a ser seis vezes menores do que o registrado lá no pico da segunda onda.

O que explica essa queda tão grande? O pesquisador em saúde pública Leonardo Bastos, da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), destaca o papel das vacinas.

"O que aconteceu nesse meio tempo foi a vacinação, que teve um efeito muito claro e impressionante. Vimos uma redução consistente nos casos e nos óbitos", analisa.

A campanha de imunização contra a covid-19 começou em janeiro e fevereiro de 2021, mas os primeiros meses foram marcados pela escassez de doses, que serviram para proteger apenas a camada mais vulnerável da população, como os idosos e os profissionais da saúde.

No meio do ano, a chegada de milhões de unidades de imunizantes permitiu incluir praticamente toda a população adulta brasileira na campanha — no início de setembro, muitos prefeitos e governadores comemoraram o fato de que praticamente 100% dos cidadãos acima de 18 anos já haviam recebido ao menos a primeira dose que protege contra o coronavírus.

Adesão dos brasileiros à campanha de vacinação foi muito mais alta do que o observado em partes dos EUA e da Europa (Getty Images)

No momento, cerca de 70% de todos os brasileiros já tomaram a primeira dose e 40% completaram o esquema vacinal (com a segunda dose ou com a vacina da Janssen, que exige apenas uma aplicação).

E aqui pesou bastante o fato de o Brasil ser um dos locais do mundo onde há grande aceitação dos imunizantes. Em partes dos Estados Unidos e da Europa, a campanha de vacinação até começou bem, mas esbarra atualmente numa parcela da população que se recusa a tomar as doses.

Uma nova subida?

Apesar da queda sustentada nos números durante os últimos meses, algumas estatísticas mais recentes, colhidas nos últimas dias, mostram um ligeiro aumento nos casos e nas mortes por covid-19.

Na segunda quinzena de setembro, a média móvel de mortes voltou a ficar acima de 500 por dia no Brasil — no início do mês, essa taxa estava na casa dos 400.

Outra coisa que chamou a atenção foi a inclusão repentina de dados que estavam represados em alguns Estados. São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, incluíram 150 mil casos de covid-19 "atrasados" no sistema de vigilância.

Isso fez com que a média móvel de casos explodisse de um dia para outro: segundo o site do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), essa taxa estava em 14 mil no dia 17 de setembro e pulou para 34 mil em 18/9.

De acordo com informações divulgadas pelas próprias Secretarias Estaduais de Saúde, o e-SUS Notifica, a plataforma onde esses números são registrados, passou por atualizações e ajustes.

Com isso, as equipes responsáveis por realizar a notificação encontraram algumas dificuldades nos últimos dias. A expectativa é que as curvas voltem a se normalizar em breve, mas é preciso acompanhar se isso realmente acontecerá ou teremos efetivamente um novo aumento entre o finalzinho de setembro e o início de outubro.

7 de setembro

Manifestações do dia 7 de setembro foram marcadas por aglomerações (Getty Images)

Ainda entre as possíveis ameaças com potencial de quebrar essa sequência de boas notícias, os especialistas chamam a atenção para o que ocorreu no feriado do dia 7 de setembro.

"Nesta data, tivemos manifestações em várias cidades do país e muitas pessoas também aproveitaram para viajar", destaca o virologista José Eduardo Levi, coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa.

Em locais como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, centenas de milhares de brasileiros se reuniram para demonstrar apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em setembro, também ocorreram manifestações contra o presidente.

"E nós vimos pelas imagens que as pessoas estavam aglomeradas e muitas não usavam máscara" complementa o cientista, que também faz pesquisas no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP).

A janela entre o contato com o coronavírus e o desenvolvimento da covid-19 costuma demorar até 15 dias. Ou seja: se alguns indivíduos que estiveram aglomerados no dia 7 de setembro se infectaram e criaram novas cadeiras de transmissão a partir dali, os efeitos práticos disso só serão sentidos do dia 22/9 em diante.

"O último feriado foi a prova dos noves. Os eventos ocorreram em plena circulação da variante Delta e precisamos ver como isso repercutirá na pandemia a partir de agora", completa Levi.

A Delta triunfou ou refugou?

