terça-feira, 31 de agosto de 2021

Ultradireita alemã: pequena nas urnas, gigante nas redes sociais

Mesmo estagnada em intenções de voto no mundo "offline", AfD monopoliza engajamentos nas redes, enquanto siglas tradicionais patinam na área. Seu trunfo: declarações ultrajantes e incentivos do algoritmo do Facebook.

Algoritmos do Facebook favorecem mensagens incendiárias da AfD

Clique, curta e compartilhe: as redes sociais são a espinha dorsal da estratégia de campanha do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) desde 2013. E o alcance da legenda nessa área só aumentou desde então.

Nas redes alemãs, a política parece existir de forma invertida: partidos de massa no mundo "offline", como a União Democrata-Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, são nanicos. Já a AfD, que não participa de nenhum governo estadual e cuja bancada no Parlamento não tem poder para frear iniciativas governamentais, mantém uma influência desproporcional nas redes. 

Em 2021, a apenas um mês das eleições federais de setembro e que vão decidir a sucessão de Merkel, a AfD aparece empacada com entre 10% e 11% das intenções de voto - percentual similar ao que o partido conquistou no pleito de 2017.

Mas quem olhar para plataformas como Facebook, Instagram e YouTube pode ter a impressão que o partido é muito maior.

O tamanho da AfD nas redes

Analisando as estatísticas de perfis nas redes sociais de figuras da classe política alemã entre 12 e 15 de agosto, nota-se que Alice Weidel, vice-presidente do partido e colíder da bancada da AfD no Parlamento, é de longe a política alemã com mais interações online.

Mesmo que ela não tenha, de acordo com pesquisas, chance de se tornar a próxima chanceler federal, os vídeos de Weidel foram vistos 4,9 milhões de vezes nesse período de quatro dias. O número de comentários, curtidas e compartilhamentos supera qualquer coisa publicada por outros políticos. Tal engajamento nas redes é precioso no mundo das redes, já que implica que os usuários se identificam tanto com o conteúdo a ponto de disseminá-lo ainda mais.

A deputada de ultradireita Alice Weidel. Ela consegue mais engajamentos que outros políticos alemães

A AfD tem oficialmente 32 mil filiados na Alemanha. A tradicional CDU tem muito mais: 430 mil, com idade média de 59 anos, a mesma do candidato do partido à chancelaria, Armin Laschet, que espera ser o sucessor de Merkel.

Nas redes sociais, o desempenho de Laschet é pífio em comparação a Weidel, de 42 anos. Seu burocrático slogan de campanha "A proteção inteligente do clima é uma tarefa transversal" só mobilizou alguns poucos usuários, acumulando não mais do que algumas centenas de likes, compartilhamentos e comentários (muitas vezes com tom negativo) no Twitter e Facebook. No período entre 12 e 15 de agosto, os vídeos de Laschet acumularam apenas 320 mil visualizações.

Facebook: a meca da AfD

Em entrevista à DW, Marcus Schmidt, assessor de imprensa do grupo parlamentar da AfD, admite: "Sem o Facebook, não acredito que a AfD pudesse ter se tornado um sucesso tão rapidamente."

Usar o Facebook como um canal para seus apoiadores permite que a AfD contorne os meios de comunicação tradicionais e espalhe suas mensagens diretamente - mensagens muitas vezes abertamente racistas, nacionalistas e repletas de fake news.

O Facebook continua sendo a plataforma de engajamento mais importante da AfD. Cerca de 84% das interações de Alice Weidel nas redes sociais foram registradas nessa plataforma.

Embora o Partido Verde e especialmente o Partido Liberal-Democrata - chefiado por Christian Lindner, que tem experiência em redes sociais - tenham intensificado seus esforços nas mídias, Weidel ainda aparece bem à frente de todos os seus concorrentes em interações totais.

Mensagens incendiárias

Fundada em 2013, como uma sigla majoritariamente eurocética moderada que contava com vários liberais, a AfD rapidamente se converteu de maneira veloz em um agrupamento ultranacionalista e anti-imigração entre 2014 e 2015. Como resultado, vários fundadores deixaram a sigla, afirmando que o partido havia se tornado um veículo "iliberal", que se distanciou do seu propósito original.

Hoje, a AfD é um guarda-chuva para diferentes grupos de ultradireita, como ultraconservadores, fundamentalistas cristãos e ultranacionalistas. Muitos membros também são acusados regularmente de nutrir simpatias pelo nazismo.

Postagens bem-sucedidas da AfD nas redes buscam despertar emoções: alimentando o medo em relação aos imigrantes, ao crime e à queda na mobilidade social, enquanto tentam atiçar raiva contra a chanceler federal Merkel e as "elites" do país. Publicações vívidas e provocativas e bordões emocionais são fundamentais para a estratégia de mídia social dos ultradireitistas.

Weidel, por exemplo, usou com sucesso recentemente a expressão "república das bananas" ao falar sobre as recentes enchentes devastadoras na Alemanha. "Os que estão no poder deixaram a Alemanha se degenerar em uma república das bananas, na qual os cidadãos não podem ser alertados e protegidos contra desastres", disse ela.

Várias postagens semelhantes viralizaram com a mesma intensidade.

Notícias falsas e desinformação têm sido parte integrante das campanhas da AfD desde o início. Às vezes, políticos da sigla lançam boatos de que Merkel furou seu período de quarentena (algo que ela não fez), em outras oportunidades, colocam falas na boca de adversários políticos. 

Tudo que importava é a atenção. Em outros casos, a AfD mantém relações estreitas com youtubers de extrema direita. Em novembro, deputados do partido foram acusados de autorizar a entrada de algumas figuras dessa cena na internet no prédio do Parlamento, em Berlim. Na ocasião, os youtubers ofenderam e abordaram de maneira agressiva políticos de outras siglas - e tudo foi transmitido. 

O chefe da equipe de mídia social do grupo parlamentar da AfD, Mario Hau, nega que a sigla dissemine material falso ou calunioso. "Fazemos tudo isso com base em, por exemplo, dados e pesquisas. Não produzimos notícias falsas."

O efeito bola de neve de provocações planejadas

A forma como as redes sociais funcionam garante que a AfD receba o máximo de atenção, de acordo com Felix Kartte, conselheiro da Reset Tech, uma organização sem fins lucrativos que defende a regulamentação das mídias sociais.

Emocionais, ousadas, radicais e vigorosas - são essas as postagens que atraem comentários, são compartilhadas e influenciam os algoritmos, explica Kartte.

"As plataformas oferecem aos comentários mais extremos uma vantagem sistêmica porque seus algoritmos e sistemas de recomendação são configurados para privilegiar esse tipo de conteúdo, já que ele é mais envolvente", diz Kartte. Isso faz com que opiniões controversas ou incendiárias acabem sendo super-representadas nas redes sociais. E os partidos populistas podem usar isso a seu favor, mesmo que tenham pouco apoio dos eleitores nas urnas.

A deputada da AfD Beatrix von Storch e o presidente Jair Bolsonaro. Ultradireitistas sabem explorar as redes

Um documento interno de estratégia do partido AfD para a campanha das eleições gerais de 2017 deixou claro qual é a estratégia do partido. O memorando pedia que os candidatos da sigla e apoiadores fizessem "provocações cuidadosamente planejadas" como meio de gerar manchetes e chamar a atenção dos eleitores. Até mesmo a reação negativa e críticas de adversários às provocações são encaradas como ativos pelo partido.

"Quanto mais eles tentam estigmatizar a AfD por causa de palavras provocativas ou ações, melhor para o perfil da AfD. Ninguém dá à AfD mais credibilidade do que nossos adversários políticos", apontava o documento.

E a produção de declarações ultrajantes que reverberam não só nas redes sociais como na imprensa tradicional é uma especialidade da AfD.

Em 2017, o atual colíder da bancada da AfD no Parlamento Alexander Gauland disse que os alemães deveriam ter orgulho dos soldados que lutaram nas duas guerras mundiais. Em 2016, ele já havia provocado indignação ao ofender o zagueiro da seleção alemã Jérôme Boateng, que tem origem africana, afirmando que nenhum alemão gostaria de ter "como vizinho" alguém como o jogador.

Em janeiro de 2017, Björn Höcke, deputado da AfD no parlamento estadual da Turíngia, chamou o Memorial do Holocausto em Berlim de "monumento da vergonha". Höcke também é autor de um livro que encampa teorias conspiratórias populares na extrema direita, como a chamada "grande troca populacional", que sustenta que governos europeus, com a cooperação das "elites", conspiram para trocar a população branca por imigrantes muçulmanos ou africanos.

Juan Carlos Medina Serrano, cientista político da Universidade de Munique que estuda a estratégia de mídia social da AfD há vários anos, afirma que a sigla é adepta de projetar conteúdo polarizador para se tornar viral: "Outros partidos não produzem esse tipo de conteúdo agressivo. Portanto, suas mensagens são menos compartilháveis."

Moldado para se tornar viral

Medina Serrano vê semelhanças com o caso da AfD e o uso bem-sucedido das mídias sociais pelo ex-presidente americano Donald Trump - mas também uma diferença importante. Enquanto a campanha presidencial de Trump em 2016 usou uma grande quantidade de publicidade paga - a AfD quase não recorre a esse tipo de estratégia. Em vez disso, depende de conteúdo orgânico.

Publicações da AfD nas redes. Mensagens provocativas, ataques e fake news

A AfD também usa "uma narrativa de 'não estamos tendo tempo suficiente na mídia, então nos apoie nas redes sociais'", explica Medina Serrano. Essa narrativa ajuda o partido a se posicionar como um outsider antiestablishment e incentiva os eleitores em potencial a obter informações diretamente com a AfD.

Os seguidores também são repetidamente instados a compartilhar o conteúdo para aumentar o alcance do partido, prossegue Medina Serrano. Os políticos e funcionários do partido incentivam um "envolvimento constante com sua comunidade", respondendo constantemente aos comentários dos usuários.

Por outro lado, Serrano também aponta que a AfD é adepta do uso de robôs.

Antes da eleição para o Parlamento Europeu em 2019, checadores da emissora pública alemã ARD identificaram várias contas recém-criadas no Twitter, que mostravam fotos de mulheres jovens que interagiam com outros perfis semelhantes e retuitavam o conteúdo umas das outras. Um exemplo foi o caso de "Beate", cujo perfil inicialmente pertencia a uma página russa de dicas de beleza e que passou por um processo de metamorfose para se tornar uma ultradireitista. Sua conta conseguiu mil seguidores em um mês - incluindo vários membros do bloco parlamentar da AfD e outros perfis de mulheres jovens com sinais de serem robôs.

O uso de tais contas falsas é difícil de quantificar ou provar, admite Medina Serrano.

Campanha do "Velho Oeste"

As empresas de mídia social têm algumas regras antidiscurso de ódio para suas plataformas, que chegaram a causar alguns problemas para a AfD no passado.

A deputada Beatrix von Storch, uma figura influente do partido, se tornou uma das primeiras a ser sancionadas por leis contra discurso de ódio nas redes sociais em janeiro de 2018, quando sua conta no Twitter chegou a ser bloqueada temporariamente por causa de um tuíte racista.

