terça-feira, 11 de maio de 2021

Governo Bolsonaro usa "emendas secretas" para obter apoio de parlamentares, diz jornal

Mecanismo reserva verba para deputados e senadores próximos do Planalto indicarem realização de obras e compra de máquinas e veículos, segundo "O Estado de S. Paulo".

Instrumento teria ajudado Bolsonaro a influir na eleição da presidência da Câmara e do Senado

O governo Jair Bolsonaro criou uma nova engenharia orçamentária para destinar recursos a obras e compra de máquinas e veículos por indicação de deputados e senadores que apoiam o Palácio do Planalto sem que haja transparência sobre o autor dos pedidos, segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo (09/05).

O mecanismo beneficiou parlamentares alinhados ao governo e teria envolvido a destinação de R$ 3 bilhões em recursos por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, e órgãos vinculados à pasta, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).

Como o autor das indicações e o destino final das verbas não ficam registrados no Orçamento ou no Diário Oficial, o caso está sendo chamado de "emendas secretas" ou de "orçamento paralelo".

A prática se estabeleceu no final do ano passado, quando Bolsonaro, já próximo do Centrão, buscava influir na eleição da presidência da Câmara e do Senado e assegurar proteção a seus filhos e contra um eventual processo de impeachment.

Segundo o Estadão, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que presidia o Senado, foi o parlamentar que indicou o maior volume de verbas por esse canal: R$ 277 milhões. O deputado Ciro Nogueira (Progressistas-PI), líder do Centrão, indicou a destinação de R$ 135 milhões, enquanto Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, R$ 125 milhões. Arthur Lira (Progressistas-AL), atual presidente da Câmara, determinou onde seriam gastos outros R$ 114 milhões.

O mesmo esquema foi utilizado por diversos outros deputados e senadores próximos do Palácio do Planalto. Em alguns casos, o jornal aponta indícios de superfaturamento.

Como funciona

Todo deputado e senador tem direito de determinar onde serão gastos R$ 16 milhões por ano, por meio das emendas individuais ao Orçamento. Metade desse valor deve ir para despesas na área de saúde, e a outra metade pode ser decidida livremente pelo parlamentar.

Até 2019, a liberação das verbas dessas emendas individuais dependia do aval do governo, que usava esse poder para negociar o apoio de parlamentares em votações importantes na Câmara e Senado. Naquele ano, o Congresso promulgou uma emenda constitucional que determinou a execução impositiva dessas emendas, independente de aval do governo.

Essa mudança fez com que, de 2020 em diante, o governo federal perdesse o instrumento de liberação de emendas individuais como moeda de troca com parlamentares. Mas o mecanismo revelado pelo jornal indica que um procedimento semelhante, mas menos transparente, foi criado no lugar.

No final de 2020, segundo o Estadão, o governo reservou R$ 3 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Agrário para parlamentares que o apoiassem, e passou a informar os deputados e senadores o valor que cada um poderia indicar. Os políticos então enviavam ofícios aos órgãos responsáveis solicitando a destinação dos recursos.

O jornal relata ter tido acesso a 101 ofícios enviados por parlamentares ao Ministério do Desenvolvimento Regional e a órgãos vinculados que solicitavam a transferência de verbas para a realização de obras ou a compra de máquinas e veículos. Alguns desses ofícios, que em regra não ficam disponíveis ao público, deixavam clara a negociação com o governo.

No documento enviado pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA), por exemplo, ele pede a liberação de R$ 12 milhões "referente à minha cota, autorizada pela Secretaria de Governo de Presidência da República" para asfaltar vias na Bahia. O deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA) enviou ofício ao Dnocs solicitando a transferência de R$ 3 milhões "a mim reservados". Em outro ofício, a deputada Flávia Arruda (PL-DF), que desde março é ministra da Secretaria de Governo, pede a liberação de R$ 5 milhões que "compõe o limite orçamentário a mim disponibilizado".  As verbas foram empenhadas no final do ano passado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

Destino dos recursos

Pelo menos R$ 271,8 milhões transferidos por esse canal foram destinados à compra de tratores, retroescavadeiras, motoniveladoras e equipamentos agrícolas, por indicação de 37 deputados e cinco senadores, segundo o jornal.

Esses equipamentos são usados por prefeituras na manutenção de estradas de terra e em cooperativas de agricultura familiar. A entrega das máquinas costuma ser feita em eventos com a presença de políticos que servem para propagandear feitos e se aproximar de possíveis eleitores.

Entre as compras de máquinas e equipamentos agrícolas analisadas pelo jornal, 361 itens tiveram preço acima do valor de referência estabelecido em cartilha do próprio Ministério do Desenvolvimento Regional, com uma diferença de até 259% no preço.

O deputado Vitor Hugo (PSL-GO), por exemplo, indicou a compra de quatro motoniveladoras por R$ 2,8 milhões, ou R$ 500 mil a mais do valor da tabela do governo. O deputado Charles Fernandes (PSD-BA) indicou a compra de uma retroescavadeira para uma associação beneficente no interior da Bahia pelo valor de R$ 300 mil, R$ 50 mil a mais que o preço de referência. E o deputado Nelto (Podemos-GO) pediu a compra de quatro máquinas motoniveladora por R$ 723 mil cada, quando o preço de referência é R$ 470 mil, segundo o jornal.

Uso da Codevasf

Um dos órgãos preferidos dos parlamentares para executar essas despesas é a Codevasf, que não precisa se submeter a todas as regras sobre licitações públicas exigidas dos ministérios. Dessa forma, a contratação de serviços e a compra de equipamentos é mais rápida e submetida a menos controles.

Além disso, a direção da Codevasf e suas superintendências regionais são comandadas por pessoas indicadas por parlamentares, o que aumenta o controle do Congresso sobre o destino das verbas.

Durante o governo Bolsonaro, a área de atuação da Codevasf, criada em 1974 para desenvolver as regiões dos rios São Francisco e Parnaíba, foi ampliada e ganhou cerca de mil novos municípios, segundo o jornal – sua área de atuação passou de 27,05% para 36,59% do território nacional.

Essa ampliação incluiu no rol da Codevasf o Amapá, reduto de Alcolumbre, e o Rio Grande do Norte, do ministro Marinho, que comanda o Ministério do Desenvolvimento Regional, entre outras regiões.

Governo nega, partidos reagem

Ao jornal O Estado de S. Paulo, a Secretaria de Governo disse que não reservou cotas de verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional para parlamentares. O Ministério do Desenvolvimento Regional, por sua vez, disse que os valores foram executados conforme definição do Congresso.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, negou nesta segunda-feira ao jornal O Globo que haja um orçamento paralelo em funcionamento no governo e que as indicações de verbas seriam parte das emendas discricionárias dos parlamentares.

O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Lucas Furtado, pediu nesta segunda que o tribunal apure o caso. 

A bancada do Partido Novo na Câmara apresentou uma representação ao TCU pedindo a apuração do esquema, e a bancada do PSOL pediu à Procuradoria-Geral da República que avalie se há cometimento dos crimes de prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.

Deutsche Welle Brasil, em 10.05.2021

Rejeição de 70 milhões de doses da Pfizer por gestão Bolsonaro será novo foco da CPI da Covid

Fonte de grande ansiedade na população, o lento avanço da vacinação contra o coronavírus no país é o foco principal desta semana na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.

Governo Bolsonaro recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer em agosto

Estão previstos os depoimentos do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antonio Barra Torres, do ex-secretário de Comunicação do governo Jair Bolsonaro, Fábio Wajngarten, e de executivos da farmacêutica americana Pfizer.

Com a sabatina dessas testemunhas, os senadores querem apurar a responsabilidade do governo federal na demora da imunização da população, já que a gestão Bolsonaro inicialmente recusou em 2020 ofertas de vacinas da Pfizer, do Instituto Butantan e do consórcio Covax Facility.

O tema vacinas deve continuar no centro da CPI também na semana seguinte, quando será ouvido o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre negociações internacionais para aquisição de imunizantes.

Além disso, está marcado para dia 19 o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Wajngarten responderá sobre recusa a Pfizer

O depoimento mais aguardado da próxima semana é o de Fábio Wajngarten, que ocorre na quarta-feira (12/05). Em entrevista recente à revista Veja, ele fez duras críticas ao ex-ministro Pazuello, que serão exploradas pelos senadores.

Segundo Wajngarten, a recusa do governo à oferta de 70 milhões de vacinas pela Pfizer em agosto do ano passado foi resultado da "incompetência e ineficiência" da gestão do general, que comandou o ministério entre maio de 2020 e março de 2021.

O ex-secretário de Comunicação disse que tomou a dianteira das negociações com a farmacêutica americana diante do desinteresse da pasta da Saúde pela oferta da empresa. Ele afirmou à revista inclusive ter documentos que provam isso, como e-mails e registros telefônicos.

Na entrevista, Wajngarten eximiu o presidente de responsabilidade, atribuindo toda a culpa à equipe de Pazuello. Para críticos de Bolsonaro, a tentativa de separar a responsabilidade do presidente da do general é difícil porque o próprio Pazuello disse em vídeo ao lado dele estar cumprindo fielmente suas ordens.

Até o momento, Pazuello não se manifestou publicamente sobre estas acusações.

O vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), quer depois marcar uma acareação entre Wajngarten e Pazuello, para confrontar a versão de cada um. A proposta ainda precisa ser aprovada pela maioria da comissão.

Antes disso, porém, será realizado o depoimento do ex-ministro da Saúde em 19 de maio. Sua ida à CPI estava prevista para dia 5 deste mês, mas foi adiada após Pazuello argumentar que havia tido contato com duas pessoas diagnosticadas com covid-19.

Contrato com a Pfizer saiu só em março deste ano

Diante da recusa inicial, apenas em março deste ano o governo federal firmou contrato para compra de 100 milhões de doses da Pfizer, previstas para entrega até o final do terceiro trimestre. Por enquanto, foram recebidas 1,628 milhão dessas vacinas.

O Ministério da Saúde negocia a compra de mais 100 milhões que seriam entregues ainda em 2021, segundo o atual chefe da pasta, ministro Marcelo Queiroga.

Após o depoimento de Wajngarten, a CPI aprofundará a investigação sobre a recusa da compra das vacinas na quinta-feira, quando está prevista a ida à comissão de executivos da Pfizer. Foram convocados como testemunhas a atual presidente da farmacêutica no Brasil, Marta Díez, e o seu antecessor no cargo, Carlos Murillo.

Já falaram à CPI o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e seus antecessores Henrique Mandetta e Nelson Teich (Crédito da foto: Ag. Senado / Edilson Rodrigues).

Anvisa responderá sobre controvérsias na aprovação de vacinas

O primeiro depoimento previsto para a próxima semana é o do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, na terça-feira (11/05). A agência, responsável por autorizar o uso de vacinas no país, esteve algumas vezes no centro de polêmicas ao analisar os imunizantes contra covid-19, sofrendo acusações de possível ingerência política por parte de Bolsonaro.

No ano passado, a principal controvérsia era em torno do ritmo de aprovação da CoronaVac, vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan (órgão estadual paulista) em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Isso porque o imunizante era visto como um trunfo político para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário de Bolsonaro.

Em outubro de 2020, o presidente chegou a desautorizar Pazuello, após o ministro anunciar que iria fechar contrato para compra de 46 milhões de doses da CoronaVac.

"A vacina chinesa de João Doria, qualquer vacina antes de ser disponibilizada à população, deve ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Minha decisão é a de não adquirir a referida vacina", disse Bolsonaro na ocasião.

Diante da pressão pela vacinação no país, o contrato acabou sendo firmado em 7 de janeiro — dez dias depois a Anvisa autorizou o uso da CoronaVac.

A controvérsia mais recente envolve a autorização da vacina russa Sputnik V, imunizante que alguns governos estaduais tentam comprar sem intermédio do governo federal. O Consórcio do Nordeste, por exemplo, pretende adquirir 66 milhões de doses. O Ministério da Saúde tem contrato para compra de outras 10 milhões.

Presidente da Anvisa terá que responder sobre autorização das vacinas CoronaVac e Sputnik V (Crédito da foto: Leopoldo Silva / Ag. Senado)

Em abril, porém, a Anvisa negou autorização à Sputnik V. No centro da polêmica está a presença ou não de vírus capazes de se replicar na vacina russa. Os responsáveis pelo imunizante negam que ela tenha esse problema, mas foi um dos principais motivos de a agência negar a importação, porque isso poderia trazer riscos à saúde.

Um representante da União Química, laboratório brasileiro que fechou parceria com o instituto russo Gamaleya, também será ouvido pela CPI, em data a ser confirmada.

Como está o ritmo de vacinação no país?

As vacinas que estão sendo usadas no Brasil até o momento (CoronaVac, Oxford/Astrazeneca e, em quantidade muito menor, Pfizer) são aplicadas em duas doses, o que significa que o país precisa de cerca de 420 milhões de unidades para imunizar toda sua população, se incluídas também as crianças (para quem ainda não existem vacinas aprovadas). Como não se sabe ainda a validade da proteção dessas vacinas, é possível que seja necessário repetir a vacinação dentro de certo intervalo de tempo.

Até a última sexta-feira (07/05), o governo federal havia distribuído aos Estados quase 75,6 milhões de doses, das quais 46,8 milhões já foram aplicadas. Com isso, cerca de 15% da população brasileira receberam ao menos uma dose, sendo que em torno da metade disso já tomou as duas.

As doses distribuídas fazem parte de contratos já firmados de compra de 280 milhões de vacinas, mas a carência global de insumos tem atrasado o ritmo de entregas. Outras compras seguem em negociação e o governo promete dobrar ainda este ano o total contratado.

Mariana Schreiber - @marischreiber para a BBC News Brasil em Brasília / 9 maio 2021

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Brasil registra 2.165 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 78.886 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 15.082.449. Número acumulado de mortes é de 419.114, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.


Cruzes azuis com nomes das pessoas mortas e coroas de flores em cemitério de Manaus. Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 199,4, a 12ª maior do mundo.

Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 199,4, a 12ª maior do mundo

O Brasil registrou oficialmente 2.165 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta sexta-feira (07/05).

Também foram confirmados 78.886 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.082.449, e os óbitos somam agora 419.114.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.591.335 pacientes haviam se recuperado da doença até esta quinta-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta sexta-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 199,4 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.190, o que significa que o país está há 51 dias registrando um índice acima de 2 mil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 580 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,6 milhões) e Índia (21,4 milhões).

Ao todo, mais de 156,3 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 07.05.2021

Editorial do Estadão: O Brasil com fome

A experiência da pandemia exigirá a reconstrução do sistema de proteção alimentar. Esse trabalho começa agora. Mas, antes de reconstruir, é preciso doar.

A crise econômica e política que o Brasil amarga há anos foi agravada em 2020 pela pandemia e redobrada pela incompetência e desídia do governo federal. Em 2021, no pico da pandemia, o País enfrenta uma nova crise: a fome.

Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, no fim de 2020, 55,2% dos domicílios, abrigando 116,8 milhões de brasileiros, sofriam algum grau de insegurança alimentar. Desses, 19,1 milhões (9% da população) padeciam de insegurança grave, ou seja, passavam fome. Uma pesquisa da Universidade Livre de Berlim mostra um quadro ainda mais tétrico, com 59% dos domicílios em insegurança alimentar e 15% em situação grave.

A violência da pandemia atingiu um sistema de segurança alimentar já vulnerável. Em 2014, o País havia pela primeira vez saído do Mapa da Fome das Nações Unidas, que inclui países nos quais mais de 5% da população consome níveis insuficientes de calorias. Esse foi o resultado de programas como o Bolsa Família ou o Fome Zero, mas também de políticas como o plano de segurança alimentar, a estruturação de conselhos regionais ou o fortalecimento dos programas de alimentação escolar.

Mas entre 2013 e 2018, segundo o IBGE, a insegurança alimentar grave cresceu 8% ao ano. Entre 2018 e 2020, o aumento da fome foi de 27,6%. O investimento federal no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) caiu de R$ 1,1 bilhão em 2012 para R$ 232 milhões em 2018. A merenda, que chegou a receber R$ 4,7 bilhões em 2010, foi reduzida para R$ 3,9 bilhões em 2019. 

Esse sistema já precário foi atropelado pela pandemia. O preço médio da cesta básica em São Paulo saltou de R$ 862 em abril de 2020 para R$ 1.014 em 2021. Nem todos os municípios mantiveram a merenda, o que agravou as dificuldades. Se a média nacional de insegurança alimentar, conforme a Universidade de Berlim, é de 59%, nos domicílios com crianças de até 4 anos esse número salta para 71%; e nos domicílios com jovens entre 5 e 17 anos, para 63%. No ano passado, conforme o Portal da Transparência, foram destinados R$ 168,2 milhões ao PAA, dos quais apenas R$ 27,16 milhões foram executados. Para este ano o governo propôs um orçamento de R$ 101,7 milhões.

Além de robustecer o financiamento, é urgente reconstituir a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar, a quem cabe elaborar e coordenar a Política de Segurança Alimentar. Também é preciso fortalecer a atuação dos Equipamentos de Segurança Alimentar e fomentar a criação dos comitês subnacionais para o combate à fome. Os governos subnacionais podem mobilizar equipamentos públicos como escolas, centros comunitários ou restaurantes populares.

Se a média nacional de insegurança alimentar para as cidades é de 55,7%, no campo é de 75%. Por isso, é crucial elaborar estratégias de acesso ao financiamento para a agricultura familiar.

Vale lembrar que, segundo o Banco Central, com o auxílio federal e a arrecadação superior ao esperado, Estados e municípios fecharam 2020 com um superávit primário de R$ 43 bilhões. Muitos têm realizado programas para complementar o auxílio emergencial federal, mas, diante da fome, é preciso fazer mais.

No meio da calamidade, contudo, não basta cobrar políticas públicas. Toda pessoa, física ou jurídica, precisa se engajar para colocar cestas básicas nos lares de famílias com fome. Em indicadores globais, o nível da filantropia brasileira é historicamente medíocre. Nos primeiros meses da pandemia, houve um salto expressivo em doações. Mas, desde o segundo semestre, os números caíram dramaticamente. “As pessoas não estão enxergando a fome”, disse Gilson Rodriguez, presidente nacional do G10 Favelas. “Vivemos em um Brasil de fome, em que uma parte faz ‘home office’ e a outra passa fome dentro de casa.”