Variante Delta foi identificada no fim de 2020 e causou enorme estrago em várias partes do mundo (Getty Images)

Falando em variantes, um terceiro aspecto que ajuda a explicar os números recentes tem justamente a ver com a Delta, que surgiu no final de 2020 e causou (e ainda causa) um enorme estrago em várias partes do mundo, como Índia, Indonésia, Reino Unido, Israel e Estados Unidos.

As novas ondas de casos e mortes relacionadas a essa nova linhagem viral no mundo deixaram os pesquisadores brasileiros de cabelo em pé: o que impediria a Delta de provocar o mesmo problema em nosso país?

Alguns grupos de pesquisa que fazem a vigilância dos coronavírus que estão em circulação mostraram que essa variante se tornou dominante em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, a partir de agosto.

Mas, felizmente, a realidade contraria essas expectativas e não houve um aumento das internações e mortes por covid-19 no Brasil, pelo menos até agora.

"Em locais como Londres, Nova York e Israel, passaram-se cerca de dois meses entre a chegada da Delta e um grande aumento no número de casos de covid-19", calcula Levi.

"As projeções matemáticas indicavam um cenário catastrófico para o Brasil também. Mas essa variante foi detectada aqui no começo de junho, então a explosão de casos deveria ocorrer em agosto. Já estamos no final de setembro e os números não subiram", conclui.

Mas como explicar isso? Por que essa variante não foi um bicho de sete cabeças até agora no Brasil, como se esperava?

De acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, há algumas teorias que podem ajudar a entender esse fenômeno.

O primeiro deles é novamente o avanço da vacinação: apesar de as doses disponíveis perderem um pouco da efetividade contra a Delta, elas continuam a funcionar relativamente bem, especialmente contra as formas mais graves da covid-19, que exigem hospitalização e intubação.

A taxa de ocupação de leitos por covid-19 no Brasil também caiu consideravelmente neste segundo semestre, apontam os boletins da FioCruz (Getty Images)

O segundo motivo está relacionado àquela segunda onda de casos que acometeu o país entre março e maio.

"Tivemos muitas pessoas infectadas, então ainda há uma resposta imune natural relacionada à variante Gama, que foi responsável pelo pico registrado no primeiro semestre", contextualiza Levi.

Juntos, esses dois ingredientes podem ter feito com que uma parcela considerável da população brasileira ainda tenha um bom nível de anticorpos, seja pela vacinação ou pela infecção natural (que, aliás, nunca é desejável, pois isso está relacionado ao aumento de mortes). E, por sua vez, essa soma de fatores poderia ter sido capaz de barrar uma nova onda de infecções pela Delta.

Vale reforçar aqui que essas são apenas suspeitas e ainda não existem evidências científicas sólidas para confirmar a ligação entre essas duas coisas.

Para onde vamos?

Num cenário positivo, mas com algumas incertezas importantes, os especialistas entendem que é preciso observar o que acontecerá nas próximas semanas antes de ter a certeza de que o pior já passou.

A epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), pondera que a pandemia no Brasil parece estar sempre atrasada em relação ao que ocorre em algumas partes do Hemisfério Norte.

"Até o momento, as curvas epidemiológicas da covid-19 nos Estados Unidos e na Europa se repetiram algumas semanas depois em nosso país", lembra.

E a situação de momento nesses locais não é das melhores: com o avanço da Delta e as dificuldades em convencer parte da população a tomar as vacinas, o número de casos e mortes voltou a subir de forma considerável por lá. Em terras americanas, por exemplo, já são registrados mais de 2 mil óbitos por covid-19 todos os dias, de acordo com os últimos boletins.

Será que o mesmo cenário vai acontecer no Brasil? Ninguém sabe. "Dada nossa cobertura vacinal, a tendência é que a gente mantenha essa queda nos dados ou a situação se estabilize num certo patamar de casos e mortes", projeta Bastos, da FioCruz.

"Agora, não temos certeza se esse patamar será 'aceitável' ou ainda estaremos com muitas hospitalizações e mortes por infecções respiratórias todos os dias", completa.

Falamos aqui de probabilidades. E é preciso ter em mente outras coisas que podem aparecer pelo caminho, como o surgimento de uma nova variante ainda mais potente que a Gama ou a Delta e com capacidade de driblar completamente as vacinas.

"Uma coisa que aprendemos durante essa pandemia é o quanto o coronavírus é imprevisível, portanto não podemos cantar vitória ainda", concorda Levi.

