terça-feira, 21 de setembro de 2021

Eduardo Leite lança campanha às prévias e diz que não é ‘candidato a mito ou a salvador da pátria’

 “Não sou candidato a mito ou a salvador da pátria. Sou candidato a liderar a enorme potencialidade deste País, com sua gente e suas inúmeras riquezas, para que ele volte a ser aquilo que todos nós, em nossos corações, sabemos que ele pode ser”, afirmou Leite na “Carta Aberta” durante evento em Brasília.

Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul; tucano é pré-candidato à Presidência em 2022 Foto: Dida Sampaio/Estadão - 04/07/2021

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, lançou nesta terça-feira, 21, em Brasília, sua campanha para as prévias presidenciais do PSDB pregando a construção de um modelo de pacificação política do País. Apesar disso, o governador gaúcho manteve suas críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lideram as pesquisas.

Doria assume que antipetismo será linha ‘predominante’ de sua campanha em 2022

Para Leite, a má condução política feita pelo PT, “especialmente pelo ex-presidente Lula”, teria permitido espaço para que Bolsonaro ascendesse politicamente. “A verdade é que, na minha análise, Bolsonaro é também resultado de uma política feita pelo PT”, disse.

“Especialmente pelo ex-presidente Lula, que sempre discursou sobre ‘nunca antes na história desse País’”, que só eles eram donos da moralidade e nós vimos depois os lamentáveis casos de corrupção que aconteceram sob aquele governo, e que o Brasil tinha começado com o governo do PT. E com isso ofendeu boa parte dos brasileiros, machucou boa parte dos brasileiros, gerando um terreno fértil para que surgisse Bolsonaro. Bolsonaro é o resultado de uma política feita com divisão pelo próprio Partido dos Trabalhadores”, criticou.

Na véspera, o governador de São Paulo, João Doria – que também concorre nas prévias – afirmou que seu tom de campanha será “predominantemente antipetista”. Mesmo com as críticas feitas a Lula e Bolsonaro, Leite disse defender um modelo propositivo para o Brasil. “É hora de superar a política do ‘uns contra os outros’ e partir para o todos contra os problemas do Brasil”, afirmou. “O Brasil precisa de alternativas novas. Está na hora de olhar para o futuro com olhos de futuro. Não é sobre o País que está aí e nem sobre o País que já foi, e sim sobre o Brasil que podemos ser. Um País que os jovens se orgulhem e não queiram ir embora. E onde os mais velhos tenham confiança que irão ver o Brasil dar certo”, acrescentou o governador.

O político tucano falou que não quer ser presidente “para brigar com Lula ou Bolsonaro”. “Para fazer este País, um presidente tem de ser presidente de todos: dos que pensam e dos que não pensam como você. Estamos precisando de paz, de união, de distensionamento e de coragem. Não desejo ser presidente para brigar com Lula ou Bolsonaro, mas sim para brigar pelos brasileiros contra os enormes problemas que nosso país tem. Eles, os problemas, é que são meus inimigos”, disse.

Por conta disso, Leite defendeu que seja feita cada vez mais política para solucionar os problemas do País. “Se eu tivesse que reduzir tudo em três grandes lutas, elas seriam: combater as desigualdades, crescimento com foco no aumento de produtividade e sustentabilidade e diversidade, com respeito a todas as diferenças. É na soma, e não na divisão, que iremos mudar o Brasil. O Brasil precisa de mais política e não menos. Política com ‘P’ maiúsculo, que dialoga para erguer pontes e construir consensos estratégicos. Não se faz reformas e avanços sem política”, reforçou.

Mesmo com as pesquisas indicando uma polarização entre Lula e Bolsonaro, Leite entende que esse quadro é possível de ser alterado por uma outra candidatura.

“Muito se fala da polarização da intenção de votos e pouco se fala da mesma polarização na rejeição. A população rejeita fortemente os dois caminhos que são mais conhecidos. Nesse momento, a população não está preocupada com a eleição porque está a um ano da eleição. A preocupação da população é se a vacina vai chegar nos seus filhos, se vai conseguir manter o emprego que tem, se vai conseguir o emprego que está procurando por conta do desemprego não ceder. Se a inflação vai permitir que essa pessoa compre comida ou não. Carne para colocar na mesa. Essas são as preocupações imediatas da população e não a eleição. Eu fui candidato a prefeito e a quatro meses da eleição eu tinha 8, 9% e terminei o primeiro turno em primeiro lugar com 40% dos votos. Para governador foi a mesma coisa. Tenho absoluta certeza que o segundo turno do ano que vem não será entre Lula e Bolsonaro”, previu.

Na disputa interna pela vaga do PSDB na corrida presidencial, Leite tem como principal adversário o governador João Doria. Outros dois candidatos inscritos nas prévias, o senador Tasso Jereissati, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio então participando mais com o objetivo de fomentar o debate interno do PSDB.

Para fortalecer o lançamento de sua candidatura, o governador gaúcho se apresentou acompanhado por representantes de alguns diretórios estaduais que o apoiam, como Minas Gerais, Bahia e Amapá, por exemplo. Estavam presentes, entre outros, o líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), e os deputados federais Adolfo Viana (BA), Luiz Carlos Gomes (AP), Lucas Redecker (RS) e Daniel Trzeciak (RS), além dos prefeitos Hildon Chaves (Porto Velho) e Paulo Serra (Santo André).

Marcelo de Moraes para O Estado de S.Paulo, em 21 de setembro de 2021 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Sem política social, apenas interesse eleitoral

O governo Bolsonaro não tem política pública social. Alega não dispor de recursos. No entanto, tem dinheiro para agradar sua base

O governo de Jair Bolsonaro não tem política pública social. Alega não dispor de recursos. No entanto, Bolsonaro tem dinheiro para agradar a sua base eleitoral. Na segunda-feira, o governo e a Caixa Econômica Federal anunciaram uma nova linha de financiamento imobiliário, com juros subsidiados, voltada exclusivamente para policiais e bombeiros.

Num Estado Democrático de Direito, no qual vigora o princípio da igualdade, é inconstitucional que algumas categorias profissionais sejam privilegiadas com juros mais baixos, enquanto o restante da população não tem acesso ao benefício. Por que um policial deve ter mais facilidade para comprar a casa própria do que uma professora, uma enfermeira, uma assistente social ou um motorista de ônibus, por exemplo?

Por definição, políticas públicas devem atender quem mais precisa. Os recursos públicos não podem ser usados para beneficiar familiares, amigos ou base eleitoral de um político. Tal restrição é evidente. O dinheiro público deve atender ao interesse público, não a objetivos particulares.

Segundo o governo, o novo programa de subsídio de juros receberá R$ 100 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública. Ora, o objetivo desse fundo é apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência, segundo as diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública. São recursos que devem servir a toda a população. Seu destino não é favorecer funcionários públicos envolvidos na segurança pública.

A concessão de privilégios por parte de Bolsonaro a policiais e bombeiros não apenas tem um explícito caráter eleitoreiro – usa e abusa do cargo para tentar se manter no poder –, mas evidencia desprezo pela situação da população. Sempre, mas especialmente num quadro de crise social e econômica, é preciso priorizar quem mais necessita.

Num cenário de crescimento acelerado da pobreza e da extrema pobreza, com cada vez mais pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, o presidente Bolsonaro, como se fosse um vereador, anunciou que sua base eleitoral poderá comprar a casa própria com juros subsidiados pelo restante da população. Eis um governo que prima pela total ausência de solidariedade.

A rigor, política pública social não é questão de altruísmo, mas dever essencial do governante. Diz o artigo 3.º da Constituição: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Jair Bolsonaro não cumpre, portanto, o compromisso que fez de respeitar a Constituição quando omite a promoção de políticas públicas sociais. Vale lembrar que, no primeiro semestre, o País bateu recordes de desigualdade social. De acordo com o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), no período de janeiro a março, a desigualdade de renda proveniente do trabalho foi a maior da série iniciada no fim de 2012. Com tal cenário, não há espaço fiscal, cívico ou moral para conceder privilégios à base eleitoral.

No mês passado, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) 1.061/21, que extinguiu o programa Bolsa Família e criou o Auxílio Brasil. Em tese, a mudança poderia ser uma oportunidade de retificar e melhorar o programa de distribuição de renda. No entanto, além de ter graves deficiências, a MP 1.061/21 não recebeu nenhuma atenção do Palácio do Planalto, preocupado em promover as manifestações do 7 de Setembro.

É necessário realizar uma profunda reforma social, capaz de promover a autonomia de todos os cidadãos. Com urgência, o País precisa de políticas públicas sociais responsáveis, que atendam de forma mais efetiva possível quem mais precisa. Segundo a Constituição, esse é o melhor destino para o dinheiro público – que, por sinal, nunca deve ser usado para comprar voto ou arrebanhar simpatizantes. Dependência é antônimo de cidadania.

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 Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 17 de setembro de 2021


Comida, gasolina, conta de luz: por que está tudo tão caro no Brasil?

Os conflitos do presidente Jair Bolsonaro com os demais poderes e a antecipação do debate sobre as eleições de 2022 têm contribuído para construir um ambiente de incerteza que afasta investidores, que preferem levar seus dólares para mercados mais seguros.

Litro de gasolina passa de R$ 7 em alguns locais (Getty Images)

Em agosto, mais uma vez, a inflação oficial do país veio acima do esperado. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas.

Nesta segunda-feira (13/9), o Boletim Focus do Banco Central, que colhe estimativas entre dezenas de consultorias e instituições financeiras, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%.

O aumento generalizado de preços é um produto de diferentes causas, muitas delas combinadas. A BBC News Brasil explora algumas por meio da trajetória dos três elementos que mais têm empurrado a inflação para cima nos últimos meses: combustíveis, alimentos e energia elétrica.

