sábado, 20 de março de 2021

O que é Estado de Sítio e por que não é possível compará-lo com lockdown, como fez Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro entrou nesta sexta (19/3), com uma ação no STF em que compara as medidas criadas pelos governadores para conter a pandemia com estado de sítio, uma situação excepcional prevista pela Constituição.

'Aqui, no Distrito Federal, toma-se medida por decreto, de estado de sítio. Das 22h às 5h, ninguém pode andar', afirmou Bolsonaro na quinta (11) em referência ao toque de recolher no DF. (Crédito da foto: Reuters / Ueslei Marcelino).

Não é a primeira vez que o presidente faz esse tipo de comparação.

"Aqui, no Distrito Federal, toma-se medida por decreto, de estado de sítio. Das 22h às 5h, ninguém pode andar", afirmou Bolsonaro na quinta (11) em referência ao toque de recolher no DF.

Mas segundo a Constituição Federal e juristas ouvidos pela BBC News Brasil, o lockdown e as medidas contra a pandemia não são de forma alguma equiparáveis ao estado de sítio.

"São coisas completamente diferentes, que não têm relação alguma", diz Vera Chemim, especialista em direito constitucional e mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

O que é estado de sítio

Durante estado de sítio, governo pode estabelecer interceptação de comunicações, controle da imprensa, proibição de reuniões de grupos de pessoas, detenção e busca e apreensão sem autorização judicial. (Crédito da foto: AFP / Getty Images)

O estado de sítio é uma situação excepcional prevista pela Constituição, explica Vera Chemim, para a defesa interna do país em caso de instabilidade institucional devido à crise política, militar ou de calamidade natural, como um desastre ambiental de grandes proporções.

Para que ele seja decretado pelo presidente da República, é preciso que exista uma série de condições específicas e a decretação precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. Em um estado de sítio, a Constituição prevê a possibilidade uma série de restrições, explica o professor de direito da FGV-Rio Wallace Corbo, especialista em direito público.

Bolsonaro, diz Corbo, tenta comparar as duas situações porque o toque de recolher, ou seja, a restrição de circulação em certos horários, é uma medida que também pode acontecer durante um estado de sítio.

"Mas o estado de sítio não é só a restrição de circulação, ele estabelece uma série de limitações de direito fundamental, uma série de medidas que não se confundem em nada com o combate à pandemia", explica Corbo.

Durante um estado de sítio, o governo pode estabelecer interceptação de comunicações, controle da imprensa, proibição de reuniões de grupos de pessoas, detenção e busca e apreensão sem autorização judicial e requisição de bens de particulares.

"São medidas excepcionais pensadas para situações em que há necessidade de defesa interna, quando há instabilidade institucional por causa de uma crise militar ou política", explica Vera Chemim.

Região central de Porto Alegre vazia em meio ao aumento de casos de covid (Crédito da foto: Reiters / Diego Vara)

Legenda da foto,Região central de Porto Alegre vazia em meio ao aumento de casos de covid (Crédito da foto: Reuters / Diego Vara)

Já as medidas para conter a pandemia decretadas em alguns Estados, como fechamento do comércio e toque de recolher, são uma resposta a uma crise sanitária e de saúde pública.

"Ou seja, são situações de natureza diferente", afirma. "As medidas de um estado de sítio não são adequadas para o combate à pandemia."

Além disso, há uma diferença central entre as medidas de combate à pandemia e um estado de sítio: as consequências para quem desrespeita as determinações do poder público são completamente distintas.

Corbo explica que os decretos que estabelecem medidas de combate à pandemia têm natureza administrativa, ou seja, se alguém desrespeitar o fechamento do comercial ou o toque de recolher, a consequência principal é uma multa.

"Em uma situação de estado de sítio, o desrespeito às regras pode levar inclusive à detenção. Mas ninguém vai ser preso por desrespeitar o horário de fechamento do comércio", explica Corbo.

No estado de sítio, a Constituição prevê inclusive a possibilidade do governo usar as forças de segurança para impor as restrições estabelecidas.

"Isso não vai acontecer nas medidas de isolamento social. Para o lockdown não existe essa previsão", afirma.

Corbo explica que existem algumas situações em que a polícia poderia deter alguém, se suas ações se enquadrassem no art. 268 do código penal, que diz que é crime infringir medida do poder público destinada à proteção da saúde.

"Mas é algo válido para situações pontuais, em que houve um crime, e que não têm nada a ver com a necessidade de proteger o Estado em si, como no caso do estado de sítio", afirma.

Condições para o estado de sítio e para medidas de lockdown

Os juristas explicam que as medidas de combate à pandemia sendo tomadas nos Estados são amparadas pela Constituição em diversos momentos.

Chemin explica que Constituição determina que cuidar da saúde coletiva da população é uma competência compartilhada por todos os entes federativos - União, Estados e municípios.

"A Constituição determina que o Estado tem o poder e o dever de agir para garantir o direito à saúde. E em uma crise sanitária de grandes proporções como a que vivemos, e com a situação se agravando, ela ampara a restrição de circulação para proteção da saúde", afirma Chemim.

Nenhum direito fundamental é absoluto, explica Chemin, e no caso em questão o direito à saúde se sobrepõe ao direito de livre circulação .

Além disso, a possibilidade de medidas restritivas é também é prevista pela lei 13.979, que trata do combate à pandemia, sancionada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em 2020.

Estados e municípios têm total competência para adotar medidas restritivas no combate à pandemia, segundo decisão do STF (Crédito da foto: Dorivan Marinho/ SCO/STF)

O Supremo Tribunal Federal também já determinou que Estados e municípios têm total competência para adotar medidas restritivas no combate à pandemia, desde que estejam amparadas por autoridade sanitária e médicas de caráter nacional e internacional e atendam aos princípios de proporcionalidade e razoabilidade.

A OMS e diversas entidades médicas se posicionam, desde o início da pandemia, no sentido de que medidas de isolamento social e quarentena são adequadas e recomendadas para o combate à grave crise sanitária que vivemos.

Já a decretação de um estado de sítio — cujas restrições vão muito além da circulação — exige condições que não estão presentes no momento no país, explica Wallace Corbo.

Uma das condições em que o estado de sítio é previsto é em situação de guerra ou ameaça de um inimigo internacional.

Outra é a existência de uma comoção grave, de repercussão nacional — mas antes do estado de sítio, é preciso que tenha sido decretado um estado de defesa e que ele não tenha sido capaz de resolver o problema.

O estado de defesa é uma etapa anterior ao estado de sítio, e só pode ser decretado em locais restritos e determinados — e não no país todo —, pelo prazo de 30 dias, quando houver ameaça à ordem pública ou paz social "ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional" ou "calamidade de grande proporção".

Em tese, uma pandemia pode se encaixar no conceito de "calamidade de grande proporção", mas apenas se as restrições estabelecidas pelo instrumento tivessem utilidade no combate à pandemia em questão. E o momento atual não é o caso, segundo leitura de Corbo, Chemim e análises já feitas por ministros do STF como Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes.

"Como o governo já podem decretar medidas de combate à pandemia que já são previstas e muito adequadas, como o fechamento do comércio, o toque de recolher, o auxílio emergencial etc., não há necessidade nem seria justificável a adoção de medidas extremas como um estado de defesa e muito menos um estado de sítio", afirma Chemim.

"Já temos previsão legal de outras medidas mais adequadas para a crise de saúde. Não é preciso chegar em um nível tão grave, com medidas tão extremas, em um momento em que as instituições já estão tão frágeis", defende Corbo.

Para Corbo, é preocupante a tentativa do presidente de comparar as medidas de combate à pandemia decretadas pelos Estados com o estado de sítio.

"Com essa ação no STF o que ele tenta fazer é, por um lado afastar a responsabilidade dele pelo estado de crise e, por outro, legitimar a atuação dele caso queira no futuro decretar um estado de sítio para conter críticas e conter a oposição", afirma. "Por isso é importante que o poder legislativo e o judiciário contenham esse tipo de atitude se ela vier a acontecer."

Letícia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo, em 19 março 2021

Lançado há 50 anos, disco 'Construção', de Chico Buarque, poderia não ter existido

Chico Buarque em 1971, quando 'Construção' foi lançado; álbum é considerado um dos mais importantes da carreira do compositor

No início da década de 1970, os estúdios das gravadoras brasileiras passaram por um processo de transformação. Equipamentos importados da Europa e dos Estados Unidos ampliaram a capacidade e a qualidade da produção fonográfica nacional.

O processo, no entanto, não ocorreu sem percalços. Tais contratempos quase impediram a existência do álbum Construção, de Chico Buarque, lançado há 50 anos e um marco na carreira do artista.

O ano de 1971 mal havia começado e Roberto Menescal, então diretor artístico da PolyGram, empresa pertencente a Phillips, recebeu uma missão: viabilizar a feitura de Construção, primeiro álbum de Chico no retorno ao Brasil após quatorze meses de autoexílio na Itália em meio à ditadura militar brasileira. A intenção era fazer um disco que, para além do sucesso entre os críticos musicais e admiradores da MPB, pudesse também alcançar êxito nas vendas.

"Nós não entendíamos como um artista do calibre do Chico vendia 30, 40 mil LPs. A gente queria mudar isso rapidamente", disse Menescal à BBC News Brasil.

Por isso, quando o maestro Rogério Duprat, um dos personagens centrais do movimento tropicalista ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e Torquato Neto, solicitou a Menescal que reunisse uma orquestra com cerca de 60 músicos, o diretor artístico viabilizou o pedido sem objeções.

Figura de relevo na Bossa Nova, que havia sacudido o cenário musical brasileiro na década anterior, ele havia deixado os palcos para se dedicar aos bastidores a convite de André Midani (1932-2019), então diretor da gravadora.

No estúdio, Menescal se deparou com uma mesa de quatro canais, novidade na época.

"Fui misturando e descobrindo a melhor maneira de fazer junto da equipe que me acompanhava", relembra.

A gravação ocorreu sem grandes problemas. Na mixagem, quando são reunidos os áudios captados pelos diferentes canais — a orquestra, a voz de Chico, os instrumentos —, um erro quase colocou tudo a perder.

"Nessa de apertar botão desconhecido, um auxiliar de estúdio deletou toda a gravação da orquestra do Duprat. Eu não sabia o que fazer. Por um momento achei que o disco não fosse sair", conta Menescal.

O diretor artístico, então, mapeou as possibilidades. Não havia chance de recuperação do áudio excluído.

"Precisava gravar com a orquestra outra vez, mas não tínhamos verba suficiente para chamar os músicos novamente. O Midani não ia permitir", conta.

Depois de muito pensar, veio a solução.

"Fiz uma lista de discos que estavam sob minha responsabilidade. Tinha Elis Regina e outros. Tirei um pouco da verba destinada a esses trabalhos e chamei a orquestra de novo para regravar tudo. No fim, deu certo. Nem o Chico sabe dessa história", completa.

De fato, deu certo. Construção alcançou sucesso instantâneo. Mais de 140 mil cópias foram vendidas nas primeiras quatro semanas após o lançamento. Para atender tal demanda, a Phillips precisou contratar duas gravadoras concorrentes para ajudar na prensagem do álbum.

