quarta-feira, 17 de março de 2021

O que esperar do novo ministro da Saúde?

Marcelo Queiroga fez declarações "pró-ciência" no passado, mas é bolsonarista e já alinha discurso com o presidente em temas como cloroquina e rejeição ao lockdown. "Política é do governo Bolsonaro, não do ministro.

O médico e o general: Bolsonaro diz que novo ministro vai dar "prosseguimento em tudo o que Pazuello fez até hoje"

Novo titular do Ministério da Saúde, o médico Marcelo Queiroga vai assumir a pasta em meio a um cenário de devastação. O país se aproxima da marca de 300 mil mortes por covid-19, e redes hospitalares estão em colapso em dezenas de capitais e grandes cidades. Variantes mais contagiosas do coronavírus têm circulado livremente, ao mesmo tempo em que a vacinação tem avançado em ritmo vagaroso. É o quarto ministro da Saúde em um ano de epidemia.

Na segunda-feira (15/03), após Queiroga ser anunciado como sucessor do general Eduardo Pazuello na Saúde, vários jornais destacaram a principal diferença entre os dois: um é médico, e o outro é um militar que não tinha nenhuma experiência na área de saúde.

No entanto, há algo em comum: os dois chegaram ao posto por decisão pessoal do presidente Jair Bolsonaro, e não por arranjos políticos ou recomendações da comunidade médica.

Queiroga tem um longo currículo na área médica. É presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e diretor do Departamento de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista de um hospital em João Pessoa.

Mas o fator determinante para sua escolha foi mesmo a proximidade com o clã Bolsonaro. Seu padrinho na indicação foi Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente. Queiroga é amigo da família da mulher do senador.

O médico também é bolsonarista. Ele apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018 e integrou a equipe de transição do então presidente eleito. Sua conta no Twitter contém várias manifestações de apoio ao presidente. Em 2019, por exemplo, publicou uma foto dos anos 2000 em que Bolsonaro aparece ao lado do político de extrema direita Enéas Carneiro. "Encontro de dois grandes brasileiros", escreveu Queiroga acima da imagem.

Por outro lado, a postura de Queiroga ao longo da pandemia à primeira vista contrasta com os adeptos mais radicais do bolsonarismo. Não há sinais de negacionismo em suas falas públicas nos últimos 12 meses. Antes da indicação, ele defendeu o uso de máscaras, da vacinação e do isolamento social.

A SBC, sociedade que ele preside, também já publicou notas em que não recomenda o uso da cloroquina contra a covid-19. A droga ineficaz é desde março de 2020 a principal aposta de Bolsonaro para lidar com a pandemia. Na gestão Pazuello, sob ordens de Bolsonaro, a cloroquina foi distribuída em largas quantidades.

Histórico desanimador sob Bolsonaro

Mas o histórico da Saúde sob o governo Bolsonaro não é favorável para ministros que vêm da área médica: dois dos três antecessores de Queiroga, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, também eram médicos, e entraram em choque com a postura negacionista e anticiência de Bolsonaro. Mandetta durou apenas um mês e meio no cargo após a detecção do primeiro caso de covid-19 no Brasil. Teich ficou 29 dias. Não médico, porém obediente ao chefe, Pazuello ficou dez meses.


Ao anunciar Queiroga, Bolsonaro disse que o médico vai dar "prosseguimento em tudo o que Pazuello fez até hoje". A fala foi imediatamente criticada por adversários do presidente, que lembraram o avanço dramático da pandemia durante a gestão do general e episódios trágicos como a falta de oxigênio em Manaus.

O próprio Queiroga, em falas após o anúncio, declarou que "a política é do governo Bolsonaro, não é do ministro da Saúde". "A Saúde executa a política do governo", disse, parecendo ecoar uma declaração de Pazuello em outubro passado: "Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece".

Também há dúvidas se Queiroga vai ter autonomia para montar sua equipe no ministério. No momento, dezenas de postos-chave da pasta estão ocupados por militares sem experiência em saúde, vários deles negacionistas e adeptos de tratamentos ineficazes.

