terça-feira, 18 de maio de 2021

Octavio Guedes: Calma, Pazuello! Não é o Ustra, é só o Renan

Ex-ministro da Saúde conseguiu um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para poder ficar calado durante perguntas que possam lhe incriminar em depoimento na CPI da Covid.

Ex-ministro da Saúde conseguiu um habeas corpus no STF para poder ficar calado durante CPI da Civd — Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

O general da ativa Eduardo Pazuello, quando perguntado sobre o que achava do AI-5, deu a seguinte resposta à repórter Marcela Matos, da revista Veja: "Nasci em 1963, nem sei o que é o AI-5, nunca nem estudei para descobrir o que é".

Dez meses depois da entrevista, Pazuello terá a oportunidade de, finalmente, aprender a diferença entre democracia e ditadura, quando for depor, na quarta-feira, na CPI da Covid.

Com o intuito de ajudar, este humilde blog vai comparar uma sessão de depoimentos presidida pelo senador Omar Aziz na CPI com outra comandada pelo coronel Ustra. "Por que Ustra?", pergunta o leitor. Porque ele usou e abusou do AI-5 para "fazer investigações". Além de ser referência moral do chefe de Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro.

A convocação

Luiz Eduardo da Rocha Merlino tinha 23 anos quando foi "convocado" para colaborar com uma investigação por homens armados de metralhadora que invadiram a casa de sua mãe, em Santos, em julho de 1971. Não tinham nenhuma intimação, mandado, nenhuma ordem escrita e fundamentada.

A irmã dele questionou o que estava acontecendo e recebeu como resposta uma coronhada de um dos militares que cumpriam a ordem de Ustra. Sem um papel de embrulhar pão como respaldo, os militares levaram Merlino e avisaram à mãe que seria um rápido interrogatório.

Pazuello foi convocado de forma oficial, conseguiu um atestado de risco sanitário do comandante do Exército para adiar sua ida à CPI, usou o hotel de trânsito da Força em Brasília para fazer media training e ainda contratou um advogado.

O AI-5 que Pazuello não sabe e não estudou impediria toda sua estratégia. Viva a democracia!

As perguntas

Pazuello é livre para escolher como chegará ao Senado. Já Merlino foi levado de Santos até o Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI) de São Paulo por quatro militares armados, dentro de um Corcel.

No Senado, o relator Renan Calheiros irá indagar Pazuello sobre suas atividades no Ministério da Saúde. Ele poderá ficar em silêncio em alguns momentos, porque o governo descolou um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, remédio extinto pelo AI-5, que lhe garante o silêncio parcial.

Nas suas inquirições, Renan tem adotado um tom duro, mas educado. E não encostou um dedo nas testemunhas quando achou que elas estavam mentindo. Nem pode. Queiroga e Wajngarten, acusados de não dizer a verdade, saíram da CPI sem um roxo. Assim é a democracia.

No DOI, Merlino foi perguntado sobre suas atividades no Partido Comunista Operário e pelo paradeiro de sua companheira, Angela Maria. Os militares acharam que ele estava mentindo e não gostaram de seu silêncio a alguns questionamentos. Merlino teve as roupas arrancadas, foi colocado num pau de arara e começou a receber choques no pênis e espancamentos de todos os tipos. Ustra participou pessoalmente das sessões.

O AI-5 que Pazuello não sabe e não estudou tinha a tortura, e não o habeas corpus, como método para testemunhas que se reservam ao direito de silêncio. Viva a democracia!

Acareação

Se Pazuello cair em contradição em relação a outra testemunha, a democracia permite que a CPI faça uma acareação entre os dois. É duro, difícil, mas nada se compara às acareações do AI-5 que Pazuello não sabe e não estudou.

Merlino caiu em contradição aos olhos dos interrogadores e Ustra determinou que ele fosse colocado em pé, frente a frente, com outro preso. Em pé é modo de dizer, pois Merlino já não consegui fazer isso. Seus membros inferiores estavam em gangrena, suas nádegas esfoladas e ele vomitava sangue quando se alimentava. Mesmo assim a acareação aconteceu. Ele morreu em seguida.

Para disfarçar a morte de Merlino, Ustra ordenou que um caminhão passasse várias vezes por cima do cadáver. O Estado brasileiro forneceu à família a justificativa de que ele morrera atropelado.

No Senado, Pazuello terá uma equipe médica à disposição, caso se sinta mal. E sairá dali vivo. Viva a democracia!

Moral da história

Da próxima vez em que for perguntado sobre o AI-5, Pazuello não precisará dar uma resposta carregada de cinismo. Bastará dizer que a diferença entre a democracia e a ditadura é a vida. No caso, sua própria vida. Viva a democracia.

PS:

1 - As informações contidas neste artigo foram obtidas em denúncia do Ministério Público Federal baseada no relatório da Comissão Nacional da Verdade.

2 - O título é copiado de um meme da internet que inspirou este artigo.

 Por Octavio Guedes é Comentarista de política da GloboNews e eterno repórter. Publicado originalmente pelo G1, em 16.05.2021, às 14h06  Atualizado há um dia.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

8 anos e 12 quilos, a criança com malária e desnutrição que simboliza o descaso com os Yanomami no Brasil

Etnia enfrenta crises sanitária e ambiental com escalada de violência por garimpos ilegais. Imagem expõe o grave e crônico problema da assistência à saúde em várias aldeias

Criança Yanomami com desnutrição e malária, na aldeia Maimasi. / Foto: Divulgação

Uma rede escura acomoda o corpo miúdo de uma criança Yanomami tão magra que é possível ver sua pele moldar as costelas. A fotografia de uma menina de oito anos que pesa apenas 12,5 quilos (o peso mínimo normal para a idade seria de 20 quilos), feita na aldeia Maimasi em Roraima, expõe um problema crônico de desassistência à saúde que os povos indígenas enfrentam no coração da Amazônia ―e que vem crescendo ano após ano. 

A criança estava acometida por malária, pneumonia, verminose e desnutrição, em uma região sem visitas regulares de equipes sanitárias e que fica a 11 horas a pé do polo de saúde mais próximo. Ela teve sua imagem capturada dias antes de ser transferida de avião a um hospital da capital Boa Vista no dia 23 de abril, onde já se recuperou da malária, mas segue em tratamento para os outros problemas. 

Virou símbolo do histórico descaso do Brasil com o povo Yanomami, que luta para sobreviver em meio a uma junção de graves crises: a escalada de violência por garimpeiros ilegais, os impactos ambientais que levam fome a algumas regiões e a fragilidade do acesso à atenção sanitária.

“Meus antepassados morreram pelo mesmo que eu tô enfrentando: o garimpo ilegal e a epidemia”

“Na cultura Yanomami a gente não pode demonstrar imagem de criança, frágil, doente. Mas é muito importante [fazer isso] pela crise que estamos vivendo”, explica o líder indígena Dario Kopenawa, ao autorizar a publicação da fotografia nesta reportagem. Para esta etnia, a imagem da pessoa é parte importante dela e disseminá-la em uma situação de enfermidade pode enfraquecê-la ainda mais. Até quando se morre, é preciso queimar todas as lembranças de quem partiu para preservar seu espírito no mundo dos mortos. Mas a comunidade decidiu divulgar a fotografia enquanto a criança tenta se recuperar para denunciar aos napëpë ―como chamam os não indígenas― seu sofrimento diante da grave crise de saúde que os ameaça.

“Esta foto é uma resposta da violação de direitos dos povos indígenas”, resume Kopenawa. Enquanto a malária e a covid-19 avançam sobre as aldeias, lideranças narram que equipes de saúde foram reduzidas com profissionais afastados por covid-19 e outras doenças, postos de saúde foram fechados temporariamente e falta helicóptero para transporte de pacientes em áreas de difícil acesso. “A gente sofre há muito tempo sem estrutura boa, sem todos os profissionais completos pra dar assistência. Com a pandemia, piorou”, destaca Konepawa. 

O problema afeta especialmente as comunidades mais isoladas, que dependem de visitas esporádicas das equipes. “Tem locais que estão ainda sem vacinação contra a covid-19 porque não têm profissionais. São comunidades que ficam longe dos postos, não têm como chegar”, acrescenta Júnior Yanomami, membro do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), um órgão responsável pelo controle social das ações governamentais. No Brasil, os grupos indígenas são prioritários na fila de vacinação.

“A saúde Yanomami está abandonada. Falta tudo”

“A saúde Yanomami está abandonada. Falta tudo”, continua o líder indígena. Segundo ele, a aldeia Maimasi, que vive um surto de malária e onde várias crianças padecem com desnutrição e verminoses, não recebia visita de equipes de saúde havia seis meses, quando profissionais atenderam a criança da fotografia (divulgada por um missionário católico e publicada pela Folha de S. Paulo), no final de abril. A equipe não dispunha de medicamentos suficientes para todos os que precisavam, conta o indígena. A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), responsável pela atenção aos povos originários, dá uma versão diferente: diz que o atendimento ocorreu dia 19 de março, “mas a família não autorizou a remoção para uma unidade de saúde”. Também garante ter estoque suficiente de medicamentos e ter contratado profissionais de saúde, mas não esclarece qual é a frequência das visitas à aldeia. A Sesai tampouco informa ao EL PAÍS sobre a incidência de malária, desnutrição e mortalidade infantil para dar a dimensão do crescimento das doenças na região.

Esses problemas de saúde não são generalizados em todo o território Yanomami ―tão vasto quanto a área de um país como Portugal―, mas estão presentes em várias comunidades. Um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz em duas áreas do território ―Auaris e Maturaká― e divulgado no ano passado dá pistas sobre o tamanho do problema: 80% das crianças de até 5 anos apresentavam desnutrição crônica e 50% desnutrição aguda nestes locais. 

A situação está relacionada desde à escassez de água potável até a falta de acompanhamento nutricional e de pré-natal na gestação. Passa ainda pelos quadros de verminoses, malária e diarreia frequentes nas comunidades, sem ações preventivas de saúde fortes. “Desde 2019, relato as necessidades e pedimos socorro ao Governo”, diz Júnior Yanomami. “Agora está pior. Aumentou muito a desnutrição. Onde tem garimpo forte tem o problema da fome. E na pandemia aumentaram as invasões. Como eu vou explicar a fome dos Yanomami? Eles [os garimpeiros] sujam os rios, destroem a floresta, acabam a caça. Nós nos alimentamos da natureza”, explica o indígena.