O efeito cascata da gasolina

O preço médio da gasolina comum no país chegou a R$ 6 na semana até 11 de setembro, conforme os dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O preço máximo, ainda de acordo com a base, passa de R$ 7 em alguns locais.

O preço dos combustíveis no Brasil segue o comportamento dos preços lá fora. Desde 2016, a Petrobras se orienta pelo Preço de Paridade Internacional (PPI), que leva em consideração a cotação do barril de petróleo e o câmbio. Assim, esses dois fatores explicam boa parte do aumento dos combustíveis nos últimos meses.

O preço do barril de petróleo vem em uma sequência de alta forte desde o início deste ano. De um lado, por conta da maior demanda, depois da abertura de muitos países que começaram a vacinar contra a covid. De outro, por conta da própria dinâmica da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).

Ela concentra cerca de 40% da produção global da commodity e às vezes segura os estoques para valorizar o barril. Em julho, a organização comunicou que voltaria a ampliar gradativamente a oferta, dado o crescimento expressivo dos preços neste ano.

Como a cotação é feita na moeda americana, o dólar também tem impacto direto — e o real segue perdendo valor.

A questão do dólar é um capítulo à parte, que tem inclusive confundido os economistas nos últimos meses, como retratado recentemente pela BBC News Brasil.

De forma resumida, a forte desvalorização do real é reflexo de fatores externos, como a expectativa de crescimento dos Estados Unidos e de aumento dos juros no país, mas também da forte instabilidade interna que o Brasil atravessa.

Os conflitos do presidente Jair Bolsonaro com os demais poderes e a antecipação do debate sobre as eleições de 2022 têm contribuído para construir um ambiente de incerteza que afasta investidores, que preferem levar seus dólares para mercados mais seguros.

De volta aos combustíveis, o impacto do aumento vai bem além de quem precisa encher o tanque. O efeito cascata pressiona custos como o do transporte público e do frete, com reflexo sobre os preços de uma miríade de produtos.

Alta do dólar também influencia preços dos alimentos (Getty Images)

Conta salgada também no supermercado, inclusive nos preços dos alimentos, que também vêm numa trajetória de alta há meses.

Neste caso, mais uma vez o dólar influencia, e com um duplo efeito. Como as commodities agrícolas — milho, açúcar, carne, café, trigo, laranja — são cotadas em dólar, sempre que ele sobe, o preço delas em real tende a subir também.

Em paralelo, o dólar alto incentiva o produtor a exportar em vez de vender para o mercado interno. Isso reduz a oferta doméstica e também ajuda a empurrar os preços para cima.

Aos dois fatores se soma um outro que tem contribuído para diminuir a disponibilidade interna de alimentos: a seca histórica que afetou o Sudeste e o Centro-Oeste.

A falta de chuvas provocou quebra de safra em importantes regiões produtoras e afetou a cultura do café, da laranja, do milho, da soja, do açúcar, como explicou o gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti.

O milho e a soja, por exemplo, têm uma espécie de efeito cadeia. Eles são matéria-prima para a ração usada na indústria de aves, suínos e bovinos — ou seja, também pressionam o preço das carnes.

O açúcar, por sua vez, é matéria-prima para a produção do etanol — que também é usado na composição da gasolina vendida nos postos.

Mais cara e mais escassa

Para além dos alimentos, a seca também ajuda a explicar o aumento da energia elétrica. Com a redução dos níveis dos reservatórios em hidrelétricas importantes neste ano, foi preciso acionar usinas termelétricas, movidas a gás natural, óleo diesel, biomassa e carvão, para compensar a redução da oferta pelas hidrelétricas e, mais recentemente, importar energia de vizinhos como Argentina e Uruguai.

A energia termelétrica não é apenas mais poluente, é também mais cara, daí a razão porque a conta de energia tem vindo com um adicional, a bandeira escassez hídrica, anunciada pelo governo no último dia 31 de agosto.

Com redução da produção de hidrelétricas, país necessitou acionar usinas térmicas e até importar energia (Getty Images)

Até então, o maior valor previsto pelo sistema de bandeiras tarifárias era a bandeira vermelha patamar 2, que estava vigente. A bandeira escassez hídrica vai ser cobrada pelo menos até abril do próximo ano, adicionando R$ 14,20 às contas de luz a cada 100kW/h consumidos. O valor é cerca de 49% maior que o da bandeira vermelha patamar 2, que previa pagamento extra de R$ 9,49 a cada 100kW/h.

Em paralelo, a situação crítica dos reservatórios acendeu um debate sobre os riscos de apagão e de racionamento — e a demora do governo para reagir.

Desde maio, quando o cenário de restrição de chuvas começou a ficar mais claro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tem repetido que não existe possibilidade de apagões e racionamento no país. No fim de agosto, quando anunciou a bandeira mais cara, o governo lançou um programa para redução voluntária do consumo de energia.

Dias antes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informara que, a partir de outubro, a geração seria insuficiente para fazer frente à demanda, sendo necessário aumentar o nível de importação e acionamento de térmicas para evitar apagões.

Aumento da cotação do milho e da soja também empurra preços das carnes para cima (EPA)

Mais inflação, menos crescimento

Ao contrário de outros ciclos inflacionários pelos quais o Brasil passou, este não é puxado por uma alta da demanda por parte dos brasileiros, mas por choques do lado da oferta — a seca, o dólar, o petróleo, etc.

De forma geral, os choques causam um aumento de preços temporário e se dissipam. Desta vez, contudo, eles têm sido persistentes e vêm contaminando outros preços, como observou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves. Em relatório enviado a clientes, ele avalia que a inflação, que até o início da pandemia vinha em uma trajetória benigna, "mudou de patamar".

Como resultado, o Banco Central vem apertando cada vez mais os juros. A Selic mais alta eleva o custo do crédito e contribui para reduzir ainda mais a demanda e desacelerar a economia.

É por isso que, em paralelo às revisões das estimativas para a inflação, os economistas também estão revendo para baixo suas previsões para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022. Entre as casas que reduziram as projeções nesta semana estão J.P.Morgan, de 1,5% para 0,9%; Itaú, de 1,5% para 0,5% e XP, de 1,7% para 1,3%.

Camilla Veras Mota - @cavmota, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 16.09.2021

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Datafolha: Avaliação de Bolsonaro piora, e reprovação de 53% é novo recorde do presidente

Rejeição segue tendência em pesquisa, após semana mais tensa do mandato com atos de raiz golpista do 7 de Setembro

Após a semana mais tensa de seu mandato, na qual pregou golpismo para multidões no 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro segue com sua reprovação em tendência de alta. Ela chegou a 53%, pior índice de seu mandato.

Foi o que aferiu o Datafolha nos dias 13 a 15 de setembro, quando o instituto ouviu presencialmente 3.667 pessoas com mais de 16 anos, em 190 municípios de todo o país. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.

A oscilação positiva dentro da margem de erro em relação ao recorde apontado em levantamento feito em julho, de 51% de reprovação, dá sequência à curva ascendente desde dezembro do ano passado.

O presidente é avaliado como bom ou ótimo por 22%, oscilação negativa dos 24% da pesquisa anterior, que já indicava o pior índice de seu mandato. O consideram regular 24%, mesmo índice de julho.

Isso sugere que as cenas do 7 de Setembro, com a avenida Paulista cheia por exemplo, reproduzem uma fotografia do nicho decrescente do bolsonarismo entre a população. Se queria fazer algo além de magnetizar fiéis, Bolsonaro fracassou.

Por outro lado, o recuo do presidente após a pressão institucional contra sua retórica golpista mirando o Supremo Tribunal Federal, também não trouxe impacto perceptível na forma de uma queda abrupta de apoio ao presidente na sua base —como havia sido aferido nas interações de rede social.

Essa tendência de rejeição segue constante neste ano, após um 2019 marcado pelo racha em três partes iguais da opinião da população sobre o presidente e um 2020 que o viu se recuperar da resposta errática à pandemia da Covid-19 com a primeira fase do auxílio emergencial aos afetados pela crise.

Neste ano, com a ajuda menor, não houve reação. A agudização da crise política após a cooptação final do centrão como um seguro contra impeachment, por opção exclusiva de Bolsonaro, se mostra uma aposta insuficiente em termos do conjunto da população.

Também não houve uma mudança que possa ser atribuída aos esvaziado atos convocados por entidades de direita no domingo passado (12).

Não faltaram crises desde o mais recente levantamento do Datafolha. Bolsonaro fez desfilar tanques e blindados em Brasília, sem sucesso na tentativa de intimidar o Congresso que não aceitou a volta do voto impresso.

A economia registra problemas em série, a começar pela alta da inflação e da ameaça de crise energética no horizonte próximo.

O estouro do teto de gastos é uma hipótese cada vez mais comentada, e há pouca margem de manobra orçamentária para apostar numa recuperação de popularidade amparada em pacotes populistas.

Isso tem levado ao desembarque de setores usualmente simpáticos ao Planalto, como parte do agronegócio e do mercado financeiro. Fora a contínua crise sanitária que já levou quase 590 mil vidas no país e a percepção de corrupção federal evidenciada na CPI da Covid.

Nesta rodada, o Datafolha identificou um aumento mais expressivo de rejeição ao presidente entre quem ganha de 5 a 10 salários mínimos (41% para 50%, de julho para cá) e entre as pessoas com mais de 60 anos (de 45% para 51%).

Significativamente, Bolsonaro passou a ser mais rejeitado no agregado das regiões Norte e Centro-Oeste (16% da amostra), onde costuma ter mais apoio e de onde saíram muitos dos caminhoneiros que ameaçaram invadir o Supremo na esteira do 7 de Setembro. Sob muitos protestos, eles depois foram demovidos pelo pressionado presidente.

