sexta-feira, 14 de maio de 2021

Desemprego no Brasil da pandemia: Doutor em engenharia espacial vende doces

Depois de defender sua tese no início de 2020, o morador de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, se viu desempregado com doutorado.

Número de subutilizados com ensino superior cresceu 43% entre 2019 e 2020 (Crédito da foto: CRÉDITO,GETTY IMAGES/STEVE PREZANT)

"Tenho só uma palavra para definir o que eu sinto: frustração. Estudar, estudar, tentar e não conseguir nada. Você se sente como um incapaz."

A afirmação é de Maycol Vargas, de 33 anos e graduado em engenharia aeronáutica, com mestrado e doutorado em engenharia e tecnologia espaciais, na área de combustão e propulsão, pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

"Mandei currículo até para auxiliar de serviços gerais, mas está difícil. Montei um negócio próprio e estou fazendo doces, porque eu estava sem nenhuma renda. Isso me rende uns R$ 400, R$ 500 por mês, no máximo. Um profissional da minha área normalmente ganha na faixa de R$ 13 mil a R$ 15 mil."

Maycol é um dos milhões de profissionais brasileiros qualificados e subutilizados em meio à pandemia do coronavírus.

Entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2020, o número de trabalhadores com ensino superior subutilizados passou de 2,5 milhões para 3,5 milhões, um aumento de 43%.

Na população em geral, considerando todos os níveis de qualificação, os subutilizados passaram de 26,1 milhões a 32 milhões nesse mesmo intervalo, crescimento de 23%.

Quem são os subutilizados

A subutilização da força de trabalho é um indicador mais amplo do que a desocupação.

Além dos desempregados, a subutilização também inclui aqueles que estão trabalhando menos horas do que gostariam; que desistiram de procurar emprego (os chamados desalentados); ou que gostariam de trabalhar, mas por algum motivo - como ter que cuidar dos filhos que estão fora da escola ou de idosos, por exemplo - não estavam disponíveis.

"A taxa de desemprego é uma medida super importante, mas ela deixa de fora todas essas pessoas que também estão numa situação de insatisfação com a situação de trabalho delas", explica Ana Tereza Pires, pesquisadora da consultoria IDados e autora do levantamento, elaborado a partir de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

"A subutilização é um retrato mais amplo do mercado de trabalho e dessa ineficiência em alocar todo mundo que tem potencial de trabalhar dentro da força de trabalho", acrescenta a economista.

"Especialmente nessa época de pandemia, essa é uma medida muito importante, porque muita gente desistiu de procurar trabalho ou estava procurando emprego, mas ficou indisponível para trabalhar, como no caso das mães. Então esse indicador dá conta de um contingente maior de brasileiros num momento de crise."

Taxa de desocupação dos trabalhadores com ensino superior passou de 5,6% para 6,9% entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2020. (Crédito da foto: RUNSTUDIO/GETTY IMAGES)

O desemprego para quem tem ensino superior

A taxa de desocupação entre os trabalhadores com ensino superior é historicamente mais baixa do que a dos trabalhadores em geral. Entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2020, ela passou de 5,6% para 6,9%, aumento de 1,3 ponto percentual.

Nesse mesmo intervalo, a taxa de desemprego para a população em geral subiu de 11% para 13,9%, um aumento de 2,9 ponto percentual.

A diferença histórica no nível de desocupação entre os mais e os menos qualificado se explica pela parcela ainda relativamente pequena de pessoas com ensino superior no país. Segundo o IBGE, no quarto trimestre de 2020, apenas 16,5% da população brasileira em idade de trabalhar havia concluído o nível superior.

Como esse profissionais mais qualificados são relativamente escassos no país, em geral, eles têm mais facilidade de encontrar uma vaga no mercado de trabalho.

"Olhando a taxa de desemprego entre o final de 2019 e o final de 2020, ela cresceu muito no mercado de trabalho como um todo. Para quem tem ensino superior, houve um crescimento, mas não muito elevado", observa a pesquisadora do IDados.

"Isso poderia levar a crer que os trabalhadores com ensino superior não foram muito afetados pela crise decorrente da pandemia. Mas, quando olhamos para a subutilização, fica claro que as pessoas com ensino superior estão bastante representadas."

Recém-formados são parte importante do contingente de trabalhadores subutilizados com ensino superior. (Crédito da foto: PISCINE/GETTY IMAGES)

Por que a subutilização aumentou entre os mais qualificados

A economista avalia que os mais instruídos foram menos afetados pelo desemprego na pandemia devido à maior possibilidade desses trabalhadores de fazerem home office.

Segundo dados da pesquisa Pnad Covid-19 referentes a novembro de 2020 (o último dado disponível, posto que a pesquisa foi descontinuada pelo IBGE), dos 7,3 milhões de pessoas que estavam trabalhando de forma remota naquele mês, 76% tinham ensino superior completou ou pós-graduação.

"Muitos dos trabalhadores com ensino superior que saíram da força de trabalho não foram para o desemprego, foram direto para a inatividade. Não foram procurar emprego, seja por terem uma situação econômica melhor e poderem esperar uma melhora do mercado, ou por terem que cuidar da casa e dos filhos, no caso das mulheres."

O IBGE só considera como "desempregado" quem efetivamente procurou emprego no período recente.

Das três categorias de subutilização dos trabalhadores com ensino superior analisadas pela pesquisadora, o número de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas cresceu 13%; o número de desocupados aumentou 33%; e o contingente de pessoas na chamada força de trabalho potencial (que inclui os desalentados e os indisponíveis) mais do que dobrou, com um avanço de 138% entre o fim de 2019 e o de 2020.

Marianna Rodrigues Martelo, de 27 anos, se formou em odontologia em dezembro de 2020, mas ainda não conseguiu emprego na área. (Crédito da foto: Arquivo Pessoal).

O drama dos recém-formados

Um grupo importante desses trabalhadores subutilizados com ensino superior são os recém-formados.

Historicamente no Brasil, o desemprego sempre foi maior para a população mais jovem, de todos os níveis de instrução. Isso porque o mercado costuma exigir uma experiência que esses trabalhadores não têm.

"Muitos dos que acabaram de se formar podem ter optado por não sair para procurar emprego agora, porque sabem que a dificuldade é muito grande. Então eles acabam entrando nessa força de trabalho potencial", explica Pires.

Marianna Rodrigues Martelo, de 27 anos, tem vivido na pele essa realidade. A moradora de Guarulhos (SP) se formou na faculdade de odontologia em dezembro de 2020, mas ainda não conseguiu encontrar um emprego na área.

"Já devo ter mandado pelo menos 100 currículos, só hoje mandei uns 20", conta Marianna.

"A maioria das vagas pede experiência e que se tenha pelo menos um ou dois anos de formado. Isso complica, porque eu sou recém-formada", afirma. "A pandemia também pode estar dificultando, porque diminuiu a oferta de vagas, já que a economia não está girando corretamente."

Renata Dornelles da Cruz (centro) e suas sócias Priscilla e Cassiana Alves da Silva, donas do salão de beleza Africaníssimas, em São Leopoldo (RS): na pandemia, Renata tem dedicado apenas duas manhãs por semana ao negócio. (Crédito da foto: Arquivo Pessoal)

Os empregadores que estão trabalhando menos do que gostariam

Um outro grupo relevante de pessoas qualificadas e subutilizadas na pandemia são os empregadores que estão trabalhando menos do que gostariam, devido às restrições ao funcionamento de empresas, particularmente no setor de serviços.

"Há um número muito alto entre os subutilizados qualificados na pandemia de pessoas que são chefes de família e homens e mulheres brancos, que geralmente não ficam fora da força de trabalho e agora passaram a ficar", observa Pires, do iDados.

"Então isso pode estar relacionado a esses pequenos empresários que acabaram fechando ou dando um tempo nos seus negócios até a coisa melhorar ou cujas empresas não estão produzindo tanto quanto poderiam."

Conforme o levantamento, 41% dos trabalhadores qualificados e subutilizados eram chefes de família no quarto trimestre de 2020 e 58% eram brancos.

A empresária Renata Dornelles da Cruz, de 38 anos e moradora de São Leopoldo (RS), não é branca, mas é um exemplo desses pequenos empresários que estão trabalhando menos do que gostariam na pandemia. São os chamados subutilizados por insuficiência de horas trabalhadas.

Formada em turismo e jornalismo, com especialização em Moda, Criatividade e Inovação pelo Senac, Renata é proprietária, ao lado de duas sócias, do salão de beleza especializado em cabelo afro Africaníssimas.

Com a queda de movimento devido às restrições impostas pelo coronavírus e sem conseguir renegociar o aluguel, em março deste ano, as sócias tiveram de devolver o espaço que ocupavam numa galeria na região central de São Leopoldo e instalaram o salão num imóvel próprio no bairro mais afastado de Cohab Feitoria.

"Antes eu ia ao salão todo dia. No ano passado, passei a ir no máximo duas vezes por semana e ficar só meio turno, para deixar mais espaço para as clientes e porque moro com meus pais que são grupo de risco", conta Renata, que cuida do marketing, das redes sociais e da gestão financeira da empresa.

"Esse ano, com a mudança de endereço, estou totalmente em modo remoto. Como não tem mais tantos clientes, não tenho mais tanto conteúdo para produzir. Antes eu trabalhava com as tarefas do salão todos os dias, de segunda a sábado, quando não domingo. Agora, resolvo tudo em duas manhãs", relata, quanto à redução das suas horas de trabalho.