Os moradores da Maimasi são descendentes de um dos grupos mais afetados pela abertura da estrada Perimetral Norte (BR-210) na década de 1970, durante a ditadura militar. Naquela época, parte significativa do grupo morreu diante de surtos de sarampo e outras doenças levadas pelos trabalhadores das obras. Há anos, eles cobram um posto de saúde, mas por enquanto seguem dependendo de visitas esporádicas da equipe de saúde à comunidade. 

A situação que já era difícil ficou pior especialmente a partir do ano passado. As visitas diminuíram enquanto cresceram as atividades de garimpeiros ilegais, aumentando a chance de doenças transmissíveis e a violência. E os casos de malária, enfrentados pelos indígenas há décadas e considerados “endêmicos” pela Sesai, seguem crescendo. 

Segundo Júnior Yanomami, só neste ano já foram identificados cerca de 10.000 casos, o que corresponde a pouco mais de um terço de toda a população yanomami, de cerca de 29.000 pessoas. “A criança na foto provavelmente expressa esse somatório de tragédias”, afirma uma nota da Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana.

“Nosso território está vulnerável com tantos problemas ao mesmo tempo”

Os vários problemas sanitários, ambientais e sociais enfrentados não estão dissociados. O desmatamento na Amazônia no último mês de abril foi o maior em seis anos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. 

O desmatamento tem crescido ano após ano, e o desequilíbrio ambiental interfere na alimentação dos povos da floresta, que se alimentam do que colhem, pescam e caçam nas comunidades mais isoladas. Em várias áreas, a presença de garimpeiros e madeireiros ilegais leva ainda à contaminação de rios com mercúrio, contribuindo para desnutrição, desidratação e diarreia. 

Com os recursos diminuindo na floresta e a fome à espreita, alguns indígenas acabam trabalhando com não indígenas e aderindo a uma alimentação industrializada e menos nutritiva. “Não dá para generalizar que as crianças estão morrendo desnutridas, com fome. Tem esse problema onde há presença dos garimpeiros. 

Onde não tem garimpo as crianças estão saudáveis, comendo bem e cuidando de suas atividades. O que falta é assistência de saúde”, defende Kopenawa. “A vida do povo Yanomami está em risco. Nosso território está vulnerável com tantos problemas ao mesmo tempo.”

Crianças do povo Sanöma, que vive na Terra Indígena Yanomami, na fronteira do Brasil com a Venezuela. (Crédito da foto: Sílvia Guimarães / Arquivo Pessoal).

A escalada da violência com garimpos ilegais

Às crises sanitária e ambiental, soma-se ainda uma escalada de violência em algumas regiões. É o caso da comunidade indígena Palimiu, em Roraima. Há uma semana, a aldeia enfrenta ataques de garimpeiros, com tiros, bombas e gás lacrimogêneo contra os indígenas. Na última terça, garimpeiros ilegais trocaram tiros com a Polícia Federal durante uma visita para averiguar as denúncias de ataques à aldeia. “Eu nunca tinha visto tantos tiros. Só em filme. Eles [garimpeiros] eram muitos e tinham armamento pesado”, conta Júnior Yanomami, que estava na comunidade naquele momento. No ano passado, os indígenas criaram uma barreira sanitária para evitar a passagem de garimpeiros e tentar frear a disseminação do coronavírus. Mas o rio Uraricoera, onde fica a barreira, é uma das principais rotas para a atividade. No dia 24 de abril, os Yanomami impediram a passagem de um grupo. Tentaram negociar para que não voltassem. A resposta, segundo Júnior Yanomami, veio meio hora depois, com tiros em direção à comunidade. Os indígenas revidaram com flechas e tiros de espingarda.

Os vários conflitos na última semana, segundo relatam os indígenas, deixaram três garimpeiros e um Yanomami feridos. Duas crianças teriam morrido afogadas enquanto fugiam dos tiros, segundo lideranças. “É uma coisa muita séria. Todos lá estão com muito medo. Eu também fiquei”, emenda Júnior Yanomami. “Tem Yanomami correndo risco. Tenho medo de acontecer um massacre a qualquer momento. O Governo Federal tem que se mexer”, clama.

Entidades indigenistas veem o posicionamento do presidente Bolsonaro, que já fez declarações contra a demarcação da terra indígena Yanomami e costuma defender a regularização do garimpo nos territórios, como um estímulo aos conflitos. Na última quarta-feira, o Exército até deslocou homens para a comunidade, mas os retirou horas depois. A 1ª Brigada em Boa Vista não respondeu à reportagem se reenviará os militares e o que motivou a retirada deles. 

A Polícia Federal, por sua vez, deve retornar para investigar o caso. Enquanto isso, os indígenas seguem em estado de alerta e medo, contam lideranças. Até que a situação se modifique, devem ficar também sem os serviços de saúde, já que a Sesai retirou os profissionais diante da gravidade da situação. “A unidade de atendimento será reaberta tão logo seja possível atuar em segurança”, afirma a secretaria, acrescentando que atendimentos de urgência serão realizados pontualmente no distrito sanitário indígena que fica fora do território. 

Já a Fundação Nacional do Índio não retornou os contatos da reportagem. “O clima é de medo. Muito medo. Agora só eles estão lá. Não tem PF, Exército nem Saúde. Estão sozinhos para defender a sua comunidade”, finaliza Júnior Yanomami.

BEATRIZ JUCÁ, de São Paulo para o EL PAÍS, em 17 MAI 2021 - 19:12 BRT

Bolsonaro diz que pessoas que cumprem isolamento são "idiotas"

Presidente critica apelos para que brasileiros restrinjam os contatos sociais em meio à pandemia, que já provocou 435 mil mortes no país. "Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa", diz.

Presidente vem atacando medidas de isolamento desde o início da pandemia

O presidente Jair Bolsonaro chamou nesta segunda-feira (17/05) de "idiotas" as pessoas que ficam em casa para impedir a disseminação do coronavírus ou por medo de pegar a doença.

A pandemia já provocou mais de 435 mil mortes no país desde março de 2020 e, apesar de sinais de desaceleração, o Brasil ainda continua registrando média móvel de cerca de 2 mil óbitos por dia. 

Em declarações a sua claque de apoiadores que aparece diariamente em frente ao Palácio do Alvorada, Bolsonaro ainda elogiou o agronegócio, que na sua visão não parou durante a pandemia.

"O agro realmente não parou. Tem uns idiotas aí, o 'fique em casa'. Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa. Se o campo tivesse ficado em casa, esse cara tinha morrido de fome, esse idiota tinha morrido de fome. Daí, ficam reclamando de tudo", disse Bolsonaro, ignorando o fato de que nenhum governo mundo afora determinou a suspensão de atividades essenciais como a agricultura ou pecuária.

Os elogios ao agronegócio seguiram a linha de falas que Bolsonaro dirigiu para apoiadores no sábado, durante um ato na Esplanada dos Ministérios. Na ocasião, vários apoiadores exibiam faixas e placas com mensagens anticonstitucionais, pedindo um golpe militar no país.

Queda na adesão ao isolamento

Ainda nesta segunda-feira, o Datafolha mostrou que a adesão dos brasileiros ao isolamento chegou ao nível mais baixo desde o início da crise. De acordo com o instituto, apenas 30% dos brasileiros adultos seguem totalmente isolados ou saem de casa apenas quando é inevitável. Em abril de 2020, o percentual era de 72%. Em março deste ano, 49%.

Para o levantamento, o Datafolha fez 2.071 entrevistas presenciais, entre os dias 11 e 12 de maio, em 146 municípios. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos.

O Brasil segue como um dos países mais afetados do mundo pela doença, com taxa de mortalidade de 206,4 por 100 mil habitantes - a 12º mais alta do mundo, atrás apenas de uma série de pequenos e médios países europeus e bem à frente de vizinhos como a Argentina. Em números absolutos, o país tem o segundo maior número de mortes no mundo.

O país também registrou oficialmente até o momento 15,6 milhões de casos da doença - atrás apenas dos EUA e Índia -, mas especialistas apontam que o número é certamente mais alto, já que a capacidade de testagem no país continua baixa. 

Pressão

Desde o início da pandemia, Bolsonaro vem criticando e sabotando sistematicamente recomendações de isolamento para combater a pandemia. O presidente costuma incentivar aglomerações, raramente usa máscara e ainda critica o uso do acessório - em fevereiro, Bolsonaro chegou a divulgar uma enquete distorcida que, segundo ele, provaria que máscaras são perigosas. Bolsonaro também já ameaçou diversas vezes acionar as Forças Armadas contra governadores e prefeitos que determinam medidas de restrição no comércio.

As novas críticas de Bolsonaro ao isolamento ocorrem num momento delicado para o governo, que está sob pressão por causa da CPI da pandemia. Nesta semana, a comissão deve ouvir o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que ocupou o cargo entre maio de 2020 e março deste ano e que é acusado pela oposição e especialistas de incompetência, má gestão e de implementar uma agenda negacionista na pasta sob a direção de Bolsonaro.

Números do Datafolha também apontam que o governo está perdendo cada vez mais apoio entre a população. No sábado, o instituto apontou que 49% dos brasileiros apoiam o impeachment de Bolsonaro, contra 46% que rejeitam. Outro levantamento do instituto apontou que 58% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro não tem capacidade de liderar o país. Uma pesquisa do mesmo instituto também apontou que uma eventual candidatura à reeleição de Bolsonaro pode ser derrotada por larga margem em 2022. O presidente aparece com apenas 23% das intenções de voto no primeiro turno, bem atrás do petista Luiz Inácio Lula da Silva, que tem 41%.

Deutsche Welle Brasil, em 17.05.2021

Brasil registra mais 786 mortes por covid-19

País também contabiliza 29.916 novos casos da doença nesta segunda-feira. Número acumulado de mortes passa de 436 mil.    

O Brasil registrou oficialmente nesta segunda-feira(17/05) 786 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 29.916 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.657.391, e os óbitos somam agora 436.537.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Os números de segunda-feira também costumam ser mais baixos porque refletem dados do fim de semana, quando muitos hospitais e secretarias trabalham em regime de plantão.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.097.287 pacientes haviam se recuperado da doença até domingo.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 586 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,9 milhões) e Índia (24,9 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 207,7 no Brasil, a 10ª mais alta do mundo, quando desconsiderado o país nanico de San Marino.

Ao todo, mais de 163,2 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 3,38 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 17.05.2021

Vera Magalhães: Maior marca de Covas foi política, não administrativa

Confirmada a notícia trágica da morte do prefeito de São Paulo, Bruno Covas, aos 41 anos recém-completados, fui questionada pelo jornalista Fernando Andrade, na CBN, a respeito da marca que o tucano deixou em sua gestão à frente da cidade.