Tal como o sistema de saúde e de proteção social em geral, a experiência da pandemia exigirá uma reconstrução do sistema de proteção alimentar. Esse trabalho começa agora. Mas, antes de reconstruir o que quer que seja, é preciso impedir que os construtores morram de fome. É hora de doar.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 07 de maio de 2021 | 03h00

Acabou a paciência

Não há mais sentido em discutir com bolsonaristas. A seita partiu para um universo paralelo onde 2 + 2 não é 4, mas qualquer número que seja oportuno para a narrativa deles, escreve Philip Lichterbeck.    

Protesto a favor do presidente Jair Bolsonaro, em 1º de maio em São Paulo

No início, quando o bolsonarismo ainda era jovem, eu achava difícil ter paciência. Para mim, parecia absurdo, uma insanidade, que houvesse realmente brasileiros que quisessem tornar seu presidente um homem com tal biografia – sem méritos políticos, mas com muito barulho, que expressava publicamente fantasias violentas e tinha uma estranha propensão a falar constantemente de homossexuais.

Depois de quase 58 milhões de brasileiros terem discordado de mim, mudei minha postura. Eu queria entender o que havia acontecido. E comecei a ouvir bolsonaristas, acompanhando seus grupos e conversando com eles, sem sair imediatamente de mim quando eles apresentavam suas opiniões radicais e teorias grosseiras.

Essa fase, agora, acabou de vez. Quem pensa democrática e humanisticamente e leva a ciência mais a sério do que a religião; quem considera a solidariedade mais importante do que o egoísmo; quem acredita que a Floresta Amazônica vale mais a longo prazo do que as pastagens de gado e os campos de soja; quem não quer que o Brasil se torne um país cheio de gente armada; quem quer um Brasil que seja levado a sério internacionalmente; quem é contra a corrupção e as milícias; quem acredita que o Brasil deve tirar as consequências do desastre do coronavírus, que este governo causou e custou ao país quase meio milhão de vidas; quem, simplesmente, quer a civilização e o progresso em vez da barbárie e da regressão, não pode mais ter a mínima compreensão por esse movimento.

O bolsonarismo tornou-se uma seita perigosa. Ele disse adeus à realidade e vive em um universo onde o presidente é um semideus. Ele pode fazer o que quiser, ele está sempre certo. E qualquer um que o critique vira inimigo.

O deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, deixou claro o caminho que está sendo seguido: em direção à América Central. Ele elogiou Nayib Bukele, o homem forte de El Salvador, que já enviou soldados à Assembleia Legislativa para ameaçar os parlamentares. Bukele conseguiu a destituição de juízes da Suprema Corte e do procurador-geral da República por obstruir sua agenda.

Eduardo Bolsonaro retuitou um post de Bukele que dizia: "Estamos limpiando nuestra casa". Não importa que Bukele tenha mandado depor os juízes para impor um duro lockdown contra a pandemia (Eduardo, é claro, esconde esse fato). Mais uma vez, o pensamento autoritário e antidemocrático do bolsonarismo foi revelado como o núcleo deste movimento.

O bolsonarista já não é capaz de ver o mundo objetivamente. 2 + 2 não é 4 para ele, mas qualquer número que encaixe na narrativa bolsonarista. Se o ídolo afirma que o governo levou a pandemia a sério desde cedo e se esforçou para obter vacinas, acredita-se. Quando se apresenta citações e fatos que provam o contrário, se é ignorado. O semideus está sempre certo, não importa quão errado ele esteja. Não há mais nenhuma base para negociação com essas pessoas porque não há mais nada para negociar.

São pessoas que ainda afirmam que essa pandemia que parou o mundo inteiro foi inventada para prejudicar o semideus deles; que as mais de 400 mil mortes foram inventadas pela mídia. Portanto, se acham no direito de destruir as cruzes que foram erguidas para lembrar os mortos. Andam de metrô e em shoppings sem máscara, e se você chamar a atenção deles, se tornam violentos ou fazem piadas.

O potencial de violência inerente a este culto não deve ser subestimado. É possível supor que os caras que sacam armas para ameaçar outros no trânsito, por exemplo, votaram em Bolsonaro. Os guarda-costas de Bolsonaro tentam intimidar jornalistas com suas armas. Também não acho que seja meramente uma coincidência que o suspeito de matar o menino Henry Borel, o vereador Dr. Jairinho, seja bolsonarista. Ele foi eleito na onda bolsonarista, apesar de ser acusado de diversos crimes violentos que vão desde agressões contra mulheres e crianças até envolvimento com milícia e tortura de jornalistas. Quem votou nele aprovou essa violência.

No início, eu pensava que o bolsonarismo era uma reação radical, mas de alguma forma compreensível, aos enormes escândalos de corrupção que vieram à tona nos últimos anos e causaram indignação. Hoje é claro que o bolsonarismo nunca foi uma questão de combate à corrupção.

O bolsonarismo surgiu das entranhas da história brasileira, na qual os mais fortes sempre enriqueceram pela força e defendem esse status até hoje – também pela força, se necessário. E não é mais uma ameaça abstrata. Aqueles que acompanham os grupos bolsonaristas sabem que eles não aceitarão resultado que não seja a vitória bolsonarista nas eleições de 2022. É certeza para eles que a vitória de outro candidato só pode acontecer por meio de fraude eleitoral. A suposta prova: não há voto impresso. A narrativa já está definida antes da eleição e fornece a justificativa para uma possível explosão de obstruções e violência.

Quem ainda não se afastou do "mito" após dois anos e meio, com todos os absurdos e delírios diários, a destruição das instituições estatais e da Floresta Amazônica, o irracionalismo radical, a corrupção dentro da família B., e mais de 400 mil mortes por coronavírus, não pode mais ser ajudado. É uma perda de tempo dialogar com pessoas que justificam o injustificável.

--

Philipp Lichterbeck, o autor deste artigo, queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

CPI da Covid: como 'imunidade de rebanho' pode virar arma contra Bolsonaro

Uma das linhas de investigação dos senadores na CPI da Covid, que analisa a atuação do governo no combate à pandemia, é se Bolsonaro teria intencionalmente adotado a estratégia de tentar atingir 'imunidade de rebanho' sem vacinas.

Omar Aziz fala no Senado, rodeado de colegas da CPI da Covid; ele faz parte do grupo oposicionista na comissão. (Crédito da foto: Adriano Machado / Reuters)

A estratégia foi levantada como possibilidade no início da pandemia e consiste em tentar atingir imunidade de grupo — quando a maioria da população têm anticorpos contra o vírus — sem vacinas, através da contaminação do maior número possível de pessoas. Em pouco tempo, no entanto, estudos mostraram que a consequência dessa estratégia eram milhares de mortes.

Embora o ministério da Saúde nunca tenha oficialmente adotado a estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas, o presidente Jair Bolsonaro disse diversas vezes que a contaminação da maioria da população era inevitável e que "ajudaria a não proliferar" a doença.

Mais de um ano depois da chegada da pandemia no Brasil, o país tem o segundo maior número de mortes do mundo — mais de 400 mil, atrás apenas dos EUA.

A linha de investigação sobre se o presidente intencionalmente escolheu essa estratégia e levou a um alto número de mortos se tornou central na CPI na terça, quando o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou em seu depoimento que "teve a impressão" de que foi exatamente isso que aconteceu.

"A impressão que eu tenho é que era alguma coisa nesse sentido [de buscar a imunidade de rebanho], o principal convencimento, mas eu não posso afirmar", afirmou o ex-ministro, que também afirmou que Bolsonaro tinha outro aconselhamento sobre a pandemia que não vinha do ministério da saúde.

Mandetta deu seu depoimento à CPI da Covid na terça-feira (4/5) (Crédito da foto: Ag. Senado)

Mandetta disse que Bolsonaro foi alertado das consequências de não ouvir a ciência. O ex-ministro afirmou que o presidente inclusive foi informado da projeção de alto número de mortes caso as medidas com comprovação científica (como adotar o isolamento social e só promover tratamentos com eficácia comprovada) não fossem seguidas.

O senador Humberto Costa (PT-PE), membro da comissão, diz que a "essa tese é muito forte para explicar a conduta do Presidente da República."

"Ele adotou a ideia de que a melhor maneira de enfrentar a pandemia era permitir o contágio mais amplo e mais rápido possível, na expectativa de que isso pudesse gerar uma imunidade natural", diz Costa (PT-PE) à BBC News Brasil.

"Essas coisas acontecem com doenças virais que não são graves, mas não serve para uma doença como essa que produz não somente quadros clínicos graves como grande quantidade de sequelas até pra pessoas que tiveram casos leves", afirma o senador, que também é ex-ministro da saúde.

Questionado sobre o assunto por Costa na CPI, o ex-ministro Nelson Teich disse que, ao menos enquanto era ministro, isso nunca foi discutido com ele e "nunca foi colocado como uma estratégia".

Teich também afirmou que a ideia de criar imunidade de rebanho sem vacinas é um erro.

"Essa tese de imunidade de rebanho, em que você adquire a imunidade através do contato, e não da vacina, isso é um erro. A imunidade você vai ter através da vacina, não através de pessoas sendo infectadas", afirmou.

Apesar de, segundo Teich, Bolsonaro não ter falado sobre o assunto com o então ministro, o presidente fez discursos onde defendeu o isolamento social apenas de idosos e elogiou países e cidades que haviam adotado a estratégia da imunidade de rebanho sem vacinas na época.