Chico passou a disputar as paradas de sucesso com Roberto Carlos, imbatível naquele período.

"Esse foi o trabalho que transformou Chico em um grande vendedor de discos, algo que se repetiu em outras obras, como Meus Caros Amigos (1978). Não que ele faça algo com esse intuito comercial. Mas a partir daí tudo mudou", ressalta Menescal.

O álbum da maturidade

Construção é descrito por estudiosos e parceiros musicais de Chico como uma das obras mais importantes de sua carreira. Entram nessa análise o contexto político no qual o álbum foi concebido e as composições apresentadas pelo artista. A verve criadora do jovem que ainda não havia sequer completado 27 anos anuncia novos caminhos, menos lírica e mais preocupada com a realidade do país.

Além de Duprat, os arranjos também foram feitos sob a direção musical de Magro (1943-2012), um dos fundadores do MPB4, cuja formação original (Miltinho, Magro, Aquiles e Ruy Faria) acompanhou Chico em gravações de discos e shows no Brasil entre 1966-1974. Nesse período, alguns chamavam o grupo de MPB5, tamanha a simbiose entre eles.

Participam também de Construção o maestro Tom Jobim e Vinícius de Moraes, em um momento de afirmação nas parcerias musicais entre o jovem compositor e os expoentes da Bossa Nova.

Em uma entrevista a Geraldo Leite em 1989, Chico explicou as condições para a elaboração da obra.

"Construção teve uma criação que esteve condicionada ao país em que eu vivi. Existe alguma coisa de abafado, pode ser chamado de protesto, e eu nem acho que eu faça música de protesto....mas existem músicas que se referem imediatamente à realidade que eu estava vivendo, à realidade política do país. Até o disco da samambaia (Chico Buarque, 1978), que já é o disco que respira, o disco onde as músicas censuradas aparecem de novo. Enfim, a luta contra a censura, pela liberdade de expressão, está muito presente nesses cinco discos dos anos 70."

'Construção' foi primeiro álbum de Chico no retorno ao Brasil, após quatorze meses de autoexílio na Itália em meio à ditadura militar brasileira (crédito foto: arquivo Estadão Conteúdo)

Construção é subsequente a Chico Buarque de Hollanda - Nº4, feito em uma ponte aérea Brasil-Itália, lançado em 1970 e cujo resultado final não agradou Chico.

O LP foi produzido por imposição contratual, já que o compositor havia recebido um adiantamento da Polygram para se manter na Itália em um momento de penúria.

"Tinha que gravar as músicas para pagar o dinheiro que eu tinha pedido emprestado. É um disco feito por necessidade. Eu precisei passar por isso para chegar a Construção, que já é um disco mais maduro como compositor, como homem e ser humano", disse na mesma entrevista.

Na volta ao Brasil, Chico lançou um compacto simples com duas músicas: Apesar de Você e Desalento. O compacto foi liberado pela censura e fez enorme sucesso, até que a ditadura militar (1964-1985) entendeu o recado disfarçado em uma suposta briga conjugal e decidiu proibir a veiculação da primeira música, que só seria liberada no fim da década de 1970. Desalento, por sua vez, foi liberada e integrou Construção sem problemas.

Outras canções que estão em Construção enfrentaram problemas com a censura. No sistema de informação do Arquivo Nacional, que armazena documentos do regime militar no Brasil, é possível encontrar os vetos para algumas canções. Em Cordão, a censura identificou um "protesto contra a ordem vigente" e alegou que o verso "Nas grades do coração" tinha "sentido dúbio". Chico substituiu o verso por "As portas do coração".

'Deus lhe Pague' foi iniciada e depois liberada sem modificações (Crédito: Acervo Instituto Antonio Carlos Jobim)

Deus lhe Pague, uma crítica ao controle dos militares e à opressão sofrida no país, foi vetada por "parecer um 'recado' com duplicidade de sentido, que tanto pode ser dirigido a alguém ou algo abstrato". Posteriormente, a música foi liberada sem modificações.

"O advogado da Phillips (João Carlos Muller Chaves) vivia em Brasília. Eu mesmo fui falar com os censores para que as músicas fossem liberadas. Era um troço complicado", lembra Menescal.

Veto inicial de 'Deus lhe pague' avaliou letra como parecendo "um 'recado' com duplicidade de sentido, que tanto pode ser dirigido a alguém ou algo abstrato". (Crédito: Arquivo Nacional).

Cotidiano, outro clássico desse LP, tem a rotina conjugal marcada pelos rituais envolvendo a boca - "E me beija com a boca de hortelã(...)/e me beija com a boca de café(...)/e me calo com a boca de feijão". Em Valsinha, Chico convenceu Vinícius de Moraes a abandonar o nome "valsa hippie", filosofia libertária que começava a perder força naquele momento. A troca de cartas entre os dois mostra que Chico, ainda que muito mais jovem, fez alterações significativas na letra do poeta.

"Vou escrever a letra como me parece melhor. Veja aí e, se for o caso, enfie-a no ralo da banheira ou noutro buraco que você tiver à mão", escreveu Chico.

Samba de Orly foi feita com Toquinho e Vinícius. Apesar de incluído na tríade, os versos de Vinícius, adicionados quando a letra já estava praticamente pronta, foram censurados. "Pela omissão" deu lugar a "Pela duração". "Um tanto forçada" foi substituída por "Dessa temporada".

"Vinícius teve a letra tesourada, mas ganhou a parceria eterna", disse à BBC Brasil Wagner Homem, autor do livro História das Canções, sobre a obra de Chico.

Em 'Cordão', Chico substituiu verso 'Nas grades do coração' por 'As portas do coração' após censura (Crédito: Arquivo Nacional).

Outra curiosidade é que Toquinho entregou a música a Chico quando estava voltando da Itália, em fins de 1969. Mas o aeroporto de Fiumicino, em Roma, era desconhecido dos brasileiros, diferente de Orly, na capital francesa, povoada por exilados brasileiros.

Fecham o disco Olha Maria, com o piano marcante de Tom Jobim e parceria com Vinicius, Minha História (versão da música italiana Gesù Bambino) e Acalanto, feita para a filha Helena Buarque.

"Nós éramos muito jovens, não havia muita responsabilidade. Mas o Chico já sabia o que fazer, o que dizer e esse álbum é prova disso. É genial e inesquecível, tanto que estamos aqui falando dele", disse Miltinho, do MPB4, à BBC News Brasil.

As vozes do conjunto aparecem nas músicas Deus lhe Pague, Desalento, Construção, Samba de Orly e Minha História.

Esteticamente, a foto de capa também já foi fruto de análise. Nela, Chico aparece com uma expressão séria, como se quisesse mostrar feição distante do jovem de A Banda. Autor da imagem, o fotógrafo Carlos Leonam afirma que o retrato foi feito sem essa intenção.

"Adoram conjecturar sobre tudo que envolve o Chico. Fiz essa foto enquanto jogávamos futebol de botão em seu apartamento na Lagoa (Rodrigo de Freitas): eu, ele, o (ator) Hugo Carvana... Eu andava com uma câmera e fazia retratos sem compromisso. Quando a Polygram me pediu para fazer uma foto do Chico, mostrei algumas opções. Menescal e Aldo Luiz gostaram dessa. Mas não tinha nenhuma mensagem subliminar", disse o fotógrafo à BBC News Brasil.

Aldo Luiz foi responsável pelo design gráfico do LP. Ele conta que estava desempregado no início de 1971 e que Construção foi o seu primeiro trabalho na Polygram.

"O Chico é muito simples e tentei reproduzir isso. De alguma maneira, a ditadura também nos impelia algo mais sóbrio, por isso aquele tom acinzentado no fundo do retrato e o marrom como cor preponderante. A verdade é que eu acabei pegando carona em um álbum fundamental para a nossa música", conta Aldo à BBC News Brasil.

Nos anos seguintes, ele assinou outras capas icônicas, como Krig-ha, Bandolo (Raul Seixas), A Tábua de Esmeralda (Jorge Ben) e Cinema Transcendental (Caetano Veloso).

O 'jabá' por 'Construção' nas rádios

Construção foi liberada sem qualquer restrição da censura. Wagner Homem conta que o advogado da Philips pediu para que a música fosse vetada como forma de provocação. A estratégia deu certo e a canção passou sem problemas, para a surpresa de todos.

A música, apontada pela revista Rolling Stone como a melhor já feita no país em uma eleição de 2009, após análise de comissão com 92 pessoas, entre críticos, pesquisadores e produtores, é composta de versos dodecassílabos e terminados em proparoxítonas.

O roteiro é conhecido: o operário, sujeito-máquina, nos momentos que antecedem sua morte trágica. Como pano de fundo, a canção aborda o suposto milagre econômico brasileiro do período, os edifícios que eram erguidos desenfreadamente pelas cidades do país. Chico faz um amálgama desses elementos para construir uma narrativa densa e crítica, em forma de canção, sem parâmetros no cancioneiro nacional.

Em uma entrevista publicada em 1973 na revista Status, Chico explica como se deu a elaboração da música.

"Em Construção, a emoção estava no jogo de palavras. Agora, se você coloca um ser humano dentro de um jogo de palavras, como se fosse um tijolo, acaba mexendo com a emoção das pessoas. Mas há diferença entre fazer a coisa com intenção ou — no meu caso — fazer sem a preocupação do significado", disse.

Ele prossegue.

"Se eu vivesse numa torre de marfim, isolado, talvez saísse um jogo de palavras com algo etéreo no meio, a Patagônia, talvez, que não tem nada a ver com nada. Em resumo, eu não colocaria na letra um ser humano. Mas eu não vivo isolado. Gosto de entrar no botequim, jogar sinuca, ouvir conversa de rua, ir ao futebol. Tudo entra na cabeça em tumulto e sai em silêncio. Porém, resultado de uma vivência não solitária, que contrabalança o jogo mental e garante o pé no chão. A vivência dá a carga oposta à solidão, e vem da solidariedade — é o conteúdo social."

A canção de quase sete minutos fez enorme sucesso, inclusive no rádio.

"Era algo inédito, porque as rádios só tocavam músicas de até três minutos, algo que se mantém até hoje. As pessoas queriam cortar um pedaço e eu precisava explicar que aquilo não era possível", conta Menescal.

Guilherme Henrique, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 20.03,2021

Gaudêncio Torquato: Porandubas Políticas

Como os leitores sabem, abro a coluna com uma historinha engraçada e pitoresca, antes de fazer a leitura da política, do clima social e das circunstâncias. Um aperitivo.

Vi, segunda-feira, a entrevista do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que tinha ao lado o assessor Airton Soligo, mais conhecido como Cascavel. Paranaense de Capanema/PR, em 1985 estabeleceu-se em Roraima, em virtude da expansão das linhas de ônibus da empresa paranaense União Cascavel de Transporte e Turismo (Eucatur), na qual trabalhava como assessor da direção. Conheci Cascavel em Boa Vista/Roraima, onde coordenei o marketing de quatro campanhas eleitorais. Cascavel foi eleito vice-governador na chapa de Neudo Campos. Foi também prefeito de Mucajaí e presidiu a Assembleia Legislativa.