Não é possível falar em uma marca distintiva do ponto de vista administrativo. Covas herdou a cadeira de João Doria menos de dois anos depois de ser eleito seu vice em uma inédita conquista em primeiro turno, em 2016.

Tinha então 36 anos, uma breve experiência no Executivo, como secretário estadual de Meio Ambiente de Geraldo Alckmin, mas uma longa trajetória partidária, além de uma vivência dos bastidores da política que vinha literalmente de berço, do convívio com o avô e ídolo Mário Covas, com quem chegou a morar no Palácio dos Bandeirantes.

O estilo jovial, o gosto não disfarçado por viagens e baladas, uma então recém-adquirida disposição para perder peso, mudar a alimentação e investir na saúde e na forma física levavam a que seus adversários, e mesmo alguns aliados, apontassem nele a inapetência pelo dia a dia da administração, que exige longas horas dedicadas a questões burocráticas e que numa cidade como São Paulo, que de fato não para, significa uma rotina exaustiva de trabalho.

Essa crítica, aliada à dúvida a respeito de se ele conseguiria imprimir a própria marca à gestão herdada de Doria, consumiu os primeiros meses de sua gestão, nos quais Covas se eximiu de fazer grandes mudanças, até para não atrapalhar uma já complicada eleição do correligionário ao governo do Estado.

Foi só a partir de 2019 que ele se sentiu livre para fazer as mudanças que entendia necessárias e que visavam também contemplar aliados políticos. Algumas, como a nomeação de Ale Youssef para a Cultura, levaram a que se indispusesse com o próprio Doria. Mas a dúvida quanto à vocação para a gestão permanecia.

No dia 11 de outubro de 2019, Covas me convidou para almoçar com ele e alguns secretários, em seu gabinete na prefeitura. Fiz a pergunta sobre isso diretamente a ele, e questionei justamente se essa característica seria uma ameaça à sua reeleição.

Não vou saber reproduzir as palavras exatas, mas me lembro do que ele disse: que vivia a política desde criança, estava no PSDB desde adolescente, tinha sido deputado, secretário, vice-prefeito. Como era possível que duvidassem de sua aptidão e de seu apetite pela vida pública. Faltava um ano para a eleição: a partir dali suas entregas começariam a aparecer e ele seria reeleito. 

Bolsonaro já era presidente. O PT vinha do desgaste da prisão de Lula e do impeachment. Ele imaginava que seu aceno à esquerda na composição do secretariado e uma plataforma de centro que não estigmatizasse os adversários venceria a eleição.

No dia 29 daquele mesmo mês ele descobriu que tinha um câncer na cárdia, com metástase. Foi essa diferença de dias que fez com que a conversa permaecesse tão nítida na minha memória.

Cheguei a imaginar que o diagnóstico o levaria a desistir da candidatura. De fato, houve uma movimentação dos partidos para sondar a possibilidade de lançar outro nome. Mas, assim como foi firme ao encarar penosas sessões de quimioterapia sem se afastar da prefeitura (dissipando ali as críticas pela pouca afeição ao trabalho na prefeitura), Covas bateu o pé de que seria candidato para submeter seu trabalho ao escrutínio do eleitor.

Não foi a única circunstância adversa que enfrentou. Veio a pandemia. Ele teve covid-19 em meio ao tratamento. Mas levou a candidatura adiante, com transparência, conciliando uma campanha atípica com a quimioterapia. Tive a oportunidade de entrevistá-lo quatro vezes ao longo da campanha de 2020, além de questioná-lo em dois debates.

Em todas as vezes perguntei se sua situação de saúde não seria um entrave a novo mandato de quatro anos. Era uma dúvida mais que legítima, que a cidade merecia ver esclarecida. Ele em todas as vezes repetia que não estava curado, mas se sentia bem e confiava na cura.

E ao longo de um ano entre nossa conversa e sua reeleição construiu outro legado, que não foi de natureza administrativa -- respondi ao Fernando Andrade e repito aqui que sua gestão não deixou grandes marcas de Educação, Saúde, urbanismo ou mobilidade urbana --, mas político.

Primeiro, ao conduzir a cidade durante a pandemia (mesmo vivendo um drama pessoal paralelo) segundo preceitos científicos, assumindo inclusive o potencial desgaste de adotar medidas impopulares num ano eleitoral.

E, depois, e não menos importante, ao se portar de forma republicana diante dos adversários, mesmo tendo a máquina e a maior estrutura financeira entre os postulantes. O Brasil vinha de duas campanhas, a presidencial de 2014 e a presidencial e estadual de 2018, tóxicas, abjetas mesmo, em que a aposta na desinformação, na aniquilação dos adversários e na negação da política foram marcas.

Covas resgatou a importância dos partidos, não fez uma falsa estigmatização da esquerda, não procurou surfar a onda de direita que vinha de dois anos atrás e não se furtou a traçar uma linha divisória no chão, mostrando que o presidente representava a negação da política e um risco à democracia.

Principalmente no segundo turno, ele e também seu rival, Guilherme Boulos (PSOL), brindaram uma cidade abatida pelo vírus e pela crise econômica com o mínimo que se deveria esperar dos homens públicos: respeito, razoabilidade, diálogo, divergência republicana.

O fato de o eleitor ter referendado sua gestão ao reelegê-lo não se deveu a nenhuma obra, ou à melhora significativa em indicadores sociais e econômicos. Mas a uma gestão confiável da pandemia e à razoabilidade na política. A direita histérica bolsonarista, ex-bolsonarista ou protobolsonarista não foi nem ao segundo turno na maior cidade do Brasil dois anos depois de o capitão se eleger. Não foi pouca coisa. E aquela campanha, ainda tão fresca na memória de todos, projeta um caminho para 2022: o de que é possível uma candidatura de centro viável, desde que haja autenticidade.

Não só o sobrenome, o câncer, a risada por vezes sarcástica e as entradas acentuadas nas têmporas uniram a trajetória dos dois Covas, o avô e o neto, com a diferença de 20 anos entre a morte de um e de outro: também foi um traço de ambos a prática da política dos cavalheiros, o que não os eximia de ser grosseiros ou irritadiços às vezes, mas nunca autoritários.

Por tudo isso, a marca que Covas deixou para o debate público e para a História foi que o que existe de melhor na política não é nenhuma panaceia de "nova política" ou o culto a uma falsa "não-política": é a prática da arte da política em sua plenitude, com as idiossincrasia, as contradições, as imperfeições e as limitações que ela tem numa democracia que muitas vezes vive de solavancos, mas não pode prescindir da negociação e do dissenso, sob pena de deixar de ser democracia.

Vera Magalhães é Jornalista. Apresentadora do Roda Viva da TV Cultura. Este artigo foi publicado originalmente n'O Globo, em 17.05.2021

Paladinos ilegais e profetas infiéis, heranças seculares e perigosas

Logo teremos eleições e preocupa muito que não elejamos quem defenda os interesses coletivos

O advogado, escritor, político e revolucionário Maximilien Robespierre conquistava simpatizantes com posições humanistas, era contrário à escravidão, à pena de morte e defendia a participação política de todos os cidadãos, independentemente de seu lastro financeiro.

Ele se tornaria líder dos jacobinos, ala revolucionária mais radical, e rapidamente sua parcimônia seria substituída pelo autoritarismo, que em nome da causa decapitaria amigos por divergências de toda ordem. Mas da ala dos descontentes um estruturado revés levaria também sua cabeça para rolar na Place de la Concorde.

Na democracia, os reveses que inquietam por alternar extremos ideológicos também principiam nas insatisfações, porém se concretizam nas urnas, sem ferimentos democráticos. Uma vez empossado, o novo mandatário deve abandonar a belicosidade eleitoral e encontrar os caminhos para validar suas promessas, sem distanciamento dos crivos institucionais e do sentimento popular, sob o grave risco de decapitação no pleito seguinte, ou durante o vigente.

É alternativa condenável o aparelhamento do sistema administrativo para, em seguida, mutilar as instituições e modular o governo longe da participação popular. Essas estratégias, ou tentativas, para linhas à direita ou à esquerda, ensaiadas ou implementadas, nunca deixam bons saldos.

Outra tática para dominar as massas e os consequentes triunfos políticos contempla alinhamento por arrimos religiosos, não faltando habilidosos articuladores que se utilizam, para suas próprias pretensões, da fé incondicional dos seguidores. As religiões têm variadas teceduras em suas origens, provavelmente a frágil pequenez humana perante o universo tenha sido detectada muito cedo por nossos ancestrais e, desde quando nós encontramos registros, nossa jovem espécie tem seus credos.

A adoção do cristianismo, em 323, por Constantino, no Império Romano, foi simbiótica, crucial para estender a sustentação imperial, porém ainda mais importante na imensa propagação da religião cristã. Mas a frente única de doutrinas seria contestada em sua hegemonia quase 12 séculos depois, por Martinho Lutero, principiando dissidências que se estabeleceram em diversos nomes.

Importante marco das cisões internas no cristianismo, e notório exemplo da relação entre religião e poder, se deu quando Henrique VIII oficializou a Igreja Anglicana em substituição à Católica. A atitude do rei, em 1534, foi tomada em retaliação ao papa, que não lhe concedera o divórcio de sua primeira esposa, a rainha espanhola Catarina de Aragão. Henrique estava decidido a se casar com Ana Bolena.

A partir de então, a Grã-Bretanha viveria séculos de terror nos grandes duelos entre cristãos de uniformes diferentes, enquanto na França, do mesmo modo, se verificavam muitos massacres e sangue antes e depois da permissão para o culto protestante.

A mistura de religião e poder é cáustica e perigosa, emotiva e raramente racional, míope quando homogênea e segregante, assim como tempestuosa, se é impositiva. Por outro lado, o elo entre a religiosidade e as soluções de enfermidades permanece no imaginário humano, e aqui não se discutem suas bases, mas a ciência caminha bem por quase todas as crenças. São bastante pontuais afrontamentos religiosos perante condutas ditadas pela ciência, e propositadamente não enunciarei nenhum deles.

Muito embora alguns credos, em raras ramificações, contemplem sacrifícios, em geral sucede o contrário, buscam dádivas que intercedam em sobrevivências ameaçadas, habitualmente em favor da vida.

Sobraram vozes consonantes, em Legislativos e Executivos de todas as nossas esferas governamentais, para o desesperado manifesto de alguns líderes religiosos solicitando exceção para execução de cultos, em oposição contundente às então orientações das autoridades sanitárias. Buscavam apoio oficial para convocar fiéis à aglomeração, chamamento que já verificava em ato clandestino, desumano e inaceitável para os propósitos dessas instituições.