Regras de campanha na Alemanha foram desenhadas para o mundo "offline". Redes são o "velho oeste", segundo especialistas

Recentemente, ela se encontrou com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, outra figura que ganhou projeção nacional graças a uma mistura de declarações ultrajantes e preconceituosas e uma atuação agressiva nas redes sociais - também suspeita de usar ferramentas irregulares de impulsionamento e robôs. Tal como Bolsonaro, Von Storch vem divulgando mensagens contra o que chama de "censura" contra "conservadores" nas redes sociais pelas plataformas.

Mas mesmo o caso da sanção contra Von Storch foi raro na Alemanha.

No mundo "offline", a Alemanha tem regras e restrições rígidas para a campanha eleitoral, como limitar o tempo que os outdoors da campanha podem ficar nas ruas ou restringir os horários dos anúncios da campanha na TV. Mas não há equivalente na campanha online, que permanece pouco regulamentada.

A campanha de mídia social é "basicamente o Velho Oeste", destaca Felix Kartte, "E isso beneficia a AfD."

A AfD também rejeita apelos para selar um compromisso voluntário de todos os partidos para executar uma campanha eleitoral justa e transparente. Em entrevista à DW, o porta-voz do grupo parlamentar da AfD, Marcus Schmidt, classifica as iniciativas com um mero "show" para desacreditar seu partido.

Em vista da crescente importância das mídias sociais, uma aliança civil de associações e iniciativas da Alemanha está pedindo um comprometimento voluntário dos partidos políticos com campanhas eleitorais justas e transparentes na internet. Mensagens políticas pagas teriam que conter um aviso claro. E os comentários de ódio nas postagens devem ser excluídos pelos partidos.

Para Kartte, o espaço desproporcional conquistado pela AfD pelas plataformas de mídia social representa um perigo para a democracia.

Deutsche Welle Brasil, em 30.08.2021

Entidades do agronegócio divulgam manifesto em defesa da democracia

Texto afirma que Brasil precisa de "paz e tranquilidade" e valoriza "alternância de poder em eleições legítimas e frequentes". Meio empresarial articula outro manifesto para ser divulgado após feriado de 7 de setembro.

Iniciativa tomou corpo após investidas crescentes de Bolsonaro contra urnas eletrônicas e instituições como o STF

Sete entidades que representam o agronegócio no Brasil divulgaram nesta segunda-feira (30/08) um manifesto no qual expressam preocupação com os "atuais desafios à harmonia político-institucional" no país e possíveis reflexos na estabilidade econômica e social, e reforçam a importância do Estado democrático de direito.

"Somos responsáveis pela geração de milhões de empregos, por forte participação na balança comercial e como base arrecadatória expressiva de tributos públicos. Assim, em nome de nossos setores, cumprimos o dever de nos juntar a muitas outras vozes responsáveis, em chamamento a que nossas lideranças se mostrem à altura do Brasil e de sua história agora prestes a celebrar o bicentenário da independência", afirma o texto.

"A Constituição de 1988 definiu o Estado democrático de direito no âmbito do qual escolhemos viver e construir o Brasil com que sonhamos. Mais de três décadas de trajetória democrática, não sem percalços ou frustrações, porém também repleta de conquistas e avanços dos quais podemos nos orgulhar. Mais de três décadas de liberdade e pluralismo, com alternância de poder em eleições legítimas e frequentes", escrevem as entidades.

O manifesto é assinado pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) e Croplife Brasil.

Outros setores elaboram segundo manifesto

A iniciativa ocorre em meio a articulações no meio empresarial para tornar públicos posicionamentos críticos sobre o governo Jair Bolsonaro, após investidas crescentes do presidente e de seu entorno contra a legitimidade das urnas eletrônicas e contra instituições como o Supremo Tribunal Federal, além de ameaças às eleições de 2022.

A Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) também preparam um manifesto em favor da democracia, mas adiaram a divulgação após o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, vinculados ao governo federal, afirmarem que deixariam a Febraban se ela apoiasse o documento.

Esse segundo manifesto deve ser divulgado após o feriado de 7 de setembro, Dia da Independência, quando são esperados atos a favor e contra o governo em diversas capitais do país.

Em 20 de agosto, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis, do deputado federal bolsonarista Otoni de Paula (PSC-RJ) e de outras oito pessoas investigadas por incitar atos contra a democracia e o Estado de direito, supostamente vinculados aos atos em 7 de setembro.

"Paz e tranquilidade"

O texto divulgado pelas entidades do agronegócio nesta segunda-feira afirma que o desenvolvimento econômico e social do Brasil depende de "paz e tranquilidade" para seguir avançando na construção de uma nação "que reconhece a maioria sem ignorar as minorias, que acolhe e fomenta a diversidade, que viceja no confronto respeitoso entre ideias que se antepõem, sem qualquer tipo de violência entre pessoas ou grupos".

"Somos uma das maiores economias do planeta, um dos países mais importantes do mundo, sob qualquer aspecto, e não nos podemos apresentar à comunidade das nações como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais. O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter", escrevem os signatários.

"As amplas cadeias produtivas e setores econômicos que representamos precisam de estabilidade, de segurança jurídica, de harmonia, enfim, para poder trabalhar. Em uma palavra, é de liberdade que precisamos — para empreender, gerar e compartilhar riqueza, para contratar e comercializar, no Brasil e no exterior. É o Estado democrático de direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará", afirma o texto.

Deutsche Welle Brasil, em 30.08.2021

Anni Horribiles

Por José Sarney

Na História da Humanidade passamos por períodos bons e períodos maus. A própria Terra atravessou transformações gigantescas até sua formação atual, que continua e continuará até que, nas previsões atuais, o Sol esquente até se tornar uma gigante vermelha em cinco bilhões de anos, se esfrie — e ninguém ainda chegou à conclusão do que então acontecerá com ela, Terra, talvez seja simplesmente absorvida pela estrela.

Do mesmo modo os continentes sofrem transformações geográficas e são vítimas do mundo cão, com a infinidade de furacões e terremotos, que, apesar de exaustivas e intensas pesquisas, somos impotentes em evitar. Mas não nos acostumamos com eles, que continuam a provocar catástrofes enquanto nos amedrontamos com palavras como “tsunami”.

Os países também sofrem seus anos de baixo e alto astral. Na Inglaterra, em 1992, no desespero das guerras dos tabloides sobre a família real, que sofria muitos ataques e problemas, tendo por carro-chefe os escândalos em torno da Princesa Diana, a rainha Elizabeth chamou aquele de annus horribilis.

Agora o mundo pode dizer a mesma coisa com a epidemia do Coronavirus. O Brasil, que, como outros países, sofre a surpresa da epidemia, enfrenta uma série de crises de natureza política — em estado de desintegração com vazio de lideranças —, de natureza econômica — com a inflação em alta, o mesmo com os juros —, e agora, para aguçar nossas desgraças, surge o fantasma da crise da energia e da falta de água nas grandes cidades. Os reservatórios estão vazios e atravessamos uma seca que atinge nosso território continental, com agravamento das queimadas em todo o País e a incapacidade de conjurar essa catástrofe ecológica.

Não há dúvida de que estamos vivendo um período de aquecimento da Terra, com os dados já existentes do aumento de um grau desde a Revolução Industrial, com a maior frequência de fenômenos como El Niño — o aquecimento das águas dos oceanos em determinadas regiões do Pacífico, com reflexos mundiais, mas em especial na América do Sul. Exacerbam-se enchentes e secas. Até o Rio Grande do Sul, há cinco anos, enfrenta um regime de invernos irregulares com consequências na lavoura e na economia.É com sentimento de tristeza que vemos se repetir o desastre no Pantanal, que, no ano passado, teve um terço do seu território queimado — metade em áreas ocupadas pelo homem —, já perdeu três quartos da sua superfície de água e talvez não tenha capacidade de sobreviver. Na Amazônia vemos também se repetirem os picos de destruição. Vemos o restinho — 12% — que sobrevive da Mata Atlântica ser atingido de maneira recorde. Os produtores deviam perceber o prejuízo das queimadas para as safras e para a reputação de nossa agricultura e ajudar a combatê-las.

E agora não temos medidas de prevenção da crise hídrica, aumentando o risco de apagão elétrico e desabastecimento d’água nas cidades. Era só o que nos faltava.

Ainda bem que não temos família real.

José Sarney, o autor deste artigo, foi Governador do Maranhão e Presidente da República. Publicado originalmente n'O Estado do Maranhão, em 29.08.2021

EUA veem com preocupação democracia brasileira mas consideram que Forças Armadas não participariam de golpe

Quando o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, e o Assessor Especial do presidente americano Joe Biden, Juan González, entraram no gabinete de Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, no último dia 5, não esperavam uma conversa de melhores amigos. 

Mas o que encontraram foi descrito à BBC News Brasil como "nonsense" e "tenso" por oficiais americanos.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro cumprimenta o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, no Palácio do Planalto (Reprodução / Embaixada dos Estados Unidos no Brasil)

Do encontro sobraram não só uma foto de um aperto de mão de Sullivan, de máscara, e Bolsonaro, sem máscara e oficialmente não vacinado, mas também uma preocupação dos americanos com a saúde da democracia brasileira, diante das alegações sem provas do presidente brasileiro de fraude eleitoral nas urnas eletrônicas.

Originalmente, a agenda dos enviados de Biden ao Brasil não teria a democracia brasileira como destaque principal.

A pauta deles incluía oferecer ao país o status de parceiro global da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), condição que dará acesso ao Brasil à compra de equipamentos de guerra de última linha, além de sessões de treinamento militares com os americanos em bases nos EUA.

Por outro lado, a missão americana pretendia pressionar o Brasil a estabelecer — e cumprir — metas de redução de desmatamento ambiciosas e dissuadir o Brasil de usar equipamentos da gigante chinesa de telecomunicações Huawei em sua rede 5G — um dos argumentos dos americanos foi, inclusive, o de que a empresa poderia não entregar os materiais contratados pelo governo Bolsonaro por crise de matérias-primas.

A conversa, no entanto, saiu do script normal com insinuações de Bolsonaro de que o pleito americano de 2020 havia sido roubado — o que faria de Joe Biden um presidente ilegítimo.

A administração Biden sempre esteve ciente de que Bolsonaro defendia publicamente as falsas alegações de Trump sobre as eleições. O republicano fazia múltiplas acusações ao sistema eleitoral dos EUA, questionando tanto aos votos de papel quanto àqueles depositados em urna eletrônica, mesmo antes do dia da votação. Bolsonaro foi o último líder do G-20 a reconhecer a vitória de Biden.

O que os americanos não esperavam é que Bolsonaro dissesse tais coisas diante de Sullivan e Gonzalez, ambos altos representantes do governo a serviço dos democratas há anos.

Segundo autoridades com conhecimento dos fatos, ambos ouviram o suficiente para deixar o encontro preocupados com a democracia no Brasil. Sullivan foi às redes sociais enunciar que a "gestão Biden defende um hemisfério seguro e democrático".

Juan Gonzalez apontou paralelos entre comportamentos de Trump e Bolsonaro (Alan Santos / Presidência da República)

Já Juan Gonzalez fez uma coletiva de imprensa sobre a viagem para Brasil e Argentina na qual falou, na maior parte do tempo, da democracia brasileira. "Fomos muito diretos em expressar nossa confiança na capacidade de as instituições brasileiras conduzirem uma eleição livre e limpa e enfatizamos a importância de não ser minada a confiança no processo de eleições, especialmente porque não há indício de fraude nas eleições passadas", disse Gonzalez, sobre o teor da conversa com Bolsonaro.