O efetivo controle da pandemia depende do engajamento da população, que precisa ir aos postos de saúde para tomar a primeira, a segunda ou, se for o caso, a terceira dose dos imunizantes.

É importante que todas as pessoas voltem ao posto para tomar as doses de vacina preconizadas para proteger contra as formas mais graves de covid-19 (Getty Images).

"Também devemos tomar muito cuidado com as medidas não farmacológicas, como usar máscaras de qualidade e evitar aglomerações", diz Maciel.

"Não podemos cometer o mesmo erro dos Estados Unidos, que retirou a obrigatoriedade das máscaras e precisou voltar atrás logo depois. Retomar essas políticas é sempre muito difícil", diz a epidemiologista.

Petry entende que as reaberturas anunciadas por Estados e municípios do Brasil também precisam ser feitas aos poucos e com muito cuidado. "A flexibilização precisa ser gradual, e não aquele oba-oba que vimos na Europa", conta.

"E os gestores precisam sempre acompanhar os números e ter pulso para agir a tempo caso percebam uma piora", sugere o epidemiologista da UFRGS.

No reino das incertezas, será necessário aguardar as próximas semanas de setembro e outubro para entender se o futuro da pandemia no Brasil será marcado por frustração ou esperança.

André Biernath - @andre_biernath, de S. Paulo para a  BBC News Brasil, em 27.09.21

domingo, 26 de setembro de 2021

Merval: O desejo de mudança

Diz-se que em política existem dois fatos: o novo e o consumado. Não temos fato consumado ainda na corrida presidencial, embora a polarização entre Bolsonaro e Lula seja uma forte possibilidade. Mas o fato novo pode ser o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. 

Mesmo que recebida com ceticismo, a análise da consultoria Eurasia indicando que ele pode ganhar as prévias do PSDB trouxe ao debate político a única novidade no campo da eleição presidencial do ano que vem. Uma novidade que poderá dar mais força à tese da terceira via.

Derrotando o governador João Doria dentro da máquina partidária que em teoria ele controla, Leite indicaria um desejo de renovação no PSDB, apesar de Doria também ser uma novidade na política paulista, onde surgiu em 2017 vencendo a eleição para prefeito de São Paulo. Leite, porém, tem apenas 36 anos e, embora tenha sido vereador em Pelotas com 26 anos, não está  marcado pela prática da velha política como seus eventuais concorrentes.

Inclusive Doria, que depois de ter sido lançado pelo então governador Geraldo Alckmin para a Prefeitura de São Paulo, e apoiado pelo hoje presidente Jair Bolsonaro na campanha para governador, abandonou os dois para uma carreira solo. Embora faça um governo considerado de alta qualidade, a popularidade de Doria não avaliza que venha a conseguir o apoio do partido na campanha presidencial, nem do eleitorado paulista, como ele acredita.

São Paulo sempre foi fundamental para a votação do PSDB nas eleições presidenciais. Fernando Henrique chegou a levar 5 milhões de votos à frente quando venceu Lula no primeiro turno em 1994 e 1998. O hoje deputado Aécio Neves saiu de São Paulo com 7 milhões de vantagem, e só perdeu a eleição para presidente porque foi derrotado em seu próprio estado, Minas Gerais, que hoje apóia Eduardo Leite. Jair Bolsonaro teve uma votação recorde em São Paulo, se elegendo presidente.

Se o governador do Rio Grande do Sul for apoiado por São Paulo e Minas Gerais na corrida presidencial de 2022, o PSDB terá reforçada sua presença em estados que já foram base eleitoral dos tucanos, e hoje estão dominados pelo bolsonarismo. Caso Doria vença, como parece mais provável, o PSDB se dividirá, com o ex-governador Geraldo Alckmin disputando o governo paulista contra o candidato de Doria, e Aécio Neves comandará a dissidência tucana em Minas.

A proposta do ex-presidente Fernando Henrique de que se faça uma união partidária contra Bolsonaro, com a presença do PT, parece inviável na prática. No mínimo porque o nome de união só poderia ser o de Lula, que está na frente das pesquisas e não abrirá mão da candidatura. Nada indica que o eleitorado que já foi dos tucanos e abandonou o candidato Geraldo Alckmim para votar em Bolsonaro em 2018 se transferiria agora para Lula. Como bem disse Carlos Alberto Sardenberg, não tem graça votar no Bolsonaro para derrotar Lula, e agora votar no Lula para derrotar Bolsonaro.