Fosse a arrecadação dos dízimos para quitar os débitos de R$ 1,9 bilhão inscritos na Dívida Ativa da União, seria ao menos compreensível, embora equivocado. Contudo o argumento se derramava no que entendem como necessário louvor a Deus, sugerindo incapacidade do ser supremo quanto à onipresença nos lares e quinhões planetários.

Por aqui, todos os dias surgem Robespierres de inúmeras tribos com a promessa paladina de uma inadiável limpeza institucional, mas perdem a mão ou pelo exagero, rasgando o Código Penal, ou desmantelando (aparelhando) a estrutura para estender o domínio, sem nos distanciar do caos. Na mesma esteira são muitos os candidatos a Henriques VIII, resolvendo suas dores com os suores e vidas de seus fiéis e/ou eleitores.

Preocupa muito que em breve escolhamos nas eleições os representantes do empresariado, da indústria, do mercado financeiro, do setor imobiliário, de frações religiosas, de facções criminosas e de grupos de extermínio, mas não elejamos ninguém que defenda os interesses coletivos.

Antonio Carlos do Nascimento, no autor deste artigo, é doutor em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia  e Metabologia (SBE).  Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 17 de maio de 2021.

Um jovem exemplar

Bruno Covas mostrou-se à altura das melhores tradições paulistanas, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, morreu ainda no início de sua trajetória política, mas isso não impediu que esse jovem quadro do PSDB desse muitas lições inclusive para os veteranos que parecem ter esquecido qual é a verdadeira missão dos homens públicos.

Aos 41 anos, enfrentou com relativo sucesso o desafio de governar a maior cidade do País e uma das maiores do mundo em meio a uma pandemia e a sérias restrições orçamentárias, tudo isso diante de problemas crônicos da gigantesca metrópole.

A morte precoce não impediu que Bruno Covas gravasse seu nome na história da cidade. Mostrou-se à altura das melhores tradições paulistanas, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo.

Mesmo seus mais críticos adversários reconhecem em Bruno Covas a disposição para a verdadeira política – aquela em que as eventuais diferenças ideológicas não são encaradas como obstáculos intransponíveis, mas como expressões legítimas de distintas visões de mundo. 

O prefeito vinha fazendo sua carreira firmemente apegado à ideia de que a política não é briga de rua, e sim colaboração em nome de ideais superiores, tal como se comportava seu avô, o governador Mario Covas – que não pestanejou em manifestar apoio a Lula da Silva quando este disputou o segundo turno da eleição presidencial contra Fernando Collor em 1989, e que se juntou à candidata petista Marta Suplicy na disputa à Prefeitura de São Paulo contra Paulo Maluf em 2000.

Foi dessa maneira, aliás, que Bruno Covas tentou resgatar os valores do antigo PSDB, partido que fez história com a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, levando ao Palácio do Planalto, vitrine para o Brasil, o compromisso com a responsabilidade fiscal e com a modernização do Estado. Hoje perdido entre projetos de quem coloca suas ambições pessoais à frente dos imperativos históricos do partido, o PSDB vem perdendo musculatura moral para voltar a ser protagonista da política. Bruno Covas era uma brisa de ar fresco em meio a essa atmosfera pesada.

O prefeito reconheceu o valor dos veteranos políticos tucanos que foram sendo deixados de lado em nome de uma ideia totalmente equivocada de competitividade eleitoral e de renovação partidária. Fez questão de acompanhar o ex-presidente FHC quando este foi votar na eleição para a Prefeitura, no ano passado. Um contraste e tanto com a posse do governador tucano João Doria em 2019, que não foi prestigiada por nenhum dos antigos dirigentes tucanos – nem por Bruno Covas, que assumira a Prefeitura no lugar de Doria.

A renovação que Bruno Covas pretendia liderar era, portanto, de outra natureza. Significava não a destruição do passado social-democrata, tampouco uma guinada à direita reacionária, e sim a atualização da plataforma política que se constituíra, no passado, como alternativa política e eleitoral consistente.

Ao mesmo tempo, Bruno Covas demonstrou notável determinação para enfrentar as muitas crises que se apresentaram durante sua curta passagem pela Prefeitura. Já em 2018, quando mal assumira o cargo, Bruno Covas teve que encarar o pandemônio causado pela greve dos caminhoneiros. Montou um gabinete de crise, decretou estado de emergência e providenciou combustível para abastecer veículos de prestação de serviços. Apesar de tudo, a cidade não parou.

Mas a pandemia foi o grande teste, do qual o prefeito saiu-se relativamente bem – a ponto de ter sido este um dos trunfos de sua vitoriosa campanha à reeleição. É evidente que a Prefeitura cometeu vários erros, e a cidade foi submetida a restrições muitas vezes confusas, sobretudo em áreas críticas, como a educação. Mas não se pode negar que Bruno Covas jamais se furtou de sua responsabilidade e sempre teve coragem de assumir publicamente seus atos, por mais impopulares que fossem.

Era, principalmente, honesto e sereno – qualidades singelas que andam escassas na embrutecida política brasileira. Que sua morte sirva para lembrar que a política pode voltar a ser assim.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 17 de maio de 2021 

Aliados e adversários exaltam Bruno Covas como voz moderada


Prefeito de São Paulo morreu neste domingo com câncer. Tucano era "ponderado", "ponto de equilíbrio" e "democrata", dizem políticos de diferentes partidos.

Covas entrou na política por influência do avô, o ex-governador Mário Covas

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), morreu neste domingo (16/05), aos 41 anos, após 19 meses tratando um câncer surgido na região entre o estômago e o esôfago e que atingiu também o fígado e alguns ossos.

De perfil moderado e hábil articulador, Covas valorizava o papel da política e dos partidos e buscava imprimir ao PSDB um posicionamento de centro. Antibolsonarista, declarou voto nulo em 2018 para presidente, ao contrário do governador paulista, João Doria, que fez dobradinha com Jair Bolsonaro naquele ano.

Em entrevista à DW Brasil em fevereiro de 2020, Covas defendeu que o PSDB deveria ter um discurso "cada vez mais firme de parceria com o setor privado" e usar os instrumentos do governo para focar em "redução da desigualdade social".

Na sua gestão à frente da prefeitura paulistana, Covas buscou compor com políticos da centro-direita e direita sem deixar de fazer acenos a setores progressistas. Ele também insistia na expulsão do senador Aécio Neves do PSDB, após ele ter sido flagrado em 2017 pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batsta, dono da JBS.

A prefeitura de São Paulo será assumida de forma definitiva pelo vice de Covas, Ricardo Nunes (MDB), um político pouco conhecido pela população e de perfil mais conservador, que já comandava a administração de forma interina desde o início do mês.

"Ponderado" e "democrata"

O traço moderado de Covas foi destacado por diversos políticos aliados e adversários que divulgaram notas de pesar neste domingo.

Em sua manifestação, Dória afirmou que Covas era "pragmático e ponderado". "Bruno Covas era sensível, sereno, correto, racional, pragmático e ponderado. Voz sensata, sorriso largo e bom coração. Bruno Covas era esperança. E a esperança não morre: ela segue, com fé, nas lições que ele nos ofereceu em sua vida", disse.

O presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, disse que Covas era uma das lideranças mais promissoras e brilhantes da legenda e deixa "a certeza de que é possível fazer política sem ódio, fazer política falando a verdade".

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul pelo PSDB, afirmou que Covas deixa o exemplo de "dedicação por uma política feita com respeito e equilíbrio".

Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, disse que a morte de Covas priva o país de uma "liderança jovem e capaz, um ponto de equilíbrio na crise política".

Em mensagem em redes sociais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou sentimentos aos "familiares, amigos e correligionários de Bruno Covas, que nos deixou hoje após travar uma longa e dura batalha contra o câncer".

A ex-presidente Dilma Rousseff também elogiou a trajetória de Covas: "O Brasil perdeu um dos seus promissores líderes políticos. Quero manifestar meus sentimentos ao filho Tomás e a toda família Covas, além dos militantes e dirigentes do PSDB.”

O ex-presidente Michel Temer afirmou: "Com ele vai embora parte da nossa esperança. Descansa em paz".

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, registrou seu sentimentos aos familiares, amigos e ao filho de Covas. "Admiro a forma aguerrida como conduziu a pandemia na maior cidade do País e como fez sua campanha de eleição para a prefeitura", disse.

Orlando Silva, deputado federal pelo PCdoB de São Paulo, disse que Covas era "inteligente, cortês mesmo com quem a ele se opunha politicamente. Um democrata verdadeiro".

Guilherme Boulos, do PSOL, que disputou o segundo turno da eleição de 2020 contra Covas, afirmou: "Lamento muito a morte do prefeito Bruno Covas. Tivemos uma convivência franca e democrática. Minha solidariedade aos seus familiares e amigos neste momento difícil. Vá em paz, Bruno!"

Neto de ex-governador

Covas se aproximou da política desde cedo por influência do seu avô, o ex-governador Mário Covas (1930-2001). Ele filiou-se ao PSDB aos 18 anos de idade e foi presidente nacional da Juventude Tucana de 2007 a 2011.

Formado em direito pela USP e em economia pela PUC, Covas venceu sua primeira eleição em 2006, para deputado estadual. Quatro anos depois, foi reeleito com a maior votação no estado naquele ano.

Ele se afastou da Assembleia Legislativa antes do final do mandato para assumir a Secretaria de Meio Ambiente do governo Geraldo Alckmin, e em 2014 elegeu-se deputados federal.

Em 2016, Covas foi eleito vice-prefeito com Doria, representando na chapa tucana os setores mais tradicionais do PSDB. Quando Doria foi eleito governador, dois anos depois, Covas assumiu a prefeitura, aos 38 anos de idade.

Ele disputou a reeleição em 2020, quando já enfrentava o câncer, e derrotou Boulos no segundo turno com 59,4% dos votos válidos.

Evolução da doença

O câncer na cárdia foi diagnosticado em outubro de 2019, quando Covas havia se internado no Hospital Sírio-Libanês para tratar uma infecção de pele e exames localizaram os tumores, que também atingiram no início da doença os linfonodos.

Ele fez quimioterapia e radioterapia e, em novembro do ano passado, com os resultados positivos do tratamento, passou a fazer imunoterapia.

Em fevereiro e abril de 2021, porém, foram diagnosticados novos tumores no fígado, na coluna e a bacia. Em 2 de maio, ele tirou uma licença de 30 dias do cargo e se internou para realizar exames e retomar a quimioterapia e a imunoterapia.