A Cartilha Trump

Dentro do governo americano, tanto no Executivo quanto no Congresso, tem ganhado força a percepção de que Bolsonaro segue estritamente a cartilha que Trump adotou ao tentar se perpetuar no poder: denunciar fraudes sem prova, antes mesmo do pleito ocorrer, e criar descrença em parte do eleitorado sobre o processo eleitoral, a ponto de levar a cenas como a invasão do Capitólio por apoiadores, em 6 de janeiro.

A diplomacia de Biden não deixou de notar, por exemplo, o interesse do ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, nas eleições de 2022, no Brasil.

O próprio Gonzalez foi explícito sobre o assunto. "Fomos sinceros sobre nossa posição, especialmente em vista dos paralelos em relação à tentativa de invalidar as eleições antes do tempo, algo que, é óbvio, tem um paralelo com o que aconteceu nos Estados Unidos."

Em Washington, a percepção é de que a imagem de Bolsonaro sofreu um abalo significativo como um possível interlocutor após a visita.

"Acho que o governo Biden, especialmente depois dessa reunião em Brasília, vê Bolsonaro como uma figura errática, ou pelo menos como alguém que age de uma forma muito excêntrica e difícil de prever. Ele diz coisas que parecem ir contra seu próprio interesse nacional. Por que ele iria querer brigar com o novo governo dos EUA dizendo que a eleição (americana) foi fraudada? Dá pra entender o porquê Trump faz isso, já que ele quer disputar a presidência de novo e fazer disso um tema, mas para um líder estrangeiro dizer esse tipo de coisa é, no mínimo, estranho", afirma Melvyn Levitsky, ex-secretário executivo do Departamento de Estado e embaixador no Brasil entre 1994-1998.

Militares longe do golpe

Levitsky, que hoje é professor de políticas internacionais da Universidade de Michigan, afirma que nessa situação, os americanos vão jogar (quase) parados, sem qualquer ação que possa soar como interferência nas eleições brasileiras.

Bolsonaro em cerimônia militar de 2018: EUA não veem como provável a possibilidade de que as Forças Armadas embarquem em uma eventual aventura golpista do presidente. (Reuters)

E isso também porque a diplomacia americana não vê como provável a possibilidade de que as Forças Armadas embarquem em uma eventual aventura golpista de Bolsonaro. Reservadamente, autoridades dos EUA citaram as ações recentes do ex-comandante do Exército, o general Edson Pujol, e de seu atual líder, o general Paulo Sérgio de Oliveira, como sinais de anteparos ao presidente no uso político das forças armadas. Em discurso no dia do soldado, Oliveira afirmou que o Exército quer ser respeitado "nacional e internacionalmente" e tem "compromisso com os valores mais nobres da Pátria e com a sociedade brasileira em seus anseios de tranquilidade, estabilidade e desenvolvimento".

"Eu conhecia muito bem os militares brasileiros. E embora faça algum tempo que não fale com eles, meu senso é de que os militares estavam muito subordinados ao governo civil e eu não acho que isso mudou. Não acho que os militares queiram entrar de vez na política. Seria devastador para eles fazer isso. E se isso acontecesse, seria devastador para as relações entre Brasil e Estados Unidos também", afirma Levitsky.

É essa percepção que explica, em parte, porque os americanos não viram problemas em oferecer ao Brasil uma posição como parceiro global na Otan que fortalece diretamente o Exército brasileiro. Se avaliasse haver tendência golpista nas forças, esse não teria sido um caminho para Biden, asseguram os diplomatas. Além disso, nem todos os parceiros globais da Otan são países de democracia perfeita — a Turquia, por exemplo, é tido como um deles.

Por fim, para os militares brasileiros a possibilidade de acessar contratos de vendas de armamento de ponta e participar em treinamentos com os americanos é algo de que eles provavelmente não estariam dispostos a abrir mão em troca da tentativa de um golpe ao lado de Bolsonaro. É o que argumenta Ryan Berg, cientista-político especialista em regimes autoritários na América Latina do Centro de Estratégias e Estudos Internacionais (CSIS, na sigla em inglês).

"A visão do governo dos EUA é que, embora os movimentos de Bolsonaro sejam muito preocupantes, com desfile de tanques pelas ruas de Brasília e atos para desacreditar as eleições, ainda assim o Congresso rejeitou o voto impresso e isso, para o governo dos Estados Unidos, indica que as instituições do Brasil são mais fortes do que algumas pessoas gostam de dizer. O governo dos EUA tem muita confiança que os militares brasileiros não ficariam do lado do Bolsonaro se ele tentasse cometer algum tipo de autogolpe, como vimos com Trump, na invasão do Capitólio em 6 de janeiro", afirma Ryan Berg.

O futuro das relações EUA-Brasil

Cúpula do clima organizada por Joe Biden, em abril, da qual Bolsonaro participou (Reuters)

É consenso entre diplomatas e especialistas internacionais americanos que os EUA não podem e nem querem virar as costas para o Brasil. Primeiro porque o país, com suas florestas tropicais, é visto como chave para avançar no combate ao aquecimento global, pauta prioritária do governo Biden.

Segundo, porque a China tenta ganhar espaço na América Latina a passos largos, e os americanos não estão dispostos a ceder, ao principal rival, espaço de influência na segunda maior democracia do continente — ainda mais com a disputa do 5G a pleno vapor.

E terceiro, porque, em que pesem as ações de Bolsonaro sobre a democracia brasileira ou sobre o meio ambiente, seu governo promoveu um alinhamento ideológico com os Estados Unidos no continente, adotando tom duro contra Venezuela e Cuba, algo bastante valorizado no Departamento de Estado.

No entanto, dada a percepção de que "Bolsonaro não é um líder plenamente confiável", como afirma Levitsky, os próximos movimentos na relação dependerão de seu governo. E a diplomacia americana diz que não vai se furtar da possibilidade de se engajar com outros atores políticos, em diferentes níveis de poder e sem a intermediação do Executivo federal, para fazer avançar sua agenda.

Foi exatamente o que fez, há um mês, o Enviado Climático de Biden, John Kerry. Diante de promessas não cumpridas e do mal-estar que representava a presença do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que os americanos veem como envolvido em um possível esquema de tráfico ilegal de madeira amazônica para os EUA, Kerry driblou Brasília e se reuniu por uma hora e meia com os governadores do Fórum de Governadores, que inclui quase todos os Estados.

Na semana seguinte, Jake Sullivan não esteve apenas no Palácio do Planalto, mas fez também uma reunião com governadores do Consórcio da Amazônia Legal.

"Há uma percepção dos EUA de que o governo federal infelizmente não vai avançar muito na questão do desmatamento. Então falar com os governadores não chega a ser uma exclusão do governo federal, mas uma forma de jogar nas duas vias", afirmou à BBC News Brasil o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), que esteve no encontro com Kerry.

Depois de três meses sem encontros com a equipe de Kerry, na última semana, técnicos do Ministério do Meio Ambiente e representantes do Itamaraty retomaram conversas com os americanos. Isso acontece a menos de três meses da Conferência do Clima, em Glasgow, na Escócia, encarada pelos americanos como a última grande oportunidade para que o governo Bolsonaro mostre algum avanço na agenda ambiental.

Consultado pela BBC News Brasil, o Departamento de Estado afirmou, por meio de um porta-voz, que "esperamos ver progressos adicionais à medida que o Brasil avança para combater o desmatamento ilegal e reduzir suas emissões de gases do efeito estufa, em linha com os compromissos assumidos pelo presidente Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima realizada em abril".

O Itamaraty defende que as metas de redução de desmatamento (que deve ser zerado até 2030) e de emissões (zero até 2050) são as mais ambiciosas entre os países em desenvolvimento. Reservadamente, no entanto, diplomatas envolvidos nas negociações com os americanos reconhecem "dificuldades internas do governo" para entregar reduções expressivas no desmatamento ainda em 2021. Dados do INPE mostram que o acumulado de desmatamento entre janeiro e julho deste ano é o maior desde 2016.

Para o embaixador Levitsky, até a eleição do próximo ano, EUA e Brasil devem levar uma relação "em banho-maria". De um lado, os americanos não demonstram grandes expectativas de novos compromissos de Bolsonaro, a quem veem majoritariamente voltado à agenda eleitoral doméstica.

Por outro, preferem ver quem assumirá o país pelos quatro anos seguintes para tentar implementar qualquer ação fora das relações rotineiras. E já avisaram a Bolsonaro que reconhecerão como presidente quem quer que a Justiça Eleitoral aponte como vencedor do pleito em outubro de 2022.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, da BBC News Brasil em Washington, DC, em 30 agosto de 2021

Intervenção armada é crime inafiançável e imprescritível

 


terça-feira, 24 de agosto de 2021

Brasil perdeu 15% das áreas de água doce em três décadas

Pantanal foi bioma que mais viu água desaparecer da superfície, seguido por Caatinga e Amazônia. Desmatamento, barragens, hidrelétricas e mudanças climáticas são apontados como causas para o rápido fenômeno.    

Imagem aérea mostra danos causados por incêndios no Pantanal em setembro de 2020

"O Pantanal está morrendo": imagem mostra danos causados por incêndios no Pantanal em setembro de 2020

O baixo nível atual dos reservatórios que mergulhou o Brasil numa crise hídrica não parece ser um fato isolado. Em todo o país, a água doce disponível para consumo vem desaparecendo da superfície num ritmo assustador: 15,7% dela foram perdidos nos últimos 35 anos. Foram 31 mil km² de área inundada que evaporaram definitivamente nesse período – como se todo o Sistema Cantareira, que abastece a região metropolitana de São Paulo, tivesse sido esvaziado 16 vezes.

O cálculo faz parte de uma iniciativa inédita do MapBiomas, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, e disponibilizado numa plataforma online gratuita a partir desta segunda-feira (23/08). A análise da série histórica foi feita por meio de imagens de satélites obtidas a partir de 1985, ano em que começaram a ser registradas.

A tendência de queda de água superficial foi registrada em todos os seis biomas do país. O mais afetado foi o Pantanal, a maior planície inundável do planeta. De 1985 a 2020, o decréscimo foi de 68%.

"São dados alarmantes. É um sinal de que o Pantanal está secando como um todo, que ele está morrendo. Uma área úmida sem água perde seu principal atributo ecológico", avalia Cássio Bernadino, coordenador de projetos do WWF-Brasil que participou do levantamento.

Jacaré morto em área seca no Pantanal, em setembro de 2020

A região com o rio mais volumoso do planeta, a Amazônia, também não passou incólume pelo fenômeno. No período analisado, a redução observada foi de 10,4%. "Isso é uma enormidade para a maior bacia hidrográfica do mundo", ressalta Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.

A água doce que escorre para o oceano não tem voltado para abastecer o continente em forma de chuvas.

Colapso da máquina natural de chuva

A análise evidenciou o impacto do corte das árvores na Amazônia na própria região. Onde a mata nativa some, o entorno fica mais seco. Uma demonstração vem da zona conhecida como arco do desmatamento, por onde a devastação histórica avança mais rápido sobre a floresta. É nessa fronteira agrícola que propriedades rurais estão construindo reservatórios descontroladamente.