Daí a importância de uma terceira via que represente uma novidade no cenário político nacional. Esse candidato poderia ser o ex-juiz Sergio Moro, mas tudo indica que ficou fragilizado diante da campanha promovida contra ele para inocentar Lula, mesmo condenado em três instâncias. Até agora, o ex-presidente não foi absolvido em nenhum dos processos em que foi condenado, eles foram arquivados ou prescreveram, sem que o mérito fosse revisto.

Os dois candidatos que polarizam as pesquisa eleitorais a um ano das eleições enfrentarão campanhas duríssimas, com o retorno de todas as acusações, sejam o governo desastroso de Bolsonaro e suas tentativas de golpe, quanto o mensalão, o petrolão e as medidas autoritárias que o PT tentou impor para controlar os meios de comunicação e a produção cultural brasileira. A crítica à economia será do mesmo peso contra os dois governos, Bolsonaro e Dilma.

Tanto Bolsonaro quanto Lula negociam com os mesmos partidos que estiveram envolvidos nos escândalos financeiros dos últimos anos. O Centrão joga com as regras que estão em vigor, e representa a velha política. Se não surgir uma candidatura desligada desses padrões, a disputa ficará mesmo entre os dois populistas, um de esquerda, outro de direita. A não ser que Bolsonaro caia tanto em popularidade, que se inviabilize. Nesse caso, o candidato que impedir Lula de ganhar no primeiro turno terá grandes chances de vencer no segundo.

Merval Pereira, o autor deste artigo é comentarista de política na GloboNews. Publicado oriiginalmente n'O Globo, em 26.09.21.

Um poeta

 Bonfim Tobias

 MASSA ETÉREA

A vida é u'a vela que se apaga

Escurecendo aos poucos nosso  tempo!

E não adianta àquele que indaga

O por quê é chegado o seu momento!


De repente a esperança é desalento

Incerto, triste, que não mais afaga.

É um lírio tombado pelo ,vento,

Levando a existência para o nada!


É preciso saber a eternidade

Que vibra no ínfimo de cada idade

Passada neste Plano de mistérios!

Base fiel bolsonarista passa por uma hiperradicalização, aponta estudo

A base fiel bolsonarista está passando por um processo de “hiperradicalização”, aponta pesquisa de Esther Solano, doutora em sociologia e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que estuda o fenômeno do bolsonarismo desde 2017.

“Os bolsonaristas radicais têm uma ligação cada vez mais emocional e psicológica com Bolsonaro. A base que anteriormente chamávamos de fiel está passando por um processo de fortalecimento e consolidação do discurso de defesa do presidente”, diz Solano.

Segundo ela, os radicais estão convictos de que Bolsonaro é perseguido por todos, e eles encaram isso como uma perseguição a eles próprios e ao Brasil que idealizam.

Esta base de “bolsonaristas heavy”, como define Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, correspondia a 17% do eleitorado em agosto de 2020 e, hoje, é de 11%.

De acordo com a última pesquisa do Datafolha, os bolsonaristas heavy são aqueles que votaram no Bolsonaro no primeiro e segundo turno em 2018, avaliam o governo como ótimo ou bom e que confiam em tudo o que o presidente diz.

Bolsonaro, diz Solano, representa o empoderamento de grupos políticos que previamente se sentiam isolados politicamente ou silenciados.

“É o empoderamento do homem médio, conservador, que nunca se sentiu visibilizado pela grande política, e hoje se vê reconhecido pelo bolsonarismo. É a exaltação da masculinidade, branquitude, e da direita”, diz a acadêmica.

“Para eles, caindo o Bolsonaro, eles caem junto, e tudo em que eles acreditam cai também; é como se eles voltassem para a invisibilidade.”

A acadêmica faz pesquisas etnográficas, que reúnem pequenos grupos de pessoas que já se conhecem e conversam entre si, de diferentes localidades e classes sociais, para avaliar as narrativas e as visões.

Ela começou a acompanhar apoiadores de Bolsonaro em 2017, e hoje monitora grupos de bolsonaristas fiéis, críticos e arrependidos.

O último estudo foi realizado com grupos de bolsonaristas de Paraná, Rio de Janeiro e Brasília após as ameaças golpistas de Bolsonaro no 7 de Setembro.