Bolsonaro sempre foi crítico de medidas de confinamento e já disse que a grande maioria da população iria se infectar pelo coronavírus. (Crédit4o da foto: Uslei Marcelino / Reuters).

Segundo Humberto Costa, o questionamento sobre se Bolsonaro adotou a estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas deve voltar a ser feito durante o depoimento de outros convocados pela CPI.

"Se isso é verdadeiro, o presidente incorreu em um grave crime, que representa um dolo eventual, ou seja, que ele correu o risco de causar um dano irreversível às pessoas com essa tese. E isso se transforma em um grave crime de responsabilidade", diz Humberto Costa.

Nesta quinta (6/6), os senadores devem ouvir o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.

O ex-ministro Eduardo Pazuello, que ficou mais tempo no cargo durante a pandemia,seria ouvido na quarta, mas informou que não poderia comparecer por risco de covid. Seu depoimento foi remarcado para 19 de maio.

O que é a estratégia da 'imunidade de rebanho' sem vacinas?

O conceito de imunidade de rebanho, na verdade, surgiu com a vacinação.

Os vírus causam epidemias quando são transmitidos de pessoa para pessoa. Ou seja, para conseguir se propagar, o vírus precisa achar hospedeiros suscetíveis à doença. Mas quando uma grande parte da população está vacinada contra um vírus, o número total de pessoas suscetíveis cai tanto que ele não consegue mais encontrar hospedeiros e a circulação da doença é interrompida. É isso que é chamado normalmente de imunidade de rebanho.

Quando a pandemia de coronavírus começou, no início de 2020, e não havia vacinas disponíveis, foi levantada a hipótese de que seria possível atingir essa imunidade de grupo sem vacinas, a partir do momento em que um grande número de pessoas contraísse o vírus. A teoria tinha como pressuposto que quem se contaminou uma vez ficava imune a uma segunda contaminação pois já teria anticorpos contra o vírus.

Quando não havia vacinas disponíveis, no início da pandemia, foi levantada a hipótese de que seria possível atingir essa imunidade de grupo sem vacinas. (Crédito da foto: Getty Images).

Um grupo de cientistas — minoritários no meio científico — chegou a defender a estratégia. E alguns países, como Reino Unido, chegaram a adotá-la, mas ela foi rapidamente abandonada porque diversos estudos mostraram que o custo seria a perda de milhares de vidas.

O problema é que não se sabe quanto tempo após a recuperação da covid a pessoa continua imune, existem vários casos documentados de segundas infecções, não há garantia de imunidade contra novas variantes e um número enorme de infecções — e de mortes — aconteceria antes dessa imunidade de grupo ser atingida sem vacina.

Um modelo matemático apresentado pelo Imperial College de Londres, por exemplo, deu um panorama extremamente sombrio de como a doença ia se propagar pelo Reino Unido, como ia impactar o sistema público de saúde e quantas pessoas iam morrer se a estratégia de imunidade de rebanho sem vacina continuasse sendo aplicada. O modelo apontou que as mortes no Reino Unido poderiam chegar a 510 mil.

O que Bolsonaro falou sobre imunidade de grupo?

Em abril de 2020, Bolsonaro afirmou que o coronavírus iria atingir 70% da população (Crédito da foto: Ueslei Marcelino / Reuters).

Bolsonaro foi crítico do isolamento social desde o início da pandemia e disse diversas vezes que a contaminação da maior parte da população era inevitável.

Em entrevista em 15 de março à CNN Brasil, Bolsonaro afirmou que "muitos pegarão isso independente dos cuidados que tomem. Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde".

Em 24 março de 2020, em pronunciamento em rede nacional, o presidente criticou o confinamento por seus efeitos econômicos e disse que "a orientação vai ser o [isolamento] vertical daqui pra frente".

Em 26 de março, disse que "o brasileiro não pega nada".

"Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha e não acontece nada com ele", afirmou o presidente, sem lembrar que um enorme número de doenças são endêmicas no Brasil por causa da falta de saneamento.

Logo em seguida o presidente disse que a contaminação de um grande número de pessoas ajudaria a não proliferar a doença.

"Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí"

Em abril daquele ano, Bolsonaro afirmou que o coronavírus iria atingir 70% da população.

"O vírus vai atingir 70% da população, infelizmente é uma realidade", disse em uma entrevista em frente ao Palácio do Alvorada. Questionado sobre o número de mortes por jornalistas, o presidente respondeu que "não fazia milagres".

"Lamento, quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre, ninguém nunca negou que não vai haver mortes", disse Bolsonaro.

Em maio de 2020, Bolsonaro citou a Suécia — que na época havia adotado uma política de não fazer isolamento social — como exemplo.

"Vamos falar da Suécia? Pronto! A Suécia não fechou!", disse Bolsonaro após uma reunião com empresários.

Alguns meses depois, em dezembro, o país perdeu o controle da pandemia e passou a sofrer com aumento de casos, UTIs lotadas e debandada de profissionais de saúde, entre outros problemas.

Letícia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo. em 6 maio 2021

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Brasil supera 15 milhões de infectados pelo coronavírus

País teve 73.380 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia sobe para 15.003.563. Número acumulado de mortes é de 416.949, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.

Cruzes iluminadas com velas em homenagem aos mortos pela covid-19 em frente ao Congresso Nacional. Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 198,4

Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 198,4

O Brasil registrou oficialmente 2.550 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quinta-feira (06/05).

Também foram confirmados 73.380 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.003.563, e os óbitos somam agora 416.949.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.529.572 pacientes haviam se recuperado da doença até esta segunda-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta terça-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 198,4 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.252, o que significa que o país está há 50 dias registrando um índice acima de 2 mil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 579 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,5 milhões) e Índia (21 milhões).

Ao todo, mais de 155,4 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 06.05.2021

Operação policial mata 25 pessoas no Jacarezinho, em segunda maior chacina da história do Rio

Massacre ocorre mesmo com resolução do STF que suspende operações na pandemia. Um policial civil morreu baleado na cabeça e duas pessoas ficaram feridas por tiros que chegaram a um vagão do Metrô

Policiais civis carregam o corpo de uma pessoa morta durante operação na favela do Jacarezinho, nesta quinta-feira, 6 de maio, no Rio de Janeiro. (Crédito da foto: Ricardo Moraes / Reuters)

Uma operação da Polícia Civil realizada nesta quinta-feira na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, já se tornou a segunda maior chacina da história do Estado. Um total de 25 pessoas morreram, entre elas o policial civil André Farias, baleado na cabeça, segundo autoridades. Os demais são considerados suspeitos pela Polícia. O Instituto Fogo Cruzado contabilizou um total de 29 pessoas baleadas ao longo de sete horas de operação —entre eles, três policiais civis e duas vítimas de bala perdida. De acordo com o relato de quem acompanha a operação no local, os agentes estão invadindo a casa de moradores para realizar revistas —que só podem ocorrer com mandado judicial— e estão colocando os corpos das pessoas mortas em veículos blindados da corporação. Em uma das imagens recebidas pelo EL PAÍS, três agentes carregam irregularmente um corpo dentro de um lençol branco, atrapalhando qualquer trabalho de perícia.

A farsa sobre a polícia não poder entrar nas favelas

Em entrevista coletiva por volta de 17h, a Polícia Civil confirmou o número de mortes e afirmou que seis pessoas foram presas, sendo que três delas tinham mandado de prisão expedido. Além disso, a Operação Exceptis também apreendeu 16 pistolas, seis fuzis, uma submetralhadora, 12 granadas e uma escopeta calibre 12. A favela do Jacarezinho é considerada uma importante base do Comando Vermelho, a principal e mais poderosa facção do Rio de Janeiro, e os agentes investigavam o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas. “As investigações continuam, outras operações virão, e a gente busca não permitir que essas crianças sejam aliciadas pelo tráfico”, afirmou o delegado Rodrigo Oliveira. As autoridades negaram os abusos relatados por moradores e afirmaram que os policiais agiram em legítima defesa. “A única execução que houve foi a do policial, infelizmente. As outras mortes que aconteceram foram de traficantes que atentaram contra a vida de policiais e foram neutralizados”.

A ação policial desta quinta-feira demonstra que, mesmo durante a pandemia de coronavírus, a política de segurança pública do governador Cláudio Castro (PSC) no Estado do Rio segue sendo pautada pelo confronto direto com traficantes de drogas em favelas e bairros periféricos, em desrespeito a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Em junho do ano passado, o STF proibiu operações policiais desse tipo durante a crise sanitária, salvo em “hipóteses absolutamente excepcionais” e desde que devidamente justificadas ao Ministério Público do Rio —que, por sua vez, afirma ao EL PAÍS ter recebido a notificação da operação desta quinta às 9h, depois de seu início.

Um mês depois da decisão do Supremo, as operações policiais diminuíram 78%, as mortes em tiroteios caíram 70% e a quantidade de feridos, 50%. Ao mesmo tempo, 30 vidas teriam sido poupadas em julho, segundo uma pesquisa feito pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mas, mesmo com a ordem do STF, os números voltaram a crescer em novembro. Somente em 2021, o Instituto Fogo Cruzado já registrou 30 chacinas —casos em em que três ou mais pessoas foram mortas a tiros em uma mesma situação— na região metropolitana do Rio. “Ao todo, já são 139 mortos nessas circunstâncias”, afirma a plataforma, que monitora os tiroteios no Estado.