"O sujeito está na bacia Amazônica, a maior do país, e a água não dá mais conta, ele precisa fazer reservatório para o período de seca. São mais de 50 mil reservatórios, a grande maioria irregular, algo que, até então, não aparecia nos mapas", diz Azevedo sobre uma das descobertas do levantamento. 

Toda essa situação provoca uma série de impactos graves em cadeia. Como esses reservatórios estão localizados nas cabeceiras dos rios, há menos água escoando para os cursos dos rios e para onde está a floresta. Isso desregula de forma preocupante o funcionamento da máquina natural de produção de chuvas que é a Amazônia.

"Já temos menos árvores bombeando água para a atmosfera [por causa do desmatamento] e menos água chegando até as árvores. Menos água sendo bombeada significa menos chuva", detalha Azevedo.

Os estragos dessa "quebra de produção" não se restringem à Amazônia. Como é de lá que partem grandes fluxos de umidade para todo o continente, os chamados rios voadores, a diminuição das chuvas é sentida em vários pontos do país.

"Para evitar a piora, é preciso parar o desmatamento, e isso está na governança do Brasil. A primeira razão pra isso é para manter as chuvas, evitar as secas. É preciso recuperar floresta em larga escala para que ela recicle essa água", sugere Azevedo.

O único jeito de a água perdida voltar para o continente é pela chuva. Por isso o papel vital da floresta: ela funciona como uma enorme bomba que recicla a água do sistema.

Por que a água secou

Depois do Pantanal (68%), os biomas que mais secaram foram Caatinga (17,5%), Amazônia (10,4%), Mata Atlântica (1,4%), Cerrado (1,3%) e Pampa (0,5%).

Dentre os motivos apontados pelos pesquisadores para o cenário em todas essas regiões estão as mudanças climáticas, com períodos secos cada vez mais prolongados e os úmidos mais concentrados.

Um exemplo recente da Amazônia vem do rio Negro. A cheia extrema da última temporada, que atingiu o nível mais elevado medido nos últimos 120 anos, inundou a maioria dos 62 municípios do Amazonas e causou grandes prejuízos à região, já fortemente abalada pela pandemia.

Quando observado na série histórica, o Negro, por outro lado, tem perdido a sua potência. Os dados do MapBiomas mostram uma tendência de decréscimo de superfície de água em sua sub-bacia, com uma redução de mais de 3.600 km².

"Quando a chuva fica muito concentrada, até há cheias, como ocorreu no Amazonas, mas depois a seca é muito mais prolongada. As cheias não dão mais conta dos estragos provocados pelas secas. Com isso, tudo vai ficando cada vez mais seco", detalha Azevedo.

Além das mudanças climáticas, o desmatamento, a construção de barragens e de hidrelétricas, a poluição e superexploração dos recursos hídricos influenciam o panorama. Alguns casos observados indicam uma relação desproporcional entre fronteiras agrícolas e perda de água: quanto maior o avanço das grandes áreas de cultivos sobre a mata nativa, mais rápido o recurso hídrico some da superfície.

Nos últimos 15 anos, a expansão de grandes plantações ao longo do rio São Francisco provocou uma redução de 10% na água superficial. Na região do baixo São Francisco, próxima à foz, a intrusão marinha compromete o encontro do rio com o mar e a sobrevivência de comunidades ribeirinhas.

A água no planeta

Cerca de 97,5% da água na Terra estão no oceano. Da porção doce (2,5%), apenas 1% não está congelada nas geleiras ou no mar. 

A maior parte dessa água doce (90%) está no no subterrâneo. O que sobra em lagos e rios equivale a 0,1% de toda a água doce disponível do planeta. "É dessa pouca água que estamos perdendo", alerta Azevedo.

Deutsche Welle Brasil, em 24.08.2021

terça-feira, 17 de agosto de 2021

As instituições vão frear movimentação golpista de Bolsonaro?

Judiciário e parte do Congresso começam a agir contra retórica golpista do governo. Ministro da Defesa vai à Câmara prestar explicações após presidente e seu círculo defenderem Forças Armadas como "poder moderador.

Para Braga Netto, Augusto Heleno e Bolsonaro, militares devem agir em caso de crise entre poderes

As ameaças às eleições de 2022 e a defesa de que as Forças Armadas possam intervir em caso de conflito entre Executivo e Judiciário, temas frequentes na retórica do presidente Jair Bolsonaro e de seu entorno, foram abordadas em uma audiência nesta terça-feira (17/08) na Câmara com o ministro da Defesa, general da reserva Walter Braga Netto.

Braga Netto é um dos ministros que dão espaço a teorias que poderiam ser usadas para justificar uma ruptura democrática. Neste sábado, em discurso na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro, ele afirmou que uma das missões constitucionais das Forças Armadas seria assegurar "a harmonia entre os poderes" – algo não previsto na Constituição.

Outro ministro que compartilha essa tese é o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva Augusto Heleno. Nesta segunda, ele afirmou à rádio Jovem Pan que as Forças Armadas poderiam ser acionadas para intervir "em momento mais grave" de conflito entre poderes.

As falas de Braga Netto e Augusto Heleno se articulam com o tensionamento permanente entre as instituições promovido por Bolsonaro, que vem tentando deslegitimar as urnas eletrônicas e as eleições de 2022 e também disse na última quinta que as Forças Armadas poderiam atuar como "poder moderador".

No início de agosto,  o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomaram ações concretas para fazer frente a investidas de Bolsonaro, e o tornaram alvo de dois inquéritos criminais e um inquérito administrativo por ataques às urnas eletrônicas e ameaças às eleições de 2022.

Ida de Braga Netto à Câmara

Braga Netto deixou o posto de ministro-chefe da Casa Civil e assumiu a Defesa em março de 2021, após a queda do então ministro Fernando Azevedo e Silva e dos três comandantes militares. Alguns analistas interpretaram a troca como resultado de pressões de Bolsonaro por maior controle sobre as Forças Armadas. Braga Netto é considerado fiel ao presidente, e os três novos comandantes estavam ao lado de Bolsonaro no desfile militar realizado na Esplanada dos Ministérios na última terça, no mesmo dia da votação da Proposta de Emenda Constitucional do voto impresso, que acabou rejeitada pela Câmara.

Braga Netto foi chamado à Câmara para explica o teor de uma nota de 7 de julho, também assinada pelos três comandantes, afirmando que as Forças Armadas eram "fator essencial da estabilidade do país" e "não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro". O documento foi uma resposta senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Pandemia, havia apontado a existência de "membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo".

O requerimento para ouvir Braga Netto também teve o objetivo de questionar o ministro sobre reportagem publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo em 22 de julho que relatava que ele teria enviado um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condicionando a realização das eleições de 2022 à adoção do voto impresso. Braga Netto e Lira negaram o teor da reportagem, que foi mantido pelo jornal.

"O Parlamento não pode ficar omisso diante do comportamento inadequado dos que estão no comando das Forças Armadas e que respaldam a postura do presidente de ameaçar de forma permanente a democracia brasileira", afirmou à DW Brasil o deputado Elias Vaz (PSB-GO), autor do requerimento que levou Braga Netto à Câmara.

Na audiência desta terça, Braga Netto negou ter feito ameaças a favor da aprovação do voto impresso e que a nota assinada por ele e pelos comandantes teve o objetivo de desrespeitar os senadores.

A tese que justifica as ameaças

O argumento usado por Bolsonaro e seus ministros pare defender a legitimidade de as Forças Armadas intervirem em um conflito entre o Executivo e o Judiciário ou o Congresso é uma interpretação equivocada do artigo 142 da Constituição – já afastada em decisões individuais tomadas pelos ministros Roberto Barroso e Luiz Fux, do STF.

O presidente e seu entorno entendem que esse artigo autorizaria as Forças Armadas a atuarem como poder moderador entre os três poderes da República. Essa tese decorre de uma doutrina antiga mas que segue atual entre parte dos militares brasileiros, que desde a proclamação da República, em 1889, se consideram herdeiros do poder moderador que era exercido pelo imperador do Brasil, afirma Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor de história contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. "Mas a Constituição de 1988 não prevê de maneira alguma um quarto poder. O presidente ou o ministro que falam isso estão cometendo uma ilegalidade", diz.

Essa ideia circula em redes bolsonaristas e ganha força sempre que há momentos de maior tensão entre o Planalto e o Judiciário, como o atual.

Bolsonaro tornou-se alvo de dois inquéritos criminais e um administrativo em agosto

Cortina de fumaça e tensionamento contínuo

É normal que a relação entre os três poderes em uma democracia enfrentem atritos, mas o sistema foi pensado justamente para absorver esses choques. A ideia de que os militares poderiam atuar como um quarto poder e força política "não tem previsão constitucional" e vem sendo explorada por "maus militares que buscam fazer com que as Forças Armadas interfiram no processo político", afirma Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP.

Ele avalia que a insistência do presidente e de seus ministros nesse tema tem dois objetivos. Um é criar uma "cortina de fumaça" para desviar a atenção de problemas concretos enfrentados pelo país que dependem da ação do governo para serem solucionados, como desemprego, inflação e crise de energia.

O outro é manter o sistema político em tensionamento contínuo, seguindo o manual de outros líderes populistas e autoritários que desejam "romper os limites estabelecidos". No caso de Bolsonaro, diz Vilhena, o intuito é fragilizar as instituições que impõem limites à sua ação e deslegitimar as eleições de 2022 para que, caso ele seja derrotado, o resultado possa ser questionado.

As instituições são capazes de limitar Bolsonaro?

Vilhena afirma que um conceito importante para entender o atual momento vivido pelo país é o de "democracia militante", cunhado pelo filósofo alemão Karl Löwenstein (1891-1973). Nessa perspectiva, se as instituições democráticas e liberais não forem capazes de proteger um país contra investidas de alguns líderes eleitos, esses líderes podem usar as próprias regras da democracia para destruir as instituições. "É um debate antigo na Alemanha, desde os anos 1930, e é pertinente no Brasil neste momento", diz.

O professor da FGV avalia que o Supremo e o TSE estão corretos ao agirem contra ataques do presidente às urnas eletrônicas e à legitimidade das eleições. "As instituições democráticas têm obrigação constitucional de estarem alertas, e o Supremo corretamente está reagindo. É uma democracia que se defende", afirma.

Outra instituição que pode colocar limites ao Executivo é o Congresso. Apesar de Bolsonaro ter se engajado na eleição dos atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da sua crescente aproximação com o Centrão, Vilhena avalia que o Legislativo não embarcou na "agenda anti-institucional" de Bolsonaro nem validado tudo que o presidente quer.

"O Supremo tem se mostrado vocal e proeminente na defesa da democracia. Senado e a Câmara também têm sido mecanismos importantes de obstrução, mas não tão vocais. O problema no Brasil chama-se Forças Armadas", afirma Vilhena, apontando a ambiguidade dos militares que dizem respeitar as instituições ao mesmo tempo em que se alinham ao presidente.

Para Teixeira da Silva, da UFRJ, Braga Netto e Augusto Heleno são "muito pouco democráticos" e "figuras nefastas para a democracia e a República", que deveriam receber "a mais séria punição possível" por ameaçarem as instituições.