Agora, a historinha relembrada por um jornalista amigo.

Povo de Roraima

Comício no bairro popular, zona do meretrício. Chegara a vez de Cascavel dar seu recado.

- Povo de 13 de setembro.

Olhou para o lado, olhou para o outro, encarou a multidão e tascou:

- Meu povo de 13 de setembro.

- Heróis de 13 de setembro.

Não satisfeito, continuou:

- Meu povão de 13 de setembro.

Parou. Faltava verbo. Na fila da frente do palanque, um bebum gritou:

- Desembucha, Cascavel. Que danado de cobra você é. Foi você que pegou minha 86?

Cascavel não perdeu a deixa:

-Tá aí esse filho de uma égua que prova o próprio veneno. Vá se lascar, desgraçado.

O fato é que a cachaça 86 era considerada a pior cachaça do mundo. Hoje, Cascavel é um próspero empresário do norte do país. Assessorava o então ministro Pazuello, a quem ajudou na tarefa de administrar a imigração de venezuelanos em RR. É simpático e tem veia política.

A vida política

A vida de um governo é uma gangorra. Vai ao alto e desce. Chega ao pico da montanha e ao fundo do poço. Lá e cá. Os ciclos obedecem ao espírito do tempo. Em início de gestão, os governantes estão no alto. Vivem a ressaca da vitória, as placas tectônicas da política vão se acomodando com a composição de ministérios e autarquias, o cobertor social é estendido para acolher as margens sociais e a locomotiva do governo - a economia - ajusta seus eixos. Noutra simbologia, podemos dizer que o carro dá partida. Ou, ainda, é a fase do lançamento do governo, quando todos os olhos se voltam para o protagonista principal do jogo.

As visões se clareando

Geraldo Vandré compôs Disparada, sua mais famosa música, que diz: "E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando, as visões se clareando, até que um dia acordei". Pois bem, ao completar um ano de administração, as visões começam a se clarear. E o eleitor a acordar. O carro está na segunda marcha, esperando a terceira, mas já dá para perceber como o motorista dirige, seu jeito, a maneira como pega a direção e avança na estrada. Percebe-se a identidade do governo. Identidade significa a coluna vertebral, o estilo, a substância governativa - programas, ações, fraseado, como se comporta ante elogios e críticas. É a etapa de crescimento.

A terceira marcha

O carro roda e ronca, pedindo mais velocidade. Terceira marcha, que permite saber a real performance do automóvel. Bom de subida, estável em descida e em curvas, respondendo bem ao que dele se espera. Essa fase abre oportunidade para que os consumidores, conhecendo as condições do carro, possam ou não comprá-lo ou recomendá-lo a um amigo. O carro ganha a chance de ser bem ou mal avaliado. Estamos no ciclo da maturidade. A opinião pública forma a imagem do governo, a percepção cognitiva do eleitorado. Imagem, portanto, é projeção da identidade, desenvolvida pela bateria de comunicação.

O clímax

A última fase é a do clímax, quando o carro, em quarta ou quinta marcha (se tiver), chega ao ápice da montanha, demonstrando todo o seu potencial e avançando terreno de maneira rápida e segura. Paremos, aqui, e puxemos essas fases para o governo Bolsonaro.

O lançamento

O governo saiu-se bem no lançamento, na esteira de amplo apoio social, depois de vencer uma guerra contra o PT, seu adversário, e em atendimento a uma poderosa visão crítica da sociedade, saturada com o lema "nós e eles". Esse fraseado foi martelado durante muito tempo, em clara divisão do Brasil em duas alas, a dos mocinhos e a dos bandidos. Ante os estrondosos escândalos que arrebentaram com a imagem do petismo-lulismo e que desbocaram na operação Lava Jato, o "nós e eles" perdeu sentido, até porque as tão combatidas elites, execradas por Lula e o PT, acabaram inseridas nos dutos da corrupção. Juntas com o PT.

O crescimento

O governo Bolsonaro, eleito com o apoio de milhões de brasileiros, de todas as classes, prometia renovação da política. Não fez e não faz isso. A decepção passou a forjar o espírito nacional. O presidente, confiante no antipetismo que se alastrou pelo território, passou a fazer um governo com as mesmas ferramentas que lapidaram os governos petistas, instalando um "eles e nós", eles, os bandidos, nós, os mocinhos. E passou a jogar no prato de suas bases simpatizantes o caldo apimentado de ódio, da vingança e da ferocidade. A identidade - conservadora nos costumes, dúbia no liberalismo, franciscana na política ("é dando que se recebe") - plasmou uma imagem desgastada, tosca, plena de versões e desmentidos.

A pandemia

Para coroar esse leque de situações desencontradas, apareceu a Covid-19, com seu poder mortífero, porém, desacreditada pelo presidente e seus ministros, abrindo a maior crise sanitária vivida pelo país em toda a sua história. A má gestão do governo na pandemia disparou gigantesca teia de críticas, deixando perplexa a comunidade internacional. A indecisão e a má vontade para a aquisição de vacinas se mostraram por meio de uma embalagem ideológica, como se vacina tivesse ideologia, religião, cor. O país está doente, sai mais um ministro da Saúde, a vacinação é lenta e o governo, mesmo a contragosto, teve de encarar a realidade, topando comprar vacinas antes rejeitadas e a apertar, repito, mesmo a contragosto, as mãos da ciência. Mudança de ministro sem mudança de comportamento de Bolsonaro é o mesmo que trocar seis por meia dúzia.

E agora, José?

Estamos, ainda, na fase três. A quarta marcha só será usada em 2022. Temos, agora, uma triste paisagem dos corpos político, econômico e social. Na política, fez-se um arranjo com o Centrão. Na economia, as interrogações aumentam: o bolso do consumidor continuará a esvaziar? A inflação sobe. Os preços dos alimentos, idem. Paulo Guedes engole sapos. O programa de privatizações emperra. Brasil é visto com desconfiança pelo mercado internacional. O pacote social será apertado ou suficiente? E agora, José? O Produto Nacional Bruto da Felicidade baixa, continuará na mesma ou sobe?

Saúde

O Ministério da Saúde é o calcanhar-de-Aquiles do governo. O general da área de logística que sai não mostrou competência para gerir a bagunça que toma conta da saúde no país. O general deveria ter pedido o boné bem antes. O que dizem seus companheiros? A médica Ludhmila Abrahão Hajjar, convidada, declinou do convite. Foi ameaçada de morte. Um grupo de ódio teria ameaçado, até, invadir o hotel onde se hospedou em Brasília. Milícias? De onde vêm ameaças desse tipo? Ao que se infere, o novo ministro Marcelo Queiroga, respeitado, já deu o aviso: governo define a política e Ministério da Saúde executa. Péssimo começo. A lógica recomenda que a Pasta especializada em saúde deve definir a política sobre saúde.

Alternativa

Os governadores e os líderes do Congresso podem avocar a gestão do combate à epidemia e constituir um grupo de comando. Chegou-se ao limite. Sob essa tempestade, aparece Lula como a bonança. Após seus processos terem sido anulados na vara de Curitiba pelo ministro Edson Fachin fez um grande discurso moderado e se posicionando como a virtude para esses tempos nebulosos. Lula prega uma frente ampla. Na visão deste analista, não será candidato, mas protagonista de proa na batalha eleitoral de 2022.

Mais fogo

A quebra de sigilos bancário e fiscal de pessoas e empresas ligadas ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) revela indícios de que o esquema da rachadinha também ocorria nos gabinetes do pai, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quando este era deputado Federal, e do irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). A Ordem no Planalto é tratar rachadinhas como assunto "de fora do governo. O tema continua na mídia.

O custo da descontinuidade

Fecho a coluna com um alerta sobre o custo da descontinuidade administrativa. No Brasil, o custo atinge bilhões e bilhões de reais. Os sucessores na administração pública costumam apagar as ideias, mesmo ótimos programas, de seus antecessores. Dou um exemplo: o caso da EMPARN, dirigida no início dos anos 80 pelo prof. Benedito Vasconcelos Mendes. Ali, ele fez extraordinário trabalho de inovação da pesquisa agropecuária no Nordeste. Hoje, o professor Benedito dirige o Museu do Sertão, empreendimento exemplar, em Mossoró/RN.

Importação de animais

Na época, criou o Projeto de Introdução de Animais de Desertos, financiado pela FINEP e EMBRAPA e, na época, o mais arrojado para a ser implantado nos Estados nordestinos. Era proibido importar animais da África em razão de uma endemia, a doença do sono, transmitida pela mosca tsé-tsé. Daí ter se decidido pela compra junto a criadores americanos. O mestre conta: "tivemos de pagar ao Departamento de Agricultura Americano para fazer a quarentena e todas as imunizações necessárias para evitar introduzir novas doenças no Brasil. Foram 60 dias de quarentena nos Estados Unidos. Os 12 Elandes (10 fêmeas e 2 machos) e os 12 Órix-de-cimitarra vieram em avião fretado de Dallas para o aeroporto de Natal. Eu mesmo fui escolher os animais nos EUA, mas toda a transação comercial foi feita pela EMBRAPA".

Adaptação

Os animais foram introduzidos para pesquisa de adaptação, para saber se eles iriam se adaptar as condições edafoclimáticas do semiárido nordestino. Mas as pesquisas foram interrompidas depois que o professor deixou de dirigir a empresa. Tudo foi por água abaixo. Um desmonte. Inveja, despeito, apagar o sucesso da administração. Ora, seria muito útil ao semiárido se soubéssemos como estes animais se comportam nas condições do Nordeste. Curiosidades: o elande consome ramas espinhentas (como a rama da jurema), característica que lhe garantiria sobrevivência por ocasião das secas. Benedito arremata: "a jurema não é caducifólia e sim perenifólia, ou seja, não perde as folhas no segundo semestre do ano, nem durante as secas. Um copo de leite de elande seria suficiente para manter uma criança no que diz respeito à proteína e gordura".

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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quinta-feira, 18 de março de 2021

Raphael Tsavkko Garcia: 'Fascismo gângster' de Bolsonaro precisa ser exposto e combatido

Bolsonaro fazendo arminha - Sem Filtro Laerte - Diomício Gomes/O Popular/Folhapress

No começo da semana, Ludhmila Hajjar, médica cotada para assumir o Ministério da Saúde brasileiro - mas que recusou a oferta - recebeu ameaças de morte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que, ainda, ameaçaram invadir o hotel em que ela se hospedava.

Felipe Neto, um dos principais influenciadores digitais do país, com mais de 41 milhões de inscritos em seu canal do YouTube, e ferrenho opositor do governo, recebeu visita da polícia e intimação para se explicar porque chamou o presidente de "genocida". Bolsonaro por meses negou a gravidade da pandemia, defendeu tratamentos ineficazes e segue se opondo a medidas de restrição de movimentos e ao lockdown.

A isso juntam-se sucessivas ameaças a jornalistas e mesmo agressões a profissionais da imprensa, para não falar do atentado terrorista cometido na sede do canal Porta dos Fundos, reivindicado por um grupo neointegralista, que compõe a base mais radical da extrema-direita brasileira.