Nos dias 16 e 19 de abril deste ano, o ministro Edson Fachin realizou uma audiência pública com familiares de vítimas, organizações não-governamentais, especialistas e representantes das corporações policiais para debater estratégias de redução da letalidade policial. “É surreal que, duas semanas depois dessas audiências, a polícia continue com essa lógica do confronto, que coloca em risco nossa vida e que não respeita os nossos direitos, nossas casas e nossas vidas”, afirmou um morador do Jacarezinho em condição de anonimato.

A operação desta quinta começou por volta de 06h45, com helicópteros dando rasantes e policiais avançando pelos trilhos do trem e do metrô, que cortam a favela na superfície. “Eram muitos policiais entrando por todas as áreas do Jacarezinho. Muitos estão encapuzados. A gente recebeu a notícia que um deles foi baleado, e aí os tiros passaram a ser bem mais intensos”, afirmou o mesmo morador, que acredita que os agentes passaram a agir com revanchismo —como já aconteceu em outras ocasiões no Rio.

O tiroteio intenso também afetou a circulação do metrô e feriu dois passageiros dentro de um vagão. Uma Clínica da Família e outros dois postos de vacinação contra a covid-19 precisaram ser fechados. Os moradores tiveram que se trancar em casa para se proteger dos tiros, deixando as ruas praticamente desertas. Uma noiva estava de casamento marcado e uma mulher grávida havia agendado uma cesariana para o dia.

O chão e a cama de uma casa no Jacarezinho aparecem cobertos de sangue, após operação policial nesta quinta-feira. (Crédito da foto: Sílvia Izquierdo / AFP). 

O EL PAÍS recebeu imagens de corpos caídos no chão e de pessoas ensanguentadas. Também circulam fotografias do interior de algumas casas. Nelas, paredes e pisos aparecem com marcas de bala e grandes manchas de sangue. “Tenho uns 10 relatos de pessoas contando que a polícia entrou em suas casas revistando e jogando tudo para cima. A favela inteira está tomada”, afirma o morador. Em um áudio recebido por este jornal, outra pessoa relata a seguinte cena: “Entramos numa casa aqui com pedaço de massa encefálica. Invadiram a casa de uma senhora e torturaram o cara aqui dentro, a casa está toda suja de sangue”. Outra também relatou que em uma residência havia quatro mortos em uma laje e que os agentes não deixavam ninguém entrar. Há também denúncias de que agentes confiscaram telefones de moradores, sob o argumento de que mandavam informações para traficantes, segundo o G1. “Estão pegando telefone e agredindo morador”, relatou uma pessoa ao programa RJ1, da TV Globo.

A ação resultou na segunda maior chacina do Rio de Janeiro. A maior até o momento ocorreu nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense, em 2005. Nesse dia, grupos de extermínio formado por policiais mataram 29 pessoas. A operação também supera as chacinas de Vigário Geral, que terminou com a morte de 21 pessoas em 1993; da Vila Vintém, onde uma disputa de traficantes deixou 19 mortos; e do Complexo do Alemão, onde uma operação policial também resultou na morte de 19 pessoas em 2007.

O que dizem as autoridades

A situação está sendo acompanhada pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro e pela Defensoria Pública do Estado. O EL PAÍS entrou em contato com a Polícia Civil perguntando, entre outros pontos, os motivos da operação policial, se a corporação cumpriu os procedimentos determinados pelo Supremo e como justifica mais de duas dezenas de óbitos. Questionou, além disso, se os agentes agiram com o intuito de vingar a morte do colega, e se tinham mandado judicial para revistar a casa dos moradores. Por fim, buscou confirmar se os agentes estavam, conforme diziam os relatos, colocando os corpos de pessoas mortas nos veículos blindados. O jornal não recebeu nenhuma resposta até a publicação desta reportagem.

Porém, a Polícia Civil responsabilizou durante a coletiva de imprensa o “ativismo policial” pela morte do policial André Farias, mas negou que estivesse se referindo ao STF. “O sangue desse policial que faleceu em prol da sociedade de alguma forma está nas mãos dessas pessoas e entidades”, afirmou o delegado Oliveira. “A gente não tem como nominar A, B, C ou D. São diversas organizações que buscam nesse discurso impedir o trabalho da polícia. Quem pensa assim está mal intencionado ou mal informado”, acrescentou. E prosseguiu: “Impedir que a polícia cumpra o seu papel não é estar do lado de bem da sociedade. O ativismo perpassa uma série de entidades e grupos ideológicos que jogam contra o que a Polícia Civil pensa. E a polícia está do lado da sociedade.”

Oliveira ainda falou que “é preciso acabar com discurso de pobre coitado e de vitimização desse criminoso”. Seu colega, o delegado Felipe Curi, foi na mesma direção ao falar sobre mortos: “Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante. O que causa muita dor na gente é a morte do nosso colega.”

Ao Ministério Público, o EL PAÍS perguntou se o organismo havia sido informado sobre operação, como determina o STF, e se pretende abrir inquérito para investigar a chacina. A instituição respondeu às 17h19, dizendo que “vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes”, com o objetivo de abrir uma investigação independente. Também garante que a operação foi comunicada às 9h, depois de seu início, mas que a realização de operações policiais não requer prévia autorização ou anuência por parte do Ministério Público. “A Polícia Civil apontou a extrema violência imposta pela organização criminosa como elemento ensejador da urgência e excepcionalidade para realização da operação”, afirmou.

FELIPE BETIM, de São Paulo para o EL PAÍS, em 06.05.2021

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Brasil registra 2.811 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 73.295 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 14.930.183. Número acumulado de mortes é de 414.399, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.

A média móvel de mortes em 7 dias no Brasil está acima de 2 mil há 49 dias. Mãe e dois filhos lamentam morte do pai, em frente ao caixão em cemitério de Brasília

A média móvel de mortes em 7 dias no Brasil está acima de 2 mil há 49 dias

O Brasil registrou oficialmente 2.811 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quarta-feira (05/05).

Também foram confirmados 73.295 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.930.183, e os óbitos somam agora 414.399.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.442.996 pacientes haviam se recuperado da doença até esta terça-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta quarta-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 197,2 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.316, o que significa que o país está há 49 dias registrando um índice acima de 2 mil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 579 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,5 milhões) e Índia (20,6 milhões).

Ao todo, mais de 154,6 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 05.05.2021

terça-feira, 4 de maio de 2021

Brasil registra 2.966 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 77.359 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 14.856.888. Número acumulado de mortes é de 411.588, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.

Vista aérea de cemitério em Manaus com várias covas com cruzes azuis. A média móvel de mortes no Brasil nos últimos sete dias ficou em 2.367

A média móvel de mortes no Brasil nos últimos sete dias ficou em 2.367

O Brasil registrou oficialmente 2.966 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta terça-feira (04/05).

Também foram confirmados 77.359 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.856.888, e os óbitos somam agora 411.588.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.336.476 pacientes haviam se recuperado da doença até esta segunda-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta terça-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 195,9 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.367, o que significa que o país está há 48 dias registrando um índice acima de 2 mil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 578 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,4 milhões) e Índia (20,2 milhões).

Ao todo, mais de 153,7 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 04.05.2021

Mandetta diz na CPI que Presidência sugeriu decreto para colocar indicação para Covid nas bulas de cloroquina

Ex-ministro diz que Bolsonaro tinha assessoramento 'paralelo' e afirma que viu várias reuniões em que Carlos Bolsonaro, filho do presidente que é vereador, tomava notas

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta presta depoimento, nesta terça-feira, na CPI da Covid no Senado Federal. O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), foi o primeiro a fazer perguntas. O ex-ministro disse que viu uma minuta de documento da Presidência da República para que a cloroquina tivesse na bula a indicação para Covid-19 e que o presidente Jair Bolsonaro parecia ouvir "outras fontes" que não o Ministério da Saúde.

Pazuello: Ex-ministro comunica a senadores que não pode depor presencialmente na CPI

Segundo Mandetta, o próprio diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discordou dessa medida, e o ministro "Jorge Ramos" minimizou a questão, dizendo que era apenas uma sugestão. Na época, o Planalto não tinha um ministro com esse nome, mas um chamado Jorge Oliveira, na Secretaria-Geral, e outro Luiz Eduardo Ramos, na Secretaria de Governo.

— O ministro da Saúde é um ministro que é convocado pelo presidente para conversar, prestar suas explicações. Estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado que era para subir, porque tinha uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio cloroquina, que eu nunca havia conhecido. Ele [Bolsonaro] tinha uma assessoramento paralelo. Nesse dia, havia na mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação de cloroquina para coronavírus. Foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, Barras Torres, que estava lá, que disse não. O ministro Jorge Ramos disse: isso não é da lavra daqui. Mas é uma sugestão de alguém. Alguém pensou, se deu ao trabalho de colocar aquilo em formato de decreto — disse Mandetta.

Pazuello demostrou nervosismo durante treino do Planalto para ir à CPI da Covid

Mais tarde, Mandetta falou novamente sobre a história da bula ao ser questionado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA).

