segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Brasil deve R$ 9 bilhões a organismos internacionais e pode perder direito de voto na ONU

Para manter direito de voto na Assembleia Geral de 2022, Brasil precisa pagar às Nações Unidas pelo menos US$ 114,3 milhões


O presidente Jair Bolsonaro discursa na Asembleia Geral da ONU, em Nova York, em 2019 Foto: Johannes Eisele / AFP/26-09-2019

A dívida do Brasil com a Organização das Nações Unidas (ONU) pode fazer o país perder o direito de voto na Assembleia Geral de 2022, situação inédita e classificada como "constrangedora" pelo próprio Itamaraty.

O Brasil tradicionalmente abre a Assembleia Geral. A dívida com a ONU é de mais de US$ 350 milhões, mas apenas uma parte precisa ser paga neste ano para evitar a perda do direito de voto, de acordo com as regras das Nações Unidas.

O valor a ser quitado é de pelo menos US$ 114,3 milhões (cerca de R$ 600 milhões), indicam documentos do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Economia aos quais o GLOBO teve acesso.

Despacho do Ministério da Economia indica que só há no Orçamento deste ano um total de R$ 397,8 milhões destinados ao Sistema ONU. Portanto, o governo terá que buscar mais recursos para quitar a dívida.

“Providências estão sendo tomadas para a solicitação de recursos orçamentários suplementares e posterior pagamento até o fim do presente exercício”, diz o despacho da área de Compromissos Internacionais do Ministério da Economia.

O Brasil tem acumulado uma dívida com diversos organismos internacionais que já chega a R$ 9 bilhões, de acordo com o Itamaraty. Ofício assinado pelo secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Fernando Simas Magalhães, reconhece que seria “constrangedor” ao país perder o direito de voto na ONU.

“Caso não quite, pelo menos, US$ 114.335.082 até 31 de dezembro de 2021, o Brasil perderá o direito de voto na Assembleia-Geral, em 2022. Seria uma situação constrangedora para um país que é membro fundador da Organização e, justamente em 2022, assumirá assento não permanente no Conselho de Segurança”, diz o texto.

Valor bilionário: Dívida do Brasil com organismos internacionais se acumula e país pode perder direito a voto em fóruns multilaterais

Quando a inadimplência de um país membro da ONU supera o valor total das contribuições devidas nos dois anos anteriores, o artigo 19 da Carta das Nações prevê a perda do direito de voto como penalidade automática e imediata. Isso ocorre não apenas na Assembleia Geral, uma das instâncias máximas de decisão, mas nos conselhos da ONU dos quais o devedor faz parte.

No caso do Brasil, a perda de direito a voto atingiria, por exemplo, sua participação no Conselho Econômico e Social, que discute temas como desenvolvimento sustentável, energia e inovação.

Só três países se enquadram atualmente nessa situação de dívidas acumuladas: Somália, Ilhas Comores e São Tomé e Príncipe. No entanto, os seus governos alegam viver uma crise econômica severa e, por isso, conseguiram preservar seus direitos na íntegra.

Procurado, o Itamaraty confirmou a possibilidade de perda de direito a voto e disse que os pagamentos são de responsabilidade do Ministério da Economia.

"Nos termos do artigo 19 da Carta das Nações Unidas, existe, de fato, possibilidade de perda de voto em função de eventual dívida. Para fins desse cálculo, são levadas em conta as contribuições não apenas ao orçamento regular, mas também às missões de paz e aos tribunais da ONU. Os pagamentos são de competência do Ministério da Economia e, assim como as demais ações orçamentárias, são sujeitos às restrições fiscais que se impõem ao orçamento federal", diz a pasta.

O Itamaraty informou trabalha conjuntamente com o Ministério da Economia no sentido de evitar comprometer a atuação internacional do Brasil.

"O Ministério das Relações Exteriores sinaliza regularmente os potenciais prejuízos políticos decorrentes da situação das contribuições brasileiras aos organismos internacionais, inclusive eventuais 

Outros órgãos

O Itamaraty também chama atenção para outras duas organizações internacionais além das Nações Unidas. O Brasil atualmente é o maior devedor da Organização dos Estados Americanos (OEA), com saldo aberto de US$ 21,8 milhões referente aos anos de 2020 e 2021.

“Além de comprometer o funcionamento da organização, essa dívida pode gerar constrangimentos para a candidatura do brasileiro Rodrigo Mudrovitsch à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que conta com empenho pessoal do próprio presidente da República. A eleição deve ocorrer em novembro, por ocasião da Assembleia-Geral”, destaca a área diplomática do governo.

Sediada em San José (Costa Rica), a corte compõe o sistema interamericano de direitos humanos, com 24 países-membros. São sete juízes, que têm mandatos de seis anos, com direito a uma recondução. Mudrovitsch foi designado candidato pelo governo brasileiro em dezembro do ano passado.

O Itamaraty também destaca uma dívida de US$ 87 mil com a Agência para Proscrição das Armas Nucleares da América Latina e Caribe, único organismo internacional dirigido por um brasileiro hoje, o embaixador Flávio Bonzanini. O MRE ressalta que ele é candidato à reeleição e “conta com apoio político que a diplomacia brasileira vem trabalhando nos bastidores para garantir” a sua recondução.

Procurado, o Ministério da Economia ainda não respondeu.

Manoel Ventura para O Globo online, em 16/08/2021, atualizado às  16:29 hs.

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