São inúmeras as demonstrações ao longo dos últimos meses de que os apoiadores do presidente não apenas são incapazes de receber críticas, como ainda respondem de forma violenta aos críticos, o que representa uma clara ameaça à democracia - para além das declarações do próprio presidente contra o funcionamento do regime democrático brasileiro.

Trata-se de um comportamento de gangues e milícias e que está no cerne do que representa o bolsonarismo, aliado ao culto à morte típico do fascismo.

Ainda existe um grande desconhecimento do fato de que o bolsonarismo não é uma ideologia qualquer, mas um culto de morte. Um culto violento de morte que é capaz de produzir estragos - e está produzindo. O bolsonarismo é uma ameaça à democracia.

E não há nenhuma novidade nisso.

No ano passado, por exemplo, meus dados pessoais haviam sido incluídos em uma lista compilada e divulgada pelo deputado estadual paulista Douglas Garcia (PTB), um bolsonarista disposto a intimidar ativistas contrários ao presidente. Apelidada de "lista antifascista," ela contém 999 páginas e os dados de centenas de militantes e jornalistas. Em alguns casos constam endereço completo, telefone, local de trabalho e fotos de ativistas, enfim, uma clara tentativa de intimidação e com potencial para colocar a vida de centenas de pessoas em risco.

No ano passado, escrevi para o The Intercept sobre os meandros do processo e sobre todo o caminho percorrido pelo deputado para conseguir nossos dados e as ameaças que fez. Garcia é um conhecido líder da extrema-direita paulista, tendo proximidade com o grupo fascista Carecas do ABC e seu maior feito foi o de ter sido expulso do PSL pelo seu envolvimento nos ataques ao STF e no "gabinete do ódio".

Um deputado medíocre cuja presença no Parlamento não serve mais do que para mostrar que tudo pode ser pior quando a despolitização e o ódio tomam conta do debate público. Garcia não decepciona. Não esperávamos nada dele que não fosse apenas a reprodução do ódio que o elegeu. Mas logo veio a reação. Pequena diante do horror que representa o bolsonarismo, mas ainda assim necessária.

Achando-se intocável, o deputado não se preocupou em disfarçar o que fazia. Postou vídeos com imagens borradas da lista, anunciou com alegria que iria entregá-la à embaixada dos EUA. Então vieram os processos. Ainda em agosto do ano passado, ele perdeu o primeiro. 20 mil reais a serem pagos para uma mulher cujo nome constava da lista. E os processos foram se empilhando - assim como as derrotas do deputado.

Até o momento, Garcia já perdeu ao menos outros seis processos. Ou melhor, nesta quinta (18), ele chegou à sétima derrota, pois soube através de minha advogada, Maria Helena Galhani (que assumiu meu processo depois da advogada Beatriz Hernandes Branco ter precisado se retirar), que venci o processo que abri contra ele em junho do ano passado.

Processei o deputado por danos morais e, em 15 de março, saiu a sentença proferida pela juíza Marcela Dias Coelho:

"Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a pagar ao autor R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, corrigidos desde esta data pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação. Nos termos do art. 487, I, CPC, extingo o processo, com resolução de mérito."

A juíza rejeitou o pedido de litigância de má fé - a defesa de Garcia se limitava a reclamar que eu o chamei de fascista e exigia que eu lhe pagasse indenização -, mas acolheu meu pedido por danos morais.

Com certeza, o deputado recorrerá e fará o processo se arrastar indefinidamente, mas o que importa é a certeza de que métodos de intimidação bolsonaristas encontrarão resistência, seja na Justiça, nas ruas ou no Parlamento.

Os bolsonaristas, no entanto, seguem nas ruas.

No último fim de semana, milhares deles protestaram pelo direito de matar. Espalhar covid e passar por cima de qualquer um que se opuser a eles. Ao contrário do que foi muito reproduzido pela imprensa e nas redes sociais, não se trata de "não respeitar a vida," mas de defender a morte. Manifestantes chegaram a, incusive, se aglomerar na frente da casa da mãe do governador do Espírito Santo para intimidá-lo. Não existem limites.

Logo após o protesto pela morte, ameaçaram a médica Ludhmila Hajjar que, em vídeo, havia chamado Bolsonaro de psicopata. E ela estava (e continua a estar) correta. Bolsonaro não é apenas psicopata como um genocida, assim como seguidores que aderem ao seu culto. O youtuber Felipe Neto está sendo intimidado exatamente por, sem meias palavras, dar um passo além do da Dra. Hajjar e chamar o presidente pelo que realmente é.

Mas, é bom lembrar, os milhares de mortos pela pandemia não são obra apenas de Bolsonaro, mas de apoiadores que difundem a sua pseudociência e do Congresso, cúmplice do presidente.

O objetivo de Bolsonaro é o de destruir a democracia brasileira e as Forças Armadas estão ao seu lado. Não faltam declarações antidemocráticas dele e de seus apoiadores, mas as instituições fingem que nada está acontecendo. E não só declarações, os ministérios estão coalhados de militares e de gente que assumiu cargos para destruir - direitos humanos, meio ambiente, educação, relações exteriores etc.

Além do completo desrespeito pela vida promovido por Bolsonaro e seus seguidores, temos ainda o tratamento dado, sem disfarce, às populações indígenas. Não há pílulas a serem douradas - trata-se de tentativa clara de genocídio, de eliminação de populações inteiras, seja pelo apoio dado à mineração clandestina, seja pela desmobilização de órgãos responsáveis por garantir a saúde e a vida dessas populações, seja pela ajuda que dá ao espalhamento da pandemia entre essas populações que são muito mais vulneráveis.

A imprensa tem sua responsabilidade nesse processo. É inaceitável que sejam veiculadas propagandas em defesa de "tratamento precoce", que não se dediquem a apontar como claramente mentira as declarações de Bolsonaro, do ex-ministro Pazuello e outros membros do governo. Meramente reportar, de forma neutra, é ser, como o Congresso, cúmplice dos crimes do presidente. Não existe neutralidade diante da barbárie.

Raphael Tsavkko Garcia é jornalista e doutor em direitos humanos pela Universidade de Deusto. Contribuiu para veículos como Foreign Policy, Undark, The Washington Post, Deutsche Welle, entre outros. Este artigo foi publicado originalmente pelo UOL / Universo Online, em 18.03.2021, às 16h43.

Ruth de Aquino: A cartilha de um genocida

Manifestantes chamavam Bolsonaro de "genocida" quando o luto ainda era por 100 mil brasileiros. Agora, vamos nos aproximar dos 300 mil. | Foto: Filipe Araújo

Chamar Bolsonaro de genocida parece provocação. Genocídio é o extermínio deliberado de uma coletividade indefesa, por diferenças étnicas, nacionais, religiosas ou sociopolíticas. O massacre de milhões de judeus por Hitler cunhou a expressão. Esse crime contra a Humanidade é julgado em tribunais internacionais, com pena de até 30 anos de prisão. Não prescreve. Raramente os crimes de gestão pública chegam a Haia, na Holanda.

Por que então esse aprendiz de ditador que bajula as Forças Armadas, ameaça outros poderes, despreza minorias e persegue a imprensa é acusado de genocida? Em julho de 2020, quando os mortos por Covid eram 85 mil no Brasil, já havia em Haia três denúncias contra Bolsonaro por incitar mortes, asfixiar indígenas e propagar o vírus. No Supremo Tribunal Federal, há na pauta uma notícia-crime de genocídio. Um líder pode construir ou destruir consciência cívica. No início da pandemia, a população era mais comedida. Depois, imitou os negacionistas.

Como Bolsonaro boicotou as vacinas e nos aproximamos de 300 mil mortos, sua rejeição aumentou. Não importa quem é o ministro da Saúde (aliás, não importa quem é ministro de pasta nenhuma). É Bolsonaro quem manda. As pesquisas mostram. É Bolsonaro o culpado. É Bolsonaro o incapaz de governar. É Bolsonaro o autor do colapso do Brasil. 

Fiz uma cartilha com sete fatos. Um bê-a-bá de como se tornar ou se reconhecer um potencial genocida. Não listei características pessoais. A frieza, por exemplo. Só um genocida não se emociona com a morte de milhares de pessoas – especialmente idosos, vulneráveis, ou não produtivos. Que tomem tubaína. O deboche diante do luto nacional pode ser traço de um genocida. As ações são ainda mais gritantes e perniciosas. Aí vão elas:

1 – Negar a pandemia. É uma gripezinha. Nada vai acontecer se você tiver histórico de atleta. Todos vamos morrer um dia. Não podemos ser maricas e ficar em casa. Isolamento social não adianta nada. 

2 – Não usar máscara e promover aglomerações em bares, ruas, praias, contrariando os especialistas. Propagar o vírus. Apertar a mão, abraçar, beijar, tirar selfie, repreender ministros com máscara, vetar máscaras em presídios.

3 – Demitir um médico, Mandetta, como ministro da Saúde, por suas entrevistas diárias, explicando à luz da Ciência como reduzir contágio e mortes. Emparedar outro ministro da Saúde, também médico, por condenar a cloroquina. Gastar R$ 90 milhões em remédios ineficazes e fazer propaganda, tentar impor aos médicos. Efetivar na Saúde um general boneco de ventríloquo e incompetente. 

4 – Sabotar divulgação de mortos e contaminados, optando por revelar apenas quem se curou. A censura foi contornada com o consórcio inédito de jornais e TV Globo. 

5 – Criar conflitos com o Supremo e a Câmara, incitando extremistas de direita a atacar essas instituições, nas redes sociais e fisicamente. Ameaçar ruptura institucional. Só mudar de atitude depois que a família começou a ser investigada por corrupção, rachadinhas e ligação com milícias. Trocar cargos e verbas por apoio no Congresso.

6 – Rachar com governadores e prefeitos, relegando a eles a condução da pandemia. Inventar que o Supremo Tribunal Federal tirou sua autonomia como presidente. Estrangular estados com a falta de liderança federal e de cilindros de oxigênio. Chantagear quem impõe lockdown ou restrições de circulação. 

7 – Boicotar as vacinas. Rejeitar a Coronavac, por ser chinesa e “do Doria”. Recusar vacinação obrigatória. Desencorajar. Não se vacinar. Não comprar milhões de doses da Pfizer que estariam aqui em dezembro. Proibir negociações com os laboratórios. Barganhar o preço até obrigar estados a suspender a vacinação. Solapar o SUS, a Fiocruz, o Butantan e todos os que poderiam já estar produzindo e imunizando em massa. Talvez estejam no seu colo 100 mil cadáveres. 

Como você chamaria quem age assim? 

Ruth de Aquino nasceu no Rio de Janeiro. Jornalista desde 1974. Mestrado em Londres sobre Ética na imprensa. Foi repórter, editora, diretora de redação, correspondente em Londres e Paris. Escreve sobre o ser humano e suas contradições. E-mail: ruth.aquino@oglobo.com.br. Artigo publicado originalmente n'Globo on line, em 18.03.2021.

André Brandão renuncia ao cargo de presidente do Banco do Brasil

Brandão assumiu o banco em setembro de 2020, por indicação do Ministério da Economia. Em janeiro de 2021, instituição anunciou fechamento de agências e programa de demissão voluntária, o que desagradou o presidente Jair Bolsonaro.