Lá, sua rejeição subiu de 41% para 48%, ainda que esteja marginalmente abaixo da média nacional.

O perfil de quem rejeita o presidente segue semelhante ao já registrado antes. Péssima notícia eleitoral, já que perfazem 51% da população na amostra, 56% daqueles que ganham até 2 salários mínimos o acham ruim ou péssimo, assim como 61% dos que têm curso superior (21% da amostra).

Aqui, nas camadas menos ricas e escolarizadas, há um lento espraiamento das visões negativas sobre o presidente. Na já citada camada de quem ganha até 2 mínimos, em julho eram 54% os que o rejeitavam. Na daqueles que recebem de 2 a 5 mínimos, a rejeição foi de 47% para 51%, oscilação positiva no limite da margem de erro.

Ambos os grupos somam 86% da população na amostragem do Datafolha. Outro grupo importante, o daqueles com ensino fundamental (33% da amostra) viu uma subida ainda maior, de 49% para 55%, enquanto houve estabilidade (49% para 48%) entre quem cursou o nível médio (46% dos brasileiros).

Em nichos, há rejeições bastante expressivas entre gays e bissexuais (6% dos ouvidos), de 73%, e entre estudantes (4%): 63%.

Na mão contrária, os mais ricos são o grupo em que a reprovação do presidente mais caiu de julho para cá, de 58% para 46%, retomando pontualmente uma correlação que remonta à campanha que levou o capitão reformado à Presidência.

Entre eles, 36% o consideram ótimo e bom. Integram esse contingente 3% da população pesquisada. O Sul (15% da amostra), bastião do presidente desde a disputa de 2018, segue avaliando ele melhor do que outras regiões: 28% dos ouvidos lá o aprovam.

Pormenorizando, os empresários (2% dos ouvidos) permanecem com os mais fiéis bolsonaristas, com 47% de aprovação. É o único grupo em que o ótimo e bom supera o ruim e péssimo (34%).

No segmento evangélico, outra base do bolsonarismo, as notícias não são boas para o presidente. Desde janeiro, a reprovação ao presidente já subiu 11 pontos, e hoje está superior (41%) à sua aprovação (29%). Na rodada anterior, havia empate técnico (34% a 37%, respectivamente).

Isso ocorre em meio à campanha por ora frustrada de emplacar o ex-advogado-geral da União André Mendonça, que é pastor, para uma vaga no Supremo

​A tensão institucional deste julho para cá foi das maiores de um governo já acostumado a bater recordes no setor. Igualmente, Bolsonaro só perde para Fernando Collor de Mello (então no PRN) em impopularidade a esta altura do mandato, contando aqui apenas presidentes eleitos para um primeiro mandato.

O hoje senador alagoano tinha neste ponto de seu governo 68% de rejeição, ante 21% de avaliação regular e só 9% de aprovação. Acabaria sofrendo a abertura de um processo impeachment na sequência, em 1992, renunciando para evitar a perda de direitos políticos.

Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por sua vez, registrava 16% de ruim e péssimo, 42% de regular e 39% de aprovação. O petista Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, marcava 23%, 40% e 35%, respectivamente, e sua sucessora Dilma Rousseff (PT), semelhantes 22%, 42% e 36%.

Em sua live semanal na noite desta quinta (16), Bolsonaro evitou comentar os resultados da pesquisa. "Datafolha falou que eu tenho 53% de rejeição. Datafolha não é parâmetro para nada", disse.

Igor Gielow, de São Paulo para o UOL / Folha, em 16.09.2021

Eduardo Leite: a hora do centro, do trabalho e da paz!

Você banca Bolsonaro e não chia

E não é de hoje; até o apartamento que ele usava em Brasília para comer gente era pago por você

Não olhe agora, mas Jair Bolsonaro, como se não bastasse, vive às custas de você desde 1973. Foi quando, aos 18 anos, ele entrou para o Exército e, como todo soldado, passou a ganhar o soldo que sustenta os militares, extraído dos nossos impostos. Enxotado da força em 1988, transferiu-se para o outro lado da vida mansa, a política. Elegeu-se vereador em 1989 e deputado federal em 1991, ambos pelo Rio, e, durante 30 anos de mamata —nunca tapou um buraco ou aprovou um projeto—, construiu notável patrimônio imobiliário.

E não apenas com seu salário e infinitos benefícios parlamentares —um deles, apartamento pago em Brasília, que ele nunca dispensou mesmo tendo imóveis lá, e que usou para “comer gente” (mulheres, presume-se). Donde você pagou por cada bimba que Bolsonaro levou para a cama no período. Não contente, Bolsonaro elegeu três filhos para eternizar a quadrilha e, entre ex-mulheres, vigaristas e laranjas, todos parentes entre si, empregou 102 pessoas, de quem, dizem, ele e os seus extorquiam 80% do salário. Dinheiro este igualmente drenado dos impostos que você deixou na fonte.

Presidente desde 2019, Bolsonaro usa todos os dias de seu mandato para nunca mais passar a faixa, e tudo pago por você. Ponha nisso a compra de políticos, PMs e juízes e as já quase mil viagens de campanha pelo país, o que exige o deslocamento da equipe que prepara sua chegada e estadia, comitiva pessoal, convidados e, por baixo, cem seguranças (aqueles sujeitos de terno mal cortado e óculos escuros, olhando para os lados, que se veem ao seu redor). Você paga por tudo isso e não chia. Paga também pela gasolina que alimenta os aviões, motos e lanchas que ele cavalga.

Ciente de que não se reelegerá, Bolsonaro precisa agora de um golpe —cujas tentativas é você também quem banca.

Um dia, Bolsonaro será preso e terá sua cadeia igualmente custeada por nós. Aí, sim.

Ruy Castro, o autor deste artigo, é Jornalista e Escritor. Publicado originalmenre na Folha de São Paulo, em 16.09.2021

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

CPI da Covid: juristas apontam 7 crimes de Bolsonaro na pandemia e pedem impeachment

Documento de 226 páginas entregue à Comissão aponta crimes contra a saúde pública, contra a administração pública, contra a paz pública e contra a humanidade, infração de medidas sanitárias preventivas, charlatanismo, incitação ao crime e prevaricação.

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior apontou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, que cabe uma ação de impeachment por crime de responsabilidade contra o presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia. Ao todo, os juristas identificaram sete tipos de crimes cometidos pelo presidente. Além de infringir a Lei do Impeachment, Bolsonaro cometeu crimes contra a saúde pública (charlatanismo, infração de medida sanitária e epidemia), contra a administração pública (prevaricação), contra a paz pública (incitação ao crime) e contra a humanidade.

O documento aponta que há “farto material probatório” produzido pelo colegiado para responsabilizar criminalmente o presidente Jair Bolsonaro e os integrantes de seu governo. Além de Reale Jr, assinam o parecer os juristas Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich. O documento é uma resposta ao requerimento do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Na avaliação dos especialistas, ‘não são poucas as situações que merecem o aprofundamento das investigações pelos órgãos de controle do Estado brasileiro, assim como são bastante evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais’.

Segundo os juristas, o comportamento de Bolsonaro ao longo da pandemia “constitui clara afronta aos direitos à vida e à saúde”, o que configura infração ao artigo 7º, que trata dos crimes de responsabilidade na Lei do Impeachment.

“A falta de coragem na imposição de medidas impopulares, mas absolutamente necessárias, e a omissão consciente, assentindo no resultado morte derivado da inação, conduzem à evidente responsabilização do desastre humanitário aos condutores da política de saúde no país, em coautoria: presidente da República Jair Messias Bolsonaro, então ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, cabendo em face do primeiro a propositura de ação por crime de responsabilidade”, diz o documento.

O parecer tem 226 páginas e é dividido em capítulos que tratam dos crimes cometidos pelo presidente. O documento destaca que algumas populações foram mais atingidas e sacrificadas pelas escolhas do governo de negar o atendimento imediato, negar o acesso à vacina, acesso à esclarecimento e optar por tratamentos que fugiam totalmente do consenso científico global.

Segundo os juristas, Bolsonaro e Pazuello cometeram crime de epidemia e a pena deveria ser aumentada “em razão dos resultados morte e lesões corporais  graves”. O parecer listou 25 exemplos de crimes contra a infração de medida sanitária pelo presidente – aglomerações promovidas por Bolsonaro, sem uso de máscara – entre 9 de maio do ano passado e 24 de junho deste ano.

O parecer registra que “a estrutura inicialmente montada no plano jurídico e operacional, de conjugação de esforços com Estados e Municípios, foi sendo conscientemente solapada, para incentivar o desrespeito às normas de isolamento social, pelo exemplo de se aglomerar, por atos normativos tornando dispensável o fornecimento de máscara, ao ampliar os setores considerados essenciais, não sujeitos, portanto, a limitações de funcionamento”.

O documento aponta também que o presidente cometeu o crime de charlatanismo por ao menos três vezes, ao incentivar o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19. O grupo cita, como exemplo, a cloroquina e a ivermectina.

“O sr. presidente da República expôs a saúde da população ao proclamar quase diariamente a positividade do tratamento precoce e as vantagens de se ingerir o remédio cloroquina ou hidroxicloroquina, não recomendado, pelo contrário, proibido pela OMS e pelo órgão de controle de medicamentos dos Estados Unidos, possibilitando a ocorrência de efeitos colaterais e facilitando a não tomada de cuidados para se evitar a disseminação da pandemia”, apontam os juristas.

Em sessão do parecer dedicada ao detalhamento dos crimes contra humanidade, os juristas indicam que o atendimento das populações indígenas durante toda a pandemia foi ‘deliberadamente ignorado’ por todas as instâncias do governo. Além disso, o parecer qualifica a crise em Manaus no início do ano, que culminou na morte de pessoas asfixiadas por falta de oxigênio, como ‘um caso exemplar do desprezo à vida’, ressaltando que a capital do Amazonas foi ‘palco de experiências e projetos absolutamente desastrosos e maléficos à saúde da população.