Uma endoscopia identificou sangramento na região da cárdia e ele chegou a ficar entubado por um dia  Seu quadro de saúde permaneceu delicado nos dias seguintes, e na sexta-feira (14/05) os médicos informaram que seu quadro era irreversível. Ele faleceu às 8h20 deste domingo.

Deutsche Welle Brasil, em 17.05.2021

sábado, 15 de maio de 2021

Brasil registra mais 2.087 mortes por covid-19

País também contabiliza 67.009 novos casos da doença neste sábado. Número acumulado de mortes passa de 434 mil.

O Brasil registrou oficialmente neste sábado (15/05) 2.087 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 67.009 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.586.534, e os óbitos somam agora 434.715.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.028.355 pacientes haviam se recuperado da doença até sexta-feira.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 585 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,9 milhões) e Índia (24,3 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 206,9 no Brasil, a 10ª mais alta do mundo, quando desconsiderado o país nanico de San Marino.

Ao todo, mais de 162 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 3,36 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 15.05.2021

Bolsonaro desfila a cavalo em protesto de ruralistas e reclama de soltura de Lula

Presidente também discursou contra ‘arbitrariedades’ de governadores e prefeitos

Bolsonaro desfila a cavalo em ato na Esplanada dos Ministérios Foto: Reprodução / Twitter

O presidente Jair Bolsonaro participou neste sábado de uma manifestação organizada por ruralistas para apoiar o governo e criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) e a CPI da Covid. Depois de cavalgar na frente dos manifestantes usando um chapéu de boiadeiro na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro subiu em um carro de som e, sem citar nominalmente o STF, fez discurso afirmando que "tiraram um canalha da cadeia". Segundo ele, um político solto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula, que também não teve no nome citado, quer ganhar a eleição por meio de fraude. Bolsonaro repete o discurso da campanha de 2018 e, sem apresentar provas, alega que só o voto impresso é capaz de garantir a lisura das eleições.

Datafolha: 49% apoiam impeachment de Bolsonaro, e 46% se dizem contrários

— Quem prepara a terra e planta, é porque quer colher alguma coisa lá na frente. Se tiraram da cadeira o maior canalha da História do Brasil, se para esse canalha foi dado o direito de concorrer, o que me parece é que se não tivermos o voto auditável, esse canalha ganha as eleições do ano que vem — disse Bolsonaro, em referência a Lula.

Sem usar máscara, Bolsonaro caminhou entre os manifestantes, que criticavam tanto os ministros do Supremo quanto os membros da CPI da Covid. Bolsonaristas também se reuniram neste sábado na Avenida Paulista, em frente ao prédio da Fiesp, em São Paulo, para defender pautas do governo. O ato foi organizado pela Marcha da Família.

Ao som de gritos de "eu autorizo, eu autorizo”, uma referência ao discurso em tom de ameaça do próprio Bolsonaro de que esperava um pedido do povo para adotar medidas contra as medidas de isolamento social na pandemia, o presidente afirmou que não se pode “assistir passivamente tantos desmandos”:

— Não podemos assistir passivamente tantos desmandos, tantas arbitrariedades que vocês bem viram ao longo do último ano. Parece que tínhamos que passar por isso para dar valor à nossa liberdade.

O presidente disse que "direitos" estão sendo "suprimidos" e que "acabou esse tempo":

— Não queremos o confronto com ninguém. Mas não ousem confrontar ou roubar a liberdade do nosso povo. Vocês tem todo o direito de ir e vir, o direito à crença, o direito de trabalhar. E, sem qualquer critério, esses direitos foram suprimidos de vocês. Acabou esse tempo. Isso não voltará a acontecer. Afinal de contas, esse dispositivo constitucional é um dever de todos nós respeitar.

Bolsonaro destacou que muitos apoiadores querem "solução rápida para tudo", mas afirmou que todos os seus ministros tem o mesmo propósito de "servir à sua pátria" e "preservar a nossa liberdade".

Diversos ministros do governo federal estiveram presentes, como Walter Braga Netto (Defesa), Anderson Torres (Justiça), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Tezera Cristina (Agricultura), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

Bolsonaro também falou em "reunião de vagabundos" — repetindo o termo usado por um dos seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), para se referir ao relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL) — e disse que não iria dar "palanque".

— Você falou a palavra "súcia". Alguém sabe o que o significado de súcia? É a reunião de vagabundos. É a turminha deles. Mas não vamos dar palanque. Todo mundo já conhece quem é esse cara e qual o seu papel.

Antes da chegada de Bolsonaro, dois helicópteros da Presidência sobrevoaram a manifestação em Brasília, por volta das 15h, para observação. Depois de darem duas voltas, as aeronaves retornaram para o Palácio da Alvorada. Pela manhã, o presidente avisou nas redes sociais que estaria “com o povo” na Esplanada.

Dois atos diferentes estavam marcados para este domingo na capital federal: um de religiosos, pela manhã, e outro de produtores agropecuários, de tarde. Na prática, no entanto, houve uma mistura entre os dois grupos.

O STF foi um dos principais alvos dos manifestantes, seja em cartazes ou em gritos nos carros de som. Uma faixa, por exemplo, dizia que os ministros da Corte estão “demitidos”. Outra pedia uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o tribunal.

Outro ponto muito citado foi o chamado "voto impresso auditável". A presidente da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), Bia Kicis, autora de uma proposta sobre este tema, discursou no carro de som e pediu para os manifestantes gritarem alto o suficiente para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, escutar.

Ataques a Renan na Paulista

Em São Paulo, cerca de 200 pessoas fizeram orações por Bolsonaro, também defenderam a aprovação do uso do voto impresso nas eleições de 2022 e fizeram diversos ataques a desafetos do presidente. Renan Calheiros foi alvo de coros de "Renan vagabundo", uma repetição da ofensa proferida por Flávio Bolsonaro. A CPI da Covid, que investiga possíveis crimes do governo federal no combate à pandemia, foi chamada de "farsa".

A manifestação contou com dois representantes do baixo escalão do governo. Quirino Cordeiro Jr, secretário de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministérios da Cidadania, e Angela Gandra, secretária nacional da Família, ligada ao ministério de Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), discursaram do carro de som.

Numa barraca atrás da aglomeração, onde muitas pessoas não usavam máscaras, militantes bolsonaristas coletavam assinaturas para a criação do Aliança pelo Brasil, partido em construção ligado à família Bolsonaro. Enquanto Angela fez defesa das políticas públicas do governo voltadas à família, Quirino afirmou que o "Brasil vive o maior risco de legalização das drogas na história". No discurso de outros militantes, a esquerda foi associada ao "demônio" e à maconha.

O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) participou da manifestação de cima do carro de som. Estavam presentes também grupos como Aliança Jovem Conservadora, Família Cristã pela Liberdade e Movimento Pra Frente Brasil.

Daniel Gullino e Guilherme Caetano / n'O Globo, em 15/05/2021 - 15:43 / Atualizado em 15/05/2021 - 18:44

Uma revolução a caminho

Talvez essa chacoalhada nos tire do marasmo destes anos sem recursos e inspiração

Quem acompanha as políticas de ciência, tecnologia e inovação está atento ao que acontece nos EUA. Uma revolução está a caminho. O governo Biden, com apoio do Congresso, prepara uma reforma abrangente da institucionalidade que há décadas financia a pesquisa, e o faz também com uma elevação sem precedente dos orçamentos destinados a essa tarefa.

Há momentos da História em que os acontecimentos se aceleram. Foi o que aconteceu na 2.ª Grande Guerra, com o Office of Scientific Research and Development, que coordenou o esforço tecnológico americano, com inúmeras consequências, a exemplo do Projeto Manhattan. Os EUA emergiram da guerra como nação absolutamente hegemônica e a ciência também saiu triunfante.

Mas a ossatura da institucionalidade de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico criada no pós-guerra se fragmentou, em razão de falta de acordo no Congresso sobre que modelo criar e sobre o papel da National Science Foudation (NSF). Os Departamentos de Defesa, Energia, Saúde e Agricultura criaram, cada um, sua própria agência, sob a frágil coordenação de um escritório na Casa Branca, o US Office of Science and Technology Policy (OSTP).

A História se acelerou novamente com o susto causado pelos russos ao lançarem o Sputnik 1, em outubro de 1957, e um mês depois, o Sputnik 2. O efeito dos satélites soviéticos foi similar ao do ataque a Pearl Harbor. No ano seguinte os EUA criariam a Nasa e a Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa), hoje uma espécie de sonho de consumo de muita gente, como canadenses e ingleses. A missão à Lua e todas as suas implicações vieram no rastro disso.

O terceiro momento dessa história veio com a competição criada pela Alemanha e, em especial, pelo Japão, nos anos 1970. O triunfo japonês na indústria de semicondutores fez soar novamente o alarme. Quem cataloga as inúmeras leis americanas sobre esses temas, aprovadas depois de 1980, fica assustado ao ver sua profusão. O Bayh-Dole Act é a mais famosa. Mas elas foram numerosas, fortalecendo o sistema de propriedade intelectual, incentivando a comercialização de tecnologia, relativizando as regras antitruste, etc. Em suma, facilitando a interação de atores desse sistema de inovação e incentivando a comercialização dos resultados da pesquisa.

A resposta ao desafio chinês vem agora com Joe Biden. Num ato mais simbólico que efetivo, elevou o OSTP ao status de ministério. Encomendou também, como fez Roosevelt ao fim da 2.ª Guerra, um relatório de propostas do que fazer, nos moldes do famoso Science the Endless Frontier, coordenado à época por Vannevar Bush. Em paralelo anuncia a criação de duas novas agência nos modelos da Darpa, como já ocorrera anos antes na área de energia com a Arpa-E: a Arpa-Clima e a Arpa-Saúde. Em iniciativas paralelas iniciadas na Câmara dos Deputados, no Senado e no próprio Executivo, prepara-se uma reforma da NSF, criando uma diretoria de tecnologia e inovação e ampliando muito seu orçamento.

A proposta do Senado, sintomaticamente chamada de The Endless Frontier Act, iniciativa bipartidária, é abrangente e vai impactar toda a nova geração de política de ciência e inovação do mundo. Amplia o escopo de ação da NSF, reforça a coordenação entre as agências, sinaliza ações de redução das desigualdades de gênero e raça na ciência, muda a governança do sistema e reforça seu orçamento, com US$ 100 bilhões para os próximos cinco anos. Faz isso definindo dez tecnologias prioritárias para os investimentos e estendendo o leque de apoio da NSF para além da pesquisa, buscando endereçar o gap que existe entre a pesquisa e a comercialização – o chamado vale da morte.