O presidente do Banco do Brasil, André Brandão, pediu renúncia do cargo. A informação foi divulgada por meio de fato relevante publicado pelo banco nesta quinta-feira (18).

No comunicado, assinado pelo vice-presidente de Gestão Financeira e Relações com Investidores, Carlos José da Costa, o banco afirma que a renúncia foi apresentada ao presidente Jair Bolsonaro, ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao presidente do Conselho de Administração do Banco, Hélio Lima.

André Brandão, presidente do Banco do Brasil, fala durante a 38ª Reunião do Conselho de Governo, em Brasília, em outubro de 2020 — Foto: Alan Santos/PR

"O Banco do Brasil (BB) comunica que o Sr. André Guilherme Brandão entregou, nesta data, ao Exmo. Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, ao Exmo. Ministro da Economia, Paulo Roberto Nunes Guedes, e ao Ilmo. Presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil, Hélio Lima Magalhães pedido de renúncia ao cargo de presidente do BB, com efeitos a partir de 01 de abril de 2021", afirmou o banco no fato relevante.

Brandão assumiu o Banco do Brasil em agosto de 2020. Ele foi indicado pelo Ministério da Economia e sempre contou com a simpatia de Guedes.

De acordo com o blog da Andreia Sadi, Bolsonaro demonstrou, em janeiro de 2021, não estar satisfeito com Brandão. O presidente da República não gostou de anúncio do Banco do Brasil de fechar agências pelo país e abrir dois Programas de Demissão Voluntária. Desde então, a saída de Brandão do banco passou a ser vista como uma possibilidade concreta.

Perfil

Brandão ingressou no Grupo HSBC no final de 1999, na área de renda fixa, vendas e câmbio. Em 2001, assumiu o cargo de diretor de tesouraria, e posteriormente, foi promovido a diretor-executivo de tesouraria.

Ele também atuou como diretor da área de mercado do banco para toda a América Latina, antes de chegar à presidência, em 2012.

Brandão tem mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro. Além do HSBC, já trabalhou também no Citibank, entre São Paulo e Nova York.

Veja a íntegra do fato relevante divulgado pelo Banco do Brasil:

FATO RELEVANTE

Em conformidade com o § 4º do art. 157 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e com a Instrução CVM nº 358, de 03 de janeiro de 2002, o Banco do Brasil (BB) comunica que o Sr. André Guilherme Brandão entregou, nesta data, ao Exmo. Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, ao Exmo. Ministro da Economia, Paulo Roberto Nunes Guedes, e ao Ilmo. Presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil, Hélio Lima Magalhães pedido de renúncia ao cargo de presidente do BB, com efeitos a partir de 01 de abril de 2021.

2. Sendo aceita a renúncia pelo Presidente da República, a indicação do novo presidente do BB deverá acontecer na forma do artigo 24, inciso I do Estatuto Social do BB.

3. Fatos adicionais, julgados relevantes, serão prontamente divulgados ao mercado.

Brasília (DF), 18 de março de 2021.

Carlos José da Costa André

Vice-Presidente Gestão Financeira e Relações com Investidores

Por G1 — Brasília. em 18/03/2021 18h10  

Brasil registra 2.724 mortes por covid em 24 horas e média móvel bate novo recorde

Volume de novos casos da doença voltou a crescer no país

O Brasil registrou nesta quinta-feira (18/3) 2.724 mortes por covid-19, segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). No mesmo período, foram contabilizados 86.982 novos casos.

Esses números devem ser ainda maior, pois o Conass não incluiu nesta quinta os dados do Estado do Rio Grande do Norte, "por problemas técnicos no acesso às bases de dasos".

Desde o início da crise sanitária no Brasil, foram registradas 287.499 mortes por covid-19 e 11.780.820 casos.

A média móvel dos últimos sete dias também chegou ao nível recorde desde o início da pandemia de 2.087 mortes e 71.872 casos novos.

O Estado com maior número de vítimas fatais é São Paulo (66.178), onde diversos hospitais públicos e privados relatam superlotação, seguido de Rio de Janeiro (34.695) e Minas Gerais (21.303).

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país com mais mortes pela doença em todo o mundo. Ele está atrás apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 537 mil óbitos por covid-19, conforme registro da Universidade Johns Hopkins.

E, com o novo pico de contágio, o Brasil superou a Índia (11,4 milhões) no número de casos, ficando atrás apenas dos EUA (29,5 milhões).

BBC News Brasil, em 18.03.2021

Centrão usa crise na saúde e rejeição a Bolsonaro para elevar seu preço e pedir cinco ministérios ao Planalto

Grupo tem processo de impeachment e uma CPI como instrumentos de pressão. Presidente tem sua gestão na pandemia reprovada por 54% das pessoas

O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia em Brasília no dia 10. (Crédito da foto|: Ueslei Marcelino / Reuters)

A dramática crise da saúde aliada ao aumento da impopularidade do presidente Jair Bolsonaro tem assanhado a fome do Centrão por novos ministérios. Nesta quarta-feira, pesquisa Datafolha mostrou que 40% dos entrevistados acreditam que ele faz um Governo ruim ou péssimo, sua gestão da pandemia de covid-19 é reprovada por 54% das pessoas e 56% acreditam que ele não tem condições de liderar o país. Antes mesmo de ter esses números em mãos, mas calculando também o impacto da reentrada em cena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o grupo fisiológico de legendas de centro-direita já tinha aumentado o seu preço pelo apoio ao Planalto. Agora, quer a indicação para ao menos cinco pastas: Casa Civil, Secretaria de Governo, Minas e Energia, Relações Exteriores e Educação. É um avanço claro sob dois campos que são os alicerces do bolsonarismo, o militar e o ideológico. Os três primeiros ministérios são comandados por membros das Forças Armadas. Os outros dois tiveram indicações de sua base ideológica.

É uma aposta alta. Os cargos dos ministros-generais Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Governo) dificilmente serão trocados. Mas o grupo aposta na velha negociação política, pede mais do que tem chances de ganhar para depois dizer que abriu mão de algo. Além disso, os parlamentares do Centrão querem aproveitar a chegada do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para indicar substitutos para funções estratégicas de segundo e terceiro escalões que hoje são ocupadas por militares na pasta. Há ao menos 15 cargos em comissão que os deputados negociam. As informações são de três lideranças do Centrão entrevistadas pelo EL PAÍS entre terça e quarta-feira.

A gota d’água para os membros da base parlamentar de Bolsonaro foi a não nomeação da médica Ludmilla Hajjar para a Saúde. Eles entendiam que a posse dela no cargo era uma sinalização de mudança de fato no ministério. E não uma só de nome, como ocorreu com a chegada do médico Marcelo Queiroga em substituição ao general Eduardo Pazuello, com o discurso de continuidade dos trabalhos.

No Centrão, o principal padrinho de Hajjar era o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o mesmo político que viu o Planalto prometer quatro ministérios para ajudar em sua eleição em fevereiro passado. Apenas uma pasta foi entregue, a da Cidadania para o deputado João Roma (Republicanos-BA), o que na atual situação aumentou o interesse do grupo por cargos. O ministro Fábio Faria (PSD-RN) também é outro membro do Centrão no Governo Bolsonaro, mas a sua indicação teve mais caráter pessoal do que um apadrinhamento de seu partido.

Dois instrumentos de pressão devem ser usados pelos parlamentares na tentativa de ampliar os seus tentáculos na gestão: o início de um processo de impeachment contra Bolsonaro e a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a gestão da pandemia de coronavírus. O primeiro caso depende principalmente de Lira. Até o mês passado, ele sempre negava que acataria um dos 60 pedidos de impeachment contra o presidente.

Uma tímida mudança de postura de Lira ocorreu na segunda-feira, quando já se sabia que Hajjar não seria ministra. Ao invés de negar que abriria um processo de impeachment, ele afirmou que não teve tempo para analisar os processos. Lira ocupa o cargo desde 2 de fevereiro. “Não tive ainda tempo. Tempo que o presidente anterior [Rodrigo Maia] teve. Ele teve quase cinco anos de mandato, recebeu 60 pedidos e não achou nenhum tipo de motivação maior para seguir em frente.” A afirmação foi feita em debate promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico.

O que pesa contra uma destituição presidencial é o tempo, o calendário eleitoral e a ausência de sessões presenciais no Congresso por causa da pandemia de covid-19, que impede aglomerações, principalmente em ambientes fechados. No caso de Dilma Rousseff (PT), foram quase nove meses entre o momento em que o processo foi aceito por Eduardo Cunha (MDB-RJ) e quando o Senado votou pelo seu impeachment. E em 2022 os próprios deputados e senadores estarão empenhados nas campanhas eleitorais em que vários deles concorrerão à reeleição.

Já no Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem relativa proximidade com Lira, tem se equilibrado entre rejeitar a abertura da CPI da Covid e aceitá-la. O documento pedindo a abertura do trabalho já foi assinado por 31 senadores, quatro a mais que o mínimo necessário. Antes, Pacheco dizia que seria contraproducente iniciar essa investigação neste momento. Agora, não a descarta. “Decidiremos sobre uma CPI em um momento oportuno, tão logo possamos esgotar as medidas mais urgentes: auxílio emergencial, leito de UTIs credenciados e vacinação em maior escala para a população brasileira”, afirmou no mesmo debate do qual participou o presidente da Câmara.

Os próximos passos do grupo devem ser dados nas próximas semanas, quando começarem a aparecer os resultados das primeiras ações do novo ministro Queiroga. Uma sinalização de que o pavio está curto pode ser resumida na manifestação do deputado Marcelo Ramos (PL-AM) em sua conta no Twitter. “A situação do país não permite que ministro da Saúde tenha tempo pra aprender a ser ministro. As respostas terão que ser rápidas e efetivas. Passar mensagens claras de compromisso com as políticas de prevenção e acelerar o processo de vacinação devem ser ações imediatas.” Ramos é o primeiro vice-presidente da Câmara. Tem sido uma espécie de porta-voz de seu grupo em assuntos espinhosos.

AFONSO BENITES para o EL PAÍS, em Brasília - 17 MAR 2021 - 20:26

Senador Major Olimpio tem morte cerebral após complicações da covid-19

Parlamentar filiado ao PSL estava internado desde o dia 5, três dias após receber o diagnóstico por covid-19

O senador Major Olimpio (PSL-SP), de 58 anos, teve morte cerebral declarada nesta quinta-feira, 18, após complicações da covid-19. Ele estava internado há 16 dias, e na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) há 13. Foi da cama do hospital que ele participara pela última vez de uma sessão do Senado, ao votar a favor da proposta de Emenda à Constituição que reinstituiu o pagamento do auxílio emergencial.

Eleito senador pelo PSL em 2018, com quase 9 milhões de votos (8,8 milhões), a quinta maior votação para o cargo da história, o político romperia em 2019 com o presidente Jair Bolsonaro e sua família. Olimpio completaria 59 anos no próximo sábado, dia 20. Ele deixa a mulher e dois filhos.

No Senado, a sua vaga será ocupada pelo suplente Alexandre Luiz Giordano, também filiado ao PSL.