Subutilização dos mais qualificados afeta, por exemplo, a demanda por trabalho doméstico (Crédito da foto: FG TRADE/GETTY IMAGES)


Os efeitos para a economia como um todo

Apesar de as histórias de desemprego e subutilização entre os mais qualificados serem menos dramáticas do que entre os menos qualificados, que em geral são a população de baixa renda, a perda de rendimentos entre os mais escolarizados tem efeito sobre a economia como um todo.

Isso porque são esses trabalhadores que recebem a maior parcela da massa de rendimentos do país - a massa de rendimentos é a soma de todos os salários. Com isso, eles também são responsáveis pela maior parte do consumo, movimentando a economia.

"Quem tem ensino superior no Brasil não é a maioria, mas sem dúvida é quem concentra a maior quantidade de renda e quem mais acaba demandando produtos e serviços", explica a pesquisadora do IDados.

"Por exemplo, o serviço de empregada doméstica e serviços não essenciais como salão de beleza e restaurantes, são muito mais demandados por pessoas com ensino superior e maior nível de renda. Então esses serviços acabam sendo afetados", diz Pires.

Segundo estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) publicado ao fim de abril, entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2020, o contingente de trabalhadores domésticos do Brasil diminuiu de 6,4 milhões para 4,9 milhões, o que representa 1,5 milhão de pessoas a menos prestando esse tipo de serviço.

"Todo o cenário econômico nesse momento está condicionado ao combate à pandemia e à estratégia de vacinação", avalia a economista.

"Se tivermos uma campanha de vacinação efetiva, os mais qualificados vão voltar a trabalhar como antes, já que eles no geral são mais demandados. Mas é difícil traçar um cenário quando as estratégias de vacinação estão tão incipientes", conclui.

Thais Carrança, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 12 maio 2021, Atualizado 13 maio 2021

quinta-feira, 13 de maio de 2021

CPI da Covid: provas ganham corpo e desmoralizam governo; leia análise

Das 11 vacinas vendidas no mundo, o Brasil apostou todas as fichas em apenas duas delas, decisão que revelou-se atroz

 Quantas mortes teriam sido evitadas se o governo federal tivesse comprado, por dez dólares a dose, milhões de vacinas da Pfizer disponíveis para entrega desde dezembro de 2020? É certo que milhares de óbitos preveníveis pela vacinação ocorreram enquanto ofertas comerciais da empresa eram desdenhadas.

O representante da farmacêutica, Carlos Murillo, confirmou, em termos inequívocos, as tratativas fracassadas com o Ministério da Saúde, o que tanto causa estupor, agora com o detalhamento levado à CPI. 

Das 11 vacinas vendidas no mundo, o Brasil apostou todas as fichas em apenas duas delas, decisão que revelou-se atroz. Conforme contrato recente e extemporâneo, entre o governo e Pfizer, a vacina que o país ajudou a testar passou de rejeitada a possível candidata a campeã de doses em 2021. As entregas anunciadas pelo depoente na CPI são mais um revelador da negligência anterior.

Nesse episódio, a oposição deve cimentar a tese na CPI que converge para a desmoralização do governo. É compreensível, sob o risco de dispersão que favoreceria governistas de tão poucos argumentos, que senadores não tenham olhado para a Pfizer em si.

Em alguns países é ela, a empresa, que vem sendo criticada por suas estratégias comerciais calculistas. Com foco em inovação e produtos caros, a Pfizer prioriza vender seu imunizante aos países ricos e tem engajamento mínimo no consórcio de vacinas da OMS. 

Radical contra a quebra de patentes, não menciona transferir tecnologia para produção local, não prevê outsourcing (terceirizar produção, por exemplo com a Índia, para ampliar a oferta no mundo), exige prédios de embaixadas e bases militares como garantia para vender a países pobres, e ainda fecha acordos polêmicos. Um deles - obter informações confidenciais sobre efeitos adversos da vacina em troca de doses - foi o que permitiu Israel largar na frente na vacinação e ajudou na reeleição de Benjamin Netanyahu.

O depoimento da Pfizer criou uma atmosfera agourenta para o governo federal na CPI. A base probatória ganha corpo. Mas considerando o histórico de personagens centrais da comissão, não há que se esperar coerência excessiva nem se pode tornar antecedentes pessoais mais nobres do que foram. 

Mário Scheffer, o autor desta análise, é Professor da Faculdade de Medicina da USP. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 13 de maio de 2021 | 17h42

Brasil tem 2.383 mortes por covid-19 em 24 horas

País supera marca de 430 mil óbitos ligados ao coronavírus. Autoridades estaduais confirmam ainda 74 mil novos casos da doença, e total de infectados vai a 15,43 milhões

Profissional de saúde é vacinada com a Coronavac dentro de sua casa em comunidade quilombola no Pará

O Brasil registrou oficialmente 2.383 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quinta-feira (13/05).

Também foram confirmados 74.592 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.433.989, e os óbitos somam agora 430.417.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.924.217 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de quarta-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta quinta, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 204,8 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.924, e média móvel de novos casos, em 61.489.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 584 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,8 milhões) e Índia (23,7 milhões).

Ao todo, mais de 160 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,3 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 13.05.2021

Os principais pontos do depoimento do executivo da Pfizer

À CPI da Pandemia, ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo disse que governo ignorou cinco ofertas de vacinas somente em 2020. Ele confirma ainda que Carlos Bolsonaro participou de reunião com a farmacêutica.

"O governo do Brasil não rejeitou, mas tampouco aceitou [as ofertas]", disse Carlos Murillo

A CPI da Pandemia no Senado, que investiga as ações e omissões do governo federal no combate ao coronavírus, ouviu nesta quinta-feira (13/05) o gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, para entender a oferta de doses da vacina contra a covid-19 ao país.

Murillo era presidente da farmacêutica americana no Brasil na época em que a empresa entrou em contato com o governo do presidente Jair Bolsonaro para oferecer seu imunizante, considerado um dos mais eficazes do mundo, ainda em 2020.

Em sua fala aos senadores, o representante da Pfizer afirmou que, no ano passado, a companhia fez ao menos cinco ofertas de doses da vacina ao Brasil, todas ignoradas pelo governo federal.

O país acabou fechando contrato com a farmacêutica apenas em 19 de março deste ano, no pior momento da pandemia no Brasil e com a vacinação caminhando a passos lentos. As primeiras doses da vacina começaram a ser aplicadas no país apenas no início de maio.

O imunizante da Pfizer, desenvolvido em parceria com a alemã Biontech, foi o primeiro a receber o registro definitivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no país, ainda em fevereiro.

As declarações de Murillo confirmam trechos do depoimento do ex-secretário de comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten, no dia anterior.

Esta é a segunda semana de depoimentos na CPI. Antes, os senadores também já ouviram os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich e o atual ministro Marcelo Queiroga, e o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres.

Os depoimentos serão retomados na próxima semana, com o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, no dia 18, e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, no dia seguinte.

Ofertas ignoradas

Segundo Murillo, a primeira proposta da Pfizer ao Brasil foi feita em 14 de agosto de 2020. A empresa ofereceu contratos para a compra de 30 milhões ou 70 milhões de doses da vacina. O de 70 milhões consistia em 500 mil doses ainda em 2020, 1,5 milhão no primeiro trimestre de 2021, 5 milhões no segundo trimestre, 33 milhões no terceiro trimestre e 30 milhões no quarto.

Depois de uma primeira reunião, a farmacêutica procurou o governo outras duas vezes ainda em agosto de 2020, nos dias 18 e 26, com propostas semelhantes, mas desta vez oferecendo 1,5 milhão de doses ainda em 2020. Em todas as ofertas, o preço apresentado foi de 10 dólares por dose, afirmou Murillo.

O governo ignorou as ofertas da empresa, que tinham validade de 15 dias, segundo o representante da Pfizer. "Passados esses 15 dias, o governo do Brasil não rejeitou, mas tampouco aceitou."

Após os contatos de agosto, a empresa voltou a procurar o governo brasileiro duas vezes em novembro, agora com propostas oferecendo apenas a aquisição de 70 milhões de doses: 2 milhões no primeiro trimestre de 2021, 6,5 milhões no segundo, 32 milhões no terceiro e 29,5 milhões no quarto. Ambas também foram rejeitadas.

Isso soma cinco ofertas ignoradas pelo governo Bolsonaro em 2020. Elas se juntam a uma sexta proposta feita pela Pfizer em 15 de fevereiro de 2021, também recusada, que previa 8,7 milhões de doses no segundo trimestre, 32 milhões no terceiro trimestre e 59 milhões no quarto.

Murillo afirmou que só sentiu confiança em relação ao acordo com o Brasil no dia 19 de março deste ano, quando o contrato foi finalmente assinado. Ele prevê a entrega de 100 milhões de doses, sendo 14 milhões no segundo trimestre de 2021 e 86 milhões no terceiro trimestre.

Durante a sessão desta quinta-feira, os senadores destacaram que, segundo cálculos feitos com base nos números fornecidos por Murillo, o Brasil poderia já ter recebido 18,5 milhões de doses da vacina até agora, se tivesse feito o acordo ainda no ano passado.

Carta para Bolsonaro

Em seu depoimento, Carlos Murillo confirmou que a Pfizer enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro em 12 de setembro, com cópia para outros membros do governo, a fim de reforçar o interesse da farmacêutica em vender vacinas ao Brasil.

O ofício foi enviado pelo CEO mundial da farmacêutica, Albert Bourla, e pedia que o governo brasileiro decidisse rapidamente se compraria o imunizante ou não, diante da demanda crescente de outros países.