Autoridades do governo

O parecer também opina em investigações da CPI da Covid, como o caso da Covaxin e da Davati. O acordo para compra da vacina Covaxin foi fechado em fevereiro deste ano e cancelado em agosto por indícios de falsificação de documentos entregues pela empresa Precisa Medicamentos, intermediária do acordo entre Ministério da Saúde e a farmacêutica indiana Bharat Biotech.

Segundo os juristas, Elcio Franco e os funcionários da Saúde, coronel Marcelo Bento Pires, tenente-coronel Alex Lial Marinho e o então diretor de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, praticaram o crime de advocacia administrativa.

“Usaram de influência dentro do Ministério da Saúde em favor da empresa Precisa Medicamentos, patrocinando de forma mais célere a aquisição da vacina Covaxin em relação a outros imunizantes, ainda que constatadas diversas irregularidades durante os processos administrativos de aquisição e importação”, afirma o parecer.

“O farto material enviado pela CPI para exame dá conta de um forte ânimo de advocacia administrativa por parte dos servidores públicos do Ministério da Saúde em favor dos interesses da empresa Precisa Medicamentos.”

O grupo apontou que os representantes da Precisa Medicamentos praticaram crime de falsidade de documento e de estelionato majorado – na modalidade tentada. “Foram impedidos de consuma-lo por circunstâncias alheias à sua vontade (ação do servidor Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde)”, afirma o grupo.

Os juristas destacam que houve prevaricação do presidente Jair Bolsonaro e de Eduardo Pazuello no caso Covaxin. O deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou à CPI ter levado indícios de irregularidades a Bolsonaro em março e o presidente teria lhe dito que acionaria a Polícia Federal.

De acordo com os juristas, Bolsonaro e Pazuello “foram devidamente alertados acerca das irregularidades e, ainda assim, permaneceram inertes”.

“Conclui-se que as omissões dos Srs. presidente da República e Ministro da Saúde estão previstas na lei penal sob a forma de delito de prevaricação”, aponta o documento.

A Davati Medical Supply propôs vender até 400 milhões de doses da AstraZeneca ao governo, por meio do cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominguetti, mas não tinha as doses. O PM denunciou à CPI um suposto pedido de propina, em fevereiro deste ano, feito por Roberto Ferreira Dias.

O documento registra que o “o conjunto probatório permite indicar que Roberto Ferreira Dias (Diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde) praticou o crime de corrupção passiva e José Ricardo Santana, que é ex-Secretário Executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Anvisa, na forma omissiva”.

Os crimes cometidos no governo Bolsonaro durante a pandemia, segundo o grupo de juristas da CPI da Covid:

- Crime de responsabilidade” (art. 7º, número 9, da Lei 1.079/50)

- Crimes contra a saúde pública

- Crimes de epidemia (art. 267 do Código Penal)

- Infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal)

- Charlatanismo (art. 283 do Código Penal)

- Crime contra a paz pública, na modalidade de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal)

- Crimes contra a Administração Pública: 

        representados pelos crimes de falso (arts. 298 e 304 do Código Penal) e de estelionato (art. 171,         §3º, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal), de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), de         advocacia administrativa (art. 321 do Código Penal) e de prevaricação (art. 319 do Código                Penal).

- Crimes contra a humanidade (art. 7º do Estatuto de Roma)

- Atitudes do presidente Jair Bolsonaro que desrespeitaram o direito à vida e à saúde, segundo os juristas:

- promover aglomerações

- apresentar-se junto a populares sem o uso de máscara

- pretender que proibições de reuniões em templos por via de autoridades sejam revogadas judicialmente

- incitar a invasão de hospitais, colocando em risco doentes, médicos, enfermeiros e os próprios invasores

- incentivar repetidamente a população a fazer uso da cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, medicamentos sem eficácia comprovada e com graves efeitos colaterais

- recusar e criticar o isolamento social e as autoridades que o impõe

- conspirar contra as autoridades estaduais e municipais, inclusive indo contra suas determinações de precaução por via de ações judiciais no Supremo Tribunal Federal

- aplicar diminuta percentagem do orçamento destinado ao enfrentamento da Covid-19

- não comprar vacinas

- ridicularizar as vacinas, criando clima de desconfiança em relação às mesmas

- festejar eventual insucesso em teste da vacina do Butantan.

Julia Affonso, de Brasília, Pepita Ortega e Fausto Macedo, de Sao Paulo, para O Estado de São Paulo, em 15 de setembro de 2021.

Democracia x demagogia

Partidos que defendem as liberdades têm obrigação de agir para blindar aventuras desrespeitosas à Constituição.

 Nosso país tem assistido a uma escalada de naturalização da demagogia tentando minar a democracia. A demagogia é um embuste onde são lançados ingredientes perigosos, como fake news interessadas em deslegitimar as nossas instituições. A demagogia não enxerga, não ouve e não fala nada de importância real a uma população, cuja dificuldade de comprar comida aumenta com a crescente inflação. Serve unicamente aos grupos que desejam comandar o Estado como ferramenta para alcançar um poder autoritário. Já a democracia exerce empatia, diálogo, respeito às diferenças, e essa soma resulta em liberdade de pensamentos diversos, direitos e deveres elencados formalmente na Constituição brasileira.

A democracia não inventa crises, ela as resolve de maneira ordeira. Atualmente, espalham-se caraminholas tais pela Nação que, de tão fantasiosas, mais lembram criações da infância, quando inocentes lidam com seres imaginários. A diferença hoje é que os propagadores de invencionices no nosso país de inocentes não têm nada. Tóxicos e beligerantes com quaisquer opiniões adversas, digladiam com instituições – e todos os que pensam diferente se tornam inimigos

Após a conquista da democracia, é anormal e inaceitável falar em “ruptura” institucional no Brasil. Mais ainda. É impressionante que essa palavra figure de forma crescente e sem cerimônia no noticiário político e econômico do País, mesmo porque é fruto de uma bolha de mentira, sob dois intuitos: 1) o uso para um discurso eleitoral destinado a radicais; 2) tergiversar sobre os problemas que verdadeiramente afetam a sociedade. Em suma, há o objetivo irresponsável de suscitar um caos institucional em plena democracia.

A obrigação dos políticos que defendem as liberdades é atuar como blindagem contra essas aventuras desrespeitosas à Constituição. É fundamental subir para o bloqueio e arremessar longe qualquer sombra de retrocesso. Eles já avançaram demais o sinal. Agora, quatro partidos – MDB, PSDB, DEM e Cidadania – aliaram-se para o contraponto a essas leviandades. O propósito é dialogar na construção de Um Novo Rumo para o Brasil – título do seminário virtual promovido entre hoje (15) e o dia 27 de setembro – com a participação, já na abertura, de três ex-presidentes da República: Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney. O elenco é a prova cabal de que diferentes podem e devem conversar em busca de maioria saudável para soluções a uma nação que precisa reagir urgentemente na sua economia.

É esta a linguagem que atende a cada pessoa no País: a do diálogo para o encontro de propostas eficazes ao que aflige os brasileiros. O discurso da intolerância, além de não encher o prato de quem mais precisa, não faz o menor sentido num Brasil que já viu a perda de quase 600 mil vidas pela covid-19, doença tratada com descaso pela aflição de todos.

Cabem muita atenção e ação, porque os arautos da demagogia arquitetaram artificialmente todo um cenário de rivalidade entre “eles” contra “outros”, gerando um nó que faz o Brasil patinar. Essa nuvem colérica utiliza-se de segmentos da sociedade massacrados por fake news em séries para desenvolver a tal retórica de luta contra “o outro lado” – o democrático. Infelizmente, há grupos, alguns até por falta de informação adequada, que se deixam levar pelas cantilenas manipuladoras.

Temos passado vergonha perante o mundo com nossa credibilidade em xeque. O País perde investimentos, enquanto registra mais de 14 milhões de desempregados. Até mesmo nossos símbolos nacionais foram sequestrados pelo movimento contra o Estado Democrático de Direito.

As falas deixaram a timidez das reuniões fechadas e ganharam praças públicas. Por menos que expressem a opinião da maioria dos brasileiros, é hora de um potente basta a esse espaço até aqui ocupado.

Famílias inteiras estão desesperadas à espera de saídas para questões práticas de sua vida – não no grito, mas no diálogo. Vamos juntos, com respeito pelo outro, buscar consensos nas maiorias. Devem ser as maiorias as peças de resistência da democracia.

Uma das alegações dos intransigentes – de batalhar pela liberdade de expressão – é risível, não fosse perigosa. Ao mesmo tempo que supostamente levam adiante essa bandeira (contra a qual nenhum democrata será contrário), estimulam a invasão de prédios públicos e insuflam a quebra de liberdades com discursos golpistas. Os sinais estão trocados, enquanto o País corre o risco de marcha à ré.

Se ainda há uma boa notícia no meio deste pandemônio, é a de pesquisas demonstrando a grande maioria dos brasileiros contra os arroubos radicais. Outra é de que as instituições e as forças políticas democraticamente constituídas não vão se curvar a este quadro pintado grotescamente por quem nem de longe tem amor à Pátria. O País quer paz para trabalhar e voltar a crescer.

Wellington Moreira Franco, o autor deste artigo, sociólogo, ex Governador do Rio de Janeiro, é Presidente do Conselho Curador da Fundação Ulisses Guimarães. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 15.09.2021.