Teich, por exemplo, não teve poder para nomear assessores, tendo que engolir a nomeação de Pazuello como secretário-executivo da pasta, uma indicação feita diretamente por Bolsonaro. Na prática, Pazuello atuou como representante político do presidente nas poucas semanas em que o médico permaneceu no cargo, acabando por sucedê-lo. "Eu saí porque não teria autonomia para conduzir da forma que achava certa. Nem autonomia nem legitimidade", disse Teich em janeiro.

A escolha de Queiroga desagradou o Centrão do Congresso, que se aliou com Bolsonaro. O principal líder do bloco, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), desejava a nomeação da médica Ludhmila Hajjar. Ela chegou a conversar com Bolsonaro, mas logo passou a ser alvo de ataques virulentos da base bolsonarista nas redes sociais, que a encarou como uma potencial oposicionista infiltrada.

Sem conexão com o Centão, Queiroga deve ser mais cobrado pelo bloco. "Não teremos paciência com ele [Queiroga]. É acertar ou acertar", disse na terça-feira ao Estadão o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), atual vice-presidente da Câmara.

Alinhamento após indicação

O novo ministro também já vem desconversando sobre alguns dos seus antigos posicionamentos, num sinal de que está no mínimo disposto a abraçar em parte, pelo menos publicamente, o credo bolsonarista sobre a pandemia e assim evitar desagradar Bolsonaro e a base radical do presidente.

Apesar de ter se manifestado contra a cloroquina no passado, Queiroga passou a evitar criticar a droga após ser anunciado como ministro. Na segunda-feira, ao ser questionado sobre se recomendava cloroquina, disse, numa reposta vaga, que esse tema "precisa ser analisado para que a gente consiga chegar a um ponto comum que permita contextualizar essa questão no âmbito da evidência científica e da ciência".

Ele também afirmou que o lockdown – a imposição de medidas rigorosas de circulação da população para conter a disseminação do vírus – não pode ser "política de governo".

"Esse termo de lockdown decorre de situações extremas. São situações extremas em que se aplica. Não pode ser política de governo fazer lockdown. Tem outros aspectos da economia para serem olhados", afirmou Queiroga.

A fala foi mal recebida por membros da comunidade médica, já que o país passa justamente por uma "situação extrema", com recordes consecutivos de mortes por covid-19 e o sistema de saúde em colapso.

"Novo ministro assume falando na possibilidade do uso de cloroquina e etc.., descarta lockdown. Hoje, 16/3, quando assumir vai se deparar com os piores números da pandemia. Sugestão: não se posicione contra o lockdown nacional", escreveu no Twitter João Gabbardo, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão Mandetta.

A rejeição ao lockdown é uma das principais bandeiras de Bolsonaro, que tem incentivado a população a combater medidas nesse sentido impostas por governadores.


O presidente Jair Bolsonaro e o agora ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. General foi obediente ao presidente, mesmo com explosão de casos e mortes

Ainda assim, Queiroga deu nos últimos três dias algumas declarações que contrariam a postura bolsonarista ao longo da pandemia, continuando a defender o uso de máscaras e a adoção de medidas pessoais de distanciamento social contra o vírus – mas sem afirmar que elas devem ser obrigatórias.

Mas, novamente, o histórico desse tipo de posicionamento não é favorável na pasta. Mandetta defendeu posturas similares em março e abril de 2020. Bolsonaro respondeu promovendo aglomerações e aparecendo em público sem máscara.

"Quem tem de mudar não é o ministro, mas a mentalidade do presidente", disse o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ao jornal O Globo, expressando ceticismo sobre uma mudança de rumo na Saúde. "Se o presidente não mudar a visão da crise sanitária, das duas uma: ou nada mudará com o ministro, ou mudará o ministro."

Vacinação

À frente do ministério, Queiroga terá como um de seus desafios aumentar o ritmo de vacinação no país. Os pedidos de substituição de Pazuello se multiplicaram no Congresso e nos estados nos últimos meses especialmente por causa da inabilidade do general em assegurar doses.