Ele avalia que o Brasil enfrenta a sua crise institucional mais grave desde o golpe de 1964, mas há algumas instituições mobilizadas para mostrar que uma tentativa de repetir algo como a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, "custará caro para essas pessoas". Ele projeta que não há chance de uma "quartelada" como em 1964, mas é possível que haja uma tentativa de realizar algo como o que ocorreu no Congresso americano, com o apoio de policiais militares. "Os tribunais superiores têm agido corretamente. Estamos no caminho de deter um golpe de novo tipo", diz.

Deutsche Welle Brasil, em 17.08.2021

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Apaziguamento e pusilanimidade

Quem for indulgente com Bolsonaro será visto como cúmplice pusilânime do golpismo bolsonarista

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), disse ao Estado que o País deve “se acostumar” ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro. “O presidente Bolsonaro é o presidente Bolsonaro. Precisamos nos acostumar com isso. Já é presidente há dois anos e meio, e todo mundo sabe o jeito dele. Ele reage. Está tudo dentro do esperado que fosse. Não consigo ver como isso estaria fora do padrão de comportamento dele”, declarou o deputado governista.

Não se pode dizer que Ricardo Barros está errado ao dizer que “está tudo dentro do esperado que fosse” e que nada do que Bolsonaro faz desde o dia em que tomou posse como presidente “estaria fora do padrão de comportamento dele”.

Trata-se de uma verdade muito inconveniente, especialmente para quem elegeu Bolsonaro julgando que, uma vez na cadeira presidencial, o político que ganhou notoriedade desafiando o decoro, a decência e a democracia fosse se emendar ou se conter, em nome da governabilidade.

Bolsonaro nunca demonstrou disposição de se adequar à cadeira presidencial. Julgou ter sido eleito para destruir, como ele mesmo admitiu em infame evento com extremistas de direita nos Estados Unidos pouco depois de ter tomado posse. Na visão de quem hostiliza a política e considera que democracia representativa é instrumento de um complô de minorias esquerdistas interessadas em destruir os valores da família e da pátria, Bolsonaro julgava ser o homem certo, na hora certa.

Assim, faz todo sentido que, para os bolsonaristas empedernidos, não era Bolsonaro quem tinha que se adequar ao País e às suas instituições democráticas, mas sim o Brasil que, nas palavras do líder do governo na Câmara, deveria “se adequar” a Bolsonaro. Para essa gente, sua eleição significava fazer tábula rasa da democracia, aparelhar o Estado para implantar uma agenda obscurantista e, de quebra, ter liberdade para delinquir sem responder por isso.

Os efeitos dessa submissão do Brasil a Bolsonaro são amplos e vão muito além do primitivismo bolsonarista. O Centrão, antes hostilizado pelo presidente pelas razões certas, hoje é o senhor absoluto de seu governo e determina a agenda parlamentar e a distribuição de verbas públicas, à feição de seu projeto de poder.

Esse projeto nada tem a ver com as tão necessárias reformas de que o Brasil necessita. O Centrão sempre foi linha auxiliar de partidos reformistas, mas jamais foi, em si mesmo, um bloco político disposto a modernizar o País. Agora com poder real em todas as esferas políticas relevantes, seja no Congresso, seja no Executivo, o Centrão vai trabalhar não propriamente pelas reformas, mas pela consolidação de seu domínio sobre a máquina federal – e vai sustentar Bolsonaro, e até apoiar sua reeleição, enquanto este não lhe obstar o avanço.

Como se vê, Bolsonaro “acostumou-se” ao Centrão, porque era isso ou o impeachment. No entanto, que ninguém se engane: Bolsonaro, malgrado as aparências de fraqueza, conserva o poder institucional da Presidência, e isso é mais que suficiente para causar confusão e desestabilizar o País.

É nessa condição que Bolsonaro agride o Judiciário, ultrapassando todos os limites da decência, e anuncia, com todas as letras, que prepara uma tentativa de golpe de Estado no ano que vem, caso perca a eleição.

Como alguém pode sequer sugerir que os cidadãos brasileiros, para os quais a lei vale indistintamente, deveriam “se acostumar” aos vândalos da democracia, que se julgam acima da lei? Para o Centrão do deputado Ricardo Barros, seria ótimo que todos os brasileiros dessem gostosas gargalhadas diante das ofensas e ameaças do presidente, aceitando que “esse é o jeito dele”, enquanto se cristaliza o modelo de governança dos sonhos do baixo clero.

É por isso que o Centrão trabalha com afinco pelo apaziguamento com Bolsonaro, como se isso fosse possível. Não sendo, é o caso de advertir que quem for indulgente com Bolsonaro, aceitando seus arreganhos sem reagir à altura, em defesa da democracia, será visto como cúmplice pusilânime do golpismo bolsonarista.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 16 de agosto de 2021 

Congresso deixa de fiscalizar Orçamento e não julga contas presidenciais há 20 anos

Para especialistas, o quadro expõe uma crise no orçamento público e aumenta o poder de barganha das verbas federais em troca de apoio político

       Para especialistas, o quadro expõe uma crise no orçamento público. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O Congresso deixou de fiscalizar o Orçamento aprovado pelos próprios parlamentares nos últimos anos. O Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle de Execução Orçamentária (CFIS) da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que deveria acompanhar o andamento dos programas financiados por verbas federais, está parado e nunca funcionou. Além disso, o Legislativo não julga as contas presidenciais há quase 20 anos.

Para especialistas, o quadro expõe uma crise no orçamento público, que ficou à mercê da negociação política, e aumenta o poder de barganha das verbas federais em troca de apoio político. Em entrevista ao Estadão/Broadcast Político, a presidente da CMO, senadora Rose de Freitas (MDB-ES), prometeu formar um grupo para acompanhar as obras paralisadas e chamar os ministérios do governo a fazer um Orçamento conjunto com o Congresso antes mesmo do envio da proposta orçamentária para 2022, até o final deste mês. 

A comissão é responsável por analisar o Orçamento da União e dar um parecer sobre as despesas antes do plenário. Além disso, tem o papel de acompanhar a execução dos gastos. O Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária, formado por integrantes do colegiado, no entanto, está parado e nunca funcionou efetivamente. A única atividade ocorreu em 2011, quando o órgão fez uma reunião e solicitou informações sobre as ações alvo de contingenciamento no Executivo.

Se funcionasse, o CFIS poderia fiscalizar o desempenho dos programas governamentais e discutir a estimativa das despesas obrigatórias. No Orçamento deste ano, por exemplo, o Congresso lançou mão de uma manobra para subestimar as despesas obrigatórias, como aposentadorias, e turbinar emendas parlamentares, a maior parte delas destinadas a obras definidas por deputados e senadores. Os únicos comitês com funcionamento regular têm sido justamente aqueles que destravam verbas de interesses dos parlamentares, como o Comitê de Avaliação das Informações sobre Obras e Serviços com indícios de Irregularidades Graves (COI), que nos últimos anos vem autorizando os gastos para obras questionadas pelo Tribunal de Contas de União (TCU), e o Comitê de Admissibilidade de Emendas (CAE), que tem carimbado as emendas apresentadas pelos congressistas no Orçamento.

Contas. Além de paralisar o comitê de fiscalização, o Congresso está há quase 20 anos sem julgar as contas presidenciais. Nas últimas duas décadas, o Legislativo deixou de dar um parecer sobre os gastos realizados por quem ocupa a presidência da República. Na prática, os parlamentares deixaram de fiscalizar o Orçamento que eles próprios aprovaram e de viabilizar mudanças no modelo atual.

As últimas contas analisadas pelo Congresso foram as de 2001, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, julgadas em 2002. De lá para cá, nenhum julgamento foi até o final. Além disso, duas contas do governo Collor, de 1991 e 1992, ainda estão na gaveta. A Constituição determina ao Legislativo o julgamento das contas prestadas anualmente pelo presidente como instrumento de fiscalização e de ajustes na administração.

Especialistas alertam para a falta de transparência e distorções no processo de alocação das verbas federais na relação entre o governo e o Congresso, como nos casos do orçamento secreto e das emendas "cheque em branco", revelados pelo Estadão. Nesse sentido, o julgamento das contas poderia servir para orientar os dois lados a aprimorar os gastos públicos, o que não vem acontecendo. O Tribunal de Contas da União emite um parecer prévio todos os anos, mas a análise fica parada no Congresso.

"Esse é um problema, é uma questão preocupante. O TCU faz um trabalho de análise não só das contas, mas às vezes de uma política específica, e nós perdemos a oportunidade de retroalimentar o planejamento porque o Congresso realmente não está interessado nisso", afirma o consultor de orçamento da Câmara Paulo Bijos. "O Orçamento está de ponta-cabeça. É um modelo que está em crise crônica e precisa ser repensado."

Em caso de descontrole fiscal, o julgamento das contas poderia apontar crime de responsabilidade, motivo para a abertura de um processo de impeachment, e deixar o chefe do Executivo inelegível por oito anos. No governo de Dilma Rousseff, por exemplo, o TCU orientou pela rejeição das contas de 2014 e 2015, mas o parecer não foi analisado pelo Congresso. Desde 1988, o Congresso nunca rejeitou as contas de um presidente, mas, por outro lado, deixou de emitir qualquer julgamento nas duas últimas décadas.

Uma ala da Comissão Mista de Orçamento ameaça pautar as contas presidenciais do ano passado para pressionar o chefe do Planalto a ampliar a negociação com o Congresso. Bolsonaro é acusado de privilegiar o Centrão na distribuição de verbas em detrimento de outros grupos. Aliados de Bolsonaro, por outro lado, agem para evitar qualquer julgamento das contas de 2020, pois a análise implicaria em questionar um modelo defendido pela base do governo, que ficou com a maior fatia das emendas de relator.

Em entrevista à reportagem, a presidente da CMO admitiu as distorções e propôs uma mudança radical no processo de definição e fiscalização das verbas federais. Ela chamará os ministros das principais áreas do governo para, até o fim deste mês, elaborar o Orçamento de 2022 em conjunto com o Congresso antes mesmo do envio do projeto ao Legislativo, no dia 31 de agosto.

Ao falar sobre a paralisia do comitê de fiscalização, a senadora afirmou que o CFIS não poderia fazer um pente-fino nos programas de forma isolada e que isso precisa ser corrigido por meio de um grupo específico de acompanhamento, ao qual ela promete dar andamento. "Tem obras no Brasil inteiro que estão paralisadas com um conceito cultural político esdrúxulo 'eu não vou continuar essa obra porque foi do governo anterior.' Vamos levantar todas as obras paralisadas, por que estão paralisadas, se é falta de recurso, se é apenas falta de gestão política, e vamos discutir isso a fundo", disse a parlamentar.

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo, em 16 de agosto de 2021 | 16h09

STF age para esvaziar escalada autoritária de Bolsonaro

Em Brasília, há um consenso de que o alto comando das Forças Armadas não vai embarcar em arroubos golpistas. Enquanto isso, o presidente faz gestos opostos para semear a dúvida

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, em sessão realizada por videoconferência. em fevereiro. (FELLIPE SAMPAIO /SCO/STF)

Um comboio improvisado de carros militares, um Congresso que flertou com a volta do voto impresso e com um regime eleitoral adotado no Afeganistão, o Distritão — ambos projetos apoiados pelo Governo. A semana terminou no sábado com o presidente anunciando que pedirá o impeachment de dois ministros da corte, e envolvendo o Senado na decisão. Na quinta-feira, 12, a cúpula do Supremo Tribunal Federal (STF) lia as últimas provocações de Bolsonaro como bravatas autoritárias cada vez mais criativas e nada mais. 