Polícia política

Ao mesmo tempo que acena à moderação, Bolsonaro urde novo ataque à democracia. Por meio de prepostos na Câmara, quer fazer avançar projeto que altera a Lei Antiterrorismo

O presidente Jair Bolsonaro pode assumir tantos compromissos de pacificação nacional e de respeito aos pilares do Estado Democrático de Direito quanto julgar necessários à acomodação de seus interesses políticos mais imediatos. Convencerá apenas os que já têm a predisposição de serem convencidos, seja por interesse, seja por ingenuidade. A verdade, todavia, é que, por trás das encenações de um republicanismo que jamais houve em sua trajetória, ao fim e ao cabo, prevalecerá sempre a índole liberticida do presidente da República. Bolsonaro, como a Nação tristemente acompanha, nutre visceral desprezo pela democracia e por tudo o que o regime da liberdade representa.

Ao mesmo tempo que acena à moderação, Bolsonaro urde um novo ataque à democracia na Câmara dos Deputados. Por meio de prepostos na Casa, o presidente quer fazer avançar um projeto de lei que altera a Lei Antiterrorismo, de 2016. O desiderato é o mais perigoso possível. Não há razão para alterar a legislação de combate ao terrorismo no País neste momento. A Polícia Federal (PF) já dispõe de respaldo legal e de recursos humanos e materiais para lidar com este tipo de ameaça. Nestes cinco anos de vigência da lei, a PF já realizou operações que levaram à condenação de 11 pessoas pela prática de atos classificados como terroristas. Ou seja, o que se pretende é tirar poder de um órgão de Estado e atribuí-lo a uma esfera de governo, especificamente a Presidência da República.

O que Bolsonaro pretende, portanto, é criar uma polícia secreta que possa controlar e, com isso, impedir a livre manifestação das forças políticas de oposição a seu governo. Se não conta com as Forças Armadas nem com as Polícias Militares para concretizar seus propósitos golpistas, o presidente agora almeja a criação de uma polícia política.

O projeto de revisão da Lei Antiterrorismo, de autoria do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), fiel escudeiro de Bolsonaro na Câmara, cria a Autoridade Nacional Contraterrorista (ANC), que terá acesso irrestrito a informações sobre qualquer cidadão ou empresa que desejar. Prevê-se que a ANC seja chefiada por um policial e por um militar, ambos diretamente subordinados ao presidente da República.

Além de contarem com liberdade absoluta para escrutinar a vida de cidadãos que, em tese, sejam suspeitos de envolvimento em “ato que, embora não tipificado como terrorismo, seja perigoso para a vida humana”, os agentes da ANC, caso a proposta avance, terão prévia autorização para matar no exercício da função, pois o projeto de lei prevê o chamado excludente de ilicitude a fim de “resguardar” a atuação dos agentes.

O projeto é um despautério. Consta que há votos suficientes para aprovação na comissão especial que trata da matéria na Câmara, mas, para o bem da democracia no País, não deve passar desta etapa legislativa. 

Tal como foi concebido, o projeto, além de tudo, fere o pacto federativo insculpido na Constituição. As ações de segurança pública, tanto preventivas como reativas, são de responsabilidade dos Estados. Por óbvio, isso não quer dizer que não seja necessária, em casos pontuais, a coordenação federal no âmbito da União, mas já há leis que tratam destes casos. Uma das mais importantes, a que criou o Sistema Único de Segurança Pública, durante o governo de Michel Temer, foi solenemente ignorada por Bolsonaro.

“O temor é que a ANC seja um instrumento de polícia política do presidente da República”, alertou o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). O justo receio de Molon é compartilhado por juristas e especialistas em segurança pública que veem no projeto uma clara ameaça à democracia. As tipificações dos crimes previstos no projeto colidem propositalmente com a boa técnica legislativa, descrevendo ações de forma vaga e ampla, o que abre perigoso espaço para interpretações que caibam sob medida na sanha persecutória dos tiranetes de turno contra seus opositores.

O Brasil padece de muitas mazelas. O terrorismo não é uma delas e oxalá jamais venha a ser. Mas, se vier, não deve ser enfrentado com instrumentos como este esdrúxulo projeto de lei, que se presta a objetivos tenebrosos.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 15 de setembro de 2021 

Amazonia em chamas, uma radiografia de fogo e violência em Rondonia

 Indígenas e ribeirinhos convivem com rotina de ameaças, invasões e queimadas no Estado que se tornou um dos principais redutos do bolsonarismo na região norte.


Um foco de incêndio na floresta dentro da Resex Jaci Paraná, em Porto Velho (AVENER PRADO) 

“Primeiro levam as toras de valor e depois colocam fogo uma, duas vezes para transformar a floresta em pasto”. A rotina da gradual destruição da Amazônia brasileira é narrada, de forma resignada, por Daniel Kaxinawá, 27, dentro da Terra Indígena (TI) Karipuna. Ele está diante de um descampado onde meses antes existiam árvores centenárias, mas que agora só abriga pequenos troncos chamuscados. O local onde vivem os índios da etnia, que se espalha por 153.000 hectares nos municípios de Porto Velho e Nova Mamoré, em Rondônia, deveria ser protegido desde que a demarcação foi homologada em 1998, mas tem sido alvo cada vez mais crescente do assédio de madeireiros e grileiros. Das cinzas da terra calcinada já despontam brotos de um capim plantado pelos invasores que serviria para a alimentação do gado.

Em uma área marcada pelo avanço indiscriminado dos madeireiros, saber distinguir o ruído da motosserra do barulho de uma moto pode ser determinante para a sobrevivência. Atento aos sons, Daniel de repente mostra preocupação. “Tem moto vindo aí na trilha atrás da gente. Vamos embora agora!”, diz aos seus parentes indígenas na presença da reportagem do EL PAÍS. Sem discussão, todos desaparecem rapidamente no estreito caminho de terra que leva à única aldeia da TI.

O pavor que Daniel e os demais indígenas têm de um encontro indesejado com jagunços ou grileiros armados dentro de seu território não é infundado. Dois dias antes da reportagem do EL PAÍS visitar o local no final de agosto, a única ponte que permite o acesso por terra ao território Karipuna havia sido destruída com o uso de motosserras. “As toras estavam boas ainda”, diz Eric Karipuna, 24, apontando para os cortes feitos em um dos grossos troncos que serviam para a passagem sobre um igarapé. “Foi represália dos madeireiros”, conta ele, logo após uma ação de fiscalização da Fundação Nacional do Índio (Funai) que retirou seis não indígenas que ateavam fogo justamente na área de onde os Karipuna correram momentos antes. Sem a ponte, eles ficaram isolados. “Agora as equipes de saúde não têm mais como chegar aqui”, lamenta Eric, já na aldeia onde vivem 60 índios.

Índígenas Karipuna observam a ponte destruída com motosserra dentro da TI. "Foi represália dos madeireiros", dizem. (AVENER PRADO)

A maior parte do território dos Karipuna está dentro de Porto Velho, a capital brasileira da queimada, que de janeiro a meados de agosto deste ano foi o município recordista em focos de incêndio dentro do bioma Amazônia. Foram 521 pontos identificados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) neste período, que pintam o horizonte da cidade de uma névoa espessa constante. Ali se desenha uma nova fronteira agrícola brasileira. O Estado praticamente triplicou o rebanho bovino entre 1999 e 2019: de 5,4 milhões para 14,3 milhões de cabeças de gado. Hoje, Rondônia tem a sexta maior boiada do país, segundo dados do Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística.

O fogo descontrolado e o aumento da devastação na região amazônica tem sido uma das principais marcas do Governo de Jair Bolsonaro na área ambiental. Em 2020 a taxa de desmatamento no bioma foi a maior em 12 anos de acordo com relatório do Instituto Socioambiental feito com base nos dados do INPE. Em 2019 o impacto da devastação se fez sentir do outro lado do país: a fumaça dos incêndios florestais na região Norte chegou a São Paulo, onde o dia virou noite. Este ano, o Planalto anunciou um corte de 240 milhões no Orçamento do Ministério do Meio Ambiente, sendo 19 milhões de reais só nas contas do Ibama, enfraquecendo ainda mais a capacidade de fiscalização do órgão.

O Estado de Rondônia é um dos mais relevantes para o projeto do presidente Jair Bolsonaro na área ambiental, com desregulação e incentivo à exploração de terras protegidas via garimpo, agronegócio ou comércio de toras. Em 2019 o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, visitou madeireiros rondonienses que queimaram um caminhão do Ibama em protesto contra ações de fiscalização. Ele se compadeceu da situação, e fez um aceno claro aos infratores ambientais que haviam destruído de forma criminosa o patrimônio público: “As pessoas de bem que trabalham neste país estão aqui representadas por todos vocês”.

Ciente do papel estratégico de Rondônia, a família Bolsonaro também frequenta o Estado. Em outubro de 2020 o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), eleito parlamentar pelo Rio de Janeiro, fez uma visita a centros de ensino de Rondônia. Em maio deste ano, nova viagem do filho 01 a Porto Velho, desta vez para marcar posição e participar de uma carreata de apoio ao Governo de seu pai. O presidente, por sua vez, também esteve no Estado em maio, para inaugurar uma ponte no distrito de Abunã, em Porto Velho, que liga o Estado ao Acre.

Área devastada por grileiros e madeireiros dentro da TI Karipuna (AVENER PRADO)

As ações e falas do presidente servem de combustível para a ousadia dos invasores. “Todo esse processo de invasão das nossas terras, queimadas e roubo de madeira cresceu muito com o Governo Bolsonaro, com o discurso dele. Ele fortaleceu essas pessoas [grileiros e madeireiros]. Eles se sentiram no poder de destruir mais”, afirma o cacique André Karipuna, 28, líder de seu povo. “E os órgãos, como Funai e Ibama, que nós tanto precisamos, foram enfraquecidos, principalmente na parte da fiscalização”. Não bastasse esta pressão do fogo e de invasores incentivados pelo presidente, a TI Karipuna faz fronteira com a reserva extrativista (Resex) Jaci Paraná, a Unidade de Conservação que mais queimou em Rondônia neste ano, e cuja situação deve se agravar ainda mais nos próximos meses.