Similar ao que a Europa fez e faz no âmbito de seus megaprogramas – o Horizon 2020, vigente entre 2014 e 2020, com orçamento de € 80 bilhões, e o novo Horizon Europe, para operar entre 2021 e 2027, com orçamento de € 95.5 bilhões – voltados progressivamente para a pesquisa orientada por problemas e missões, os EUA mudam de patamar, elegem seus focos e redesenham seus instrumentos.

Um forte impacto no mundo e entre nós será inevitável. Não apenas pelos muitos desafios competitivos que criam, ampliando nosso atraso. Mas também porque nosso sistema foi sempre inspirado na cópia e adaptação das políticas americanas, como exemplifica o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), criado em 1949 com foco inicial na área nuclear, antes mesmo do CNPq, em resposta ao tsunami do Projeto Manhattan.

Talvez seja oportuno que esta chacoalhada nos tire do marasmo destes anos, em que faltam recursos e inspiração. Talvez organize o debate sobre o que fazer. Todos sabemos que a inovação é crucial para o desempenho econômico. Hoje acordamos também para reconhecer o papel da ciência na vida das pessoas, com as vacinas e os tratamentos para a covid-19. Mas continuamos a nos distanciar do mundo. Às vezes porque o mundo anda mais rápido, às vezes porque contribuímos andando para trás. Vamos esperar que Biden nos ajude a acordar também neste campo das iniciativas públicas.

Carlos Américo Pacheco, o autor deste artigo, é Presidente Executivo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e Professor da UNICAMP. Foi Reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA e Secretário Executivo do Ministério da Ciência,  Tecnologia. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 15.05.2021.

O autoritarismo de ontem e os males de sempre

Muitas vezes, reflexões jurídicas aparentemente inofensivas assentam o caminho autoritário

Não são apenas as desigualdades sociais e econômicas que insistem em permanecer na trajetória brasileira. Os males institucionais são também teimosos, como mostra Luis Rosenfield em seu livro Revolução Conservadora: Genealogia do Constitucionalismo Autoritário Brasileiro (1930-1945) – Editora da PUCRS, 2021.

A descrição do ambiente público da Primeira República, por exemplo, é aplicável à época atual. “As polêmicas (...) diziam respeito à lisura do processo eleitoral, à inviolabilidade do voto secreto e universal, à independência do Poder Judiciário, à separação de poderes e à organização de partidos políticos de âmbito nacional. Somavam-se a esse cenário a pauta de modernização da gestão pública, o problema da corrupção e a crônica ineficiência governamental.”

Resultado de sua pesquisa de doutorado, o livro de Luis Rosenfield é incômodo. Seu objetivo é precisamente “abordar as ideias que levaram o Brasil à consolidação de um pensamento constitucional autoritário, antiliberal e corporativista que teve seu ápice no Estado Novo”.

O tema envolve muitas sombras e contradições. “A história das doutrinas constitucionais não entra em pausa durante os regimes autoritários. Compreender o constitucionalismo como um simples andar para frente das garantias individuais, das liberdades e de uma suposta evolução dos sistemas políticos democráticos implica endossar uma perspectiva ingênua da História”, diz Luis Rosenfield.

No estudo sobre o modo como a comunidade jurídica pensava os rumos do País, escancaram-se não apenas incoerências teóricas, mas cumplicidades constrangedoras. Por exemplo, “Oliveira Vianna, o grande intelectual do período (varguista), defendia desde a década de 20 a democracia autoritária, eugênica e corporativa”.

O livro é também incômodo – e, na exata medida desse incômodo, necessário nos dias de hoje – ao delinear os antecedentes do pensamento constitucional autoritário. Em sua gênese não estavam “apenas delírios autoritários”. A motivação comum a esses pensadores era oferecer um rumo ao Estado brasileiro capaz de superar “os males da ineficácia, da corrupção e do subdesenvolvimento”.

Eis um ponto que merece especial atenção. O Estado Novo de Vargas cometeu atrocidades e violou garantias e liberdades; e, nessa trajetória de desrespeito a direitos fundamentais, contou com a cumplicidade de muitos juristas. No entanto, isso não foi fruto de mera perversidade autoritária. Os caminhos foram mais sutis e, portanto, mais perigosos.

O pensamento autoritário do Estado Novo nasce – aqui as palavras têm desconcertante atualidade – de um “profundo desapontamento com os rumos da prática constitucional do País”. No final da Primeira República, “disseminam-se obras jurídicas que irão contestar o anacronismo das instituições liberais, a ineficácia da democracia parlamentar e o idealismo da Constituição de 1891”.

No embate entre idealistas constitucionais e realistas autoritários – “oposição utilizada como chave de leitura da Era Vargas”, pontua o autor –, “gradualmente, a defesa do sistema de freios e contrapesos, típico das democracias ocidentais, passou a ser observada como um ideal de outra época, dissociado das necessidades reais do País”.

Aqui se vê outra característica da perigosa sutileza do autoritarismo. Muitas vezes, são reflexões jurídicas, aparentemente inofensivas, que assentam o caminho autoritário. “Os juristas ligados ao regime (...) forneceram novos contornos à interpretação jurídica, demonstrando intensa repulsa ao formalismo jurídico”.

A ofensiva autoritária não se dirigia explicitamente contra as liberdades. Havia mais astúcia no ataque. “Investidas contra o ‘formalismo’ e a ‘ortodoxia jurídica’ foram muito utilizadas pelos pensadores autoritários brasileiros como forma de justificar e legitimar o Estado Novo”, afirma Luis Rosenfield. Uma vez mais, o tema é incomodamente atual. Não faltam, nos dias de hoje, discursos contrapondo liberdades e garantias fundamentais a moralidade pública, a combate à corrupção e até mesmo a desenvolvimento social e econômico.

Nessa trajetória de concessões – tolerando o que é intolerável, com a desculpa das boas causas; no caso do autoritarismo da era Vargas, o pretexto era “encontrar soluções genuinamente brasileiras para os problemas nacionais” – chega-se a situações paradoxais. “A nova separação de poderes do varguismo culminou na eliminação dos partidos políticos, no fechamento do Congresso e no fim do federalismo da Primeira República”, aponta o autor. Como se vê, os resultados do autoritarismo não são nada sutis.

Por isso, jogar luzes sobre as doutrinas jurídicas que deram sustentação ao passado autoritário, como faz o livro de Luis Rosenfield, é muito mais do que mera tarefa acadêmica. É caminho para superar males que insistem em voltar ao cenário brasileiro. Quase um século depois, não pode o País seguir atado às mesmas questões, refém do uso insidioso da percepção de crise (seja moral, social, política ou econômica) para tentativas antiliberais e antidemocráticas.

Nicolau da Rocha Cavalcanti, o autor deste artigo, Advogado,  é mestrando em Direito Penal pela USP. Publicadoo originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 15 de maio de 2021 | 03h00

O desmonte do conhecimento

Áreas de ensino, ciência e pesquisa não têm prioridade no governo Bolsonaro

Se em seus primeiros meses o governo Bolsonaro começou relegando para segundo plano as áreas de ensino, ciência e pesquisa, contingenciando verbas e bloqueando recursos, com o advento da pandemia e da crise econômica por ela deflagrada a situação se agravou ainda mais, tornando-se dramática. 

No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a redução do orçamento obrigou o órgão a financiar em 2021 somente 13% das 3.080 bolsas de pós-graduação e pós-doutorado que já haviam sido aprovadas. A informação foi divulgada recentemente pelo próprio órgão, deixando a comunidade científica perplexa. Já a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) perderá neste ano quase um terço do que recebeu em 2019. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) também sofreu cortes drásticos, segundo levantamento da Academia Brasileira de Ciências, da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). Essas entidades também lembraram que o orçamento previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em 2021, equivale a menos de um terço do que foi repassado uma década atrás. 

No ensino superior, as universidades federais enfrentam graves dificuldades para pagar despesas de custeio, como água, energia e segurança, não dispondo também de recursos para manter pesquisas em andamento. Por causa dos cortes, o orçamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) voltou ao patamar de 2008, quando tinha 20 mil alunos. Hoje ela conta com mais de 36 mil alunos, dos quais 8,5 mil são apoiados por programas de ações afirmativas. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o reitor Marcus David informou que as atividades de ciência e tecnologia estão “acabando” na instituição. 

Já na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Reitoria anunciou que o orçamento aprovado para 2021 equivale ao do exercício de 2010 e alegou que a redução de recursos orçamentários, conjugada com contingenciamentos, está levando à “destruição” da instituição. A reitora Denise de Carvalho e o vice-reitor Carlos Rocha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicaram artigo no jornal O Globo alertando para o risco de a instituição “fechar as portas” a partir de julho. “A universidade está sendo inviabilizada”, concluíram. 

Outra instituição importante, a Universidade de Brasília (UnB) distribuiu nota lembrando que “a redução crescente dos recursos, associada a bloqueios e contingenciamentos, prejudica a execução do planejamento da instituição. A política de contínua redução orçamentária trouxe dificuldades e desafios nunca antes vivenciados”. Por seu lado, o MEC lamenta a redução dos recursos da rede federal de ensino superior e informa que não tem medido esforços no Ministério da Economia para tentar “uma recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias das instituições federais de ensino superior” e obtido um repasse que, apesar de pequeno, garante a elas algum fôlego financeiro para os próximos meses. 

Independentemente desses esforços, a situação em que as áreas de ensino, ciência e pesquisa se encontram não se deve apenas à crise econômica. Ela trouxe inúmeros problemas, não se pode negar. Mas a verdade é que as dificuldades enfrentadas por essas três áreas decorrem do fato de elas jamais terem sido consideradas prioritárias desde o início de um governo que não sabe o que é planejamento e não tem noção de futuro. 

Determinado por razões políticas e ideológicas no início do governo, o desinvestimento no CNPq, na Capes e nas universidades federais vem, paradoxalmente, ocorrendo no momento em que o Brasil mais necessita de pesquisadores e universidades trabalhando a pleno vapor. Por isso, atribuir a asfixia financeira do ensino, da ciência e da pesquisa às dificuldades econômicas causadas pela pandemia, como as autoridades educacionais vêm fazendo, é mais do que escamotear a verdade. É um crime praticado contra os cidadãos e as futuras gerações. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 15 de maio de 2021 | 03h00

Liberdade e lei da selva

O presidente Jair Bolsonaro faz da irresponsabilidade seu principal ativo eleitoral. Convida os brasileiros a ignorar leis, normas de convivência democrática e restrições características da civilização. Apresentando-se como protetor da liberdade, é na verdade um intrépido campeão da lei da selva.