Os militares não teriam disposição para sair da Constituição que eles dizem defender. Assim, quem espera um autogolpe de Bolsonaro para se manter no poder, ou um ‘Capitólio brasileiro’ – em alusão à invasão do Parlamento dos EUA por trumpistas em 6 de janeiro — estaria perdendo seu tempo. Há uma aposta de que os tribunais têm poder de reprimir qualquer ação nesse sentido. “Há mecanismos de prevenção. Se houver ameaça, dá para evitar direitinho”, disse uma fonte que circula no STF.

Na mesma quinta, a inclusão do presidente Bolsonaro em uma quarta investigação do Supremo mostrou que há um contra-ataque jurídico pronto para reverter a escalada autoritária. Em um programa na internet há duas semanas, o mandatário divulgou informações parciais de uma investigação da Polícia Federal, insinuando, sem provas, possíveis fraudes nas urnas. 

Coube ao ministro Alexandre de Moraes riscar no chão as tais linhas da Constituição que o presidente diz obedecer. ao incluí-lo no inquérito das fake news. Na sexta de manhã, a prisão do presidente do PTB, Roberto Jefferson, por indícios de participação em ações das chamadas milícias digitais, confirmava novamente essa leitura. Mas, Bolsonaro voltou à carga neste sábado (14), dobrando sua aposta com o anúncio do pedido de impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, este último também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A verdade é que peças se moveram em resposta à campanha desenfreada do presidente para se manter no poder, marcando vitórias táticas importantes na semana que passou contra o obscurantismo que se abateu na capital do país. Não só dentro do STF. No Congresso, caíram os dois projetos bolsonaristas que poderiam impactar 20022, ainda que a reforma política tenha suposto a volta das coligações. O voto impresso, ao menos, foi derrotado, embora tenha tido 229 votos favoráveis e 218 contrários.

O Governo precisava de 308 votos para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que foi ao plenário. Distribuiu-se muito dinheiro de última hora, atestaram parlamentares ouvidos pelo EL PAÍS, e isso fez diferença. Quase 60% dos que votaram pelo projeto do Governo receberam recursos de um total de 1 bilhão de reais distribuídos em forma de emendas às vésperas da votação na Comissão Especial no início deste mês, informa o jornal O Estado de S. Paulo. 

“Se nós considerarmos que, em votação de PEC, quem não vota vale o mesmo que um voto contrário, [houve 64 ausências e 1 abstenção], nós estamos falando de um resultado de 293 [votos contrários] a 229, o que é uma vitória acachapante, mais ainda se você considerar que houve um envolvimento muito ativo do presidente”, diz o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). “Aquilo era a pauta mais importante de Bolsonaro e nós conseguimos virar essa página”, completa.

No Supremo a leitura é similar. Sem dinheiro e sem tanques, houve um resultado positivo. O convencimento passou pela sensatez. Já no Senado, a CPI da Pandemia continua a avançar com cada vez mais provas da omissão do Governo na pandemia. A apuração das responsabilidades do Governo na gestão da pandemia, que já matou quase 570.000 pessoas, “colocaram o presidente de volta ao cercadinho”, diz o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Mas, para esvaziar o bolsonarismo radical, é preciso muito mais do que vitórias táticas. O fiel da balança para a democracia brasileira é o papel dos militares, cujos ministros fardados do Governo prestigiam as pautas do presidente. Vários deles estiveram ao lado do presidente quando passou o comboio de carros militares, assim como na entrevista de Bolsonaro que acabou suscitando o último inquérito no STF.

Desde a votação da PEC do voto impresso, no entanto, eles não emitem comentários. O mesmo Braga Netto, hoje à frente do Ministério da Defesa, já havia manifestado publicamente seu apoio à pauta do voto impresso, sugerindo que quem deveria decidir era o Congresso. Assim aconteceu, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), arquivou o projeto depois da derrota de terça-feira.

CARLA JIMÉNEZ e AFONSO BENITES, de Brasília para o EL PAÍS, em 15 AGO 2021 - 18:24 BRT

Brasil deve R$ 9 bilhões a organismos internacionais e pode perder direito de voto na ONU

Para manter direito de voto na Assembleia Geral de 2022, Brasil precisa pagar às Nações Unidas pelo menos US$ 114,3 milhões


O presidente Jair Bolsonaro discursa na Asembleia Geral da ONU, em Nova York, em 2019 Foto: Johannes Eisele / AFP/26-09-2019

A dívida do Brasil com a Organização das Nações Unidas (ONU) pode fazer o país perder o direito de voto na Assembleia Geral de 2022, situação inédita e classificada como "constrangedora" pelo próprio Itamaraty.

O Brasil tradicionalmente abre a Assembleia Geral. A dívida com a ONU é de mais de US$ 350 milhões, mas apenas uma parte precisa ser paga neste ano para evitar a perda do direito de voto, de acordo com as regras das Nações Unidas.

O valor a ser quitado é de pelo menos US$ 114,3 milhões (cerca de R$ 600 milhões), indicam documentos do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Economia aos quais o GLOBO teve acesso.

Despacho do Ministério da Economia indica que só há no Orçamento deste ano um total de R$ 397,8 milhões destinados ao Sistema ONU. Portanto, o governo terá que buscar mais recursos para quitar a dívida.

“Providências estão sendo tomadas para a solicitação de recursos orçamentários suplementares e posterior pagamento até o fim do presente exercício”, diz o despacho da área de Compromissos Internacionais do Ministério da Economia.

O Brasil tem acumulado uma dívida com diversos organismos internacionais que já chega a R$ 9 bilhões, de acordo com o Itamaraty. Ofício assinado pelo secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Fernando Simas Magalhães, reconhece que seria “constrangedor” ao país perder o direito de voto na ONU.

“Caso não quite, pelo menos, US$ 114.335.082 até 31 de dezembro de 2021, o Brasil perderá o direito de voto na Assembleia-Geral, em 2022. Seria uma situação constrangedora para um país que é membro fundador da Organização e, justamente em 2022, assumirá assento não permanente no Conselho de Segurança”, diz o texto.

Valor bilionário: Dívida do Brasil com organismos internacionais se acumula e país pode perder direito a voto em fóruns multilaterais

Quando a inadimplência de um país membro da ONU supera o valor total das contribuições devidas nos dois anos anteriores, o artigo 19 da Carta das Nações prevê a perda do direito de voto como penalidade automática e imediata. Isso ocorre não apenas na Assembleia Geral, uma das instâncias máximas de decisão, mas nos conselhos da ONU dos quais o devedor faz parte.

No caso do Brasil, a perda de direito a voto atingiria, por exemplo, sua participação no Conselho Econômico e Social, que discute temas como desenvolvimento sustentável, energia e inovação.

Só três países se enquadram atualmente nessa situação de dívidas acumuladas: Somália, Ilhas Comores e São Tomé e Príncipe. No entanto, os seus governos alegam viver uma crise econômica severa e, por isso, conseguiram preservar seus direitos na íntegra.

Procurado, o Itamaraty confirmou a possibilidade de perda de direito a voto e disse que os pagamentos são de responsabilidade do Ministério da Economia.

"Nos termos do artigo 19 da Carta das Nações Unidas, existe, de fato, possibilidade de perda de voto em função de eventual dívida. Para fins desse cálculo, são levadas em conta as contribuições não apenas ao orçamento regular, mas também às missões de paz e aos tribunais da ONU. Os pagamentos são de competência do Ministério da Economia e, assim como as demais ações orçamentárias, são sujeitos às restrições fiscais que se impõem ao orçamento federal", diz a pasta.

O Itamaraty informou trabalha conjuntamente com o Ministério da Economia no sentido de evitar comprometer a atuação internacional do Brasil.

"O Ministério das Relações Exteriores sinaliza regularmente os potenciais prejuízos políticos decorrentes da situação das contribuições brasileiras aos organismos internacionais, inclusive eventuais 

Outros órgãos

O Itamaraty também chama atenção para outras duas organizações internacionais além das Nações Unidas. O Brasil atualmente é o maior devedor da Organização dos Estados Americanos (OEA), com saldo aberto de US$ 21,8 milhões referente aos anos de 2020 e 2021.

“Além de comprometer o funcionamento da organização, essa dívida pode gerar constrangimentos para a candidatura do brasileiro Rodrigo Mudrovitsch à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que conta com empenho pessoal do próprio presidente da República. A eleição deve ocorrer em novembro, por ocasião da Assembleia-Geral”, destaca a área diplomática do governo.

Sediada em San José (Costa Rica), a corte compõe o sistema interamericano de direitos humanos, com 24 países-membros. São sete juízes, que têm mandatos de seis anos, com direito a uma recondução. Mudrovitsch foi designado candidato pelo governo brasileiro em dezembro do ano passado.

O Itamaraty também destaca uma dívida de US$ 87 mil com a Agência para Proscrição das Armas Nucleares da América Latina e Caribe, único organismo internacional dirigido por um brasileiro hoje, o embaixador Flávio Bonzanini. O MRE ressalta que ele é candidato à reeleição e “conta com apoio político que a diplomacia brasileira vem trabalhando nos bastidores para garantir” a sua recondução.

Procurado, o Ministério da Economia ainda não respondeu.

Manoel Ventura para O Globo online, em 16/08/2021, atualizado às  16:29 hs.

'Patriotas são aqueles que unem o Brasil, não os que querem dividi-lo', diz Pacheco

Presidente do Senado se manifestou diante das novas investidas de Bolsonaro contra o STF

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) Foto: UESLEI MARCELINO / Reuters

Após novos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou, por meio de nota, que "patriotas são aqueles que unem o Brasil, e não os que querem dividi-lo". Sem citar nomes, Pacheco também disse que o Congresso "não permitirá retrocessos".

"O diálogo entre os Poderes é fundamental e não podemos abrir mão dele, jamais. Fechar portas, derrubar pontes, exercer arbitrariamente suas próprias razões são um desserviço ao país. Portanto, é recomendável, nesse momento de crise, mais do que nunca, a busca de consensos e o respeito às diferenças. Patriotas são aqueles que unem o Brasil, e não os que querem dividi-lo", escreveu Pacheco nas redes sociais.

Em seguida, ele declarou que "os avanços democráticos conquistados têm a vigorosa vigilância do Congresso, que não permitirá retrocessos".

No sábado, Bolsonaro anunciou que iria pedir ao Senado a abertura de processos de impeachment contra os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Os ataques foram feitos no momento em que o presidente da República é alvo de quatro inquéritos no  STF e um no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por interferência na Polícia Federal, escândalo da Covaxin, ataques à urna eletrônica e vazamento de inquérito sigiloso da PF.

"De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal", escreveu Bolsonaro no último final de semana.

Mais cedo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se manifestou em defesa da "harmonia e independência" entre poderes.

"O Brasil sempre terá no presidente da Câmara dos Deputados um ferrenho defensor constitucional da harmonia e independência entre os Poderes", disse Lira.