A situação ambiental em Porto Velho começou a se deteriorar drasticamente no início anos 2000, tendo como ponto crítico a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, ambas ao longo do curso do rio Madeira. “Houve um processo especulativo forte sobre as terras da região que muitas pessoas e empresas viram como oportunidade”, explica Marcelo Lucian Ferronato, doutor em desenvolvimento regional e meio ambiente da ONG Ecoporé. Outros dois fatores contribuíram com o avanço das queimadas e derrubada da floresta: “Tivemos a expansão dos portos de grãos no rio Madeira e o asfaltamento da estrada para o Pacífico, que transformaram Porto Velho em um centro de distribuição logística”. Estes fatores formaram uma tempestade perfeita para o agronegócio. “O agro empurrou a soja para as áreas de pastagens, e a pastagem avançou nas Unidades de Conservação como a Resex Jaci Paraná”, diz Ferronato.

A Resex Jaci-Paraná foi delimitada como área de proteção em 1996 para que as famílias de ribeirinhos que viviam de práticas centenárias e sustentáveis de manejo da floresta, como e exploração das seringueiras, a pesca de baixo impacto e a extração de castanha-do-pará, pudessem subsistir. Mas a terra foi rapidamente invadida por grileiros e madeireiros, interessados em explorar as árvores nobres e depois transformar tudo em pasto. Estima-se que atualmente existam cerca de 120.000 cabeças de gado na reserva, segundo o próprio Governo de Rondônia.

Em abril, a já combalida Resex sofreu outro golpe: a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou um projeto de lei que reduziu em 80% a área da reserva, premiando na prática centenas de criminosos ambientais responsáveis por fazer do local a segunda Unidade de Conservação mais desmatada da Amazônia Legal, segundo o INPE. O governador do Estado, o bolsonarista coronel Marcos Rocha (sem partido), sancionou a medida em maio. “Com a redução da reserva, que já vinha sendo invadida e destruída, nossa situação piora. Porque ela era como uma espécie de tampão entre a devastação e a nossa terra”, diz André Karipuna. Ele afirma que os indígenas não foram ouvidos pelo poder público durante as discussões envolvendo a redução da área protegida.

A reportagem tentou entrar em contato com o deputado estadual Jean Oliveira (MDB), relator do projeto que retalhou a Resex Jaci Paraná e o parque estadual Guajará-Mirim. O parlamentar não retornou as ligações nem respondeu emails e mensagens de Whatsapp enviadas pelo EL PAÍS, nem tampouco atendeu a equipe do jornal em seu gabinete na Assembleia Legislativa de Rondônia.

Se na TI Karipuna, que faz fronteira com a Resex, a situação já é bastante crítica, dentro da agora diminuta reserva Jaci Paraná a situação assume contornos dramáticos. Rosa Maria Lopes, 66, é nascida e criada ali, às margens do rio Branco. “Eu era seringueira, tirava castanha, pescava, fazia tudo que meu pai fazia”, conta. Ela lembra com saudosismo daqueles tempos: “Antes aqui eram só as famílias que cuidavam da floresta de forma sustentável”. Então no início dos anos 2000 chegaram os madeireiros e fazendeiros, e tudo mudou. “Muita gente foi expulsa e muita gente saiu com medo de morrer”. Ela estima que atualmente sete famílias continuam no local. “A reserva acabou. Dá vontade de chorar”, diz.

Enquanto conversa com a reportagem, ela observa a fumaça de um incêndio que consome a floresta há cerca de um quilômetro da casa de seu vizinho e amigo João Gomes de Sousa, 47, também morador da Resex. “Joãozinho, tem que tomar cuidado senão o vento vai trazer esse fogo aqui pro seu barraco”, diz, referindo-se a uma construção simples de madeira sem energia elétrica ou saneamento básico. “É, tá chegando perto mesmo. Já está queimando há mais de uma semana”, responde o agricultor que ganha cerca de 600 reais por mês vendendo os produtos de sua pequena roça na cidade. “É o pessoal que faz isso [incendeia a mata] pra abrir pasto pra gado”, diz. “Essas queimadas ameaçam tudo o que eu tenho, minha rocinha e meu barraco”. Quem é responsável por atear o fogo? João desconversa: “Esses assuntos dá muita confusão. Você tem que saber que aqui na Resex tem os grandes e os pequenos”.

Dona Rosa se recorda de quando viu pela primeira vez o grau de violência envolvido no processo de grilagem e devastação da floresta. Foi nos anos 2000, quando encontrou o corpo de um seringueiro que havia entrado em conflito com madeireiros boiando nas margens do rio Branco. Ela mesma já sofreu ameaças veladas: “Tinha um pessoal que ficava escondido num mato do lado da minha casa pra me amedrontar. Pensei em registrar um boletim de ocorrência, mas fiquei com medo. Melhor não mexer com esse pessoal”. Perto de sua propriedade, mais destruição: “Derrubaram já 50 alqueires de mata aqui perto. Não deixaram árvore nem para eu arrumar meu barraco”.

A ex-seringueira se ressente das políticas ambientais do Governo Bolsonaro, famoso por “passar a boiada” em áreas de conservação. “Olha, o presidente diz que vai abrir a mão para tudo. Eu não estou de acordo. Não se fala de plantar milho, abóbora. É só agronegócio, só se fala em boi gordo, leite e fazendas. Daqui a uns anos a gente não vai conseguir tirar mais nada desta terra”, diz Rosa.

As histórias de fogo e violência são uma constante nas conversas com os moradores remanescentes da Resex. “No ano passado eu quase morri tentando apagar um incêndio que alcançou o barraco de um vizinho”, conta Casemiro José Lopes, 53, há 20 na região. Após tentar combater as chamas que haviam alcançado a casa onde se produz farinha de um amigo utilizando apenas baldes de água, ele sentiu um mal-estar por inalar fumaça e precisou ser internado com infecção respiratória. “Não sabemos quem são os mandantes [das queimadas]. O que sabemos é que todo ano é a mesma história”, diz.

Casemiro, morador da Resex, teve que ser internado após combater um incêndio criminoso na casa de um vizinho (AVENER PRADO)

Três anos atrás, grileiros tentaram intimidar Casemiro queimando um barraco localizado nos fundos de sua pequena propriedade. “Aconteceu logo depois de termos flagrado um trator arrastando tora aqui dentro e termos confrontado ele”. O sentimento de impotência é grande: “A realidade é que a gente consegue cuidar só do que está aqui na beira do rio [Branco]. Lá pra dentro [da Resex] já era. Eu sou otimista só porque sei que pior do que está não fica. Quase não existe mais mata para derrubar”, afirma Casemiro.

Além do fogo que ameaçava a casa de João, a reportagem presenciou uma queimada de grandes proporções dentro da Resex. O incêndio, que consumia uma área de vários quilômetros quadrados no meio de uma região de mata fechada, era visível de longe. A coluna de fumaça erguia-se no horizonte. A floresta atingida ficava logo atrás de uma área de pasto abandonada, que era utilizada até recentemente por grileiros.

Mais à frente no curso do rio, uma pilha de material de construção repousa na barranca do rio em uma grande área descampada. “O pessoal que tira árvore de dentro da Resex quer construir uma ponte clandestina aqui”, diz Valdecir Prado Vilela, 36. Ele tem uma pequena propriedade rural do lado de fora da Resex, mas também às margens do rio Branco. Ironicamente, a passarela ambicionada pelos madeireiros ficaria no final de uma estrada de terra de difícil acesso chamada Linha do Ibama.

Enquanto o agronegócio, grileiros e madeireiros avançam sobre as áreas protegidas, o cacique Karipuna relembra a importância desta terra. “É preciso entender a floresta como algo que tem valor não só pra gente, que somos protetores dela, mas também para o clima, para a água e para a humanidade”, afirma André, um dos membros da nova geração da etnia, que foi quase aniquilada pelas doenças trazidas pelos não-indígenas nos anos 1970 após o primeiro contato com o homem branco. Restaram apenas sete indivíduos, que resistiram e conseguiram se recuperar nas décadas seguintes, apenas para enfrentar mais adversidades: em 2019 um posto avançado da Funai construído dentro da TI para garantir a segurança na área e impedir a entrada de invasores foi queimado também em represália contra ações de fiscalização. Assim permanece até hoje, ruínas abandonadas que simbolizam a ambição do agronegócio e das madeireiras sobre o território indígena. “Dizem que é muita terra para pouco índio. Mas na verdade somos poucos índios para proteger toda essa natureza tão grande. E é curioso como nunca dizem ‘é muita terra para um só fazendeiro’ né?”, indaga

A reportagem tentou sem sucesso entrar em contato com representantes do Sindicato dos Produtores Rurais de Porto Velho, entidade patronal que reúne integrantes do agronegócio da capital rondoniense. Os contatos por telefone, mensagens de texto e presencial, na sede do Sindicato, foram ignorados. Em nota, o Ibama informou que possui 17 agentes que atuam em Rondônia, e que em 2021 “as operações de fiscalização no Estado já registraram 100 termos de apreensão, 75 termos de embargos, quatro termos de destruição e 383 autos de infração que somam 63.256.449,36 reais [em multas]”. O órgão também afirmou ter realizado ações em parceria com a Funai “nas Terras Indígenas localizadas em Porto Velho e Nova Mamoré”. A Funai não respondeu aos questionamentos da reportagem. O Governo informou que “a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental junto as suas coordenadorias tem trabalhado fortemente nas ações de prevenção e combate às queimadas em todo o Estado de Rondônia”. Ainda segundo a nota, no primeiro semestre de 2021 “foram desenvolvidas 146 operações (...) com vista a combater as queimadas e os desmatamentos”, tendo aplicado 1.744 multas. Diante do resultado visto a olho nu, são fiscalizações inócuas num Governo que torce pelo devastador.