Houve especulação de que o recuo de Bolsonaro, por meio da carta costurada pelo ex-presidente Michel Temer, podia decepcionar a base bolsonarista mais fiel, que apoia os atos mais agressivos do presidente.

Vários dos bolsonaristas analisados por Solano afirmaram ter se sentido inicialmente decepcionados com o recuo, pois ficaram “confusos com as informações de uma imprensa que sempre tenta enganar e destruir o presidente”.

Eles foram às ruas esperando que algo fosse feito contra o STF. Mas, depois, entenderam que foi “pura estratégia” de Bolsonaro, que foi a atitude correta para melhorar as coisas sem que houvesse violência ou caos.

“Ele foi um estrategista de primeiro nível, a imagem dele saiu fortalecida porque demonstrou que é um sujeito explosivo e autêntico, mas que também pode ser um negociador e um homem tático que escuta sua equipe. O dólar baixou, a bolsa subiu, o poder econômico está satisfeito com o recuo e a imagem internacional dele também melhorou”, disse um dos participantes.

“Ele vai tentar primeiro resolver a situação com o STF de forma não violenta, aí, se não der, como última alternativa, ele partirá para uma revolução junto com o povo.”

Muitos, segundo Solano, encaram o presidente Bolsonaro e a pátria como uma coisa só, acreditam que o Brasil está em perigo porque Bolsonaro está em perigo, e foram às ruas atendendo ao chamado do presidente.

“Pelo fato de querer o melhor para o Brasil, a oposição contra nosso presidente estava muito alta, eu vi que o presidente só tem o povo, e resolvi ir para apoiá-lo. Esperava que naquele mesmo dia o STF recuasse do que eles estavam impondo contra o Zé Trovão e os que estavam sendo perseguido por conta de expor a sua opinião, além dos projetos do presidente que o STF vetou", disse outro.

"E esperava que o voto impresso fosse aprovado. Vendo que o STF não se moveu, fiquei um pouco decepcionado não com presidente, mas sim com as autoridades maiores”, completou.

Os bolsonaristas acreditam que o acordo fechado com ajuda de Temer fará com que “o STF pare de perseguir bolsonaristas por sua ideologia, pare de perseguir Bolsonaro sem provas (inquérito das fake news), adote uma posição mais favorável ao voto impresso e pare de impor obstáculos a algumas pautas bolsonaristas ligadas a armas e valores morais.”

Segundo a pesquisadora, essa base radical dificilmente vai se decepcionar com o presidente, porque a conexão desses apoiadores com Bolsonaro não é programática, nem política; é uma ligação afetiva, emocional, que passa pela forma de entender o mundo.

Discutindo se iriam às ruas de novo se Bolsonaro pedisse, ainda que fosse para tentar algo mais radical como fechar o STF, os pesquisados responderam sem titubear: “Sem dúvidas, estamos fechados com Bolsonaro”. Para eles, fechar o STF não seria golpe.

“Ele está tentando resolver a situação com o STF de um jeito pacífico, mas se os acordos forem descumpridos pelos ministros, e Bolsonaro decidir radicalizar, todo mundo estará com ele, mesmo com guerra civil”, disse um deles.

“Se for necessário chegar nesta situação extrema pelo bem do povo brasileiro, não será culpa de Bolsonaro e sim do STF”, afirmou outro. “Não seria um ‘golpe’, se tudo fosse conforme a Constituição, já que a Carta Magna prevê este tipo de situações. Uma grande parte de militares e as policiais responderiam a este chamado de Bolsonaro”.

Segundo Solano, para eles, foi a esquerda que deu um golpe com a captura do Estado pela corrupção. Bolsonaro, na visão deles, quer fortalecer a democracia ao limpar o Brasil de corruptos.

Em relação à vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais, os bolsonaristas heavy demonstram ceticismo com os levantamentos e dizem que o petista só vencerá se houver fraude nas urnas.

“Lula é forte no Nordeste, mas só ganhará se houver fraude eleitoral (se não houver voto impresso)”, disse um participante.

“Eu não tenho medo de o Lula se eleger não, eu tenho medo de existir fraude nas urnas. Eu não acredito nessas pesquisas, são fontes da esquerda, querendo confundir o eleitor. Só procurar as pesquisas certas que o Lula está muito abaixo.”

