Manifestantes chamavam Bolsonaro de "genocida" quando o luto ainda era por 100 mil brasileiros. Agora, vamos nos aproximar dos 300 mil. | Foto: Filipe Araújo
Chamar Bolsonaro de genocida parece provocação. Genocídio é o extermínio deliberado de uma coletividade indefesa, por diferenças étnicas, nacionais, religiosas ou sociopolíticas. O massacre de milhões de judeus por Hitler cunhou a expressão. Esse crime contra a Humanidade é julgado em tribunais internacionais, com pena de até 30 anos de prisão. Não prescreve. Raramente os crimes de gestão pública chegam a Haia, na Holanda.
Por que então esse aprendiz de ditador que bajula as Forças Armadas, ameaça outros poderes, despreza minorias e persegue a imprensa é acusado de genocida? Em julho de 2020, quando os mortos por Covid eram 85 mil no Brasil, já havia em Haia três denúncias contra Bolsonaro por incitar mortes, asfixiar indígenas e propagar o vírus. No Supremo Tribunal Federal, há na pauta uma notícia-crime de genocídio. Um líder pode construir ou destruir consciência cívica. No início da pandemia, a população era mais comedida. Depois, imitou os negacionistas.
Como Bolsonaro boicotou as vacinas e nos aproximamos de 300 mil mortos, sua rejeição aumentou. Não importa quem é o ministro da Saúde (aliás, não importa quem é ministro de pasta nenhuma). É Bolsonaro quem manda. As pesquisas mostram. É Bolsonaro o culpado. É Bolsonaro o incapaz de governar. É Bolsonaro o autor do colapso do Brasil.
Fiz uma cartilha com sete fatos. Um bê-a-bá de como se tornar ou se reconhecer um potencial genocida. Não listei características pessoais. A frieza, por exemplo. Só um genocida não se emociona com a morte de milhares de pessoas – especialmente idosos, vulneráveis, ou não produtivos. Que tomem tubaína. O deboche diante do luto nacional pode ser traço de um genocida. As ações são ainda mais gritantes e perniciosas. Aí vão elas:
1 – Negar a pandemia. É uma gripezinha. Nada vai acontecer se você tiver histórico de atleta. Todos vamos morrer um dia. Não podemos ser maricas e ficar em casa. Isolamento social não adianta nada.
2 – Não usar máscara e promover aglomerações em bares, ruas, praias, contrariando os especialistas. Propagar o vírus. Apertar a mão, abraçar, beijar, tirar selfie, repreender ministros com máscara, vetar máscaras em presídios.
3 – Demitir um médico, Mandetta, como ministro da Saúde, por suas entrevistas diárias, explicando à luz da Ciência como reduzir contágio e mortes. Emparedar outro ministro da Saúde, também médico, por condenar a cloroquina. Gastar R$ 90 milhões em remédios ineficazes e fazer propaganda, tentar impor aos médicos. Efetivar na Saúde um general boneco de ventríloquo e incompetente.
4 – Sabotar divulgação de mortos e contaminados, optando por revelar apenas quem se curou. A censura foi contornada com o consórcio inédito de jornais e TV Globo.
5 – Criar conflitos com o Supremo e a Câmara, incitando extremistas de direita a atacar essas instituições, nas redes sociais e fisicamente. Ameaçar ruptura institucional. Só mudar de atitude depois que a família começou a ser investigada por corrupção, rachadinhas e ligação com milícias. Trocar cargos e verbas por apoio no Congresso.
6 – Rachar com governadores e prefeitos, relegando a eles a condução da pandemia. Inventar que o Supremo Tribunal Federal tirou sua autonomia como presidente. Estrangular estados com a falta de liderança federal e de cilindros de oxigênio. Chantagear quem impõe lockdown ou restrições de circulação.
7 – Boicotar as vacinas. Rejeitar a Coronavac, por ser chinesa e “do Doria”. Recusar vacinação obrigatória. Desencorajar. Não se vacinar. Não comprar milhões de doses da Pfizer que estariam aqui em dezembro. Proibir negociações com os laboratórios. Barganhar o preço até obrigar estados a suspender a vacinação. Solapar o SUS, a Fiocruz, o Butantan e todos os que poderiam já estar produzindo e imunizando em massa. Talvez estejam no seu colo 100 mil cadáveres.
Como você chamaria quem age assim?
Ruth de Aquino nasceu no Rio de Janeiro. Jornalista desde 1974. Mestrado em Londres sobre Ética na imprensa. Foi repórter, editora, diretora de redação, correspondente em Londres e Paris. Escreve sobre o ser humano e suas contradições. E-mail: ruth.aquino@oglobo.com.br. Artigo publicado originalmente n'Globo on line, em 18.03.2021.
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