Em depoimento à CPI na quarta-feira, o ex-secretário de comunicação da Presidência Fabio Wajngarten já havia afirmado que a carta ficou dois meses sem resposta.

"A carta foi enviada em 12 de setembro, assinada pelo nosso CEO global, [...] e era dirigida ao presidente Jair Bolsonaro, mais outras autoridades do governo", disse Murillo. "Com cópia para o vice-presidente Hamilton Mourão; o [então] ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto; o [então] ministro da Saúde, Eduardo Pazuello; o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nelson Foster."

Carlos Bolsonaro participou das negociações

Carlos Murillo confirmou que representantes da Pfizer tiveram reuniões com o ex-secretário Wajngarten para tratar da compra de vacinas, e disse que o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e o assessor especial da Presidência Filipe Martins também participaram.

"Sobre as reuniões me foi solicitado procurar informações sobre a reunião que nossa diretora jurídica teve com o senhor Fabio Wajngarten no dia 7 de dezembro. Então, se me permitir, posso relatar o que ela oficialmente enviou para mim", declarou, continuando:

"Após aproximadamente uma hora de reunião, Fabio [Wajngarten] recebeu uma ligação, sai da sala e retorna para a reunião. Minutos depois entram na sala de reunião Filipe Garcia Martins e Carlos Bolsonaro. Fabio explicou a Filipe Garcia Martins e a Carlos Bolsonaro os esclarecimentos prestados pela Pfizer até então na reunião. Carlos ficou brevemente na reunião e saiu da sala. Filipe Garcia Martins ainda permaneceu na reunião."

Essas informações relatadas por Murillo foram repassadas a ele durante o depoimento pela diretora jurídica da Pfizer, Shirley Meschke, que participou da mencionada reunião.

O encontro, do qual Murillo não participou, ocorreu no Palácio do Planalto e visava discutir os obstáculos ligados aos aspectos legais da compra das vacinas. Como justificativa para a demora em aceitar as ofertas, o governo brasileiro chegou a dizer que a Pfizer tinha "cláusulas leoninas".

Ao questionar sobre a presença de Carlos Bolsonaro e Filipe Martins em reuniões, a CPI da Pandemia busca entender se houve uma espécie de "assessoramento paralelo" do governo durante a gestão da pandemia, como apontou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.

Cláusulas iguais para todos os países

O gerente-geral da farmacêutica negou que fossem "leoninas" as condições impostas pela empresa para a venda dos imunizantes ao Brasil, conforme afirmou uma nota incendiária do governo em janeiro de 2021.

"Não estou de acordo com essa categorização de que as condições eram leoninas", disse Murillo aos senadores.

Segundo o representante da Pfizer, em linhas gerais as cláusulas eram as mesmas apresentadas a outros países, havendo apenas poucas variações devido à peculiaridade de cada região. "Todos os países com os quais a Pfizer tem assinado os contratos têm as mesmas condições."

Entre as condições atacadas pelo governo brasileiro estava a de que a empresa não se responsabiliza por eventuais efeitos colaterais do imunizante – o que já havia sido aceito por dezenas de países.

Em dezembro do ano passado, Bolsonaro chegou a declarar: "Lá no contrato da Pfizer, está bem claro: 'Nós [Pfizer] não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral'. Se você virar um jacaré, é problema seu". A fala foi lembrada pelo relator da CPI, Renan Calheiros, nesta quinta-feira.

Deutsche Welle Brasil, em 13.05.2021

Concedam a volúpia aos humildes

Vocações comerciais perdulárias perambulam pela noite escura dos que sofrem, analisa Paulo Delgado neste artigo publicado hoje n'O Estado de São Paulo.

Quem neste mundo vai de livre e espontânea vontade para o hospício? Se a maternidade fosse assim, crianças não nasceriam. Quando o cheiro de guardado ameaça aniquilar a razão, melhor apelar para a bondade. Abismo atrai abismo.

O tratamento da pessoa com transtorno mental só deveria atrair para o seu meio profissionais que fossem relíquia, capazes de entender que o paciente não é um infrator que cede seu direito à medicina. Profissionais capazes de ajustar seu conhecimento à compreensão do sentimento do outro e à humanidade física e espiritual do enfermo. O cuidado tem o mesmo mecanismo da oração.

É muito desagradável experimentar o poder na área de saúde de alguém desumano, despreparado para conhecer pessoas. A medicina costuma ser instrumento inconsciente de valores institucionalizados que no nível consciente certamente rejeitaria. A principal consequência dessa alienação produz o encontro de dois estigmas mortais para o sofrimento mental: a encruzilhada que é ver seus sintomas assustadores para muitos se encontrarem com o aparato hospitalar fechado para onde continua a ser mandado.

O que se vê nessas comunidades terapêuticas não é mais tratamento, é desumanidade, perda de consciência do dever de saber que o sofrimento mental ultrapassa os interesses da saúde.

Todos os que não querem resolver problemas causados pelo transtorno mental estendem as mãos para pegar dos pacientes um pedaço. Os que podem, e encontram uma rede social de suporte e apoio, conseguem melhor dar conta de ser cuidados fora do modelo manicomial. Mas se capturados como mercadoria econômica, mesmo pagando caro para se tratar, são também discriminados. Os abandonados são outro tipo de mercadoria, política e econômica, negociados por partidos e igrejas em troca de poder parlamentar. Vocações comerciais perdulárias perambulam pela noite escura dos que sofrem.

Quanto diploma miserável na sua formação, mesquinho no seu poder. A base científica da reforma psiquiátrica costuma sofrer crítica de interessados na economia do paciente. Críticas de base moral que não se ajustam ao debate aberto e direito. Pois desde a origem da discussão do novo modelo de tratamento e a evolução das tecnologias do cuidado persiste oculto um incômodo para alguns técnicos, um desconforto diante da evolução dos direitos humanos. Uma psicoterapia de ferro que não convive bem com equipes multidisciplinares vendo a abordagem psicossocial do problema ameaça ao seu poder. Fecha os olhos para a violação de direitos, interage mais com o remédio do que a pessoa, tem dificuldade de aceitar a cidadania do doente.

Contradição que se escancara quando pacientes poderosos exigem dos profissionais de saúde um tratamento humano. Nesse caso admitem bem o tratamento aberto dos que podem pagar clínicas de repouso onde não há impiedade, intoxicação ou estigma. Uma classe de doentes influentes, que não corresponde ao padrão do paciente abandonado e desprotegido, mas serve de prova de que a reforma psiquiátrica funciona para quem exige a lei ao seu lado.

A posição estratégica de donos de hospitais e clínicas de saúde foi migrar do hospital psiquiátrico para comunidades terapêuticas, estendendo o estigma sobre a doença mental para os usuários de álcool e outras drogas. O AA, ainda que um tratamento moral, cuida por adesão voluntária e não isola quem recorre a ele. A reforma encontra exceções em Estados e municípios onde bons gestores mantêm o modelo multidisciplinar, descentralizado e universal de atenção por meio da rede de Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Iniciativa pioneira do governador Franco Montoro, que implantou o primeiro do Brasil em mansão na Rua Itapeva, no centro de São Paulo.

Não deveria haver mais espaço para agravar o surto em decisão fechada de consultório. Internando desprotegidos em sistema desterritorializado por tempo definido por interesses contábeis. Sem força para revogar a lei, decidiram sabotá-la com corte de verbas públicas e interesses econômicos devastadoramente imorais.

O desinteresse do governo pelos que sofrem é assustador. Leiam Schiller, ouçam Beethoven. Ó mercenários da dor e sua psico-história do poder! Concedam sua volúpia aos humildes. Se o rigor do costume separou, o iluminismo da ciência não o sustenta. Não se aceita mais olhar somente a metade das pessoas. Somos um, doentes ou não, somos nós.

Há 20 anos, por decisão do presidente Fernando Henrique e posterior regulamentação do presidente Lula, a Lei 10.2016/2001 determinou o tratamento aberto dos doentes mentais brasileiros. Não foi uma lei inventada por mim quando deputado, foi uma lei descoberta pioneiramente pela dra. Nise da Silveira.

Sem a gentileza amistosa de quem admira o paciente o remédio se torna insípido e o tratamento, imbecil. E quando prende o sofredor no entorpecimento é impossível livrar o cuidador do sofrimento. A regra de ouro de todas as religiões é também regra da boa medicina: “Tudo quanto quiserdes que vos faça alguém, assim fazei vós a ela”. A Lei 10.2016 continua uma súmula magnífica do louco cidadão.

Paulo Delgado, o autor deste artigo, é sociólogo. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 13.05.2021 

Entenda por que o orçamento secreto de Bolsonaro não é ‘emenda impositiva’

Montante repassado a parlamentares no esquema do tratoraço é paralelo ao dinheiro reservado para as emendas individuais a que todos os congressistas têm direito

O presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Dida Sampaio / Estadão

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Pressionados pela opinião pública a explicarem a utilização de um orçamento secreto para obtenção de apoio no Congresso, governistas disseminam nas redes sociais, incluindo o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, uma versão falsa sobre o esquema revelado pelo Estadão. Segundo essa tese, o dinheiro viria das emendas impositivas, a que todos os parlamentares têm acesso, e teria sido distribuído de maneira igualitária aos congressistas. Não é verdade.

Como mostra a série de reportagens sobre o caso que ficou conhecido como "tratoraço", o governo de Jair Bolsonaro entregou a um grupo o direito de direcionar R$ 3 bilhões liberados em troca de apoio, em uma iniciativa que desrespeitou exigências da legislação e compromissos de campanha e de mandato do presidente Jair Bolsonaro.