O assessor de imprensa do senador, Diego Freire, de 33 anos, também foi contaminado com covid-19 e está internado em estado grave.

Trajetória

Sérgio Olimpio Gomes era oficial da reserva da Polícia Militar de São Paulo. Formara-se na turma de 1982 da Academia Militar do Barro Branco e se casou com a fonoaudióloga Cláudia Regina de Abreu Bezerra, filha do influente coronel Niomar Cyrne Bezerra, que foi comandante do Policiamento de Choque nos anos 1980.

Ligado à PM de São Paulo, senador Major Olimpio é ex-aliado de Bolsonaro  Foto: GABRIELA BILO/ESTADÃO-1/2/2021

O trabalho na Casa Militar durante o governo de Luiz Antonio Fleury Filho (1991-1995) o aproximou do mundo político e marcaria sua vida. Foi nessa época que um dos amigos do coronel Niomar, o coronel Ubiratan Guimarães foi afastado do comando de Choque por Fleury após o massacre de 111 presos na Casa de Detenção. Ubiratan se candidatou a deputado estadual e se elegeu. Olímpio acompanhou os passos do coronel.

Em 1997, ele escreveu um livro com outros quatro capitães da PM: Reaja! Prepare-se para o Confronto - Técnicas Israelenses de Combate. A obra trazia três princípios básicos para o cidadão enfrentar bandidos: eles devem reagir a ações violentas e recomendava o uso de arma de fogo, desde que a pessoa fosse treinada. Para os autores, o bandido era “uma pessoa menos humana” e devia ser colocado “fora de combate”.

Antes de ser eleito deputado estadual pela primeira vez, Olimpio comandou a PM na região da Praça da Sé, no centro de São Paulo. Passou depois a atuar em uma associação de classe da polícia: a Associação Paulista de Oficiais da PM. Foi só em 2006 que ele obteve o primeiro mandato, quando se elegeu deputado estadual pelo PV – Olímpio passaria ainda pelo PDT, pelo Solidariedade antes de se filiar ao PSL.

Eleito deputado, passou a fazer oposição aos governadores do Estado em defesa dos interesses corporativos da PM, protagonizou diversos diversos episódios de bate-boca públicos com adversários e manifestações em que comandava vaias contra seus alvos. O primeiro deles foi o governador José Serra, vaiado em uma solenidade na Academia Militar do Barro Branco em 2007. Depois, conseguiu tirar do sério o governador Geraldo Alckmin ao tentar interromper uma fala do tucano em uma solenidade no interior. Por fim, passou a atacar o governador João Doria, com quem também se desentendeu.

Em 2014 foi eleito deputado federal e apoiou o impeachment de Dilma Rousseff. Quando Dilma tentou dar posse ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil em 2016, Olímpio foi ao Planalto e começou a gritar: "Vergonha!”. Eleito senador em 2018 na onda bolsonarista que varreu o País, Olimpio rompera com o presidente em 2019 em meio à briga entre a direção do partido e a família de Jair Bolsonaro. Olimpio acusava Flávio Bolsonaro de ser “ladrão de rachadinha”. Foi assim que ele bateu boca com bolsonaristas em Taubaté, no interior do Estado.

Redação, O Estado de S.Paulo, 18 de março de 2021 | 16h31Atualizado às 17h54

Santos Cruz defende união do centro contra Lula e Bolsonaro

General divulga documento com 14 pontos um dia depois de seu nome ser cogitado para ser vice de uma chapa com o ex-presidente

O general Carlos Alberto Santos Cruz afirmou nesta quinta-feira, dia 18, defender um governo de "união nacional" e, em uma carta com 14 pontos expôs, quase como um manifesto, suas ideias para as eleições de 2022. A divulgação do documento acontece um dia depois de o nome do general ser cogitado por setores do PT para compor como vice a chapa com Luiz Inácio Lula da Silva, conforme revelou ontem o Estadão.

O general descarta essa possibilidade, além de criticar duramente Jair Bolsonaro. "Tenho sido claro em dizer que o Brasil não merece ter que optar entre dois extremos já conhecidos, viciados e desgastados. Ambos os extremos do nosso espectro político são exatamente iguais na prática e não servem para o Brasil."

Carlos Alberto dos Santos Cruz, que foi ministro da Secretaria de Governo Foto: ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO

No documento, ao qual o Estadão teve acesso, o general afirma ser a favor "de um governo que promova a paz e a união nacional, que governe para todos e não apenas para os seus seguidores mais próximos". A carta faz uma defesa enfática da união das forças centristas para enfrentar o cenário eleitoral de 2022 polarizado entre as candidaturas de Jair Bolsonaro e Lula. O general, que se classifica como um "cidadão de direita - apesar de considerar as simplificações ‘direita e esquerda’ limitadas e antiquadas" - diz considerar o diálogo essencial. "Repudio o extremismo ideológico, a corrupção, o fanatismo político, o populismo e a demagogia". De acordo com ele, a "sociedade não pode viver em estado permanente de campanha política, dividida em amigos e inimigos, intoxicada e manipulada por extremistas". "As instituições precisam ser independentes e o aparelhamento das mesmas é inaceitável. O Brasil precisa voltar ao equilíbrio, à normalidade."

Santos Cruz, ao lado dos generais Sergio Etchegoyen e Eduardo Villas Bôas, apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro, em 2018, na disputa contra o ex-prefeito Fernando Haddad, a quem chamou de "fascista" em vídeo pouco antes da eleição. Santos Cruz, que era secretário nacional de Segurança Pública de Michel Temer, se tornaria ministro-chefe da secretaria de Governo de Bolsonaro até ser demitido, no meio de 2019, após ser atacado pelos integrantes do chamado gabinete do ódio.

Desde então, o general assumiu pouco a pouco uma postura crítica em relação ao governo e de defesa da Operação Lava Jato. Na esquerda, passou a receber elogios públicos do ex-governador gaúcho Tarso Genro (PT). Em sua carta, o general da reserva alerta para o que chamou de "perigo do fanatismo político" que, segundo ele, "gera violência". Também criticou as "tentativas absurdas de arrastar o Exército, onde servi por cerca de 47 anos, para o dia-a-dia da política partidária e utilizá-lo como instrumento na disputa de poder".

Na semana passada, após o ministro Edson Fachin anular as sentenças que condenaram Lula, o presidente Bolsonaro afirmou em live que seria "fácil impor uma ditadura ao Brasil". "Como é que posso resolver a situação? Eu tenho que ter apoio. Se eu levantar minha caneta Bic e falar 'Shazam', eu vou ser ditador", afirmou o presidente. Santos Cruz enumerou as razões de suas críticas ao governo. Disse que elas se devem à "influência de fanáticos extremistas, falta de comportamento adequado, afastamento das promessas que o levaram ao poder, postura populista, foco em reeleição, irresponsabilidade e polarização política".

Em seguida, criticou a condução da crise sanitária por Bolsonaro, afirmando ser "inaceitável que a pandemia tenha sido conduzida sem liderança, com falta de considerações técnicas, com constantes tentativas de desmoralização dos procedimentos apropriados, politização completa de todo o processo e até de medicamentos, e a consequente falta de vacinas, necessárias para salvar vidas e possibilitar o retorno das atividades econômicas". No entendimento do general, "houve perda de tempo com banalidades e estamos absurdamente atrasados".

Ao reafirmar o que o afastaria do PT, o general afirmou considerar "a Operação Lava Jato um marco na nossa história e na esperança de combate à corrupção". Para ele, a operação e outras devem ter continuidade, "incluindo o aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência e controle de contas públicas". Santos Cruz defendeu ainda a liberdade de imprensa, o combate aos privilégios, o fim do foro privilegiado e uma política externa "responsável e multilateral, colocando o Brasil na liderança mundial das questões de preservação da Amazônia e do meio-ambiente".

Por fim, o general afirmou não acreditar "em salvador da pátria e nem que exista necessidade de tal salvamento": "Acredito no trabalho e na capacidade dos cidadãos". Como eleitor, afirmou esperar que as "forças políticas e produtivas (empresários e cidadãos), construam alternativas que levem a um governo que traga de volta a paz, o respeito, a união, a recuperação  da economia, reduza a nossa imoral desigualdade social e auxilie os mais vulneráveis". E concluiu: "Essas são as razões pelas quais não existe nenhuma possibilidade da minha participação nos dois extremos que considero nocivos ao Brasil".

Leia a íntegra:

O Jornal O Estado de S. Paulo publicou, na edição de ontem (17.3.2021), a informação de que a direção do PT ventilou meu nome em um possível convite para compor uma chapa à Presidência da República com o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, dentro de um movimento de aproximação com os militares. A respeito desse assunto, venho a público esclarecer a minha posição.

1.       Jamais recebi qualquer comunicação sobre o assunto em foco e não sou filiado a nenhum partido político. Também, por diversas outras razões, não é possível tal composição.

2.       Sou um cidadão de direita (apesar de considerar as simplificações "direita e esquerda" limitadas e antiquadas). Considero o diálogo essencial e repudio o extremismo ideológico, a corrupção, o fanatismo político, o populismo e a demagogia. Tenho sido claro em dizer que o Brasil não merece ter que optar entre dois extremos já conhecidos, viciados e desgastados. Ambos os extremos do nosso espectro político são exatamente iguais na prática e não servem para o Brasil.

3.       Neste momento, sou a favor de um governo que promova a paz e a união nacional, que governe para todos e não apenas para os seus seguidores mais próximos. A sociedade não pode viver em estado permanente de campanha política, dividida em amigos e inimigos, intoxicada e manipulada por extremistas. As instituições precisam ser independentes e o aparelhamento das mesmas é inaceitável. O Brasil precisa voltar ao equilíbrio, à normalidade.

4.       Minhas manifestações públicas têm os objetivos de alertar para o perigo do fanatismo político que gera violência e para as tentativas absurdas de arrastar o Exército, onde servi por cerca de 47 anos, para o dia-a-dia da política partidária e utilizá-lo como instrumento na disputa de poder.

5.       Sou crítico do governo por causa da influência de fanáticos extremistas, falta de comportamento adequado, afastamento das promessas que o levaram ao poder, postura populista, foco em reeleição, irresponsabilidade e polarização política.

6.        É inaceitável que a pandemia tenha sido conduzida sem liderança, sem com falta de considerações técnicas, com constantes tentativas de desmoralização dos procedimentos apropriados, politização completa de todo o processo e até de medicamentos, e a consequente falta de vacinas, necessárias para salvar vidas e possibilitar o retorno das atividades econômicas. Houve perda de tempo com banalidades e estamos absurdamente atrasados.    

7.       Considero a Operação Lava Jato um marco na nossa história e na esperança de combate à corrupção. Essa operação e outras devem ter continuidade, incluindo o aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência e controle de contas públicas.

8.       A reforma do Estado deve contemplar a extinção de todos os privilégios, a começar pelo foro privilegiado.

9.   Acredito numa diplomacia atuante, responsável e multilateral, colocando o Brasil na liderança mundial das questões de preservação da Amazônia e do meio-ambiente.

10.    Considero a liberdade de opinião e de imprensa como fundamental para a democracia, que depende também do aperfeiçoamento permanente das instituições.