GIL ALESS e AVENER PRADO (IMAGENS) para o EL PAÍS, em 12.09.2021

Moraes diz que "rachadinha" é corrupção "clara e ostensiva"

Em decisão sobre inelegibilidade de vereadora paulistana, ministro do STF e TSE afirma que prática é contra "retidão e honestidade na conduta dos negócios públicos".

Alexandre de Moraes votou a favor da inelegibilidade de vereadora acusa de "rachadinha"

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que, por lesar os cofres públicos, o esquema conhecido como "rachadinha", no qual servidores entregam parte do salário aos parlamentares que os contrataram, pode tornar inelegível agentes públicos.

O tribunal determinou que a ex-vereadora Maria Helena Pereira Fontes, do PSL de São Paulo, acusada da prática, é inelegível conforme a lei da ficha limpa.

O acórdão foi publicado na quinta-feira passada (09/09) e divulgado pela imprensa brasileira nesta segunda. Nele, o relator, ministro Alexandre de Moraes, qualificou a prática da "rachadinha" de "clara e ostensiva modalidade de corrupção".

Ele, assim como todos os demais seis ministros, votou a favor da inelegibilidade da ex-vereadora. O esquema lesou os cofres públicos paulistanos em R$ 146,3 mil.

"O esquema de rachadinha é uma clara e ostensiva modalidade de corrupção, que, por sua vez, é a negativa do Estado constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos", afirmou Moraes, que também é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Caso Queiroz

A prática das rachadinhas ganhou notoriedade nacional por causa das acusações contra o senador Flávio Bolsonaro, que teria implementado o esquema quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. O operador seria Fabrício Queiroz.

Carlos Bolsonaro, irmão de Flávio, e o pai, o presidente Jair Bolsonaro, também já foram acusados de implementar esquemas de rachadinha em seus gabinetes legislativos.

Nesta segunda-feira, o presidente da segunda turma do STF, ministro Kássio Nunes Marques, tirou da pauta de terça-feira um recurso que questiona o foro de Flávio no caso da "rachadinha" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Não há nova data.

Por meio do recurso, o Ministério Público do Rio de Janeiro quer saber do STF se a investigação de possíveis desvios de recursos públicos por Flávio deveria tramitar na primeira instância da Justiça ou se caberia a um órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio.

O Ministério Público questiona decisão do Tribunal de Justiça que deu foro privilegiado a Flávio no suposto caso de "rachadinha" e argumenta que, quando a investigação foi aberta, em 2018, o investigado já não era mais deputado estadual.

A defesa do filho do presidente argumenta que, após o término do mandato de deputado estadual, ele assumiu um mandato de senador, o que mantém o seu direito a foro privilegiado.

Deutsche Welle Brasil, em 15.09.2021

Economia em 2022: por que expectativas para o Brasil estão piorando rapidamente

Os economistas estão revisando fortemente para baixo suas expectativas para o desempenho da economia brasileira em 2022.

'A fome voltou', diz cartaz de protesto na Avenida Paulista, em São Paulo (Roberto Parizotti)

Na terça-feira (14/9), o banco Itaú reduziu sua expectativa para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no próximo ano de 1,5% para 0,5%. O maior banco privado do país também passou a prever aumento do desemprego no próximo ano, com a taxa de desocupação subindo de 12,1% ao fim de 2021, para 12,5% em dezembro de 2022.

Além do Itaú, diversas outras instituições financeiras e casas de análise passaram a prever PIB menor, inflação mais alta e juros também mais elevados no cenário próximo.

O crescimento do PIB e a situação do mercado de trabalho e da renda no próximo ano geram grande expectativa, pois são fatores determinantes no bem estar da população e no desenrolar de eleições em que o atual presidente tenta a recondução ao cargo.

Entenda os seis principais fatores que têm feito os analistas reduzirem suas expectativas para o desempenho da economia no próximo ano:

1) Inflação maior e juros em alta

O principal fator citado pelos analistas para a revisão nas expectativas para o PIB em 2022 é o fato de que a inflação no próximo ano deve ficar acima do que era esperado antes.

Com isso, o Banco Central vai ter de subir mais os juros, o que tem efeito negativo sobre o consumo das famílias e o investimento das empresas.

"Revisamos nossa expectativa de inflação de 2021 para 8,4%, de 7,3% no início do mês", escrevem os economistas da XP Investimentos em relatório desta terça-feira. "A revisão ocorreu devido à piora da crise hídrica, ao IPCA de agosto bem acima do esperado e à inflação no atacado sugerindo que ainda há pressão de custos no curto prazo."

Inflação no próximo ano deve ficar acima do esperado e, com isso, Banco Central tende a subir mais os juros, freando a economia (Antonio Cruz, Ag. Brasil)

Em agosto, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) teve alta de 0,87%, bem acima do esperado pelos analistas e maior aumento para o mês em 21 anos. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses chegou a 9,68%. O aumento foi puxado pelo preço dos combustíveis e dos alimentos e levou diversos economistas a preverem uma inflação maior para este e o próximo ano.

No boletim Focus — levantamento semanal de expectativas do mercado colhidas pelo Banco Central — a projeção para o IPCA em 2021 passou de 7,58% na semana passada, para 8% essa semana. Para 2022, a previsão foi de 3,98% para 4,10%.

A meta de inflação para este ano é de 3,75% e a de 2022, de 3,50%, conforme determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Logo, as estimativas dos analistas sugerem que a inflação deve ficar acima da meta por dois anos seguidos.

E ainda há outros riscos negativos, como o agravamento da crise hídrica e da situação das contas do governo, que podem piorar ainda mais o quadro inflacionário à frente.

"Nesse contexto, acreditamos que o Copom (Comitê de Política Monetária) ainda não enxergará condições para indicar redução do ritmo de elevação da taxa Selic", escrevem os economistas do Itaú, em relatório, prevendo que a taxa básica de juros chegue a 9% ao ano em 2022, de volta a patamar que não era visto desde 2017. Atualmente, a Selic está em 5,25% e ela chegou a 2% no ponto mais baixo.

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2) Menor crescimento da renda

Um segundo fator citado pelos economistas para a deterioração das expectativas para o próximo ano é o crescimento modesto esperado para a massa de renda — que é a soma de todos os rendimentos das população.

"Reduzimos nossa projeção de crescimento do PIB no próximo ano, de 1,7% para 1,3%, escreve a equipe da XP Investimentos.

Segundo os economistas da casa, além dos efeitos mais contracionistas da política monetária (isto é, a alta dos juros) o cenário incorpora "crescimento modesto da massa de renda ampliada disponível às famílias", com alta em torno de 1,5%, descontada a inflação, devido principalmente ao fim do auxílio emergencial, que não deve ser compensado pelo emprego e o aumento esperado do Bolsa Família.

A trajetória de aumento do desemprego prevista pelo Itaú também não sugere perspectiva muito alentadora para o desempenho da massa de renda.

"A taxa média de desemprego voltará ao nível pré-pandemia somente em 2023, e o nível de equilíbrio (pouco superior à 10%) deve ser atingido somente em 2025", faz coro a MCM Consultores sobre as perspectivas pouco alentadoras para renda e mercado de trabalho à frente.

Mesmo após crise gerada por pandemia, Brasil terá 10 milhões de desempregados, dizem economistas

Retomada dos serviços deu fôlego à economia em 2021, mas efeito não deve se repetir no próximo ano, segundo economistas (Getty)

3) Esgotamento do efeito da retomada dos serviços

Um terceiro fator citado pelos economistas é que o impulso gerado pela reabertura da economia este ano — particularmente no setor de serviços —, após período de maior distanciamento social provocado pela pandemia, deve perder força no ano que vem.

"A atividade econômica não se beneficiará mais do impulso advindo da reabertura do setor de serviços, algo que, na nossa visão, ficará restrito ao segundo semestre deste ano", diz o Itaú

O pessimismo no médio prazo é compartilhado por outros analistas.

"Esperamos que alguns dos segmentos de serviços ainda impactados pela covid (em particular serviços prestados às famílias) se recuperem nos próximos meses, em conjunto com o progresso no programa de vacinação contra a covid, reabertura da economia e estímulo fiscal renovado", escreve Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, em relatório.

"No entanto, a aceleração da inflação, o aumento das taxas de juros, o aumento do ruído e da incerteza política, e a interrupção da tendência de alta na confiança do consumidor e dos empresários podem limitar esse desempenho positivo", diz Ramos.

Já a XP Investimentos alerta que "o desemprego elevado e o baixo crescimento da massa real da renda limitam a demanda por serviços em 2022".

4) Desaceleração global

Um quarto fator citado pelos analistas é a expectativa de perda de ímpeto da economia global, o que impacta a demanda e o preço das commodities exportadas pelo Brasil.

O crescimento orquestrado das economias este ano foi impulsionado pela reabertura das cidades, avanço da vacinação e manutenção dos estímulos monetários por boa parte dos Bancos Centrais das economias maduras. No ano que vem, esses fatores se dissipam.

"Os preços das commodities devem se acomodar, em especial das commodities metálicas, uma vez que o crescimento da atividade econômica mundial desacelere", diz a MCM Consultores, que prevê um superávit recorde de US$ 76,6 bilhões para a balança comercial brasileira em 2021, que deve desacelerar a US$ 74,1 bilhões em 2022, nas contas da consultoria. O superávit é a diferença positiva entre o valor exportado e o importado pelo país.

Essa também é a visão do Itaú: "Vemos desaceleração do setor industrial global e queda de preços de commodities ano que vem."