Até o momento, apenas 10 milhões de brasileiros receberam uma primeira dose da vacina, ou menos de 5% da população. Pazuello divulgou números inflados de vacinas garantidas, mas entregou pouco. A inabilidade de Pazuelllo, porém, não explica totalmente a escassez de vacinas. Bolsonaro também interviu pessoalmente no ano passado para frear compras de imunizantes da Sinovac e da Pfizer, além de alimentar a paranoia sobre supostos riscos envolvendo imunizantes.

Mas nos últimos dias o governo tem aparentemente adotado uma mudança de tom. Membros do clã Bolsonaro passaram a divulgar slogans como "Nossa arma é a vacina". A gestão de saída de Pazuello retomou negociações com farmacêuticas, embora, após tantos atrasos e diante da alta demanda mundial, a maior parte desses contratos só vai se traduzir em fornecimento a partir do segundo semestre.

A mudança acelerou após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter anulado sentenças do ex-presidente Lula, na prática devolvendo os direitos políticos do petista, que pode ser um adversário de Bolsonaro em 2022.

Queiroga está em sintonia com essa postura tardia do presidente de abraçar vacinas, mas especialistas alertam que a oposição contínua do governo contra medidas de lockdown arrisca agravar ainda mais a pandemia antes que a vacinação em massa esteja disponível. E mesmo a vacina pode não ser suficiente.

Países bem-sucedidos na vacinação, como Israel, não se limitaram a imunizar a população. A campanha ocorreu paralelamente a rígidas medidas de lockdown, que ajudaram a derrubar a taxa de infecção. Por outro lado, o Chile, outro país que tem vacinado com rapidez, deixou de lado o isolamento rígido nos últimos meses e viu o vírus avançar mesmo com a expansão da imunização. Na última sexta-feira, o país finalmente decretou um novo lockdown. Especialistas apontaram que o Chile é um exemplo de que a vacinação parcial, por mais bem-sucedida que seja, não é suficiente para conter o vírus com rapidez.

Pesquisadores do Imperial College de Londres e da Universidade de Leicester também apontaram recentemente que vacinação em massa sem um lockdown paralelo pode propiciar o aparecimento de mutações mais potentes, capazes de enfraquecer a ação dos imunizantes.

Deutsche Welle Brasil, em 17.03.2021

Ministro da Justiça manda PF investigar autores de outdoors críticos a Bolsonaro em Palmas

Peças comparavam presidente a "pequi roído" e defendiam impeachment

O sociólogo e professor Tiago Costa Rodrigues é alvo de investigação da Polícia Federal por ter organizado a instalação de dois outdoors críticos ao governo de Jair Bolsonaro em Palmas, no Tocantins. Rodrigues criou uma vaquinha online e arrecadou R$ 2,3 mil usados na instalação das peças em agosto do ano passado. Um deles continha a frase "Cabra à toa, não vale um pequi roído. Palmas quer impeachment já" e o outro, "Aí mente! Vaza Bolsonaro, o Tocantins quer paz”. O dono da empresa contratada para o serviço, Roberval Ferreira de Jesus, também é alvo do inquérito. “Tempos sombrios que vivemos. Estamos vivendo um estado policialesco que utiliza do seu aparato para coagir livres manifestações populares como a nossa”, disse Rodrigues, que é dirigente do PCdoB local ao Estadão. Apesar de o caso ter sido arquivado originalmente por recomendação da Corregedoria Regional da PF e do Ministério Público Federal do Tocantins, o ministro da Justiça, André Mendonça, determinou a abertura do inquérito.   


Outdoor sobre o presidente Jair Bolsonaro Foto: Acervo Tiago Costa Rodrigues

O caso foi revelado pelo Jornal do Tocantins. A investigação começou em agosto do ano passado, após um simpatizante de Bolsonaro acionar a Polícia Federal com uma notícia-crime em que pedia a investigação dos dois pela Lei de Segurança Nacional. Comum no Tocantins, a expressão "pequi roído" se refere a algo sem valor.  A Corregedoria Regional da PF e o Ministério Público Federal no Estado arquivaram o caso e comunicaram a decisão ao ministro da Justiça no final de outubro. Em dezembro, porém, Mendonça requisitou a abertura do inquérito ao diretor-geral da PF, imputando ao professor e ao dono da empresa de outdoor crime contra a honra do presidente. O sociólogo e o dono da empresa prestaram depoimento por videoconferência à delegada da PF Aline Carvalho Miranda em janeiro.