Trata-se, na verdade, de um dinheiro paralelo ao reservado para as emendas individuais a que todos os congressistas têm direito -  aliados e opositores - e que o Executivo tem a obrigação de pagar. Ao longo do ano, cada parlamentar pode indicar R$ 8 milhões por meio de emendas individuais. E outros R$ 8 milhões devem ir obrigatoriamente para a saúde. No caso do orçamento secreto, as verbas são de outra natureza. Pelas regras, elas deveriam ser gastas pelo governo por meio da seleção de projetos com critérios técnicos e levando em consideração as condições socioeconômicas das localidades beneficiadas.

Em síntese, o Executivo, por meio dos ministérios, deveria ter critérios técnicos para investir em uma cidade e não em outra. Na prática, os R$ 3 bilhões, do Ministério do Desenvolvimento Regional, acabaram servindo para indicações pessoais de deputados e senadores aliados, com cotas individuais muito superiores aos R$ 8 milhões das emendas individuais.

Enquanto as emendas individuais e de bancadas são de pagamento obrigatório e com valores e regras fixas, o mesmo não se aplica às emendas de relator-geral, origem do esquema revelado pelo Estadão. As emendas individuais são registradas no Orçamento sob o código identificador de resultado primário (RP) 6, enquanto as emendas de relator recebem o RP 9. O RP 9 é uma categoria nova no Orçamento, criado já no governo Bolsonaro.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), definiu a aplicação de R$ 277 milhões de verbas públicas do Ministério do Desenvolvimento Regional. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-PI), direcionou outros R$ 114 milhões.

Líder do Centrão, Lira venceu a eleição para a presidência da Câmara. Alcolumbre costurou acordos para eleger o seu sucessor, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O poder de congressistas sobre a vultosa quantia aparece em uma centena de ofícios obtidos pelo Estadão nos quais deputados e senadores determinavam como os recursos deveriam ser usados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional e por órgãos vinculados à pasta.

Esses ofícios, com o direcionamento de obras e compras de tratores, por exemplo, são recebidos diretamente pelo governo, sem serem submetidos à ampla publicidade. Daí, a expressão "orçamento secreto". 

Curiosamente, o presidente Bolsonaro havia vetado a tentativa do Congresso de impor o destino de um novo tipo de emenda (chamada RP9), criado no seu governo. O veto segue em vigor. 

Ao explicar o veto em mensagem ao Congresso, Bolsonaro afirmou que "o dispositivo investe contra o princípio da impessoalidade que orienta a administração pública ao fomentar cunho personalístico nas indicações e priorizações das programações decorrentes de emendas, ampliando as dificuldades operacionais para a garantia da execução da despesa pública".

Outro argumento usado por governistas é o de que senadores petistas foram contemplados, o que esvaziaria o fato de que a verba serviu a parlamentares aliados. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, usou as redes sociais para citar o senador Humberto Costa (PT-PE) como um dos contemplados.

Contudo, a inclusão de petistas se deu em razão de um movimento de Davi Alcolumbre. Após ver frustrada sua tentativa de ter a reeleição como presidente do Senado pelo Supremo Tribunal Federal, ele buscou o apoio do PT para Rodrigo Pacheco.

Foi nessa circunstância que o demista arranjou dinheiro do orçamento secreto para Humberto Costa e também para os oposicionistas Rogério Carvalho (PT-SE), Acir Gurgacz (PDT-RO) e Weverton Rocha (PDT-MA). Na época, houve estranhamento sobre o motivo de a oposição ter defendido o candidato de Bolsonaro.

Vinícius Valfré e André Shalders para O Estado de S.Paulo, em 10 de maio de 2021 | 18h08

Wajngarten liga Bolsonaro a omissão na compra de vacinas da Pfizer em sessão tumultuada da CPI

Ex-secretário de Comunicação se contradiz e afirma que proposta da farmacêutica ficou dois meses sem resposta do Governo. Relator da comissão, Renan Calheiros pede sua prisão e bate boca com Flávio Bolsonaro

O ex-secretário de Comunicação do Planalto Fabio Wajngarten, observa o presidente da CPI da Pandemia, Omar Aziz.ERALDO PERES / AP

O depoimento do ex-chefe da comunicação do Governo Jair Bolsonaro na CPI da Pandemia elevou a temperatura dos debates no dia mais tumultuado da comissão até agora. O que era para ser um movimento calculado pelo Planalto com um fiel defensor do presidente o isentando de culpa na gestão da crise de covid-19 acabou sendo um tiro que saiu pela culatra. Fabio Wajngarten foi ameaçado de prisão pelo relator Renan Calheiros depois de mentir e se contradizer ao longo de quase dez horas de depoimento. De quebra, o ex-secretário especial de Comunicação acabou por colar em Jair Bolsonaro parte da culpa por ter ignorado uma oferta de vacinas da Pfizer no mês de setembro do ano passado. A falta de investimentos em imunizantes por parte do atual Governo é uma das principais linhas da acusação na CPI liderada por Calheiros.

Wajngarten deixou a Secretaria Especial de Comunicação em março. No mês seguinte ele concedeu uma entrevista à revista Veja na qual atribuiu a condução equivocada da pandemia de coronavírus à equipe do Ministério da Saúde que era comandada pelo general Eduardo Pazuelllo. Foi por causa desta entrevista que ele foi convocado como uma espécie de homem-bomba capaz de complicar o Governo. Inicialmente, suas falas iam no sentido de blindar Bolsonaro e, surpreendentemente, também Pazuello. Por fim, depois de tantos questionamentos, ele acabou confirmando a trama envolvendo a Pfizer.

Em 12 de setembro daquele mês a farmacêutica enviou uma carta ao Governo oferecendo imunizantes. O documento fora entregue a seis pessoas: o presidente Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão, ao embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Foster, e aos então ministros Paulo Guedes (Economia), Eduardo Pazuello (Saúde) e Walter Braga Netto (Casa Civil). A carta ficou sem qualquer resposta formal até 9 de novembro, quando Wajngarten ficou sabendo por intermédio do dono da emissora RedeTV!, Marcelo de Carvalho, que a Pfizer ainda esperava qualquer manifestação do Governo.

Segundo seu relato, o então secretário de Comunicação enviou um e-mail para a sede da Pfizer em Nova York informando que teve acesso ao documento ―disponibilizado à CPI nesta quarta. No mesmo dia 9 de novembro, pouco tempo depois de enviar a mensagem, recebeu uma ligação de Carlos Murillo, então gerente-geral da farmacêutica no Brasil. 

De acordo com o que contou à comissão, ele levou o telefone ao gabinete do presidente Bolsonaro, que estava em reunião com o ministro Paulo Guedes e ambos conversaram com Murillo. “O presidente foi informado no primeiro momento”, disse o ex-secretário. Nenhum deles justificou a razão de não terem dado resposta alguma. Guedes, teria dito apenas que esse era “o caminho” e Bolsonaro, reforçado que qualquer imunizante seria comprado desde que aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Nesta quinta-feira, parte do que foi discutido por Wajngarten será confrontado com os dados da farmacêutica Pfizer. Serão ouvidos pela CPI o presidente da farmacêutica na América Latina, o chileno Carlos Murillo, que até novembro do ano passado era o gerente-geral da companhia no Brasil, e a sucessora dele neste cargo, a espanhola Marta Díez.

Ao longo desta quarta-feira, os senadores conseguiram extrair do depoimento de Wajngarten informações que embasam duas das linhas de investigação que a CPI quer apontar, a de que Bolsonaro não comprou imunizantes com antecedência, diante da falta de respostas à oferta da Pfizer, e que insistiu na tese de que os brasileiros estariam protegidos diante de uma imunidade de rebanho, ao desincentivar medidas de restrição de circulação por meio propaganda governamental. Este segundo caso, acabou gerando um pedido de prisão por parte do senador Renan Calheiros (MDB-AL), o relator da CPI.

O emedebista entendeu que Wajngarten teria cometido o crime de falso testemunho primeiro negar a existência de uma peça publicitária intitulada “O Brasil não pode parar”, que estimulava as pessoas a trabalharem presencialmente, mesmo com a pandemia. O vídeo chegou a ser publicado em perfis da Secretaria de Comunicação em redes sociais e no site oficial do Governo, mas diante da repercussão negativa e antes mesmo de uma proibição assinada pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, acabou apagada.

Wajngarten primeiro disse que desconhecia o vídeo. Depois, afirmou que ele foi feito de forma experimental e não teve autorização para ser divulgado. Por fim, depois de tantas idas e vindas, afirmou que, de repente, lembrou-se que o ministro da Luiz Eduardo Ramos, que era seu superior hierárquico na Secretaria de Governo, divulgou o vídeo para um grupo de ministros. “Pelo que entendi, ele [Ramos] disparou para o grupo de ministros e, de lá, eu não sei mais o que aconteceu”, disse.

“O espetáculo de mentiras que nós vimos hoje aqui é algo que não vai se repetir, e não pode servir de precedente”, disse Renan após anunciar que solicitaria a prisão de Wajngarten. Ao longo da tarde, o ex-chefe da Comunicação ainda cometeu ao menos mais duas contradições. Primeiro, ele disse que teve três reuniões presenciais com representantes da Pfizer em Brasília e que todas constavam de sua agenda pública oficial, quando na verdade, não estavam. A segunda, quando afirmou que não negociou a compra das vacinas com a farmacêutica, e tampouco que sabia de valores a serem pagos pela dose dos imunizantes. Na entrevista à Veja, contudo, ele sinaliza que teve acesso aos preços cobrados pela empresa.