E da XP: "Para frente, vemos as economias brasileira e mundial desacelerando, a taxa de câmbio e os preços das commodities mais estáveis, a taxa de desemprego ainda elevada."

Lago de Furnas em Minas Gerais um julho deste ano, abaixo dos 27% de capacidade

Crise hídrica e do setor elétrico é um dos fatores de incerteza para o PIB de 2022; na foto, o lago de Furnas em Minas Gerais um julho deste ano, abaixo dos 27% de capacidade (AFP)

5) Piora da crise hídrica e possível racionamento de energia

Na piora das expectativas dos economistas, também está na conta o agravamento da crise hidroenergética e o crescente risco de racionamento em 2022.

"Como se não bastasse o risco fiscal, a crise hídrica segue pressionando custos de produção, aumentando a inflação e reduzindo as perspectivas de crescimento econômico", escreve a equipe da XP.

A consultoria de investimentos revisou sua projeção de PIB para 2022 de 1,7% para 1,3%, mas avalia que o baixo nível dos reservatórios é o principal fator de risco para essa estimativa.

"Nosso cenário considera os efeitos da crise hídrica e aumento do custo da energia elétrica sobre os níveis de produção e consumo, mas sem racionamento propriamente dito (redução compulsória)", alertam os economistas.

No início do mês, a XP revisou suas projeções para a possibilidade de racionamento nos próximos 12 meses para 17,2%, enquanto o Itaú dobrou seu índice de probabilidade, para 10% em 2022.

"A situação hídrica gera pressão adicional sobre a inflação corrente, via aumento das contas de luz, e também sobre a dinâmica de preços do ano que vem, através da inércia resultante de um IPCA mais elevado e do risco de novas medidas que visem à redução do consumo de eletricidade", disse o Itaú nesta terça-feira.

O ano de 2022 deve ser marcado por eleições polarizadas e bastante conturbadas, o que também tende a pesar sobre o desempenho da economia (Reuters)

6) Eleições conturbadas

Por fim, pesa no pessimismo dos economistas para o próximo ano a certeza de eleições polarizadas e bastante conturbadas.

"O apaziguamento das turbulências políticas deveria interessar sobretudo ao presidente Jair Bolsonaro. Afinal a sua reeleição depende fundamentalmente da melhora da economia", observam os economistas da MCM Consultores.

"Se a crise político-institucional continuar a escalar a recuperação econômica perderá fôlego. O ambiente agitado também atrapalha as costuras para a solução de problemas político fiscais, como o pagamento dos precatórios e a criação do programa Auxílio Brasil", diz a consultoria, sobre a ameaça ao programa que visa turbinar o Bolsa Família de olho na reeleição.

A consultoria cortou sua projeção para o PIB do próximo ano de 2,1% para 1,4%.

"A principal razão é a perspectiva de agravamento progressivo do quadro político-institucional-fiscal e de incertezas. Um dos fatores mais importantes é a eleição presidencial polarizada e muito provavelmente recheada de propostas populistas de ambos os lados."

Thais Carrança - @tcarran, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 15.09.2021

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Por que chegamos a isso

É pouco provável que, com a escalada golpista do discurso bolsonarista, o Congresso possa se concentrar no debate de temas complexos

Ninguém esperava – nem muito menos queria – que tivesse sido assim. Embora tardia e lentamente, a vacinação contra a covid-19 avançou, alcançou parcelas significativas da população e, afinal, começou a produzir os resultados ansiados, que permitiriam a gradual normalização da vida social e econômica. A despeito da inoperância do governo federal, a retomada do crescimento, da qual se falava desde o início do ano, estava ao alcance das nossas mãos. Recuperaríamos o que perdemos no ano passado e ainda ganharíamos alguma coisa. Até no plano fiscal, mesmo diante de um governo que sempre mostrou pouca apetência e muita incompetência para lidar com o maior problema do setor público, havia expectativas positivas: o déficit público parecia sob controle.

De repente, deu nisso.

O quadro assusta. São muitos componentes que evidenciam a rápida deterioração do cenário político e econômico, o que impõe não apenas insegurança e incerteza, mas riscos e perdas para muitos, sobretudo os que menos podem.

A inflação que alcança níveis recordes (acumula 9,68% em 12 meses) é o dado mais sombrio, porque é o mais recente, desse cenário no momento. Outros indicadores da crise política, econômica, social e moral em que o País mergulhou, porém, continuam a lançar sombras e podem alcançar maior destaque, a julgar pela forma como as coisas avançam. Se até os operadores do mercado financeiro – “essa gente da Faria Lima”, como reagiria um enraivecido funcionário descontente com a aguda perda de prestígio do governo – já duvidam da capacidade das autoridades, é porque a coisa vai mal.

O tombo de 3,78% (para 113,4 mil pontos) que o Ibovespa levou na quarta-feira e a escalada de 2,89% do dólar (para R$ 5,32) mostram o impacto da fala golpista do presidente Jair Bolsonaro sobre os investidores. Os discursos irresponsáveis de Bolsonaro no dia 7 de setembro somam-se, no cenário montado pelo mercado financeiro, às projeções cada vez menores para o crescimento da economia neste e no próximo ano e às projeções crescentes para a inflação.

Há, como observou o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista ao Estado, “um casamento da crise econômica com a da política”. Elas se alimentam.

As seguidas e cada vez mais estridentes ameaças de Bolsonaro às instituições podem inviabilizar o avanço das reformas. Embora tímidos diante das dimensões dos problemas, e às vezes contraditórios entre si, os projetos de reforma, se progredissem no Congresso, dariam um sinal positivo, alentador, para a sociedade num momento de temores e insegurança. É pouco provável que, com a escalada golpista do discurso bolsonarista, o Congresso possa se concentrar no debate de temas complexos e de impactos variados sobre a sociedade e sobre a economia.

À procura de inimigos inexistentes, mas necessários para a sustentação do discurso de discórdia e ódio com o qual tenta manter uma popularidade cada vez mais corroída por sua própria incompetência, o presidente da República não governa. Nunca governou desde que tomou posse em 2019. A agudização dos problemas, muitas vezes em razão da incapacidade do governo federal, torna o quadro especialmente grave.

Decerto não se pode inculpar as autoridades federais pela alta das commodities agrícolas e energéticas no mercado internacional, o que vem se traduzindo na alta da inflação. Mas o descaso do governo com a situação das pessoas em geral, dos trabalhadores, com a vida empresarial, tem muito a ver com o agravamento de muitas das dificuldades em que o País está metido.

O governo demorou para reagir à crise hídrica e, quando o fez, mostrou timidez. Não demonstrou nenhuma preocupação com as altas taxas de desocupação e com a má qualidade dos empregos. Sua incapacidade de montar uma proposta de Orçamento minimamente confiável e exequível é apenas o atestado de despreparo para fazer aquilo que é de sua exclusiva competência.

Poderia ter sido diferente?

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em13 de setembro de 2021 | 03h00


Visão estratégica para o futuro da energia elétrica dominadora da geopolítica mundial

Por Luiz Raimundo Carneiro de Azevedo

A Energia sempre controlou a humanidade, o ponto singular de inflexão foi a invenção da máquina a vapor que propiciou a substituição do trabalho braçal de carregar coisas e fez possível movimentar locomotivas, navios e fabricas.

Logo depois surgiu o petróleo, combustível fóssil produtor de energia mais eficiente. Os Estados Unidos da América inventaram o Petrodólar como um bom substituto do lastro em ouro da sua moeda, incentivando os “amigos” da Arabia Saudita a vender seus barris de petróleo em dólar americano e, com isso, criando as condições de domínio geopolítico.

Todo o mundo passou a comprar dólar para garantir o seu petróleo; combustível fóssil para a movimentação de pessoas, cargas e termoelétricas. 

O domínio da geopolítica fincou nisso suas raízes. Mesmo com o avanço da China, ninguém comprara, por longo tempo, petróleo em YUAN (moeda chinesa), na qual não se tem a mesma confiança do tigre de papel, o dólar do dizer do De Gaulle.

Nos próximos dez anos a energia será predominantemente a elétrica a causa das temidas mudanças climáticas, o domínio de sua geração por matriz minimamente poluente, o armazenamento, a estocagem e a distribuição desta mudara a geopolítica mundial.

O Nordeste das energias limpas deverá se preparar para ser utilizador e exportador de energia na esteira da produção eletrolítica do Hidrogênio Verde. Na sua plenitude, a energia elétrica inteligente e autônoma será uma commodity de expressivo valor, o que aumentará a chance de desenvolvimento sustentado da nossa região.

No mundo do 5G e demais G, a inteligência artificial e a Internet das Coisas serão primordiais para a integração inteligente e racional; plantas solares e geradores eólicos e seus excedentes serão induzidos ao grid da eletricidade dando um harmonioso colorido ,muito tendente ao verde ,a essa transição energética zero carbono.

Avanços nas nanotecnologias como a patenteada pela startup NDB-Nano Diamond Battery, propõem a incorporar nano partículas extraídas do lixo atômico e introduzidas em diamantes sintéticos, e assim criar microbaterias de uso quase temporalmente ilimitado por mais de 10 mil anos. Olha aí poeta Raul Seixas

Tecnologias sempre gerando novas tecnologias. No entanto é preciso, forçosamente necessário, criar o capital humano qualificado e fundamental para nossa independência. 

Unam-se Governos, Universidades e Indústrias para tal mister.

Vivo num tempo que supera os dos meus gibis de Flash Gordon e me leva a reler Arthur Clark e Azimow.

Saiamos dessa zona de conforto atual para produzirmos junto com eles o melhor futuro para nossos netos e bisnetos.

Luiz Raimundo Carneiro de Azevedo, o autor deste artigo, é engenheiro civil, consultor da Universidade Ceuma e curioso.