Outdoor sobre o presidente Jair Bolsonaro Foto: Acervo Tiago Costa Rodrigues

Secretário de formação política do PCdoB no Tocantins, Rodrigues acredita que sua militância política influenciou a decisão do ministro da Justiça: “Estou sendo perseguido por ser professor, membro do Partido Comunista do Brasil e por divergir em todos os aspectos sobre a forma como esse governo tem tratado a saúde, a dignidade e a liberdade de seu povo. Esse tipo de ação autoritária é típica de governos fascistas”.

Advogado do professor, Edy Cesar dos Passos destacou que o Brasil é signatário da Carta das Nações Unidas e de diversos tratados internacionais sobre direitos humanos que estão sendo desrespeitados. “Esse governo mostra a total falta de interesse em manter compromissos em defesa da liberdade de expressão com outros países”, afirmou Passos. Por meio de nota, a defesa de Roberval Ferreira de Jesus alega que ele não pretendia ofender o presidente, e se limitou a prestar o serviço contratado, usando os arquivos originais entregues pelo cliente. “Cumpre ressaltar que o contrato de locação possui previsão expressa de que o locatário se responsabiliza pelo teor da publicidade nos outdoors." Os advogados Pedro Vitor Rabello e João Feliz Barbosa, que assinam o texto, informaram que a empresa também instalou outdoors para outros clientes que manifestaram apoio a Bolsonaro, o que “demonstra a ausência de prática de qualquer infração penal”. 

Procurado, o ministro da Justiça não se manifestou até a publicação da reportagem.

Censura?

Em Pernambuco, a professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Erika Suruagy Assis de Figueiredo, atual vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural de Pernambuco (Aduferpe), também é alvo de investigação por causa de um outdoor instalado em Recife, no ano passado, com críticas ao presidente. À frente da entidade à época, Erika prestou depoimento no dia 10. O outdoor definia o presidente como "inimigo da educação e do povo", usava o #Fora Bolsonaro e uma montagem com o presidente caracterizado como morte, com uma foice na mão, sugerindo sua responsabilidade diante das "mais de 120 mil" vidas perdidas para covid-19 até então. Por meio de nota, a Aduferpe definiu o episódio como uma tentativa de "inconstitucional" de censura.

Recentemente, o ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, e o pró-reitor de Extensão da universidade, Eraldo dos Santos Pinheiro, assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pela Corregedoria Geral da União se comprometendo a não criticar o governo Bolsonaro dentro de ambiente de repartição pública. Os dois atacaram a condução do combate à pandemia durante uma live realizada dentro da universidade. Epidemiologista e responsável por uma das principais pesquisas sobre a covid-19 no Brasil, Hallal afirmou em entrevista ao Estadão que não deixará de opinar sobre as falhas na atuação do presidente. "Se foi uma tentativa de censura, saiu pela culatra", disse o pesquisador.
       
Lailton Costa, Especial para o Estado de S. Paulo, em 17 de março de 2021 

José Nêumanne: O bafo da mentira e o beijo da morte

Ao levar o rebanho para o abismo da morte, mentindo, Bolsonaro é o Anticristo da pandemia

“Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”, disse Jesus (João, 14; 6). João Evangelista, xará de meu avô paterno, era um marqueteiro de gênio: o slogan, composto em tríduo, como convém a apelos que vão ao coração e de lá à razão, resume bem a mensagem, que, creia-se ou não nela, é a mais completa tradução da busca da civilização na demolição da barbárie: a imunidade do espírito pela união do rebanho, com a busca permanente do conhecimento para retardar o fim pela sabedoria. Em três anos de seminário menor, preparei-me em orações, meditações e leituras para encarar o destino, não com trapaças e rixas, mas com resignação e fé. Ou seja, uma mistura de coragem e prudência, preservando o medo, forma imperfeita do cuidado.