— A questão da bula, eu saindo da reunião de ministros, dez ,12 dias antes de ser demitido. chegando lá, havia um papel, na frente de todos na reunião, que era uma minuta, uma sugestão de minuta. Eu perguntei ao ministro Jorge Ramos (sic): isso é um decreto para o presidente? O ministro: não, não. Mas existia, teve essa ideia. Não saberia dizer quem teve — disse Mandetta, ressaltando novamente que o diretor-geral da Anvisa, Antonio Torres Barra, foi contra.

Mandetta também criticou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), fllho do presidente, presente em algumas reuniões.

— Vi várias reuniões de ministros em que o filho do presidente, que é vereador, sentava atrás tomando notas da reunião — disse Mandetta.

Mandetta foi enfático quando perguntado se, enquanto estava no cargo, alguma empresa ou entidade apresentou perspectivas de vacinas. Mandetta disse que não, mas que se houvesse vacinas à época iria atrás delas como um prato de comida.

— Naquele momento tínhamos uma lista de iniciativas. Nós torcíamos, nós sabíamos que, quando há vírus, a humanidade enfrenta com vacina, desde a varíola. Mas estavam ou na concepção de fórmula, ou testando em laboratório com ratos — disse o ex-ministro. Ele afirmou ainda que, se houvesse vacinas, teria ido atrás:

— Teria ido atrás delas como atrás de um prato de comida. 


Ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sustentou discurso de que seguiu sempre orientações ténicas à frente da pasta Foto: Jefferson Rudy / Agência O Globo

Renan também questionou se a ordem do presidente Jair Bolsonaro para o laboratório do Exército aumentar a produção de cloroquina tinha partido do Ministério da Saúde, e Mandetta disse que não.

— A única coisa que o Ministério da saúde fez, após consulta ao Conselho Federal de Medicina e a conselheiros do ministério, era para o uso compassivo, quando não há outro recurso terapêutico. É um medicamento que tem uma série de reações adversas, uma série de cuidados que tem que ser vistos — disse Mandetta.

Segundo ele, havia quantidade suficiente do remédio no Brasil:

— A cloroquina nos é produzida regularmente para o uso que convém, para malária, lúpus, pela Fiocruz, e tínhamos a quantidade necessária para isso.

"Orientações paralelas"

Mandetta disse que Bolsonaro não deu nenhuma orientação ao ouvir a previsão do Ministério da Saúde, no início da pandemia, de que o país poderia chegar a 180 mil mortes. Atualmente, o Brasil ultrapassa 400 mil óbitos decorrentes da doença.

— Não. Ficou aquilo como 'existem outras pessoas que também falam outras coisas', enfim. Não foi aquilo que foi capaz de unir — respondeu Mandetta ao ser indagado se Bolsonaro fez alguma recomendação ao ouvir a previsão inicial da Saúde.

O ex-ministro disse ainda que Bolsonaro parecia ter outra fonte de informação paralela, fora do Ministério da Saúde. E citou que o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (RJ), costumava acompanhar reuniões ministeriais e tomar notas.

— Me lembro do presidente sempre questionar a questão da cloroquina como válvula de tratamento precoce, embora sem evidência precoce, lembro de ele falar do isolamento vertical. Ele tinha outra, não saberia dizer, outra fonte que dava para ele. Do Ministério da Saúde nunca houve orientação de coisas que não eram da cartilha.  

Questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sobre se o Ministério da Saúde foi pressionando pelo presidente Jair Bolsonaro a contrariar recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mandetta disse que não.

— Ele foi publicamente confrontado e isso dava uma informação dúbia à sociedade. O objetivo do Ministério da Saúde era dar uma informação, o presidente dava outra informação.

Sobre a relação com Bolsonaro, Mandetta disse que o presidente inicialmente compreendia as informações, mas poucos dias depois mudava de ideia. Segundo o ex-ministro, era uma "relação dúbia".

Dificuldade com filhos do presidente

Mandetta relatou dificuldades com os filhos de Bolsonaro para conseguir um bom diálogo com a China.

— Eu tinha um Ministério de Relações Exteriores que eu precisava muito, porque eu era dependente de insumos que estavam na China, que tinha que trazer para o Brasil. Então era mais do que necessário ter um bom diálogo com a China. Então eu tinha dificuldade com o ministro de Relações Exteriores [Ernesto Araújo, que deixou o cargo em 2021]. O outro filho do presidente que é deputado, Eduardo, tinha rotas de colisão com a China, através de Twitter, mal-estar. Eu fui até um certo dia ao Planalto, eles estavam todos lá, os três filhos [o vereador Carlos, o deputado Eduardo o senador Flávio] do presidente, e mais assessores, que são assessores de comunicação.  Disse a eles: eu preciso conversar com o embaixador da China, preciso que eles nos ajude, pedi uma reunião com ele, posso trazer aqui? "Não, aqui não." Acabei fazendo por telefone — explicou Mandetta.

O senador Randolfe Rodrigues perguntou então se havia uma oposição a qualquer diálogo com a China. Mandetta respondeu:

— Existia uma dificuldade de superar essas questões.

O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) perguntou qual o impacto da corrupção, citando os escândalos do mensalão e do petrolão, na forma como o Brasil enfrentou a pandemia.

— Vem desde o dia que Cabral pisou aqui — disse Mandetta, acrescentando: — Isso é base de inúmeros problemas, não só na saúde.

Confira outros destaques da CPI até agora:

Logo no início, Renan questionou se Mandetta vê como adequada a orientação do Ministério da Saúde para que as pessoas só procurassem o sistema de saúde com sintomas graves. Mandetta afirmou que o intuito era apenas evitar aglomerações por suspeitas de viroses em hospitais, antes de haver transmissão comunitária no país, o que só foi registrado no final de março de 2020.

- Isso não é verdade. Não havia um caso no país. O que havia eram pessoas com sensação de insegurança, de pânico. Viam China, Itália com seu lockdown, e as pessoas procuravam hospitais com intuito de fazer testes: 99,9999% dos casos eram de outros vírus, e 0,0001% eram indefinidos. Só fizemos transmissão comunitária depois de 24 de março. Em um momento de viroses, a orientação para viroses é que observe a virose, que não vá ao hospital porque aglomera, porque se tiver um paciente ele vai contaminar na sala de espera. Eu tenho visto essa máxima ser repetida. É mais uma guerra de narrativa. Todas as orientações são para dar entrada pelo sistema de saúde. 

Renan questionou como funcionava o sistema de governança da pasta na gestão de Mandetta e quais foram as orientações aos municípios durante o início da crise sanitária. Mandetta respondeu que o ministério é dividido em secretarias especializadas e que tudo ocorreria de maneira harmônica entre eles. Sobre orientações, o ex-ministro citou uma série de portarias sobre medicamentos e testagens.

— A função do Ministério da Saúde é dialogar e antecipar, colaborar, fazer as portarias de acordo com o sistema de saúde, as deliberações desses municípios que são muito frágeis — disse o ex-ministro.

CPI da Covid: Oposição aposta em Mandetta para expor Bolsonaro; governistas querem desgastar ex-ministro.

Testagem em massa

Renan questionou por que não houve testagem em massa da população, Mandetta respondeu:

— No mês de março iniciamos todo o processo de aquisição da testagem, 24 milhões de testes. Não adianta só ter o teste, é preciso processar os testes. Mas foi assinado o recebimento dos testes no ministro subsequente, ministro Teich. E depois eu soube que essa estratégia não foi utilizada. Foi muito clara a nossa estratégia: testar, testar.

O relator então perguntou se havia impedimento técnico para a testagem na época. O ex-ministro se justificou:

— Não havia o teste. Era uma carência mundial.

Ainda sobre os testes, Mandetta afirmou:

— Nós tínhamos um caminho traçado para a testagem, sabíamos para onde iríamos, sabíamos que íamos testar, bloquear contágio e iríamos tratar via atenção primária e ampliar nossa rede hospitalar. Não tomamos nenhuma medida que não tenha sido pela ciência. E a ciência é essa, é isso que recomendaram. Depois, vimos pararem muitas coisas e não colocarem outras no lugar, a testagem é uma delas - disse Mandetta.

Respiradores

Mandetta disse que a estratégia para compra centralizada de respiradores pelo governo federal foi bem-sucedida em sua gestão. De acordo com ele, estados e municípios enfrentavam problemas na aquisição dos produtos.

- Nós entramos, arbitramos, fizemos a encomenda e conseguimos garantir o abastecimento de toda a rede nacional. E são esses respiradores que estão até hoje segurando a epidemia. Todos os 15 mil foram entregues - afirmou.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), questionou, então, por que os estados partiram para comprar respiradores. Mandetta respondeu que "há um hiato".

- Eles começaram a predar e a escalonar preços. Ficou insustentável. Nesse momento entrou o Ministério da Saúde. O Brasil foi o país que comprou respiradores pelo preço mais baixo do mundo. E entregou na ponta. Isso não impede os governadores.

Isolamento Social

Mandetta confirmou que houve discordância de sua posição sobre isolamento social com a do presidente Jair Bolsonaro. Ele respondeu a um questionamento feito por Renan Calheiros.