“As negociações avançaram muito. Os diretores da Pfizer foram impecáveis. Se comprometeram a antecipar entregas, aumentar os volumes e toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos dez dólares. Só para se ter uma ideia, Israel pagou 30 dólares para receber as vacinas primeiro”, afirmou Wajngarten à revista semanal.

Por um instante, houve a sensação de que Wajngarten sairia preso da comissão. Assim como em tribunais, nas CPIs, as testemunhas não podem mentir ou se negarem a responder a questionamentos, apenas investigados podem. Quando o clima esquentou, já no fim da tarde, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), apareceu para tumultuar e criar uma narrativa para sua fervorosa militância de sua família nas redes sociais. “Imagina um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros”. A fala de Flávio acabou sendo reproduzida pelo perfil oficial de Bolsonaro no Twitter.

O bate-boca prosseguiu, com a resposta de Renan. “Vagabundo é você que roubava dinheiro das pessoas do seu gabinete”, disse o emedebista em alusão ao escândalo da rachadinha do qual Flávio é suspeito de comandar enquanto era deputado estadual no Rio de Janeiro. A sessão foi temporariamente suspensa.

Por fim, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu que não prenderia Wajngarten, mas encaminhou sua oitiva ao Ministério Público Federal para que um procurador avaliasse se ele cometeu o crime de falso testemunho. “Eu não sou carcereiro de ninguém. Eu sou um democrata. Se ele mentiu, nós temos no relatório como pedir o indiciamento dele, mandar para o Ministério Público para ele ser preso, mas não por mim”, afirmou. Em tom professoral, Aziz ainda disse que o pior para Wajngarten não seria sua prisão, mas a perda de credibilidade. “Não pense que o pior na sua vida seria a prisão hoje. Não seria. O pior é o legado que você construiu com muito trabalho, e que você perdeu hoje aqui nesta CPI”.

AFONSO BENITES, de Brasília para o EL PAÍS, em 12 MAI 2021 - 21:33 BRT

Com Boulos ou Haddad, candidatura única da esquerda lideraria disputa por Governo de São Paulo

Resultados são de pesquisa Atlas. Se nome do PSOL e petista concorrerem em chapas separadas ao mesmo tempo, estudo aponta empate quádruplo com Skaf e França pelo Governo estadual. Atual governador, Doria não lidera nenhum cenário e tem aprovação menor que Bolsonaro no Estado

Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) nas eleições para presidente, em 2018.RICARDO STUCKERT / PARTIDO DOS TRABALHADORES

Seja liderada por Guilherme Boulos (PSOL) ou por Fernando Haddad (PT), uma candidatura única da esquerda largaria na frente na disputa pelo Governo de São Paulo em 2022, mostra a pesquisa Atlas divulgada nesta quarta-feira. Quando não concorre com o petista, Boulos apresenta 26,3% das intenções de voto num eventual primeiro turno pelo Palácio dos Bandeirantes, contra 17,9% de Paulo Skaf (MDB) e 13,3% de João Doria (PSDB). 

Já Haddad, sem enfrentar o psolista na mesma disputa, conta com 25,3% das intenções, a frente dos 13,5% de Skaf e 12,2% de Doria. No entanto, no cenário em que os nomes de esquerda rivalizam candidaturas, a pesquisa aponta um empate quádruplo na liderança do levantamento, que tem margem de erro de três pontos para mais ou para menos: Boulos (17%), Skaf (16,4%), Haddad (14,6%) e Marcio França (12,5%), do PSB.

“Chama a atenção a fortaleza de Guilherme Boulos, inclusive em cenário em que aparece junto com o Fernando Haddad”, comenta Andrei Roman, CEO do Atlas. “A sua candidatura à Prefeitura de São Paulo em 2020 cristalizou uma base forte e, caso a esquerda não se una, corre o risco de ficar fora do segundo turno”, explicou ele. 

Apesar de liderarem a enquete a governador, PT e PSOL aparecem na mesma pesquisa como os dois partidos com os maiores índices de rejeição no Estado, com 57,6% e 45,1% respectivamente. Já na rejeição direta aos candidatos, Haddad aparece em primeiro com 44,3%, seguido de João Doria (44,2%) e Geraldo Alckmin (39,1%). Boulos é o sexto mais rejeitado entre oito candidatos, com 37%.

Roman destaca ainda o desempenho do governador João Doria nas pesquisas realizadas pelo Atlas. “Neste momento, não consegue uma segunda colocação em nenhum dos cenários testados”, diz ele. Além de estar entre os mais rechaçados no Estado, Doria tem como melhor desempenho um terceiro lugar para governador, no cenário com Boulos e Skaf na frente. 

O estudo ainda mostrou que 62,1% das pessoas desaprovam o atual Governo estadual, e 48,1% consideram seu desempenho como governador ruim ou péssimo, contra 13,9% de ótimo ou bom. “Sem uma base sólida de votação, restam dúvidas sobre a capacidade do Doria de transferir votos para o vice-governador Rodrigo Garcia [em caso de candidatura presidencial de Doria]”, afirma o CEO. 

Garcia é o candidato com o segundo menor índice de rejeição, mas aparece em último em todos os cenários utilizados. “Existe uma forte articulação dentro e fora do PSDB a favor de uma candidatura do Geraldo Alckmin”, diz Roman.

A pesquisa traz ainda mais notícias negativas para o governador tucano, que sonha também em disputar o Planalto. Segundo o Atlas, o eleitor paulista gosta mais do desempenho do presidente Jair Bolsonaro do que do de Doria. Bolsonaro tem 40,9% de aprovação no Estado, contra 35,3% do tucano, enquanto 31,4% das pessoas consideram o desempenho do presidente ótimo ou bom —quase 20 pontos percentuais a frente de Doria. 

Por outro lado, menos da metade considera o Governo estadual ruim ou péssimo, ao mesmo tempo em que 55,5% dos entrevistados classificam o Governo federal com os mesmos adjetivos.

A comparação é válida uma vez que Doria e Bolsonaro rivalizaram posturas no combate à pandemia de covid-19 desde o ano passado. Enquanto o governador adotou medidas restritivas, defendeu publicamente as medidas sugeridas pela ciência e foi o primeiro a adquirir vacinas no país, o presidente optou por criticar o isolamento social, menosprezar a doença e criticar a vacina escolhida por Doria por ser oriunda da China. 

Os índices se mostraram negativos para o tucano não só pela perda de espaço no cenário estadual, como também visando uma possível disputa pela Presidência, uma vez que é uma espécie de pré-requisito para um presidenciável ter força em seu Estado natal. No entanto, o Atlas também mostra que a rejeição a Doria não tem relação direta com as restrições impostas pelo Governo durante a pandemia em São Paulo. 

No estudo, 56,2% dos entrevistados disseram concordar com as medidas de contenção adotadas pela equipe de Doria. Além disso, 40,8% opinaram que as regras a favor do isolamento social deveriam ser ampliadas, contra 30,3% que disseram que as mesmas deveriam ser relaxadas.

O Atlas entrevistou 1.050 pessoas em São Paulo entre os dias 7 e 11 de maio de 2021, todas feitas por meio de questionários aleatórios via internet. As respostas são calibradas por um algoritmo de acordo com as características da população paulista.

DIOGO MAGRI, de São Paulo para o EL PAÍS, em 12 MAI 2021 - 19:44 BRT

"Crime de responsabilidade não basta para tirar um presidente"

Presidente do PSDB e ex-ministro de Temer, Bruno Araújo votou a favor do afastamento de Dilma no Congresso em 2016. Cinco anos depois, ele diz que a "tempestade era perfeita" para um impeachment. "Meu voto foi político.

Dilma foi afastada do cargo em 12 de maio de 2016; seu impeachment foi concluído cerca de três meses depois

Bruno Araújo (PSDB) foi o 342º parlamentar a dizer "sim" no microfone da tribuna da Câmara dos Deputados, em abril de 2016, o voto decisivo para a abertura de impeachment da então presidente Dilma Rousseff – na Casa de 513 membros, é preciso a maioria qualificada de pelo menos 342 votos para o processo ser aberto. A petista deixaria o Palácio do Planalto em 12 de maio do mesmo ano, após o Senado também confirmar o impeachment.

Com a retirada de Dilma do poder, Araújo se tornou ministro no governo de Michel Temer (PMDB), votou em Jair Bolsonaro em 2018 e assumiu a presidência nacional do PSDB em maio de 2019, posto ao qual foi reconduzido até maio de 2022.

Em entrevista exclusiva à DW Brasil, o presidente do PSDB recorda o processo do impeachment e admite que seu voto foi político. O governo Dilma, diz, vivia a tempestade perfeita: crise econômica, falta de apoio político no Congresso, impopularidade e mobilização popular nas ruas, pressão da mídia brasileira pelo afastamento. "Foi um resultado que tinha conexão com as ruas e com a maioria constitucional formada na Câmara e no Senado."

Cinco anos depois, o PSDB é oposição a Bolsonaro. Araújo diz que, logo no início do governo, o partido entendeu que não tinha nenhuma identidade com o atual mandatário, por seus comportamentos pessoais condenáveis e por seu desrespeito às instituições de Estado. Se Dilma era, na opinião do ex-ministro, "inabilitada para a função de liderar", "Bolsonaro é um extremista que não tem o menor conhecimento sobre gestão pública, vive numa bolha política, não tem o menor prazer em exercitar ou alargar  um ambiente de diálogo com outras estratificações eleitorais, no sentido de acalmar o país". 

DW Brasil: Em 2016, na Câmara dos Deputados, o seu voto foi o decisivo para a aprovação do impeachment. Num retrospecto, qual foi a razão do seu voto?