11. A descrença e o desprestígio no Executivo, no Legislativo e no Judiciário e em outras instituições precisam ser tratados com discussão de ideias e medidas que produzam os aperfeiçoamentos institucionais necessários.

12.   Não creio em salvador da pátria  e nem que exista necessidade de tal  salvamento. Acredito no trabalho e na capacidade dos cidadãos.

13. Como eleitor, espero que  as forças políticas e produtivas (empresários e cidadãos), construam alternativas que levem a um governo que traga de volta a paz, o respeito, a união, a recuperação  da economia, reduza a nossa imoral desigualdade social e auxilie os mais vulneráveis.

14. Essas são as razões pelas quais não existe nenhuma possibilidade da minha participação nos dois extremos que considero nocivos ao Brasil.

Brasília, 18.3.2021

Carlos Alberto dos Santos Cruz

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo, em 18 de março de 2021 | 13h55

Justiça suspende investigação de Felipe Neto por fala contra Bolsonaro

Youtuber chamou o presidente de "genocida" por sua gestão da pandemia. Queixa-crime foi movida por Carlos Bolsonaro, que alegou violação da Lei de Segurança Nacional.


Felipe Neto tem mais de 41 milhões de inscritos no YouTube e 13 milhões de seguidores no Twitter

A Justiça do Rio de Janeiro suspendeu nesta quinta-feira (18/03) uma investigação contra o youtuber e influenciador digital Felipe Neto, acusado de ferir a Lei de Segurança Nacional ao chamar o presidente Jair Bolsonaro de "genocida" em uma postagem em suas redes sociais.

Neto havia sido convocado a depor após uma queixa-crime apresentada por Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente.

A suspensão da investigação foi determinada pela juíza Gisele Guida de Faria, da 38ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que entendeu que a competência para apurar o caso não é da Polícia Civil, mas da Polícia Federal.

A juíza também destacou que Carlos Bolsonaro não tinha autoridade para pedir a investigação. Segundo ela, a apuração de um "crime praticado contra a honra do presidente da República e previsto na Lei de Segurança Nacional" só poderia ter sido iniciada por "requisição do Ministério Público, de autoridade militar responsável pela segurança interna ou do ministro da Justiça".

Após a decisão, Felipe Neto comemorou o resultado no Twitter. "Vitória!!! Justiça suspende investigação feita a pedido de Carlos Bolsonaro contra mim", escreveu, ao compartilhar a notícia.

Em seguida, ele também se posicionou por meio de sua assessoria. "Eu sempre confiei nas instituições, e essa decisão só confirma que ainda vivemos em uma democracia, em que um governante não pode, de forma totalmente ilegal, usar a polícia para coagir quem o critica".

Neto atribuiu o uso do termo "genocida" a Bolsonaro devido à "sua nítida ausência de política de saúde pública no meio da pandemia, o que contribuiu diretamente para milhares de mortes de brasileiros". O Brasil vive a pior crise sanitária de sua história e é o segundo país do mundo em número de casos e de mortes relacionadas à doença. 

A investigação estava a cargo da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática. Com a suspensão, o depoimento de Neto previsto para esta quinta-feira foi cancelado.

Mais cedo, o youtuber havia anunciado a criação de uma frente de advogados para oferecer defesa gratuita a pessoas que forem processadas e investigadas por críticas ou manifestações contra Bolsonaro. A frente "Cala a Boca Já Morreu" será composta por escritórios de alguns dos mais respeitados advogados especialistas no tema.

Intimação

Na segunda-feira, em uma postagem no Twitter, Neto anunciou que havia sido intimado a depor. "Um carro da polícia acaba de vir na minha casa. Trouxeram intimação para que eu compareça e responda por crime contra a segurança nacional, porque chamei Jair Bolsonaro de genocida. Carlos Bolsonaro foi no mesmo delegado que me indiciou por 'corrupção de menores'. Sim, é isso mesmo", contou Neto na rede social.

"A clara tentativa de silenciamento se dá pela intimidação. Eles querem que eu tenha medo, que eu tema o poder dos governantes. 

Já disse e repito: um governo deve temer seu povo, NUNCA o contrário. Carlos Bolsonaro, você não me assusta com seu autoritarismo. Não vai me calar", frisou o youtuber.

O delegado responsável pela intimação, Pablo Dacosta Sartori, que é titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Internet, subordinada à Polícia Civil do Rio de Janeiro, negou que tenha havido tentativa de intimidação e favorecimento político com o seu ato.

Em comunicado, a Polícia Civil disse que não foi intimada, mas irá respeitar a decisão, ressaltando que o trabalho da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática é "técnico, baseado nas leis e sem perfil ideológico".

Apoio de personalidades

No decorrer da semana, personalidades, políticos e famosos prestaram solidariedade a Neto e criticaram a atitude de Carlos Bolsonaro, entre eles, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-ministra Marina Silva, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-candidato à presidência Ciro Gomes, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, e vários artistas e parlamentares.

"É inaceitável a utilização de forças policiais para perseguições político-ideológicas. Liguei para o @felipeneto, para prestar solidariedade e somar na contundente rejeição a este recado intimidatório e antidemocrático. Recado este que, claramente, não era só para o Felipe", escreveu Santa Cruz no Twitter.

Neto é um dos youtubers mais famosos do Brasil, com mais de 41 milhões de inscritos em seu canal no YouTube, voltado para o público infantil. Embora em seus vídeos ele não fale de política, o influenciador digital usa o Twitter, onde tem mais de 13 milhões de seguidores, para criticar o governo Bolsonaro. No passado, Neto também foi crítico ao governo do PT e chegou a se posicionar a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

A Lei de Segurança Nacional é uma herança do período da ditadura militar, constituindo-se de desdobramentos de legislações anteriores, usadas contra opositores políticos.

Deutsche Welle Brasil, em 18.03.2021

A ‘linha vermelha’

Para muitos brasileiros, Jair Bolsonaro já cruzou a 'linha vermelha' há muito tempo. Para os líderes do Centrão, contudo, ainda há uma margem de tolerância

Para muitos brasileiros, Jair Bolsonaro já cruzou a “linha vermelha” há muito tempo. Para os líderes do Centrão, contudo, ainda há uma margem de tolerância para seu desgoverno – mas essa margem se estreitou consideravelmente nos últimos dias.

“Não teremos paciência com ele”, disse o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), referindo-se ao futuro ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. “É acertar ou acertar”, continuou o deputado, aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira, hoje um dos principais avalistas do governo Bolsonaro. E arrematou: “A situação não permite que o ministro da Saúde tenha tempo para aprender a ser ministro. As respostas terão que ser rápidas e efetivas”.

A “linha vermelha”, disse o deputado Ramos, é a vacinação contra a covid-19. Segundo o parlamentar, o Centrão não terá como continuar a apoiar o presidente se o programa de imunização não deslanchar. Para o deputado Ramos, o ministro Queiroga “começa com todo o apoio e com toda a torcida para que dê certo”, mas, “se ele errar, serão outros milhares de brasileiros mortos”.

Os líderes do Centrão ficaram agastados com a decisão de Bolsonaro de contrariá-los no processo de substituição de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. A troca no Ministério foi uma imposição do Centrão, diante da escalada da crise causada pela pandemia, agravada pela incompetência cavalar do intendente Pazuello.

Políticos experientes, ao anteverem desastres eleitorais, esses parlamentares e dirigentes partidários compreenderam que era preciso urgentemente dar um rumo racional e profissional ao Ministério da Saúde, o que seria impossível sob a gestão de Pazuello. Ofereceram alguns nomes a Bolsonaro, mas todos foram recusados pelo presidente. Bolsonaro preferiu o médico Marcelo Queiroga, cuja qualidade determinante para sua escolha foi o fato de ter sido indicado pelo filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro. Queiroga é amigo do sogro de Flávio.

Ao descartar os indicados pelo Centrão, optando por um chegado da família, Bolsonaro “perdeu a chance de dividir (com o Congresso) a responsabilidade” pela gestão do Ministério da Saúde, disse o deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP). “Se o ministro acertar, ótimo. E se errar? E se aceitar as interferências (de Bolsonaro) e o País entrar em colapso?”, questionou o parlamentar, outro integrante do Centrão.

As “interferências” a que o deputado Pinato se referiu são sobejamente conhecidas: Bolsonaro sabotou a aquisição de vacinas, obrigou o Ministério da Saúde a encampar tratamentos inócuos, fez campanha contra o uso de máscaras e estimulou aglomerações, contrariando as orientações do próprio Ministério. A esse respeito, o deputado Ramos foi enfático: “Bolsonaro nunca teve apoio do Centrão para promover aglomerações nem para negar o uso de máscara ou a gravidade da pandemia”.

Com isso, o Centrão começa a demarcar claramente o território que pode definir sua manutenção como sustentáculo político do governo – determinante até aqui para que não prosperassem nem os pedidos de CPI para apurar responsabilidades sobre o desastre sanitário e humanitário nem os inúmeros processos de impeachment já encaminhados ao Congresso.

O derretimento da popularidade de Bolsonaro explica em parte a aflição do Centrão. Pesquisa do Datafolha divulgada na terça-feira mostra que 54% dos entrevistados consideram ruim ou péssimo o modo como o presidente está lidando com a pandemia; em janeiro, eram 48%.

Na mesma pesquisa, 43% disseram considerar Bolsonaro o principal responsável pela situação atual, enquanto apenas 17% atribuem essa responsabilidade aos governadores. Ou seja, a campanha sistemática de Bolsonaro para culpar os governadores pela crise parece ter fracassado.

Por fim, mas não menos importante, subiu de 50% para 56% o porcentual de brasileiros que entendem que Bolsonaro não tem condições de liderar o País. Depois de dois anos de desastre, é incrível que ainda haja 42% que o vejam como um líder capaz. Mas esse contingente diminui a olhos vistos – e o Centrão, que não joga em time que perde, já percebeu isso. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 18 de março de 2021

quarta-feira, 17 de março de 2021

Brasil ultrapassa pela primeira vez marca de 90 mil casos diários de covid-19

País também registrou mais 2.648 mortes nesta quarta-feira, elevando total de óbitos para mais de 284 mil.    

Profissionais da saúde com roupas de proteção azuis, óculos, máscaras e toucas cuidam de pacientes em um hospital. 

Vários estados vivem colapso no sistema de saúde, entre eles o Rio Grande do Sul

O Brasil registrou nesta quarta-feira (17/03) o maior número de casos diários de covid-19 desde o começo da pandemia. Em apenas 24 horas, foram registrados oficialmente 90.303 infecções, segundo dados do Ministério da Saúde. É a primeira vez que o país rompe a marca de 90 mil casos diários. No total, o Brasil já registra oficialmente 11.693.838 infecções pelo novo coronavírus. 

Ainda nesta quarta-feira, foram registradas 2.648 mortes relacionadas à covid-19, elevando o total para 284.775.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. O país vive um novo momento de aceleração da doença, com registro de colapso da rede de saúde pública em vários estados. 

Segundo o Ministério da Saúde, 10.287.057 pacientes já se recuperaram.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 135,5 no Brasil, a 20ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 29,6 milhões de casos e mais de 537 mil óbitos.