- Sim, senhor. Eu sou médico... Jurei na minha formatura, jurei quando tomei posse como deputado defender a Constituição, o princípio da vida, ali não era uma situação de diferenças políticas. Ali era um momento republicano. Eu conversava com o governador do Ceará, a governadora do Rio Grande do Norte, assim como de São Paulo, todos eles para que tivéssemos momento de união. Nunca discuti com o presidente, nunca tive discussão áspera, mas sempre coloquei a minha posição de forma muito clara - disse.

Ao falar sobre contato com governadores, ele aproveitou para pedir desculpas aos senadores que deixou de atender durante a crise sanitária. Ontem, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Omar Aziz reclamou de não ser atendido por Mandetta.

Início do depoimento

O ex-ministro começou seu depoimento elogiando ações de sua gestão no Ministério da Saúde antes da pandemia. Segundo ele, em dezembro de 2019, por exemplo, a pasta conseguiu habilitar totalmente os leitos de UTI pendentes, zerando as pendências.

De acordo com o ex-ministro, no começo da pandemia, o Ministério da Saúde passou a tomar algumas ações que pudessem ajudar no combate à Covid-19. Isso incluiu, por exemplo,  a verificação da legislação sobre quarentena e isolamento, o retorno de brasileiros que estavam em Wuhan, na China, onde a pandemia começou, e uma reunião com o embaixador chinês.

Mandetta também afirmou à CPI da Covid que procurou estreitar relações com a China no início da pandemia, enquanto ainda ocupava cargo no governo federal. Ele disse que encaminhou uma carta de solidariedade ao ministro da Saúde chinês.

Mandetta disse que o início da pandemia disparou uma "corrida" mundial por testes e insumos e que países ricos bloquearam exportações. Ele também disse que houve a criação de um grupo de trabalho da Controladoria-Geral da União (CGU) para garantir a lisura de compras feitas pelo Ministério da Saúde. O ministro justificou que testes rápidos eram de "difícil compra" e que buscou apoio de empresas da iniciativa privada.

A minoria de quatro senadores governistas, por outro lado, se preparou para deslegitimar o ex-ministro. Eles querem explorar a acusação de que, por decisões de Mandetta, o ministério foi ineficiente durante sua gestão.

— É partir pra cima — disse Ciro Nogueira (PP-PI), aliado de Bolsonaro, antes de começar a sessão.

Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, diz que o governo está pronto para prestar esclarecimentos na CPI.

Após a oitiva de Mandetta, está previsto o depoimento do ex-ministro da Saúde Nelson Teich. Ele ficou apenas um mês no cargo. Eles serão ouvidos na condição de testemunha.  O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pode colocar ainda hoje para votar os requerimentos de convocação do ministro da Justiça, Anderson Torres, e do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

Cada um dos 18 senadores poderá usar cinco minutos para formular os questionamentos, o mesmo tempo concedido ao ex-ministros. Após as respostas, os parlamentares terão três minutos para as réplicas e os depoentes outros três minutos para as tréplicas.

Questões de ordem

Logo no início da sessão, antes de Mandetta começar a falar, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que é governista, reclamou que a CPI estaria focando mais nas ações e omissões do governo federal, deixando de lado as irregularidades de gestores estaduais e municipais no uso de recursos federais. Ele apresentou uma questão de ordem pedindo que sejam alternados depoimentos relacionados a um e outro tema.

— A despeito do desejo dos 45 senadores que assinaram o requerimento [para investigar governadores e prefeitos], não há no plano de trabalho no momento nada que assegure a investigação de irregularidades na aplicação de recursos federais por entes estaduais e municipais. Com efeito, destaco que até o final do ano de 2020, a Polícia Federal já havia realizado 61 operações policiais para apurar indícios de irregularidades. Essas investigações vão desde a compra de máscaras e aventais até hospitais de campanha, em contratos que movimentaram algo próximo a R$ 2 bilhões. Como resultado, governadores e secretários foram afastados — disse Girão.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reclamou que Girão estava levando muito tempo para apresentar a questão de ordem. Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de oposição, também rebateu.

— Parece que ficam embromando, empurrando com a barriga. Temos depoente esperando. Temos plano de trabalho. Girão, vamos trabalhar, homem!

Marcos Rogério (DEM-RO), governista, disse que o plano de trabalho dá mais enfoque às ações e omissões do governo federal.

— A CPI tem que investigar a todos, doa a quem doer — disse Rogério.

A CPI da Covid pretende que o Tribunal de Contas da União (TCU) ceda duas servidoras para auxiliar o colegiado. Este tipo de requisição aos órgãos de controle é praxe nos processos investigativos da Casa. Em requerimento apresentado pelo presidente Aziz , ele cita as auditoras federais de controle externo Deane D'abadia Morais e Sorhaya Sampaio de Araújo. O fato de Aziz ter delimitado quem quer chamar foi questionado pelo governista Ciro Nogueira (PP-PI).

Editorial do Estadão: Demonstração de fraqueza

O envolvimento dos Bolsonaros em manifestações golpistas em plena pandemia mostra que o clã presidencial está acuado

 Mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro associou-se a manifestações de caráter claramente golpista. O mote dos protestos, realizados no sábado em diversas capitais, foi resumido na palavra de ordem “Eu autorizo” – referência a uma recente declaração de Bolsonaro segundo a qual ele estava apenas esperando um “sinal” do “povo” para “tomar providências”, pois “o Brasil está no limite”. Os manifestantes, portanto, deram sua “autorização” para Bolsonaro agir.

É ocioso especular sobre a representatividade das manifestações a partir de seu tamanho – que, ademais, não foi mensurado. Mas pode-se afirmar que, ao contrário de demonstrar força, os protestos revelaram a fraqueza crescente do governo.

As manifestações antecederam a semana em que estão previstos os depoimentos de todos os ex-ministros da Saúde do governo Bolsonaro e do atual, Marcelo Queiroga, na CPI da Pandemia. Ou seja, foram programadas com o claro objetivo de intimidar os senadores que vão começar a levantar questões potencialmente embaraçosas para o governo.

Sem articulação política decente no Senado, o governo vem sofrendo sucessivas derrotas. Foi incapaz de impedir que a CPI ganhasse assinaturas suficientes para sua instalação, não conseguiu influenciar a indicação dos integrantes da comissão e ainda fez o papelão de tentar impedir na Justiça, sem sucesso, a indicação do desafeto Renan Calheiros para a relatoria.

A Bolsonaro restou, portanto, contar com a truculência de suas falanges para transformar a política em briga de rua. É o recurso de quem perdeu quase toda a sua já escassa capacidade de interlocução nas instituições democráticas, reduzindo de forma drástica seu poder de influenciar o debate nacional. Cada vez menos brasileiros levam o presidente a sério.

É por isso que Bolsonaro tornou a ameaçar com “providências” caso o “povo” lhe desse uma “sinalização”. Como costuma acontecer, o presidente não disse com todas as letras quais seriam essas “providências”, mas, nas outras oportunidades em que fez as mesmas ameaças, mencionou sua condição de “chefe supremo das Forças Armadas” e chegou a falar do Exército como se fosse sua guarda pretoriana.

Ou seja, Bolsonaro deixa no ar a possibilidade de articular um golpe – tal como defenderam explicitamente seus simpatizantes nas manifestações de sábado – com o argumento de que as instituições democráticas não o deixam governar, situação que, segundo a versão bolsonarista, levou o País à beira do caos.

No momento, o único caos está no Palácio do Planalto. O resto do País enfrenta com bravura e serenidade a enorme crise que o bolsonarismo agravou. A despeito da fome, do desemprego, da escassez de vacinas e da falta de perspectivas, não se vê entre os brasileiros o nível de inquietação que Bolsonaro aponta. Na verdade, o presidente parece ávido por um pretexto para exercitar sua vocação autoritária.

É aí que entram os manifestantes que foram às ruas para “autorizar” Bolsonaro a tomar “providências”. Esses seriam o “povo” de que fala o presidente, razão pela qual Bolsonaro os prestigiou sobrevoando um dos protestos a bordo de um helicóptero da Força Aérea. Não lhe pareceu imprudente vincular-se a um ato que chamou o Supremo Tribunal Federal de “organização criminosa”, entre outras barbaridades.

Um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, foi mais longe e, com a máscara no queixo, discursou num carro de som. Outro filho, o senador Flávio Bolsonaro, que criticou a instalação da CPI da Pandemia sob o argumento de que promoveria aglomeração e colocaria a vida dos senadores em risco, elogiou em suas redes as “ruas lotadas em todo o Brasil” – ocupadas por gente aglomerada e sem máscara.

O envolvimento dos Bolsonaros em irresponsáveis manifestações golpistas em plena pandemia mostra que o clã presidencial, acuado, está decidido a dobrar a aposta tanto no desafio à democracia como no menosprezo pela vida de seus compatriotas. Cabe à CPI, bem como às instituições de Estado, impedir, serenamente, que esse repto prospere.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 04 de maio de 2021 | 03h00

Juan Arias: O slogan político do Brasil para as eleições presidenciais: “Qualquer um é melhor que Bolsonaro”

O presidente não precisa inventar inimigos ou culpados da tragédia alimentar e do desemprego que assolam o país. A sociedade está ciente da parte da culpa de seu mandatário nesse massacre

Manifestante carrega bandeira com imagem do presidente Jair Bolsonaro durante caravana em seu apoio em Brasília, no Primeiro de Maio. (Crédito da foto: Eraldo Peres / AP) 

Apesar de faltar um ano e meio para as eleições presidenciais, toda a política brasileira está com os olhos postos nessa data para saber se Jair Bolsonaro será reeleito ou não, e assim se o país conseguirá recuperar a normalidade democrática hoje ameaçada a todo o momento.