Bruno Araújo: Em processos como os impeachments de [Fernando] Collor e Dilma [Rousseff] é a população que se mobiliza, pauta e influencia o Congresso. Numa democracia, por mais aperfeiçoamentos que ela precise, como no caso da brasileira, não há chance de se retirar um presidente da República do cargo sem mobilização popular. Nos primeiros dias do segundo governo de Dilma Rousseff eu fiz um pronunciamento no Congresso, e esse pronunciamento foi assistido por mais de um milhão de pessoas no YouTube. Estava claro ali o que era o resultado do início do segundo mandato de Dilma. O Brasil entrou em processos simultâneos de crise econômica profunda, a maior da história, retrocesso social, inflação e escândalo. A saída ou não de um presidente, legalmente, legitimamente eleito, só acontece quando se forma uma tempestade perfeita. E se formou sobre o segundo mandato da presidente Dilma, e essencialmente por responsabilidade dela, a tempestade perfeita. Neste contexto, meu voto veio do envolvimento primeiro de quem fez oposição ao PT durante todo esse tempo. Somado à tempestade perfeita, aquele foi um resultado que tinha conexão com as ruas e com a maioria constitucional formada na Câmara e no Senado. 

Bruno Araújo, presidente do PSDB

O senhor reconheceu que o Congresso foi influenciado pelas ruas, e não o contrário. Seu voto foi fruto de pressão popular ou o senhor enxergava de fato um crime de responsabilidade de Dilma Rousseff?

O processo do Parlamento é sempre político, contornado de legalidade. A leitura do mérito é sempre e estritamente política, respeitadas as formalidades. Foi um voto absolutamente consciente de que a presidente não tinha condições políticas de tocar e governar o Brasil. Ela tinha perdido naquele momento o apoio completo do Congresso. O governo dela estava absolutamente condenado, mesmo se faltasse um voto para o processo do impeachment, a ser paralisado.

Mas o senhor viu crime de responsabilidade na ocasião?

Quem viu o crime de responsabilidade foi o Tribunal de Contas da União (TCU). Meu voto foi político. O voto foi pelo parecer de uma corte prevista na Constituição brasileira. Quem audita contas de presidente da República é o TCU. E foi esse tribunal que formulou, em julgamento, uma posição unânime pelo descumprimento de obrigações constitucionais da presidente. Vamos ser muito claros: se o TCU oferecesse aquele mesmo parecer com a economia razoavelmente caminhando, e com apoio do Congresso Nacional, claro que não teria impeachment. O ato formal de crime de responsabilidade, indisposição da população com pano de fundo de crise social e econômica, levaram a uma mobilização que conseguiu votos suficientes no Congresso. Um parecer de crime de responsabilidade não é suficiente para tirar presidente da República. Ou impopularidade sem crime de responsabilidade pode também não ser suficiente [para um  impeachment]. Por isso volto a me reportar: o que houve foi a tempestade perfeita. Foi um ato formal da Corte de Contas, identificando o crime de responsabilidade, foi uma crise econômico-financeira, moral, com mobilização popular, votos suficientes na Câmara e no Senado, e com grande parte da imprensa brasileira em campanha pela queda da presidente da República. Difícil sustentar com tudo isso junto.

Como vê o Brasil de hoje, cinco anos depois?

O Brasil migrou de um governo de esquerda para um governo de extrema direita e não fez um caminho para tentar buscar com serenidade um pacto nacional que ajudasse a superar os problemas mais importantes do país. As eleições de 2018 levam o país para uma reação ao PT. A população optou por se afastar de discursos mais moderados e fez uma aposta mais radical à direita. Grande parte da população não sabia que era uma opção por uma extrema direita, que nega a ciência, que tem pouca formação e compreensão do Estado e que, inúmeras vezes, procurou desrespeitar ou quebrar a harmonia entre as instituições de Estado. Hoje temos uma crise econômica no país dentro da crise mundial provocada pelo coronavírus. O Brasil está virando um pária na comunidade internacional, com um comportamento do governo brasileiro em relação à política ambiental em xeque; e incapacidade de fazer entregas modernizantes da economia. O discurso do governo liberal se mostrou falso porque o presidente tem postura extremamente nacional intervencionista, incompatível com momento de mundo e de país. A falta de clareza da política econômica e a falta de projeto nacional nos mantêm na esteira dessa crise potencializada pela pandemia.

O PSDB foi grande defensor do impeachment. O que explica a transição desse voto em 2016 à realidade hoje, com o PSDB na oposição a Bolsonaro? 

Nenhum jornalista teria coragem, naquele dia, de escrever qualquer linha sobre Bolsonaro ser presidente. Da mesma forma que a democracia americana se surpreendeu um dia com a escolha soberana da população elegendo Donald Trump. Há um fenômeno mundial. O Brasil não é a fonte desses ventos. O Brasil foi abatido por esse movimento conservador de direita, como em muitos lugares do mundo.

Em 2018 o senhor votou em Bolsonaro. Em que momento percebeu o que significava esse governo?

Toda atuação política do PSDB, e a minha em especial, era de oposição ao PT. Fizemos uma opção por não votar no PT [no segundo turno], votando em Jair Bolsonaro. Na primeira viagem internacional do presidente recém-eleito a Davos, já se demonstrava o grau de deficiência e de pouca expressão política dele para tocar um país com a dimensão econômica e populacional, e problemas sociais do Brasil. Dali em diante houve uma série de posições que nos deram clareza de que não tínhamos nada a ver com aquilo. Sobretudo os ataques a instituições e seus comportamentos pessoais. Nas primeiras semanas demos declarações de que aquele governo não tinha nada a ver com o que pensávamos sobre um país democrático, com diversidade, liberdade política e religiosa, e as desigualdades que temos.

O senhor disse que só crime de responsabilidade não assegura um impeachment. Nem só a perda de apoio político no Congresso. No ano passado o senhor afirmou que não havia condições para um impeachment de Bolsonaro. Mantém essa declaração?

Com mais clareza ainda. Bolsonaro tem base parlamentar e tem percentual expressivo de apoio da população. A tempestade perfeita não está no horizonte do governo Bolsonaro. Daqui a pouco estaremos a um ano das eleições. 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, recentemente, sinalizou que se em 2022 houver disputa entre Lula e Bolsonaro votaria no petista. A classe política tem hoje discernimento sobre o que significaria um novo mandato de Bolsonaro?

Fernando Henrique respondeu a uma pergunta plebiscitária. Tenho certeza de que vamos criar condições de oferecer ao Brasil uma alternativa de centro. Se não criarmos, que Deus nos proteja. Vou me dedicar, enquanto dirigente partidário, a construir um ambiente em que possamos oferecer um nome que chegue ao segundo turno com um dos dois candidatos [ou Lula ou Bolsonaro]. Não vejo outra alternativa que não seja essa. 

Como o senhor classificaria Dilma Rousseff presidente e Jair Bolsonaro presidente?

Nunca fiz qualquer discurso nem qualquer posicionamento questionando a probidade da cidadã Dilma Rousseff, mas do ponto de vista político, administrativo e de liderança, ela foi um capricho do ex-presidente Lula. É uma pessoa que não estava preparada para a dimensão e a compreensão de chefe de Estado e de governo. Autoritária, arrogante na relação com congressistas e subordinados. Infelizmente, foi uma perda de oportunidade quando tínhamos pela primeira vez uma mulher no cargo mais relevante do país. Era uma senhora inabilitada para a função de liderar. E o presidente Bolsonaro é alguém que não tem o menor conhecimento sobre gestão pública, vive numa bolha política, não tem o menor prazer em exercitar ou alargar um ambiente de diálogo com outras estratificações eleitorais, no sentido de acalmar o país. Ele é nutrido por disputas. Sua posição extremista é dissonante com a cultura da sociedade brasileira.

Deutsche Welle Brasil, em 12.05.2021

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Brasil registra 2.494 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 76.692 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da pandemia para 15.359.397. Número acumulado de mortes é de 428.034.

Média móvel de novas mortes em sete dias é de 1.948

O Brasil registrou oficialmente 2.494 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quarta-feira (12/05).

Também foram confirmados 76.692 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.359.397, e os óbitos somam agora 428.034.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.847.191 pacientes haviam se recuperado da doença até esta quarta.

Com os dados de óbitos registrados nesta terça, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 203,7 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.948, e média móvel de novos casos, em 61.316.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 582 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,8 milhões) e Índia (23,3 milhões).

Ao todo, mais de 159,9 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,3 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 12.05.2021

Datafolha: Lula lidera corrida eleitoral de 2022 e marca 55% contra 32% de Bolsonaro no 2º turno

Petista tem 41% no primeiro turno, 18 pontos à frente do atual presidente, que deve disputar a reeleição no ano que vem

Pouco mais de dois meses após ter seus direitos políticos restabelecidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera a corrida para a Presidência com margem confortável no primeiro turno e venceria o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na segunda etapa, revela pesquisa Datafolha.

O petista alcança 41% das intenções de voto no primeiro turno, contra 23% de Bolsonaro.

Em um segundo pelotão, embolados, aparecem o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (sem partido), com 7%, o ex-ministro da Integração Ciro Gomes (PDT), com 6%, o apresentador Luciano Huck (sem partido), com 4%, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que obtém 3%, e, empatados com 2%, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o empresário João Amoêdo (Novo).

Somados, os adversários de Lula chegam a 47%, apenas seis pontos percentuais a mais do que o petista. Outros 9% disseram que pretendem votar em branco, nulo, ou em nenhum candidato, e 4% se disseram indecisos.