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/base-fiel-bolsonarista-passa-por-uma-hiperradicalizacao-aponta-estudo.shtm

A política e a esperança

Não existe motivo para que o País fique refém de forças do atraso. Há muito a fazer para se ter uma candidatura de centro com viabilidade eleitoral

Nota-se na população um sentimento de ceticismo em relação à política. Os governos petistas e o bolsonarista parecem ter minado a esperança de um futuro melhor por meio da política. Diante do histórico recente do País, seria ingenuidade – esta é a impressão amplamente difundida – nutrir alguma expectativa de dias melhores por meio da política.

Lula e Bolsonaro não apenas contribuíram para a atual polarização político-ideológica que divide o País. Com seus respectivos escândalos, negacionismos e incompetências, o lulopetismo e o bolsonarismo difundiram uma profunda desesperança em relação à política. Nos tempos atuais, o slogan da campanha eleitoral do humorista Tiririca – “pior que tá não fica” – soa falso. Parece já não haver limites para o retrocesso institucional e a degradação cívica.

Para piorar, Lula e Bolsonaro valem-se dessa desesperança, que eles mesmos difundiram e continuam a difundir, para alavancar suas bases eleitorais. Não oferecem propostas políticas transformadoras, aptas a enfrentar com responsabilidade os problemas e entraves nacionais. A tática é meramente negativa. Cada um vale-se do medo do outro – do medo de que as coisas piorem ainda mais – na tentativa de angariar algum apoio da população.

Diante desse círculo vicioso, não seria exagero chamá-lo de infernal, é preciso lembrar que os efeitos deletérios do lulopetismo e do bolsonarismo não podem ser atribuídos à política. Lula e Bolsonaro são, com todo o rigor do termo, a antipolítica. Em vez de conduzirem à frustração com a política, os fracassos e escândalos dos governos petistas e bolsonarista são um poderoso alerta sobre a necessidade da política e, consequentemente, da esperança.

Dito de outra forma, não é que a política fracassou ao tentar resolver os problemas nacionais. Lula e Bolsonaro nunca quiseram resolver os problemas nacionais. Suas pretensões sempre se limitaram a perpetuar-se no poder. É precisamente essa perversão da política que produz a desesperança.

Também não é verdade que Lula e Bolsonaro sejam forças políticas imbatíveis, contra as quais não valeria a pena se insurgir. As eleições de 2020 mostraram uma realidade política bem mais plural do que o lulopetismo e o bolsonarismo gostariam de admitir. Cinco partidos se destacaram quanto ao número de prefeitos eleitos: MDB (783), Progressistas (687), PSD (654), PSDB (521) e DEM (466). O PT e o PSL, a última legenda de Jair Bolsonaro, elegeram 182 e 90 prefeitos, respectivamente.

Há espaço para a política, como também o há para a esperança. Não existe nenhum motivo, a não ser o interesse de Lula e de Bolsonaro, para que o País fique refém dessas forças do atraso. Ainda há muito a fazer para se ter uma candidatura de centro competente e responsável, com vigorosa viabilidade eleitoral. Mas as condições já estão dadas. Basta ver os altos índices de rejeição de Lula e de Bolsonaro.

É gritante que a população prefere ter outras opções políticas. O eleitor não tem nenhum interesse em ficar refém – afinal, tal limitação não lhe traz nenhum benefício – dos mesmos nomes e dos mesmos problemas. Aqui, entra em cena a política. Se Lula e Bolsonaro produzem desesperança e se valem dela para seus objetivos eleitorais, as lideranças políticas têm a responsabilidade de realizar a equação inversa, tão própria da política: a propositura de nomes e programas consistentes, capazes de tornar visível à população a possibilidade de um futuro diferente, de um futuro melhor.

Nessa empreitada por dias melhores, deve-se destacar também outro aspecto. Ainda há tempo, mais que suficiente, para a construção de opções políticas responsáveis e viáveis para as eleições presidenciais de 2022. Logicamente, os mercadores da desesperança não têm nenhum interesse em admitir esse fato e ficam repetindo suas asfixiantes disjuntivas. Tentam, assim, negar não apenas a essência da política e da democracia, como o núcleo da esperança e da liberdade: a existência de outros caminhos possíveis.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 26 de setembro de 2021 | 03h00