É com esse espírito que, em meio a uma pandemia que já causou mais de 430 mil mortes, Bolsonaro provoca aglomerações quase todos os dias, garante que as Forças Armadas (“meu Exército”, como diz o presidente) jamais obrigarão os cidadãos a ficar em casa e qualifica de “ditadores” os governadores e prefeitos que adotaram medidas restritivas para conter a contaminação.

Há poucos dias, Bolsonaro chegou a anunciar que tem “pronto” um “decreto” para impedir que Estados e municípios continuem a determinar restrições de movimento no enfrentamento da pandemia. Ninguém no governo sabe da existência do tal “decreto”, que ademais seria inconstitucional – o Supremo Tribunal Federal já esclareceu, logo no início da pandemia, que, conforme o princípio federativo inscrito na Constituição, a União pode legislar sobre o combate à pandemia, desde que respeite a autonomia dos demais entes subnacionais.

A esta altura, já está claro que a Constituição mencionada pelo Supremo não é a mesma que Bolsonaro diz prestigiar. O presidente informou que seu “decreto” nada mais é que “a cópia dos incisos do artigo 5.º da Constituição, que todos nós juramos defender”, em referência ao artigo sobre direitos fundamentais. Explicou que “o nosso direito de ir e vir é sagrado, a nossa liberdade de crença e trabalho também”, razão pela qual “não se justifica, daqui para frente, depois de tudo o que nós passamos, fechar qualquer ponto do nosso Brasil”. Por fim, disse que “aquele que abre mão de parte da liberdade em troca de segurança, por menor que seja, acaba no futuro sem liberdade e segurança”, e arrematou: “Preferimos morrer lutando a perecer em casa”.

É evidente que a exegese constitucional de Bolsonaro é esdrúxula, condizente não com o espírito da Carta, mas com uma visão distorcida sobre os direitos e a liberdade.

Não se trata de ignorância. Bolsonaro já foi informado diversas vezes, da maneira mais didática possível, que são absolutamente legais as medidas adotadas por Estados e municípios, e mesmo assim as classifica como inconstitucionais. Ou seja: o presidente decidiu, de forma deliberada e pública, ignorar a Constituição que ele jurou respeitar e, no lugar dela, inventou um texto constitucional que expressa não um pacto democrático, mas a utopia da ausência total de limites.

Na condição de presidente da República, Bolsonaro deveria saber que, num Estado Democrático de Direito, não há direito absoluto. Mas Bolsonaro resolveu proclamar a prevalência do que entende ser liberdade sobre qualquer outro direito – anunciando, inclusive, que seus eleitores, a quem chama de “povo”, estão dispostos a morrer por ela.

Essa liberdade absoluta que os bolsonaristas reivindicam nada tem a ver com a liberdade característica da democracia. É, ao contrário, a expressão do estado de natureza de que nos falava Hobbes – estágio primitivo em que todos se julgavam soberanos de si mesmos e, portanto, no direito de fazer o que bem entendessem. O desejo era a lei.

Os bolsonaristas, portanto, recusam a civilização, que se traduz pela imposição de limites legais e morais nos mais diferentes aspectos da vida em sociedade. É um discurso extremamente sedutor para os que atribuem seus problemas e fracassos a decisões políticas tomadas no âmbito de uma democracia em que não se sentem representados.

Bolsonaro surge assim como o líder dessa massa de descrentes da democracia. Sua irreverência pelas leis – pilota moto sem capacete, não usa máscara onde é obrigatório, ignora restrições municipais contra aglomerações – é ato político deliberado: serve para manifestar desprezo pelas instituições democráticas, sinalizando a seus seguidores que estão livres para fazer o que bem entenderem, sem qualquer freio. Desde é claro que ele mande e os outros obedeçam.

É a barbárie.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 15 de maio de 2021 | 03h00

Esqueletos, impostos e reforma

Decisão do STF sobre PIS/Cofins é mais um esqueleto bilionário que vai complicar muito a gestão das contas da União

Mais um esqueleto bilionário vai complicar a gestão, já muito difícil, das contas da União. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pode impor ao Tesouro um custo de R$ 258,3 bilhões, segundo estimativa provisória. Em mais uma derrota para o governo, a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins passará a valer a partir de 2017, quando essa alteração foi sacramentada pela Corte. A mudança afeta duplamente as finanças públicas. Além de reduzir a base de arrecadação do poder central, possibilita às empresas beneficiadas a cobrança de uma vultosa compensação.

Duas derrotas foram impostas ao governo. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional defendia a vigência da nova regra a partir do julgamento encerrado na última quinta-feira. Mas a alteração passa a valer a partir da decisão anterior, de 15 de março de 2017. Além disso, o governo reivindicava uma alteração mais branda, com desconto do ICMS efetivamente pago pelas empresas depois do abatimento de créditos fiscais. Mas, pela decisão do STF, deve-se descontar o ICMS destacado na nota fiscal.

Especialistas ainda poderão examinar e discutir minúcias técnicas da nova decisão do tribunal, mas o resultado mais importante desse processo é muito simples. Ao retirar o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, a Justiça extingue uma anomalia, a cobrança de tributo sobre tributo. Aberrações desse tipo deveriam ter desaparecido há muito tempo. Afinal, eliminar a tributação cumulativa foi uma das bandeiras da grande reforma posta em vigor em 1967.

Lançado naquela época, o novo tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, depois convertido em ICMS), foi inspirado em novo modelo europeu. Em cada etapa da circulação – ao longo da transformação industrial, por exemplo – o imposto deveria incidir apenas sobre o valor adicionado, eliminando-se do valor de referência o tributo recolhido na fase anterior. O princípio deveria valer para todo o sistema, incluído o recém-criado Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cobrado e administrado pela União.

A reforma de 1967 foi enorme avanço, mas o novo sistema sempre carregou defeitos. Alguns foram reparados. Outros permaneceram. Além disso, uma falha original deu origem a muitos problemas. Na Europa, o imposto sobre valor adicionado (IVA), modelo do ICM, era cobrado pelo poder central e depois distribuído aos governos subnacionais. No Brasil, a competência estadual sobre esse tipo de imposto deu espaço a enormes distorções.

A mais notável foi a guerra fiscal, praticada por meio da concessão de benefícios para atração de empresas e de investimentos privados. Essa distorção deu origem a outras, favorecendo, por exemplo, decisões de investimento baseadas estritamente, ou quase, na expectativa de facilidades tributárias. Estados prejudicados buscaram solução no STF, mas as decisões eram demoradas ou ineficazes.

As características principais do tributo estadual foram mantidas na Constituição de 1988, com extensão da incidência a serviços (daí a alteração do nome para ICMS). Também se manteve um defeito importante: na exportação, só bens industrializados ficaram isentos – um erro enorme, especialmente num país exportador de grandes volumes de produtos agropecuários e minerais. Com demora, essa falha foi pelo menos atenuada.

O problema da tributação de exportações nunca se resolveu completamente, porque sempre sobraram créditos acumulados. Da mesma forma, problemas de incidência nos investimentos e na produção nunca foram atacados de forma satisfatória. Qualquer reforma séria levaria em conta essas questões jamais superadas – o peso dos tributos sobre a produção e sobre a formação de capital, a incidência sobre a exportação, as complicações associadas à competência estadual, o efeito regressivo da tributação do consumo, etc. Não há como cuidar dessas questões sem pensar em todo o sistema. Esta exigência foi ignorada pelo atual governo e por seus aliados, comprometidos com uma reforma parcial, fatiada e miseravelmente ineficaz.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 15 de maio de 2021 | 03h00

Impeachment de Bolsonaro tem apoio de 49% dos brasileiros

Segundo Datafolha, é a primeira vez que parcela a favor do afastamento aparece numericamente à frente. Outras pesquisas ao longo da semana também apontaram erosão no apoio ao presidente.

Pesquisa Datafolha divulgada neste sábado (15/05) aponta que 49% dos brasileiros apoiam o afastamento do presidente Jair Bolsonaro por meio de um processo de impeachment. Outros 46% são contra.

Segundo o instituto, os números representam um empate técnico, mas essa é a primeira vez que a parcela favorável ao impeachment supera numericamente a fatia dos brasileiros contrários ao afastamento. Em março, pesquisa do mesmo instituto apontou que 46% eram favoráveis ao impeachment e 50% manifestavam posição contrária.

Segundo o Datafolha, o apoio ao impeachment é maior entre jovens de 16 a 24 anos (57%), moradores do Nordeste (57%), desempregados que procuram emprego (62%) e entrevistados que dizem ter muito medo do coronavírus (60%).

Já a reprovação ao impeachment chega a 52% entre homens e no Sul do país. Já a rejeição chega a 60% entre entrevistados que dizem não ter medo do coronavírus, 57% entre evangélicos e 56% entre assalariados registrados.

O Datafolha ouviu 2.071 pessoas na terça (11/05) e na quarta-feira (12/05) presencialmente. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

A nova pesquisa reflete outros levantamentos que apontam uma constante perda de apoio do presidente. Nesta semana, o Datafolha já havia revelado que apenas 24% dos brasileiros aprovam a gestão de Bolsonaro.

O presidente também apareceu bem atrás de Luiz Inácio Lula da Silva numa pesquisa que traçou cenários para a disputa presidencial de 2022, aparecendo com apenas 23% das intenções de voto no primeiro turno, contra 41% do petista.

O resultado desfavorável a Bolsonaro também ocorre num momento de crise econômica, sanitária e política, com o governo sendo acusado de incompetência e má gestão da pandemia, que já provocou a morte de 430 mil brasileiros.

Deutsche Welle Brasil, em 15.05.2021

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Vencer o populismo

Pode ser pelo cansaço da beligerância, pela visibilidade da corrupção e ineficiência, propõe Simon Schwartzman, em artigo n'O Estado de S.Paulo.

A campanha eleitoral de 2022 já começou e uma das preocupações dos que buscam uma saída para a crise política iniciada com o impeachment de 2016 e a crise econômica que veio junto é como evitar que a próxima eleição seja dominada pelo populismo. Mas o que é o populismo e por que é preciso evitá-lo?

O termo “populismo” surgiu no século 19 para designar tanto o movimento político de intelectuais russos de estimular a mobilização dos camponeses contra os czares quanto o antigo Partido Populista americano, precursor do Partido Democrata, que buscava os votos dos agricultores contra os grupos e instituições consideradas de elite. No século 20, na América Latina, foi usado para descrever a atuação de políticos como Juan Perón, na Argentina, Getúlio Vargas e Ademar de Barros, no Brasil, e Haya de la Torre, no Peru, e é usado hoje para se referir a políticos como Hugo Chávez e Evo Morales, na América Latina, e Donald Trump, Viktor Orbán e Tayyip Erdogan em outras partes.