Enquanto isso, Bolsonaro segue acalentando o sonho de que, antes da reeleição, as pessoas saiam às ruas para que ele possa recorrer às Forças Armadas, que ele continua chamando de “meu Exército”. E o mais sério é que o que o presidente deseja é que haja tumultos de rua provocados pelos milhões de brasileiros que a cada dia entram no inferno da fome e do desemprego. Seu sonho é que ocorram essas rebeliões para ele usar a força e se vingar dos governadores e prefeitos que, com a fúria da pandemia, se viram obrigados a seguir os lemas da ciência e da medicina, mesmo ao custo de impor o lockdown onde fosse necessário.

O presidente brasileiro precisa de inimigos reais ou inventados contra os quais guerrear. Daí sua insistência em ameaçar usar o Exército se houver tumultos em protestos nas ruas. Quando fala que o remédio amargo contra a pandemia pode levar as pessoas a “saquear mercados e provocar violência”, o que o obrigaria a recorrer aos militares, dá a impressão de estar fazendo uma insinuação para que isso ocorra.

É curioso que acuse governadores e prefeitos de terem causado fome e desemprego no país para combater a pandemia. Sua tese é que essa seria uma forma de culpá-lo por ter quebrado a economia e, assim, enfraquecê-lo diante da reeleição com a qual sonha dia e noite. Mais ainda, parece que todas as suas decisões são destinadas a combater o medo de perder o poder, ao qual chegou apesar de sua insignificância como político e como estadista, e que levou o Brasil a aparecer perante o mundo como um pária que, apesar de ser capaz com sua riqueza de alimentar meio mundo, permite que metade da população passe fome ou sofra de deficiência alimentar.

Se Bolsonaro fosse um chefe de Estado simplesmente normal, o que ele já deveria ter feito —como o presidente dos EUA, Joe Biden está fazendo— é taxar as grandes fortunas e aumentar os impostos dos mais ricos para que ninguém, apesar da crise sanitária, precise passar por dificuldades e se veja obrigado a remexer latas de lixo em busca de restos de comida.

Bolsonaro não precisa inventar inimigos ou culpados da tragédia alimentar e do desemprego que assolam o país. O que ele precisaria, e não tem, é de capacidade política e administrativa para governar um país que, sendo uma das maiores potências do mundo, deixa que milhões passem fome e acumula mortes todos os dias, com a teimosia do presidente ao desprezar a ciência e negar a pandemia.

As mais de 400.000 mortes causadas pela pandemia, que, segundo os especialistas podem chegar a um milhão, representam uma triste e sombria procissão de caixões para os quais não há cemitérios suficientes. A sociedade está ciente da parte da culpa do presidente nesse massacre. Na Câmara continuam a chover petições para destituí-lo do poder enquanto o Senado acaba de abrir uma CPI para investigar sua conduta na gestão da pandemia.

É possível que ante todo esse fracasso do Governo o capitão possa chegar a disputar a reeleição e os militares continuem com ele à custa de manchar a instituição? Triste paradoxo que o Brasil é forçado a suportar. Até quando? Que o mundo do mercado e das finanças não continue a flertar com as loucuras bélicas de Bolsonaro, porque eles poderiam ser os primeiros a pagar o preço por seu desgoverno. Por enquanto, a participação do capital externo na abertura de empresas estrangeiras caiu de 70% para 30% nos últimos anos.

A cada dia que passa, o Brasil deixa impunemente o presidente seguir sua política de sonhos guerreiros e de arrastar o país ao desespero da fome e do desemprego, que já castigam metade da população. É um borrão humilhante que afeta injustamente uma nação que pede pão e trabalho e, em vez disso, lhe oferecem armas e ameaças de guerra civil. Esse não é o verdadeiro Brasil que o mundo já admirou. É a triste caricatura do que foi sua glória e até seu poder.

O Brasil está em uma encruzilhada perigosa, pois o que poderia resgatá-lo da tempestade que o golpeia é exatamente o que Bolsonaro odeia. O país necessita urgentemente de uma reconciliação nacional e internacional. São duas medidas que a cada dia a mais deste Governo, que já é um Governo militar, parecem mais distantes. O Brasil está, de fato, cada vez mais distante de que aqueles que o governam façam com que recupere sua unidade perdida e seu prestígio mundial gravemente comprometidos pelos erros em série da atual política externa, que agora o projeta como um país inimigo das relações com nações que são fundamentais para o comércio e a economia.

Internamente, toda a política do Bolsonaro é a de criar cizânia e inimigos inexistentes e a de colocar os brasileiros uns contra os outros. Hoje, para poder sair do atoleiro bolsonarista, o Brasil precisa de um novo dicionário com palavras perdidas como diálogo, confiança, fraternidade, alegria, desejos de superação, amizade, justiça para os mais necessitados. Precisa resgatar a vontade de viver e superar-se (sim, também os filhos dos porteiros e das empregadas domésticas, geralmente todos negros, ministro Paulo Guedes).

Necessitaria de mais poesia e menos prosa envenenada. Necessita de mais cultura e melhor educação, mais defesa dos diferentes e maior preocupação com os excluídos. Precisa recuperar o orgulho de ser um país continental consciente de seu potencial econômico e humano.

Tudo isso fica a cada dia mais distante com um presidente e um Governo que, ao contrário, têm um vocabulário repleto de palavras negativas. Seu dicionário está cheio de termos como confrontação, guerra, inimigos, ameaças de golpes e ataques à democracia. O vocabulário bolsonarista não é apenas vulgar e até obsceno, está sempre impregnado de negatividade e violência. Tudo isso porque a conduta psíquica do chefe é a de desunir, ameaçar, confrontar e semear a cizânia nas redes sociais, oferecendo a cada dia doses gigantescas de veneno e baixeza.

E que não se iludam aqueles que ainda esperam uma conversão que coloque o trem descarrilado nos trilhos da normalidade e do diálogo pacífico. Isso já ficou claro que é impossível. A chave para a impossibilidade do “mito” de abraçar um vocabulário humano normal foi explicada por um general, falando no anonimato. Segundo ele, Bolsonaro, quando paraquedista do Exército, sempre gostou mais dos “temporais” do que do tempo de calmaria. Amava o perigo e nunca a normalidade. Sempre foi um adorador da morte mais do que da vida, da violência do que da paz. E assim continuou, até chegar ao topo do poder.

Onde o presidente pisa, deixa os vestígios de seu amor ao perigo, de seus sonhos genocidas, mais do que a recuperação da vida e da harmonia. Lembra o aluno que em classe adora semear a discórdia, desafiar a disciplina e, se achar necessário, usar até a violência física. Ele é desafiador e semeador da cizânia.

Que os políticos que apostam na democracia e querem devolver ao país valores que sempre foram tipicamente brasileiros, e que estão sendo pisoteados pelo capitão, não se esqueçam de que, não por acaso, ele e toda a sua família sempre se nutriram das milícias violentas.

Que não sejam levados em consideração os políticos que apostam na receita ilusória de que o melhor seria deixar o presidente “sangrar” para que chegue “debilitado” às eleições, para assim o país recuperar a harmonia e ser resgatado do inferno a que o empurram. Isso é apenas uma quimera. Se não o retirarem do poder, por mais desgastado que chegue, ele acabará ganhando as eleições porque terá toda máquina poderosa do Estado e o apoio do Exército, das forças policiais e dos milicianos que nunca o abandonam, assim como de suas hostes guerreiras, que ainda representam 30% do eleitorado e que são cegas e surdas a qualquer tentativa de converter o capitão em um político dialogante e capaz de renunciar a seus instintos de violência psicopata.

Bolsonaro prefere, como diz o general, as tempestades e a guerra aos valores da democracia e da civilização. Bolsonaro está fazendo o milagre de desejar o retorno à cena política de personagens que pareciam desgastadas para sempre, como o indescritível e acausto Renan Calheiros. E até Lula. O slogan que foi criado hoje no Brasil é: “Qualquer um é melhor que o Bolsonaro”. Nada mais humilhante para um político que tivesse um mínimo de dignidade.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 03.05.2021

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Brasil registra 983 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 24.619 novos casos da doença, o que eleva total de infectados desde o início da epidemia para 14.779.529. O número acumulado de mortes é de 408.622, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.

Homem acende vela em frente a uma cruz, e em meio a várias outras colocadas em frente ao Congresso Nacional em homenagem às vítimas da covid-19. A média móvel de mortes (soma dos últimos sete dias e divisão do resultado por sete) no Brasil ficou em 2.384

Média móvel de mortes (soma dos últimos sete dias e divisão do resultado por sete) no Brasil ficou em 2.384

O Brasil registrou oficialmente 983 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (03/05).

Também foram confirmados 24.619 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.779.529, e os óbitos somam agora 408.622.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conas não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.278.718 pacientes haviam se recuperado da doença até este domingo.

Com os dados de óbitos registrados nesta segunda-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 194,4 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.384, o que significa que o país está há 47 dias registrando um índice acima de 2.000.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 577 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,4 milhões) e Índia (19,9 milhões).

Ao todo, mais de 153 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 03.05.2021