Jair Bolsonaro diz-se cristão, exalta Deus como guia, mas, como nunca se deu ao trabalho de ler coisa nenhuma, não se dá conta de que a trilha que segue é o descaminho. Capitão na ativa do Exército, planejou, juntamente com o parceiro de patente Fábio Silva, atentados a bomba em quartéis e na adutora do rio Guandu. Foi condenado por 3 a 0 por terrorismo e indisciplina, na primeira instância. O terror, arma do fundamentalismo religioso radical, seja dos inquisidores católicos medievais, seja de atuais fanáticos de Alá, é um coito de assassinos vocacionais. Ele próprio se define como artilheiro, cuja modalidade é matar. Mente ao rememorar sua participação no combate ao terror de esquerda durante a ditadura. Quando a guerrilha comunista passou pelo Vale do Ribeira, onde morava, não tinha idade para o serviço militar. Uma patranha fácil de desmascarar. Não serviu no Suez nem no Haiti. Nunca participou de uma batalha ou de uma escaramuça. Nada fez de útil em proveito de alguém que não seja ele ou parente seu.

Matar, para ele, não é ofício de soldado, mas vício de charlatão. Em 27 anos na Câmara dos Deputados, em parceria com o médico petista e sindicalista Arlindo Chinaglia, lutou, e ainda luta, pela aprovação da picaretagem médica da pílula do câncer. Vendendo cloroquina a emas no jardim do Palácio da Alvorada, faz o que sempre quis na vida toda: ser camelô de feira livre vendendo óleo de cobra para quaisquer achaques. Ao deblaterar contra o isolamento para evitar o contágio pelo contato com saliva infectada pelo novo coronavírus, não o faz por vocação para a delinquência no exercício ilegal de medicina, mas pela atração irresistível à propagação da morte. Artilheiro que nunca atirou em alvo móvel, quer se consagrar como capitão sem noção das tropas invisíveis do coronel vírus, venha ele da China ou da Martinica.

Apraz-lhe que este se propague pelo mundo e se aproveite para fazer do Brasil cova rasa. Quando definiu a praga como “gripezinha”, não quis desafiá-la, foi pelo mero prazer do engano pelo engodo. À falta de um QI que o aproxime de seres humanos normais, orgulha-se da própria limitação, por usá-la e assim se dar bem na vida. A oportunidade de voltar a mentir um ano depois, valendo-se dos rebentos irracionais que gerou, é a oportunosa ensancha de parecer superior aos outros pelo menos no cinismo sem limite. Num tribunal eclesiástico medieval seria condenado à fogueira por blasfêmia após pecar demais sem motivo justo algum. É o pleno Anticristo: o desvio, a mentira e a morte.

Seu alter ego pelo avesso, Lula, proclamou que a Terra é redonda para humilhar o inimigo, visto como terraplanista. Bobão! Bolsonaro não passa de um oportunista rastaquera que se aproveitou da onda contra a roubalheira e o petismo genérico, que a pratica, para ganhar a eleição presidencial de 2018. E exercer o trabalho que esquerda desunida e Centrão glutão não teriam coragem de realizar sem seu concurso: jogar a Lava Jato e qualquer tipo de higienização na fossa, à qual também destinou o combate à corrupção em geral.

O empresário carioca Paulo Marinho, suplente de seu primogênito sonso, lembrou no Twitter: “Essa data me fez lembrar um dia durante a campanha em que estávamos na minha casa e você disse: ‘Se nós não fizermos tudo certo, podemos sair presos’. Hoje eu entendo a sua preocupação e não tenho mais dúvidas de que você será preso, é uma questão de tempo. Sua omissão, negligência e incompetência criminosas já custaram quase 300 mil vidas brasileiras. O seu governo é o beijo da morte!”. O homem que cedeu a própria casa para quartel-general de sua campanha vitoriosa não percebeu que sua disposição de enganar elimina qualquer laivo de memória. O “cavalão de Troia”, que executa no terceiro ano de gestão o que o Centrão e a esquerda não conseguiram em 16, não perde tempo com nada que não seja o interesse pessoal e dos herdeiros, para os quais lega o sangue, o suor e o pranto dos brasileiros que o elegeram ou que não têm coragem de expulsá-lo do descaminho.