Existe muita controvérsia sobre o que é e como interpretar o populismo, mas sua característica principal é a existência de líderes políticos que estabelecem uma relação forte e personalizada com setores importantes da sociedade, passando por cima das instituições e dos partidos políticos tradicionais.

O populismo pode se apresentar como movimento progressista, quando suas bandeiras são a distribuição de benefícios e a ampliação dos direitos da população mais pobre, ou como conservador, quando suas bandeiras são a defesa de determinados setores da sociedade contra os demais. Mas ele é, sobretudo, antidemocrático, autoritário e, em última análise, irracional, por agir sempre buscando efeitos políticos imediatos, sem se preocupar ou ignorando consequências de longo prazo.

O populismo não nasce no vazio, mas se apoia na identificação dos desejos e necessidades de setores significativos da população que se sentem marginalizados e preteridos do jogo político e das ações dos governos. Nisso ele não é diferente de outras formas de mobilização política. Mas difere na medida em que seus líderes proclamam ser os únicos representantes da parte boa e moralmente aceitável do “povo”, transformando as disputas políticas numa luta entre o bem e o mal, e não numa competição entre diferentes partidos e correntes de opinião igualmente legítimos.

A política populista é uma política de identidade, seus líderes proclamam que merecem apoio porque integram e representam a “parte boa” da sociedade (o povo, a nação, as pessoas virtuosas, os pobres, determinada religião, os nativos ou os brancos), e por isso não precisam apresentar seus programas e ideias, basta exibir suas virtudes e atacar a legitimidade de seus oponentes (ver Müller, Jan-Werner. What is Populism?, University of Pennsylvania Press, 2016).

Com isso as disputas eleitorais se radicalizam e os resultados só são reconhecidos como legítimos pelos populistas quando ganham. Uma vez no poder, líderes populistas tendem a desmontar as instituições estabelecidas, substituídas por seguidores leais, e consolidam seu poder pela distribuição de benefícios a seus apoiadores, desprezando as formalidades legais que possam existir.

Eles também se opõem, sistematicamente, aos produtores de ideias e pensamentos independentes, como a imprensa e as universidades, já que entendem ser eles, e mais ninguém, que sabem o que “o povo” quer e o que deve ser feito.

Nem todos os movimentos populistas têm todas essas características e podem se modificar em diferentes momentos e circunstâncias. Mas, no limite, ao desmontar as instituições estabelecidas, substituí-las pelo poder pessoal do líder e não reconhecer a legitimidade da oposição, o populismo se aproxima do fascismo; e ao ignorar o Estado de Direito se aproxima dos cleptocratas, sempre dispostos a vender seu apoio a quem estiver no poder.

Numa disputa eleitoral, a força do populismo é grande, porque os argumentos de superioridade moral, identidade e virtudes pessoais de um líder são muito mais simples e fáceis de comunicar do que argumentos complicados sobre pluralismo, respeito a instituições e políticas públicas complexas. No entanto, o populismo também pode ser derrotado, pelo grande número de pessoas que exclui de seu “povo”, pelo cansaço da beligerância permanente que alimenta e pela visibilidade da corrupção e da ineficiência com que governa.

A primeira condição para vencer o populismo é entender e ter respostas melhores para os problemas legítimos que ele pretende representar – pobreza, insegurança, discriminação, a ineficiência do serviço público, a corrupção dos políticos. A segunda é não excluir nem desconsiderar os populistas e seus seguidores, ou seja, não fazer com os populistas o que eles fazem com seus oponentes. E a terceira é entender que o processo político-eleitoral não é, simplesmente, um confronto de argumentos e programas políticos, mas também um jogo de imagens e identificações que se dão, cada vez mais, nas redes sociais, e depende de líderes que possam apresentar-se de modo verdadeiro e convincente.

Não é fácil, mas não é impossível.

Simon Schwartzman, o autor deste artigo, é sociólogo e membro da Academia Brasileira de Ciências. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 14 de maio de 2021 | 03h00

Cenário sombrio

Um segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia o atraso ao retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo

A mais recente pesquisa de intenção de voto para a eleição presidencial de 2022 realizada pelo Datafolha mostra o ex-presidente Lula da Silva na liderança, com 41%. Em segundo lugar aparece o atual presidente, Jair Bolsonaro, com 23%.

A distância entre o líder petista e o presidente Bolsonaro já impressiona, mas é também impressionante o fato de que Lula possa vencer ainda no primeiro turno, pois está somente seis pontos porcentuais abaixo da soma de todos os demais candidatos apresentados (incluindo Bolsonaro). E esse dado causa admiração especialmente porque Lula da Silva representa tudo o que o Brasil vem repelindo, eleição após eleição, desde 2016.

Recorde-se, porque aparentemente o País esqueceu, que Lula da Silva comanda com mão de ferro um partido que protagonizou os maiores escândalos de corrupção da história nacional. Digam o que disserem os advogados dos “guerreiros do povo brasileiro”, como os petistas condenados foram chamados por seus correligionários, o fato é que bilhões foram desviados da Petrobrás e de outras fontes para financiar o projeto autoritário de poder lulopetista.

Recorde-se ainda que Lula da Silva recuperou seus direitos políticos não por ter sido absolvido das cabeludas acusações de corrupção que pesam contra ele, mas porque o Supremo Tribunal Federal considerou que o ex-presidente não foi julgado em foro adequado e que o juiz que o condenou na primeira instância era suspeito. Ele não foi inocentado e os processos contra Lula continuam correndo.

O partido de Lula da Silva, ademais, estrelou a mais profunda crise econômica da história recente do País, fruto exclusivo da estatolatria lulopetista, desperdiçando histórica oportunidade para promover um salto no desenvolvimento nacional.

Ressalte-se que esse desastre se deu, sobretudo, no governo de Dilma Rousseff, criatura de Lula da Silva. O fato de que hoje o demiurgo de Garanhuns se esquece de citar Dilma em seus discursos, torcendo para que os brasileiros se esqueçam do terrível período entre 2011 e 2016, não faz da ex-presidente uma entidade etérea do folclore nacional, ao lado do saci-pererê e da mula sem cabeça.

Dilma Rousseff é bem real, e seu governo patrocinou um dramático retrocesso social, a despeito da propaganda oficial petista. Entre 2014 e 2016, enquanto seu governo festejava a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil, cresceu em 53% a fatia da população que vivia com renda inferior a um quarto de salário mínimo por mês, conforme dados do IBGE.

É essa impostura que o sr. Lula da Silva representa. O País já deveria ter entendido com quem está lidando, pois lá se vão quatro décadas desde a fundação do PT, mas aparentemente muitos eleitores ignoram ou relativizam as muitas evidências de que Lula da Silva representa o atraso e, já testado e reprovado, é incapaz de propor alternativas racionais e eficientes para tirar o Brasil de sua imensa e longa crise.

Mantido o cenário constatado pelo Datafolha, vislumbra-se ou um segundo turno entre Lula da Silva e Bolsonaro ou até mesmo uma vitória do petista ainda no primeiro turno, já que 54% declararam que não votarão no presidente de jeito nenhum e somente 24% aprovam seu governo.

É o pior dos mundos. Um segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia o atraso ao retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo. É impossível que o desfecho de tal disputa resulte em algo positivo para o País, especialmente porque, em qualquer dos casos, o vencedor certamente aprofundará a discórdia entre os brasileiros.

A própria pesquisa, no entanto, indica que há uma boa chance de evitar tal desastre. No levantamento com respostas espontâneas – quando o eleitor cita o nome do candidato que lhe vem à cabeça –, 49% dos entrevistados dizem não saber em quem pretendem votar. Há, portanto, um imenso campo para que um candidato de centro, que defenda a responsabilidade na administração pública e resgate o diálogo político como a essência da democracia, possa se apresentar a esse significativo contingente de eleitores, cansados da gritaria petista e bolsonarista.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 14 de maio de 2021 | 03h00

Um novo militar de Bolsonaro na mira da CPI da Covid

Eduardo Pazuello não está mais sozinho. Outro militar do governo Bolsonaro entra agora na mira da CPI da Covid: o ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Não se trata de uma alvo acidental. O nome do general apareceu em momentos decisivos das sessões desta semana. É esta a avaliação de senadores que atuam na comissão e que foram ouvidos pela coluna.

(Crédito da foto: Armando Paiva Armando Paiva | Agência O Globo)

Na terça-feira, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, afirmou que Braga Netto foi um dos presentes na reunião em que se discutiu a alteração da bula da cloroquina, para que o remédio pudesse ter incluído o tratamento contra Covid-19. Na quarta e na quinta-feira, o general também foi citado pelo ex-secretário da Presidência, Fábio Wajngarten, e pelo presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, como um dos destinatários da carta enviada pelo laboratório da empresa com oferta de vacinas ao Brasil. Nas ocasiões, o general ocupava o posto de ministro-chefe da Casa Civil.

Outro ponto que pesa contra Braga Netto, segundo senadores, é o fato de o general ter chefiado um "Gabinete de Crise" criado em março do ano passado, para articular e monitorar as ações interministeriais de enfrentamento à Covid-19. O tal gabinete nunca entregou resultados efetivos. Outra pauta que deve ser explorada com o ministro é o aumento de produção de cloroquina pelo Exército. Já há um requerimento do PT que pede a convocação de Braga Netto, mas ainda não foi votado.

Por Bela Megale, originalmente, n'O Globo, em 14/05/2021 • 13:32

Brasil tem 2.211 mortes por covid-19 em 24 horas

País supera marca de 432 mil óbitos ligados ao coronavírus. Autoridades estaduais confirmam ainda mais de 85 mil novos casos da doença, e total de infectados vai a 15,51 milhões.    

Weltspiegel 10.05.2021 | Brasilien Manaus | Überschwemmung

O Brasil registrou oficialmente 2.211 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta sexta-feira (14/05).

Também foram confirmados 85.536 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.519.525, e os óbitos somam agora 432.628.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.028.355 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de quarta-feira. Também de acordo com o Ministério da Saúde, 49,2 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 haviam sido aplicadas no Brasil até esta quinta-feira. 

Com os dados de óbitos registrados nesta quinta, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 205,9 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.931, e média móvel de novos casos, em 62.439.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 585 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,8 milhões) e Índia (24 milhões).

Ao todo, mais de 161,3 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,34 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

No mundo todo, mais de 1,41 bilhão de doses de vacinas contra a covid-19 já foram aplicadas.

Deutsche Welle Brasil, em 14.05.2021