Ao todo, mais de 121 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,67 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 17.03.2021

Planalto omitiu morte de auxiliar direto de Bolsonaro por Covid-19

O servidor Silvio Kammers foi a primeira vítima fatal da doença entre os funcionários do entorno do presidente, que tem negado casos graves no Planalto


Silvio Krammers, ajudante de ordens de Bolsonaro, morreu de Covid-19 / Reprodução/Redes sociais

Um auxiliar do gabinete pessoal do presidente Jair Bolsonaro faleceu em decorrência da Covid-19 no início do mês, mas a informação tem sido mantida sob sigilo pelo Palácio do Planalto. Dias depois da morte de Silvio Kammers, um dos seus ajudantes de ordem, Bolsonaro voltou a defender remédios sem eficácia comprovada contra a doença em discursos e afirmou desconhecer algum funcionário do prédio que desenvolveu quadro grave da doença.

A informação da morte de Krammers foi mantida em sigilo pelo Palácio do Planalto, mas revelada pelo site O Antagonista e confirmada pelo GLOBO com fontes do gabinete pessoal de Bolsonaro. Em nota, a Secretaria-Geral da Presidência admitiu que houve um óbito no Planalto, mas não quis revelar o nome do funcionário.

"Houve um óbito por Covid, mas não será divulgado o nome em respeito à privacidade do servidor e de sua família", disse a pasta no texto.

Na semana passada, o governo editou uma portaria para declarar vago o cargo de Krammers, por motivo do seu falecimento, sem informar a causa. O documento é assinado pelo chefe dos assessores especiais da Presidência, Célio Faria Júnior, em 9 de março. 

Sonar: Intimação de Felipe Neto impulsiona menções a 'Bolsonaro genocida' no Twitter

Um dia depois, o presidente falou em cerimônia no Planalto que desconhece "uma só pessoa" do prédio que tenha precisado de internação hospitalar após contrair a doença.

- Muitos têm sido salvos no Brasil com esse atendimento imediato, neste prédio mesmo, mais de 200 pessoas contraíram a Covid e quase todas, pelo que eu tenha conhecimento, inclusive eu, buscou esse tratamento imediato com uma cesta de produtos como a ivermectina, a hidroxicloroquina, a Anita, a Azitromicina, vitamina D, entre outros, que não tiveram sucesso, desconheço que uma só pessoa deste prédio tenha ido ao hospital para se internar - afirmou Bolsonaro.

Na última quinta-feira, o presidente também questionou funcionários durante transmissão semanal ao vivo em suas redes sociais se fizeram uso de medicamentos como a Cloroquina após contrair a Covid-19, indicando que eles não precisaram de internação.

- Quem não quer tomar esse trem (medicamentos) não tome, pô. Eu tomei, vários tomaram. Você pegou vírus, Marcos Pontes? Mais alguém pegou? Têm vários aqui... Fala o que tomou - disse Bolsonaro - Cloroquina, cloroquina, alguém foi hospitalizado aqui? - questionou na ocasião.

Apesar de ter sido o primeiro funcionário do entorno de Bolsonaro a falecer em decorrência da Covid-19, Krammers não é a única vítima fatal no Planalto. No ano passado, uma servidora da Secretaria de Governo morreu pelo mesmo motivo.

Jussara Soares e Julia Lindner, de O Globo, em 16/03/2021 - 20:46 / Atualizado em 17/03/2021 - 15:10

Para Biden, Putin é assassino e pagará por interferência eleitoral

Após relatório da inteligência americana apontar tentativas de ingerência russa nas eleições presidenciais dos EUA, presidente diz que em breve haverá consequências para Putin.

Ao ser questionado por jornalista, Biden (esq.) concordou que Putin é um assassino

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden afirmou que seu homólogo russo, Vladimir Putin, pagará por supostamente tentar interferir nas eleições presidenciais de 2020 a favor de Donald Trump e concordou com a afirmação de que o chefe do Kremlin é um assassino.

Em entrevista à rede de TV americana ABC News, Biden reagiu à divulgação de um relatório de inteligência que afirma que Putin teria autorizado operações para influenciar a opinião pública americana  a favor do então candidato à reeleição Trump.

Segundo o relatório, o Kremlin e o Irã teriam realizado enormes esforços para influenciar o resultado das eleições, ainda que não haja provas de que agentes estrangeiros tenham conseguido causar distúrbios no processo eleitoral. 

Ao ser questionado se Putin, que é com frequência acusado de agir sem misericórdia contra seus opositores, seria um assassino, Biden respondeu que sim. A resposta sinaliza uma mudança significativa de postura em relação à forma como o governo Trump lidava com o homem forte do Kremlin.

À pergunta do jornalista e âncora George Stephanopoulos sobre as possíveis consequências contra ao Kremlin pela suposta tentativa de interferência, Biden respondeu que os americanos logo terão a resposta. "Vocês verão em breve", afirmou. "Ele pagará um preço."

"Putin não tem alma", diz Biden

Biden conversou com Putin em janeiro, pouco depois de tomar posse. "Tivemos uma longa conversa ele e eu. Eu o conheço relativamente bem", disse. "Eu disse ‘eu te conheço e você me conhece. Se eu estabelecer que isso ocorreu, então se prepare."

No entanto, não ficou claro se ele se referia à suposta interferência russa ou outras atitudes com as quais o governo americano não concorda, como a repressão por parte do Estado ao oposicionista Alexei Navalny.

Biden disse que não acredita que o líder russo tenha uma alma. Em resposta a uma afirmação do ex-presidente George W. Bush, que disse ter olhado Putin nos olhos e ter visto sua alma, o atual presidente contou que já fez o mesmo e que disse ao próprio Putin que ele não possuía uma alma.

"Eu disse isso a ele, sim. E sua resposta foi 'nós nos entendemos um ao outro'", contou Biden. "Eu não estava tentando ser malandro, estava sozinho em seu gabinete. Foi assim que aconteceu."

Biden disse que, apesar das divergências, os EUA e a Rússia são capazes de "caminhar e mascar chicletes" ao mesmo tempo. "Há lugares nos quais é de nosso mútuo interesse trabalharmos juntos." Um exemplo disso seria a extensão do acordo de desarmamento nuclear New START.

Desgaste nas relações EUA-Rússia

O relatório divulgado nesta terça pelo escritório do Diretor de Inteligência Nacional traz uma avaliação detalhada da amplitude das ameaças às eleições de 2020. Isso inclui operações russas que teriam utilizado aliados de Trump para difamar o candidato democrata.

As autoridades de inteligência, porém, disseram "não haver indícios de que quaisquer atores estrangeiros tenham tentado interferir nas eleições de 2020 através de aspectos técnicos do processo eleitoral, incluindo o registro dos eleitores, o voto nas urnas, a tabulação dos votos ou a divulgação dos resultados".

A conclusão é uma das provas mais contundentes de que não houve fraude nas eleições, como afirmaram várias vezes o ex-presidente Donald Trump e seus apoiadores.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, negou que a Rússia tivesse tentado interferir nas eleições americanas em 2020 ou em qualquer outro ano. Ele afirmou que esse tipo de declaração só serve para prejudicar ainda mais as relações "já desgastadas" entre Washington e Moscou.

Já o porta-voz da câmara baixa do Parlamento russo, Vyacheslav Volodin, adotou um tom mais crítico. "Biden ofendeu os cidadãos do nosso país", afirmou. Ele acrescentou ainda que quaisquer ataques contra Putin são também contra toda a Rússia.

Deutsche Welle Brasil, em 17.03.2021

Reprovação a Bolsonaro na gestão da pandemia bate recorde

Segundo Datafolha, 54% consideram desempenho do presidente na crise sanitária ruim ou péssimo. Ao mesmo tempo, 22% aprovam a gestão, e cifra chega a 38% entre empresários.

Jair Bolsonaro tira a máscara. Ao longo da pandemia, o Presidente da República minimizou frequentemente os riscos do coronavírus.

A desaprovação à gestão da pandemia de covid-19 pelo presidente Jair Bolsonaro atingiu seu maior nível, com 54% dos brasileiros classificando o desempenho dele como ruim ou péssimo, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada nesta terça-feira (16/03).

A reprovação ao trabalho do presidente aumentou seis pontos percentuais em relação aos 48% registrados no levantamento anterior, realizado entre 20 e 21 de janeiro. Desta vez, a pesquisa foi feita entre 15 e 16 de março, em meio à terceira troca no comando do Ministério da Saúde desde o início da pandemia e recordes de mortes por covid-19.

Os dez dias com mais mortes diárias desde o início da epidemia foram todos no mês de março. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirmou nesta terça que o Brasil passa pelo "maior colapso sanitário e hospitalar da história". A instituição apurou que 24 estados e o Distrito Federal estão com mais de 80% dos leitos de UTIs do SUS ocupados. A disseminação do vírus de forma descontrolada levou especialistas a afirmarem que o Brasil se tornou uma ameaça para a humanidade.

Apesar desse cenário, cerca de um quinto dos ouvidos pelo Datafolha ainda se disse satisfeito, ou seja, acha que a gestão da crise sanitária por Bolsonaro boa ou ótima, mas o percentual caiu de 26% em janeiro para 22%. O índice daqueles que consideram o desempenho do presidente regular ficou praticamente estável, passando de 25% para 24%.

A rejeição ao trabalho do presidente na pandemia é particularmente alta ente quem tem ensino superior (65%), entre pretos (61%), entre funcionários públicos (60%) e entre mulheres (58%).

A aprovação, por sua vez, é particularmente alta entre empresários (38%), moradores do Centro-Oeste e do Norte (29%), evangélicos (27%) e pessoas entre 45 e 59 anos (27%).

O segundo pior índice de desaprovação ao trabalho do presidente na pandemia havia sido registrado no fim de maio, quando 50% o avaliaram como ruim ou péssimo. Já a mais alta aprovação obtida por Bolsonaro foi em meados de abril, com 36% considerando seu desempenho ótimo ou bom.

Principal culpado pela situação atual

Após um ano da chegada ao Brasil da covid-19, que já matou mais de 280 mil pessoas no país, 43% consideram o presidente o principal culpado pela grave situação atual da epidemia no país. Ao mesmo tempo, 38% consideram que os governadores são quem está combatendo melhor a crise sanitária.

Ao longo da pandemia, Bolsonaro minimizou frequentemente os riscos do coronavírus, além de promover curas sem eficácia e tentar sabotar iniciativas paralelas de vacinação e combate à doença lançadas por governadores em resposta à inércia do seu governo na área.

Em relação ao governo Bolsonaro como um todo, 44% o consideram ruim ou péssimo, ante 40% em janeiro; e 30% o consideram ótimo ou bom, ante 31% no início do ano.

Segundo o levantamento, para 75% dos que rejeitam a condução da crise sanitária por Bolsonaro, seu governo como um todo é visto como ruim ou péssimo. Entre os que aprovam o governo do presidente, por sua vez, 89% consideram seu trabalho na saúde ótimo ou bom.

O Datafolha ouviu 2.023 pessoas por telefone. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Deutsche Welle Brasil, em 17.03.2021