O levantamento foi realizado com 2.071 pessoas, de forma presencial, em 146 municípios, nos dias 11 e 12 de maio. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Fábio Zanini, de S. Paulo. Publicado originalmente pelo UOL, em 12.mai.2021 às 17h49

Custo de despesas básicas sobe 30% acima da inflação e corrói orçamento

No ano passado, para um IPCA de 4,5%, a energia elétrica subiu 9,12% e a alimentação em casa teve reajuste de 18,16%; este ano, foram os preços dos combustíveis que dispararam: 21,65% até março. Sobra pouca renda para outros tipos de gastos
 
     Na casa do executivo Marcio Douglas Moura de Araújo, algumas mudanças tiveram de ser adotadas para equilibrar o orçamento com a escalada das despesas essenciais. O cardápio foi readaptado com produtos mais baratos. No lugar da carne, frango, fígado e, às vezes, peixe. Para reduzir o consumo de energia elétrica e gás, ele virou um verdadeiro fiscal. 

“Desligo o aquecedor de manhã e só ligo à noite. Apagamos todas as lâmpadas, tiramos os eletrodomésticos das tomadas e evitamos o uso do ar-condicionado em dias mais arejados”, diz ele. Mesmo assim, com quatro pessoas mais tempo dentro de casa, a conta de luz subiu 15%. No final do mês, diz ele, não sobra praticamente nada.

O aperto na renda de Araújo é uma realidade na vida da maioria dos brasileiros, que tem visto despesas essenciais, como alimentação, energia elétrica e combustível, corroerem boa parte do salário mensal. Isso tem ocorrido porque o preço de alguns desses gastos subiu acima da inflação, conforme levantamento feito pela Tendências Consultoria Integrada a pedido do Estadão.

Na 2ª onda de covid, inadimplência, renda em queda e inflação ameaçam a economia


No ano passado, a inflação média dos itens essenciais ficou 30% acima do IPCA, de 4,5%. Mas, em alguns casos, a diferença foi bem maior. A energia elétrica, por exemplo, subiu 9,12% e a alimentação em casa, 18,16%. Esse movimento continuou no início deste ano, com a explosão de 21,65% dos preços dos combustíveis (veículos e gás) até março. Os aumentos já foram suficientes para deixar a inflação das despesas essenciais 22% acima do IPCA neste ano - os números não consideram o índice de abril, anunciado nesta terça-feira, 11, de 0,31%.


Marcio Douglas Moura de Araújo fez ajustes no cardápio de casa, mas não conseguiu evitar o aumento de 15% na conta de luz. Foto: Werther Santana/Estadão

Isso significa que boa parte da renda disponível está sendo comprometida com apenas algumas despesas, diz a economista da Tendências Consultoria Integrada, Isabela Tavares, responsável pelo levantamento. “Na prática, tem sobrado menos dinheiro para gastar com bens e serviços.” De janeiro de 2020 para cá, a renda disponível (depois do pagamento de despesas essenciais) para gastar com esses itens caiu de 42,11% para 41,33% - o menor patamar, pelo menos, desde 2009. Só no ano passado, essa queda representou R$ 45 bilhões a menos de consumo para o brasileiro.

O movimento, no entanto, não é recente. Em 2012, a renda disponível do brasileiro era de 45,47%. Nesse período, a escalada dos preços de despesas essenciais acima da inflação vem corroendo gradualmente a renda do brasileiro. “A pressão inflacionária aliada à deterioração do mercado de trabalho tem restringido cada vez mais o consumo de outros bens e serviços”, diz Isabela.

O problema é que essa escalada não deve parar por ai, afirmam especialistas. Na energia elétrica, por exemplo, é esperado para este ano novos e salgados aumentos na conta de luz do brasileiro. Rodrigo Moraes, especialista em Planejamento Energético da Go Energy, explica que, apesar de haver sobreoferta de energia, a expectativa é que preço continuará elevado durante todo este ano.

“Estamos enfrentando um período crítico de chuva, que afeta os reservatórios e obriga o acionamento de termoelétricas, mais caras. Neste ano, não teremos bandeira verde”, diz ele. No momento, a bandeira definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é vermelha, que indica que haverá acréscimo no valor da energia a ser repassada ao consumidor final. “No meu orçamento, o que mais tem pesado são os preços de energia, gás e alimentação”, afirma o consumidor Marcio Douglas Moura de Araújo, que mora com a mulher e duas filhas.

Para ele, como não dá para cortar mais o consumo de energia, o jeito tem sido mudar a alimentação. Além da carne, que saiu do cardápio, a ida à feira tem sido restringida. “Também mudei o supermercado. Antes ia ao Pão de Açúcar. Hoje vou ao Dia.”

Na avaliação do economista Christiano Arrigoni, professor do Ibmec/RJ, a estratégia de Araújo está correta, mas nem tudo dá para ser substituído. É por isso que a renda cai, já que os salários não acompanham essa escalada de preços. Embora a inflação tenha ficado baixa no ano passado, o custo de vida para famílias mais pobres aumentou bastante, diz ele. “A inflação é um índice de preços de uma família típica, representa uma média. Para uma família mais pobre em que o grosso do orçamento vai para alimentos, energia e transporte, esses aumentos pesam muito.”

Por isso, a sensação de que a inflação é maior do que aquela mostrada nos índices. “É nítido que a renda vem despencando. E isso é um drama, pois afeta toda a estrutura de consumo das famílias”, afirma o economista do Insper Otto Nogami. “E assim, o salário fica insuficiente para as necessidades do dia a dia.”

O orçamento das famílias, segundo a Tendências, só não está mais apertado porque houve um arrefecimento em alguns itens nos últimos meses, o que compensou parte do aumento da conta de luz, da gasolina, do gás de cozinha e dos alimentos. Com a pandemia, a educação teve uma queda com os descontos dados pelas escolas por causa das aulas online. O mesmo ocorreu com os alugueis.

Para a especialista em gestão empresarial Erika Pellini, o novo normal com a pandemia reduziu alguns gastos e elevou outros. Em home office, ela diminuiu o consumo de gasolina, mas elevou os gastos com alimentação e energia elétrica. “Tento ficar vigilante e evito deixar luzes e aparelhos ligados sem necessidade e, ainda assim, a despesa aumentou.” Ela conta que começou a fazer uma revisão do orçamento e pretende enxugar alguns gastos, como por exemplo, telefonia celular.

Veja depoimentos de quem teve de fazer ajustes nos gastos para manter o orçamento doméstico equilibrado.


O preço da gasolina pesou no orçamento da fisioterapeuta Andrea Chiara Ferreira Silva, que cortou supérfluos e trocou marcas no supermercado. Foto: Taba Benedicto/Estadão

‘Cortei supérfluos e troquei algumas marcas’

Para a fisioterapeuta Andrea Chiara Ferreira Silva, de 50 anos, o aumento no preço da gasolina achatou consideravelmente sua renda mensal. Ela faz atendimento domiciliar e usa o carro diariamente. “Apesar disso, não consegui repassar o aumento para os clientes, já que muitos deles também estão passando por um aperto no orçamento”, diz ela.

Além do combustível, a fisioterapeuta também teve aumento no preço do plano de saúde, de R$ 800 para R$ 1,7 mil por causa da mudança de faixa etária. “Junta-se a isso o aumento do preço dos alimentos e dos itens para atendimento, como propé, álcool e máscara para manter a segurança no trabalho.”

Andrea afirma que a situação só não ficou pior porque conseguiu alguns clientes a mais devido à pandemia. “Muitas pessoas estão precisando fazer fisioterapia para recuperação pós-covid.” Mesmo assim, ela chega ao fim do mês com menos dinheiro do que há alguns meses. “Cortei supérfluos, como chocolates e vinhos, e troquei algumas marcas por outras mais baratas.”


Andréa Fernanda dos Santos não compra mais carne e já não consegue encher o tanque do carro. Foto: Werther Santana/Estadão

‘Minha conta de água praticamente dobrou’

As idas da propagandista farmacêutica Andréa Fernanda dos Santos ao supermercado têm sido só para comprar o básico: sem carnes, leite nem guloseimas. “Em alguns períodos, comemos ovo a semana inteira”, diz ela, que há um mês perdeu o emprego.

Mas, antes disso, a situação já não estava boa. Andréa ganhava um salário fixo e um rendimento a mais por bater as metas. Com a pandemia, as vendas caíram e ficou mais complicado alcançar os índices estabelecidos. Só isso reduziu em R$ 3 mil a remuneração da representante comercial.

“Ao mesmo tempo, via o preço da comida, da água, do combustível e do gás só aumentar.” Além de mudar o cardápio, ela fez uma ação dentro de casa para tentar reduzir o desperdício de água e luz. Mas, no caso da água, houve um aumento de 20% no consumo e a conta praticamente dobrou, diz ela. “Também não consigo encher o tanque do carro. Coloco R$ 50 e ando bem menos de carro.”

‘Dinheiro não dá para fecha a conta do mês’

Para tentar reduzir os gastos, Valéria Cristina Ignácio decidiu trazer a mãe para morar durante a semana em sua casa. Assim, teriam uma despesa única. Mas a manobra não surtiu efeito, o consumo subiu e os gastos cresceram além do previsto. “Tudo aumentou: a luz, o gás e alimentação.”

Se antes conseguia pagar tudo no limite, hoje falta dinheiro para fechar a conta no mês. Assessora de imprensa, ela tinha dois clientes. Mas, com a pandemia, eles encerraram os contratos e a renda de Valéria despencou.

Hoje ela sobrevive da pensão do marido, que faleceu.“Cortamos todas as guloseimas da casa e só compramos o básico: arroz, feijão, pão e um tipo de fruta por vez."