Os fanáticos que se manifestam a favor do contágio mortal da pandemia em prol de lojas, estádios e cassinos abertos são oportunistas que o veneram porque venderam a alma ao diabo, cujo pacto seduz mais do que a árdua e nada prazerosa caridade cristã. O resto são cinzas frias.

José Nêumanne é Jornalista, Poeta e Escritor. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 17 de março de 2021.

terça-feira, 16 de março de 2021

Brasil tem 2.340 mortes por covid-19 e bate novo recorde diário

Nesta terça-feira, país registrou mais de 74 mil novos casos do coronavírus. Total de mortes no país supera 281 mil.


    Sistemas de saúde de vários estados estão em colapso

O Brasil registrou nesta terça-feira (16/03) um novo  recorde de mortes diárias por covid-19 desde o começo da pandemia. Em apenas 24 horas, foram registrados oficialmente 2.340 óbitos ligados à doença, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass). Os números não incluem, por problemas técnicos, os dados do Rio Grande do Sul.

Com isso, o total de mortes no país associadas à doença chega a 281.626. Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. O país vive um novo momento de aceleração da doença, com registro de colapso da rede de saúde pública em vários estados. 

Ainda nesta terça-feira, foram identificados 74.595 novos casos do coronavírus, elevando o total oficial para 11.594.204.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 10.111.954 pacientes haviam se recuperado até segunda-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 134 no Brasil, a 20ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

O estado de São Paulo também registrou nesta terça-feira recorde de mortes. Em 24 horas, foram 679 óbitos, o equivalente a uma morte a cada dois minutos.

O número resume a gravidade da pandemia no Brasil atualmente: em 20 de agosto do ano passado, o país inteiro registrou o mesmo número de mortes diárias que apenas o estado de São Paulo confirmou nesta terça.

O secretário-executivo do Centro de Contingência para o coronavírus do governo paulista, João Gabbardo, afirmou que hospitais privados na capital paulista estão solicitando leitos do SUS para internar pacientes com convênio médico. Ele também pediu que o novo ministro da saúde, Marcelo Queiroga, não descarte um lockdown nacional. 

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 29,5 milhões de casos e mais de 536 mil mortes

Ao todo, mais de 120,5 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,66 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 16.03.2021

'Rachadinhas': 5ª Turma do STJ julga legais relatórios usados na investigação de Flávio Bolsonaro

Por 3 votos a 2, ministros rejeitaram recurso da defesa, que apontou irregularidades na comunicação ao MP de movimentações financeiras 'atípicas' no gabinete do senador.

Por 3 votos a 2, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou legal, em julgamento nesta terça-feira (16), o compartilhamento com o Ministério Público do Rio de Janeiro dos relatórios produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e usados nas investigações do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das chamadas "rachadinhas".

A Quinta Turma rejeitou recurso da defesa de Flávio Bolsonaro, que apontou irregularidades na comunicação feita pelo Coaf sobre movimentações financeiras "atípicas" no gabinete do senador.

No mesmo julgamento, os ministros também rejeitaram outro recurso da defesa, que pedia a declaração de nulidade das decisões da primeira instância no caso das rachadinhas (leia mais abaixo).

Com o novo entendimento sobre o Coaf, os investigadores não precisam retomar o caso da estaca zero.

A decisão pode dar um novo fôlego às investigações. Isso porque no mês passado a Quinta Turma determinou a anulação das quebras de sigilo fiscal e bancário do senador, o que, na prática, invalidou a denúncia oferecida pelo Ministério Público.

O MP acusa Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, de envolvimento em um desvio de mais de R$ 6 milhões dos cofres da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) — a Procuradoria-Geral da República recorreu dessa decisão.

A maioria dos ministros da Quinta Turma seguiu o voto do relator, ministro Félix Fischer, e considerou legais os atos praticados pelo Coaf no compartilhamento com o MP do Rio.