O deputado acrescentou ainda que a casa legislativa é "vigilante" e acompanha os desdobramentos do choque entre Executivo e Judiciário.

"Vigilante e soberana, a Câmara avança nas reformas, como a tributária que votaremos nessa semana, na certeza de que o país precisa de mais trabalho e menos confusão", registrou o parlamentar.

Julia Lindner para o Globo online, em 16/08/2021 - 18:28 / Atualizado às18:46 hs

Militares não farão desfile em 7 de setembro

 Se o presidente Jair Bolsonaro estiver pretendendo utilizar as Forças Armadas de novo para demonstrar força na ofensiva que seus seguidores estão prevendo para o 7 de setembro, vai ter que mudar o rumo do planejamento feito pelo ministério da Defesa para a data. 

Até agora, não está prevista nenhuma parada militar em Brasília ou sobre a Esplanada dos Ministérios no aniversário da Independência do Brasil.

Blindados desfilam na Esplanada dos Ministérios no dia da decisão sobre o voto impresso: Forças Armadas não farão parada militar no 7 de setembro  Blindados desfilam na Esplanada dos Ministérios no dia da decisão sobre o voto impresso: Forças Armadas não farão parada militar no 7 de setembro | Fotoarena / Agência O Globo

Segundo uma nota enviada pela Defesa aos comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no último dia 2, não haverá desfile no dia da Independência em razão da pandemia. Assim como no ano passado, a única cerimônia oficial prevista para o 7 de setembro é um evento de hasteamento de bandeira no Palácio do Alvorada.

Nos primeiros meses do ano, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência chegou a cogitar a realização de um grande evento, com previsão de público de 20 mil pessoas. Mas a iniciativa não foi adiante.

Até o momento, as reuniões sobre o assunto entre os comandos das Forças só definiram que serão realizadas algumas atividades específicas, ainda não definidas. No ano passado, houve uma demonstração da Esquadrilha da Fumaça. 

Na semana passada, blindados da Marinha desfilaram sobre a Esplanada dos Ministérios no dia em que se daria a decisão do plenário do Congresso Nacional sobre o projeto que previa a adoção do voto impresso para 2022. O projeto foi derrotado, mas o presidente da República ainda não desistiu de defendê-lo.  

Ao longo do final de semana, grupos bolsonaristas espalharam um áudio do cantor Sérgio Reis dizendo ter estado com Jair Bolsonaro em um almoço e combinado fazer uma manifestação de caminhoneiros que ficariam estacionados nos acessos a Brasília no dia 7, sem entrar na cidade "para não atrapalhar o 7 de setembro do presidente".

Reis disse no áudio que no dia seguinte, 8 de setembro, ele iria ao Senado para uma audiência com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco. "Vou eu e dois líderes dos caminhoneiros, e dois líderes do sindicato da soja. Vamos em cinco para entregar para o presidente do Senado uma intimação, não é um pedido, é uma intimação".

O documento, segundo o áudio de Reis, daria 72 horas ao presidente do Senado para aprovar o voto impresso e retirar dos cargos todos os ministros do Supremo. Do contrário, caminhoneiros e plantadores de soja iriam parar o país. 

Depois da divulgação do áudio, líderes de caminhoneiros negaram ter qualquer articulação para marchar a Brasília. Os grupos bolsonaristas, porém, estão convocando manifestações contra o Supremo para o 7 de setembro. 

Até agora, pelo menos, não há sinal de que blindados e outros equipamentos militares estejam sendo destacados para tomar parte nesse evento.

Malu Gaspar para o Globo online, em 16.08.2021, às 13:27 hs

Foi Bolsonaro quem ganhou mais uma vez, não a democracia

Em meio à fumaça dos jipes na Esplanada, não foram poucos os analistas e jornalistas de política que decretaram o fim de Bolsonaro por causa da rejeição da PEC do voto impresso pela Câmara dos Deputados. 

O uso do aparato bélico das Forças Armadas para intimidar os parlamentares teria se chocado com a força das instituições nacionais e jogado Jair Bolsonaro e os tanques do Exército no ridículo, como escreveu o The Guardian. 

“Os críticos denunciaram a decisão ao estilo da república das bananas de Jair Bolsonaro de enviar tanques às ruas da capital do Brasil para um raro desfile militar no que foi amplamente visto como uma tentativa desastrada de um presidente sitiado de projetar força”, repercutiu o jornal britânico. 

Visto de perto, porém, o desfile de carros de combate pelo centro do poder em Brasília, ainda que com os vexames que fizeram a alegria da Internet, parece ser bem mais do que ridículo. Bolsonaro também não aparenta estar “sitiado”, como qualificou o Guardian. Os apelos claramente abusivos do presidente às Forças Armadas até o momento foram correspondidos - e o argumento da hierarquia é pouco para quem tem como missão defender o Estado brasileiro. Até porque as intenções do mandatário são publicamente expressas em declarações golpistas como “sair das 4 linhas da Constituição” ou “não haverá eleições”. E coincidem com a exposição da corrupção de membros do Exército e da Aeronáutica na CPI da Covid. Por que os comandantes simplesmente não se negam a cumprir ordens que subvertem seu papel constitucional?

A reação do Congresso também foi pífia. Mesmo que a PEC não tenha sido aprovada, 229 parlamentares se sentiram à vontade, cercados por tanques, para votar a favor da emenda. Um resultado comemorado por Bolsonaro. Não foi o bastante para vencer, mas é munição suficiente para ele semear a confusão e a mentira, ameaçando as futuras eleições. Foi esse o serviço que lhe prestou o presidente da Câmara, Arthur Lira, já sentado sobre mais de 130 pedidos de impeachment: avocar para o plenário uma matéria já rejeitada pela comissão especial com objetivo de mostrar que, apesar da previsível derrota, Bolsonaro e sua trupe não são os únicos a questionar a lisura do processo eleitoral.

Se isso não basta para convencer que, assim como as mudanças climáticas, o golpe contra a democracia já está entre nós, é só olhar para o que fez a combativa Câmara nesta semana, além do papel de coadjuvante no espetáculo bolsonarista. Na terça-feira, foi aprovado o texto-base da MP 1045 que, além de perpetuar a retirada de direitos trabalhistas, traz bombas-relógio como a redução da fiscalização das normas trabalhistas e a precarização radical do trabalho dos jovens. 

No mesmo dia, o ministro da Educação declarou que “universidade deveria ser para poucos” e que a solução para o ensino básico, que em 2020 terminou o ano com o menor gasto da década, é os alunos voltarem a repetir o ano. Isso no ano em que a pandemia, patrocinada pelo governo, privou milhões de alunos de assistirem aulas, mesmo virtuais, por falta de acesso à Internet.

Se continuarmos confiando em nossa “democracia”, não precisaremos de outra ditadura para destruir o que sobra do país. 

Marina Amaral, diretora executiva da Agência Pública / Agência Pública <contato@apublica.org>, em 12 de agosto de 2021

sábado, 14 de agosto de 2021

A antirreforma política

O Congresso, especialmente a Câmara dos Deputados, tem produzido nos últimos meses verdadeiros desastres em matéria eleitoral

Desde os anos 90 do século passado, fala-se da necessidade de uma profunda reforma política, que melhore a qualidade da representação e a funcionalidade do sistema político. O tema é quase um lugar-comum. Não há quem considere o atual sistema, com mais de 30 partidos, adequado ou mesmo razoável.

Essa profunda reforma política ainda não veio. De toda forma – e aqui está o ponto importante –, nos últimos anos foram realizadas significativas melhorias no sistema político.

A Emenda Constitucional (EC) 97/2017 proibiu as coligações partidárias em eleições proporcionais, que distorcem a vontade do eleitor, fazendo com que o voto em um candidato possa eleger outro candidato, de outro partido, simplesmente em razão de um convênio entre legendas. 

A EC 97/2017 também criou a cláusula de barreira, fixando porcentuais mínimos de voto para que cada legenda tenha acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda supostamente gratuita de rádio e televisão. Ao limitar os incentivos a partidos nanicos, que, sem votos e sem representatividade, servem apenas a seus donos, deu-se um importante passo para reduzir a fragmentação partidária.

A atual quantidade de legendas não contribui para a representação política. Há muitas siglas à escolha do eleitor, mas não há um aumento de opções políticas. Além disso, a diminuição do número de partidos contribui para um ambiente de negociação política menos fisiológico. A atual fragmentação partidária é um convite à transformação da política em balcão de negócios.

Vale mencionar também que, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da doação de pessoas jurídicas a campanhas e partidos políticos. Além de gerar conflitos de interesse e ser estímulo à corrupção, o financiamento de campanhas eleitorais por empresas representava grave distorção do sistema político.

O atual sistema está longe de ser ideal. Basta ver a quantidade de dinheiro público que é destinada a partidos políticos, por meio do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral. Legendas são entidades privadas que devem ser financiadas por seus associados e entusiastas, não com recursos do contribuinte. De toda forma, os avanços ocorridos nos últimos anos são importantes e não podem ser desprezados.

No entanto, o Congresso, especialmente a Câmara dos Deputados, tem produzido nos últimos meses verdadeiros desastres em matéria eleitoral. Nesta semana, os deputados votaram duas medidas que excluem ou interferem diretamente sobre os avanços promovidos pela EC 97/2017, como se o objetivo do trabalho legislativo fosse estragar o que legislaturas passadas fizeram.

No dia 12 de agosto, a Câmara aprovou um projeto de lei, apresentado em 2015 no Senado, que tenta burlar a cláusula de barreira. O Projeto de Lei (PL) 2.522/15 permite que dois ou mais partidos se reúnam em uma federação. Após o registro da federação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os partidos são tratados como se fossem uma única legenda, escapando dos efeitos da cláusula de barreira. No entanto, cada partido continua dispondo de identidade e autonomia próprias.

O PL 2.522/15 é uma evidente trapaça. Por meio de uma lei ordinária, o Congresso reduz o alcance e os benefícios da cláusula de barreira, criada por Emenda Constitucional. Com a medida, em vez de buscar votos, basta que os partidos nanicos assinem convênios entre si, continuando a receber os recursos e as facilidades do Estado.

O outro retrocesso é ainda mais descarado. Em primeiro turno, a Câmara aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 125/11, liberando as coligações partidárias em eleições proporcionais. A proibição nem sequer foi aplicada nas esferas federal e estadual, e já se tenta excluí-la da Constituição.

As duas mudanças aprovadas na Câmara atingem especialmente a qualidade da representação e a funcionalidade do sistema político. É a perfeita antirreforma, em estrondosa indiferença com o interesse público e o eleitor.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 14 de agosto de 2021 | 03h00

Receio de ruptura gera conversa entre Mourão e Barroso

Em encontro reservado, presidente do TSE questiona vice sobre apoio das Forças a uma quebra institucional; general afasta possibilidade

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso e o vice-presidente Hamilton Mourão. (Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara e Evaristo Sá/AFP)

O vice-presidente Hamilton Mourão e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, tiveram uma reunião reservada na última terça-feira, dia em que veículos blindados fizeram um desfile na Praça dos Três Poderes. A conversa ocorreu na casa de Barroso, que convidou o general para o encontro. Preocupado com o risco de ruptura institucional, o ministro não usou de meias-palavras. Queria saber se as Forças Armadas embarcariam em uma aventura golpista promovida pelo presidente Jair Bolsonaro.