Renée Pereira, O Estado de S.Paulo, em 12 de maio de 2021 | 05h00

E lá se vão cinco anos!

Não é hora de ódio, mas de pregar a paz entre os brasileiros e a harmonia entre as instituições, recomenda Michel Temer neste artigo publicado hoje n'O Estado de S. Paulo.

Há cinco anos assumi a Presidência da República. Afastada a senhora presidente, desejou-se realizar posse em largo espaço no Palácio do Planalto. Modestamente, achei que o momento não era para comemoração. Era, apenas, cumprimento de um dever constitucional. Pedi para realizarem o ato no menor dos auditórios. Entretanto, surpresa! Quando me dirigi ao local, os corredores estavam repletos de deputados, senadores, assim como populares que não conseguiram ingressar naquele espaço, que estava lotado. Percebi naquele momento que tinha apoio sólido do Congresso Nacional.

Quase todos os partidos estiveram presentes, a confirmar tese que alardeei ao longo do tempo: a unidade de todos para enfrentar os problemas do País. E quais eram eles? Inflação de dois dígitos, juros da taxa Selic em 14,25%, estatais desarranjadas e dando prejuízo, déficit fiscal, descrédito, desânimo, imagem negativa no exterior e desarmonia interna no governo. Tive de providenciar, às pressas um bom Ministério.

Não se verificou nenhuma transição. Ao contrário. Quando cheguei ao gabinete, no dia seguinte, havia apenas uma servidora ali sentada, e com grande constrangimento. Não havia agenda telefônica nem dados nos computadores administrativos. Começamos, assim, praticamente do zero.

Embora partindo do zero pus em prática a Ponte Para o Futuro, plano de políticas públicas que havia sugerido ao governo de então, mas foi tomado como gesto de oposição. Com uma equipe formada por vários partidos, ao fundamento de que o Executivo não governa sozinho, mas com o Legislativo, o governo começou a trabalhar.

A primeira providência saneadora foi a emenda à Constituição referente ao teto de gastos. Era autolimitação ao próprio presidente da República, já que medidas populistas não seriam possíveis. Deputados a aprovaram na madrugada de um feriado. E por ampla maioria, o que revelava, mais uma vez, o apoio congressual pois o mesmo se deu no Senado.

Enquanto isso, reconheço, a oposição combatia ferozmente o meu governo. Protestava. Mas eu não protestava contra os protestos. Afinal o Estado é Democrático de Direito. Cabia à oposição opor-se. Ao meu governo, governar.

Sabia que o Brasil carecia de reformas. Algumas, causadoras de impopularidade. Com o teto para os gastos aprovado, chamei os governadores e permiti que deixassem de pagar seu débito com a União por seis meses. Sabia das dificuldades dos municípios nos finais de ano. Daí por que os socorremos mediante divisão da multa de repatriação e outros valores. Atendi, assim, ao princípio federativo.

Fiz aprovar projeto que disciplinava a nomeação de dirigentes das estatais. Estas se recuperaram, sendo o exemplo mais saliente a Petrobrás. Realizamos a reforma do ensino médio, pleito que se fazia havia mais de 20 anos. Fizemo-la por medida provisória, que, convertida em lei, ganhou aplauso dos brasileiros. Outra reforma corajosa foi a trabalhista. Esta diminuiu a litigiosidade reinante entre empregado e empregador, além de flexibilizar as relações de emprego com a introdução de vários avanços, sem retirar nenhum direito do trabalhador. E patrocinamos durante mais de um ano a reforma da Previdência, que só não foi votada no meu governo em razão de tentativas institucionais irresponsáveis com vista a apear-me da Presidência. Tentativas que hoje são derrubadas sumariamente pela Justiça.

Também não nos esquecemos da parte social. Demos dois aumentos acima da inflação ao Bolsa Família e retomamos o Minha Casa, Minha Vida, que estava paralisado por falta de pagamento às construtoras. Liberamos o FGTS das contas inativas, o que gerou mais de R$ 44 bilhões entregues a cerca de 25 milhões de trabalhadores. No meio ambiente, criamos a maior reserva marinha que o mundo conhece, equivalente aos territórios da Alemanha e da França somados. Também quadruplicamos a Chapada dos Veadeiros. Distribuímos cerca de 280 mil títulos de regularização fundiária; batemos o recorde na produção de grãos e no Índice Bovespa.

No plano internacional sustentamos o multilateralismo. A multilateralidade se impõe. Basta lembrar que a China é o nosso principal parceiro comercial. O segundo, EUA. Aliás, nós nos empenhamos e levamos adiante o acordo Mercosul-União Europeia. Na saúde, ampliamos o número de ambulâncias, de unidades básicas de saúde, financiando a conclusão de hospitais em unidades da Federação.

Mas o mundo, nestes últimos cinco anos, mudou. E mudou muito. A inovação, a tecnologia, o uso sustentável dos recursos naturais, a recuperação da economia, o enfrentamento à pandemia são os novos desafios. Agora é hora de discutirmos a qualidade dos gastos, de salvarmos o planeta ameaçado, de recuperarmos os investimentos. É hora de vacinar todos. Não é hora de ódio entre pessoas e instituições, mas de pregarmos a paz entre os brasileiros e a harmonia entre as instituições. É momento de darmos a nossa colaboração e apresentarmos um programa-base à Nação. E é isso que, juntamente com a Fundação Ulysses Guimarães, começamos a construir. O lugar do Brasil no mundo para os próximos anos tem de ser construído agora.

Michel Temer, Advogado e Professor de Direito Constitucional, foi Presidente da República. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 12.05.2021

Orçamento para os amigos

O presidente Bolsonaro ofereceu às raposas do Congresso não somente as galinhas, como os ovos e as chaves do galinheiro  

O governo de Jair Bolsonaro montou um esquema de rateio de recursos públicos entre parlamentares de sua base, fora dos controles orçamentários, conforme mostraram reportagens do Estado publicadas desde domingo.

Trata-se de um escândalo que espanta não apenas pelos valores envolvidos – em torno de R$ 3 bilhões, até onde a reportagem pôde verificar –, mas também pela sorrateira engenharia para escamotear a escassez de critérios técnicos e a abundância de critérios políticos para a distribuição do dinheiro. Nada nessa história parece nem remotamente republicano.

No esquema, dezenas de parlamentares governistas ganharam a chance de determinar a destinação de verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional. O manejo dos recursos, por lei, cabe somente à pasta, dentro dos limites estabelecidos pelo Orçamento, mas o governo, no afã de agradar a sua base, simplesmente abriu mão dessa prerrogativa.

As verbas em questão resultam das chamadas “emendas de relator”, modalidade de emenda parlamentar ao Orçamento introduzida no ano passado. O relator-geral do Orçamento pode encaminhar emendas para, entre outros objetivos, remanejar recursos para determinadas áreas. Nessa modalidade, não cabe ao relator indicar qual município receberá o dinheiro nem qual obra será financiada. Essa tarefa – a execução orçamentária – é do Ministério.

Mas o governo de Jair Bolsonaro concedeu a parlamentares aliados a possibilidade de direcionar essas verbas remanejadas conforme seus interesses políticos. Deputados e senadores já têm a prerrogativa de encaminhar emendas pessoais ao Orçamento, nas quais apontam o beneficiário e a justificativa técnica do gasto, e em geral servem para atender a suas bases eleitorais. Nesse caso, as cotas são iguais para todos os parlamentares – e limitadas a R$ 8 milhões por ano. No esquema revelado pelo Estado, contudo, quem vota com o governo ganha a chance de apadrinhar projetos cujo valor vai muito além do limite estabelecido para as emendas.

A título de exemplo, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), um dos premiados, determinou a destinação de R$ 277 milhões de verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional. O senador levaria 34 anos para conseguir indicar esse valor caso se restringisse a encaminhar emendas parlamentares.

Os ofícios enviados pelos parlamentares para movimentar o Orçamento fora dos controles públicos mostram a sem-cerimônia. Nos documentos, obtidos pela reportagem, os políticos usam expressões como “minha cota”, “fui contemplado” e “recursos a mim reservados”.

Para adicionar insulto à injúria, parte considerável do dinheiro manejado pelos parlamentares destinou-se à compra de máquinas agrícolas a um custo várias vezes superior ao estabelecido pela tabela do governo. Portanto, há claros sinais de superfaturamento.

Grande como é, o escândalo agora revelado embute um outro, igualmente impressionante: é a incrível expansão da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), estatal que recebeu boa parte dos recursos irregularmente direcionados pelos parlamentares governistas.

A estatal, criada em 1974 para atender 504 cidades e desenvolver as margens do Rio São Francisco, hoje atua em nada menos que 2.675 municípios – alguns dos quais distantes 1.500 km do rio.

A dilatação da Codevasf foi patrocinada pelo presidente Bolsonaro, que incluiu mil municípios na cobertura da estatal com vista a ganhar apoio à sua reeleição. Até o Amapá do senador Alcolumbre, a léguas do Rio São Francisco, agora é atendido pela Codevasf. Ademais, Bolsonaro loteou as diretorias da Codevasf entre os partidos do Centrão, que trataram de articular a abertura de superintendências regionais para distribuí-las a aliados.

Assim, o presidente Bolsonaro ofereceu às raposas do Congresso não somente as galinhas, como os ovos e as chaves do galinheiro. Como se sabe, a elaboração e a execução do Orçamento são reguladas por rígida legislação, que exige total transparência. Mas Bolsonaro e seus felpudos associados não gostam muito de leis.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 12.05.2021