A reunião não constava da agenda oficial e foi cercada de sigilo. Naquele dia, Mourão não acompanhou Bolsonaro na recepção ao comboio militar, que passou pelos arredores do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) onze horas antes de a Câmara se debruçar sobre a polêmica do voto impresso. A proposta que virou um cabo de guerra acabou derrubada sob clima de tensão, com deputados acusando o governo de querer intimidar o Legislativo.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso e o vice-presidente Hamilton Mourão. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara e Evaristo Sá/AFP

O vice disse que tinha “um compromisso” e se ausentou do Palácio do Planalto na hora do desfile bélico. Não havia mesmo sido convidado. No encontro com Barroso, que também é ministro do Supremo, Mourão o tranquilizou. Garantiu que as Forças Armadas não apoiavam golpe e, sendo assim, ninguém impediria as eleições em 2022. Fez um movimento para tentar apaziguar a crise. Bolsonaro vinha repetindo com insistência que não haveria eleições se não houvesse mudança na urna eletrônica para adotar o modelo de voto impresso no País. 

Chamado de “imbecil”, “idiota” e “filho da p...” pelo presidente, Barroso não escondeu do general que se mostrava perplexo com o que vinha ocorrendo. Soube que as ameaças teriam incluído até o uso de voos rasantes com um dos jatos supersônicos da Força Aérea Brasileira (FAB) sobre o prédio do Supremo, quando o ministro da Defesa ainda era Fernando Azevedo e Silva.

Mourão disse mais de uma vez ao presidente do TSE que quem comandava as tropas não avalizaria qualquer golpe. Afirmou que a chance de isso ocorrer era “zero” porque as Forças Armadas se pautavam pela legalidade. Barroso se mostrou aliviado. 

Cinco dias antes dessa conversa, o presidente do Supremo, Luiz Fux, havia anunciado o cancelamento da reunião entre os chefes dos poderes, sob o argumento de que o pressuposto para o diálogo era o “respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes” e isso não ocorria diante daqueles ataques a Barroso e também ao ministro Alexandre de Moraes. “Quando se atinge um dos seus integrantes, se atinge a Corte por inteiro”, avisou Fux.

Bolsonaro sempre atribuiu a primeira derrota da proposta do voto impresso, ainda na comissão especial da Câmara, a uma “interferência indevida” de Barroso, que conversou com dirigentes dos partidos.

Desde que o presidente subiu o tom e começou a vincular a realização das eleições de 2022 a mudanças no modelo de urna eletrônica, Mourão tem sido procurado por políticos e empresários para saber o que significam essas declarações.

A desconfiança aumentou após o Estadão revelar que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), recebeu um duro recado do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, no dia 8 de julho, por meio de importante interlocutor político. Na ocasião, Braga Netto pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso e auditável. No Congresso, a impressão é a de que Bolsonaro está construindo uma narrativa de combate ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje lidera as pesquisas de intenção de voto. A estratégia do chefe do Executivo também tem o objetivo de se apresentar como vítima do sistema, caso não consiga se reeleger.

Em comum, Barroso e Mourão compartilharam o espanto com a escalada da crise. O ministro foi insultado; o general, comparado pelo presidente, em uma entrevista, a alguém que atrapalha, um cunhado que se é obrigado a “aturar” porque não é passível de demissão. “Vice é igual cunhado, né? Você casa e tem que aturar o cunhado do teu lado. Você não pode mandar o cunhado embora”, disse Bolsonaro à Rádio Arapuan FM, da Paraíba, em 26 de julho.

Antes mesmo de levar a análise do voto impresso para o plenário da Câmara, Lira disse a ministros do STF que trabalhava para construir uma solução na qual não houvesse vencidos nem vencedores. Não adiantou. Bolsonaro continuou ofendendo Barroso e Moraes, que o incluiu no caso das fake news e abriu investigação contra ele por vazamento de inquérito da Polícia Federal. “Nas mãos das Forças Armadas, o poder moderador. Nas mãos das Forças Armadas, a certeza da garantia da nossa liberdade, da nossa democracia e o apoio total às decisões do presidente para o bem da sua Nação”, discursou Bolsonaro, anteontem, em mais um recado enigmático.

Procurados, Barroso e Mourão não quiseram se manifestar sobre o teor do encontro.

Andreza Matais e Vera Rosa, O Estado de S.Paulo, em 14 de agosto de 2021 | COLABOROU WESLLEY GALZO

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Merval Pereira: Prisão em defesa de democracia

Há muito tempo que o ex-deputado Roberto Jefferson anda se excedendo nas redes sociais, com ameaças de fuzilamento, arma na mão e outros absurdos. 

Um presidente de partido político não pode fazer uma coisa dessa e por isso, a prisão foi justa. 

Ele enveredou por um caminho de sedição, de defender revolução armada, que os deputados de seu partido não querem e por isso metade deles está entrando no STF com pedidos para deixar o PTB e manter o mandato. 

A democracia precisa se defender desses malucos e a prisão é um dos seus mecanismos de defesa.

O inquérito do STF, que começou enviesado – recebeu críticas corretas, de que não poderia ter sido montado como foi – demonstra agora ser necessário, porque há realmente uma rede de militantes digitais que não se limitam a criticar os oposicionistas ao governo; fazem questão de estimulam o ódio e a violência física, de colocar armas numa suposta defesa dos cidadãos e da democracia. 

Num estado de direito, não se pode permitir propaganda de revolução. Além do mais, essas redes sociais são financiadas pelo fundo partidário, dinheiro público, o que é também inaceitável. Assim como não é possível custear despesas pessoais de políticos com verba partidária.

Merval Pereira participa do Conselho Editorial do Grupo Globo. É membro das Academias Brasileira de Letras, Brasileira de Filosofia e de Ciências de Lisboa. Recebeu os prêmios Esso de Jornalismo e Maria Moors Cabot, da Columbia University. Publoicado n'O Globo online, em 13.08.2021, às 16:35hs.

Nem Bolsonaro nem Lula

Persistir no que já se mostrou errado não será apenas burrice, mas covardia

 A História registra momentos substantivos, quando decisões são tomadas para o bem ou para o mal. Por vezes eles chegam sem se anunciar, mas na maioria dos casos uma análise mais cuidadosa mostrará com relativa clareza a existência de antecedentes.

O Brasil aproxima-se de algo assim. Um olhar criterioso em nossa História recente descortina uma sucessão de erros, preconceitos, descasos, cujas sequelas um dia afloram todas juntas e combinadas. Como já disse o economista Marcos Lisboa, o subdesenvolvimento é um trabalho de muito esmero.

Para não nos prendermos a um período extenso, até por estarmos convencidos de que o destino do País ainda aponta para um futuro de prosperidade, fazemos aqui uma breve digressão sobre o delicado presente que nos une.

O Brasil anda mal, muito mal. Não adianta se esconder atrás do sucesso do agronegócio, das startups, da rica, embora maltratada, cultura e até da ampla aceitação das vacinas contra a covid-19. 

O fato é que avançamos mal em quase tudo para onde se olhe o País, revelando um desperdício gritante de oportunidades e um desalinho criminoso diante de tantas necessidades.

Não há tempo a perder, tamanha a conjugação de eventos negativos antigos e novos, seja pelo terror dos riscos incontroláveis de uma natureza que já nos deu o que podia e agora se rebela, seja pelo avanço das comunicações, que nos ligam a tudo e a todos o tempo inteiro num mundo sem fronteiras digitais.

Em pouco mais de um ano teremos eleições, que acreditamos serão livres e democráticas, apesar das manifestações autoritárias do presidente. Há tempo para muita coisa, inclusive coisa alguma.

Os riscos, portanto, devem ser previstos desde já. Se não cabe serem descritos aqui, posto que estão nos corações e mentes da maioria, devem ao menos contar com uma pactuação refletida da parte dos brasileiros – tanto os afortunados quanto os mais necessitados. Aos céticos propomos a contra certeza de que mais do que nunca precisamos estar juntos.

Depois de tantos reveses, não se concebe o Brasil jogado noutra aventura. Já passou por dois modelos de gestão e conseguiu se dar mal em ambos. É hora de buscarmos um novo caminho – uma alternativa de equilíbrio, moderação e responsabilidade, com sentido de missão e foco em resultados.

Ao longo dos últimos tempos, estes três teimosos escribas escreveram sobre uma série de assuntos que, longe de esgotar nossas preocupações, buscaram provocar reflexões. Escaparam da defesa fácil do grupo a que pertencem, apontando para a ciência e tecnologia, a educação, a sustentabilidade, as fronteiras abertas, a redução das desigualdades, e agora apelam para o que talvez seja o que há de mais importante no engenho humano: a liberdade, a democracia sem sofismas e, como seu veículo natural, a legítima atividade política.

Não há mais espaço para visão binária. Não há mais razão para retrocesso. Não há como negar o dito e o feito, nem aceitar a acomodação da escolha do menos ruim, o que por si só já implica a não solução que insinua péssimos resultados.

É hora de zerar a contagem. Deixar para a Justiça os malfeitos. Recolher as emoções e privilegiar a razão. Avaliar com argúcia o que se fala nas rodas dos pretensos Poderes. Não se entregar aos malfadados benefícios privados que aniquilam a Nação. Desconfiar de pleitos extemporâneos, como voto impresso e mudanças na calada da noite da legislação eleitoral. E iniciar um processo cuidadoso de avaliação das opções políticas para 2022, entre a Presidência, o Congresso, os governos regionais e as Assembleias estaduais.

Os leitores deste republicano Estadão têm o papel fundamental de rechaçar os maus políticos, repudiar o populismo, desprezar conchavos, buscar convencer diuturnamente os hesitantes e usar sua influência para espalhar a verdade sobre o custo que nos onera e o triste caminho que estamos prestes a trilhar.

A solução não está nem em Lula nem em Bolsonaro. 

O voto é livre e soberano, mas, de tão sério, precisa ser exercido com alto grau de discernimento. 

Ambos os aspirantes à corrida presidencial já são personagens da História, que saberá julgá-los. 

Quanto a nós, é daqui para a frente, e, por consequência, a partir de 1.º de janeiro de 2023, que o Brasil se mostrará tanto a quem dele precisa quanto a quem dele se quer orgulhar.

Qualquer coisa que fuja de um verdadeiro e comprometido polo inovador e democrático, como almejado pelos muitos grupos de discussão mais ou menos indignados, mas majoritariamente sinceros nos propósitos e fartos de soluções mal pensadas, será atitude homicida, quiçá, suicida.

Aos leitores, um apelo: apliquem-se nas discussões, saiam ou não às ruas em defesa de seus ideais, mas persigam o caminho da razão. Que é o que melhor lidará com o nosso idiossincrático, complexo e sofrido momento. Esse é o caminho para nos tornarmos um dos mais extraordinários países do futuro.

Persistir no que já se mostrou errado não será apenas burrice, será covardia. E, se há que voltar à História, covardia é palavra vã no vocabulário do brasileiro.

Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e Pedro Passos, os autores deste artigo, são empresários no Brasil. Publicado originalmente pelo jornal O Estado de S.Paulo, em 13 de agosto de 2021.