"O Coaf não possui a relação de contas utilizadas, as pessoas que transacionaram com F [Flávio Bolsonaro]. O Coaf não tem relação de beneficiários de pagamentos e títulos no RIF [relatório de inteligência financeira]. Os Rifs gerados pela inteligência financeira vinculavam os dados que já constavam no repositório de informações. Não há comprovação de "fishing expedition" [busca de provas]", argumentou Félix Fischer.

O ministro João Otávio de Noronha discordou do relator e afirmou que há indícios de uma conduta ilegal do Conselho no caso.

Para Noronha, foi promovida uma verdadeira "extensão de investigação" por via administrativa sem a necessária autorização judicial.

O ministro ressaltou que não estava questionando o fato de que o conselho possa compartilhar dados com órgãos de investigação, mas que o procedimento adotado no caso Flávio Bolsonaro não foi legal.

“Coaf não é órgão de investigação e muito menos de produção de prova. Tem de fazer o relatório de investigação e mandar, e não pode ser utilizado como auxiliar do Ministério Público", afirmou o ministro.

O ministro Reynaldo da Fonseca acompanhou o voto do relator no sentido de que não houve ilegalidade no compartilhamento de dados do Coaf com o MP. Para o ministro, os dados fazem parte do chamado relatório de intercâmbio, que é permitido entre os órgãos de fiscalização e o MP.

“Os relatórios não indicam extratos bancários, indicam operações específicas relacionadas à investigação. Ora, o nível de detalhamento das informações no banco de dados do Coaf é definido com base na sua finalidade”, disse.

Fonseca afirmou que não verificou ilegalidade nos relatórios fornecidos pelo Coaf, sendo que o conselho não tem como informar apenas valores globais, podendo repassar data , horário, banco , agência e terminal utilizado de operações sob suspeita para permitir eventuais investigações necessárias.

“A função do MP é angariar elementos para subsidiar o fornecimento de eventual denúncia. O fato de o Coaf possuir informações a respeito da remuneração do agravante e participação acionária tem com o objetivo de aferir sua capacidade econômica e financeira”, afirmou.

A maioria foi formada com o voto do ministro Ribeiro Dantas, que também não viu ilegalidade na troca de dados do Coaf com o MP.

O ministro afirmou que, ao examinar o caso, o Tribunal de Justiça do Rio também apontou que não houve irregularidade no compartilhamento.

“O tribunal de origem [TJ-RJ] destacou desde o primeiro momento que este compartilhamento consignou não ter havido uma devassa indiscriminada na conta do paciente [Flávio Bolsonaro]”, afirmou.

O ministro Joel Ilan Paciornik acompanhou a divergência aberta por Noronha e considerou a atuação do MP e do Coaf nas apurações irregular.

“Os relatórios minuciosos vinculam dados protegidos por sigilos bancário e fiscal. Os autos mostram indícios de comunicações informais entre o Coaf e o MP, carentes de legalidade”, disse.

Denúncia

Em outubro, Flávio Bolsonaro e outras 16 pessoas foram denunciadas por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Segundo os investigadores, todos os elementos reunidos até agora comprovaram a “rachadinha” e como o senador teria usado o dinheiro desviado dos salários de assessores.

Com os dados obtidos na quebra de sigilo, o MP afirma:

"que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, fazia pagamentos de contas pessoais do senador e da família dele; que Flávio Bolsonaro usava a loja de chocolates da qual era sócio para receber recursos obtidos na “rachadinha” e depois retirava como se fosse lucro; e ainda que houve compra de imóveis usando dinheiro vivo em operações suspeitas."

Outro recurso rejeitado

A maioria da Quinta Turma também rejeitou nesta terça-feira um segundo recurso da defesa do senador, que pedia a declaração de nulidade das decisões da primeira instância no caso das rachadinhas, já que o Tribunal de Justiça do Rio reconheceu foro privilegiado para Flávio Bolsonaro, deputado na época dos fatos.

Os ministros entenderam que, como até aquele momento se avaliava que o caso deveria ser analisado pela primeira instância, não há irregularidade que justifique a anulação. A maioria seguiu o voto do ministro Felix Fischer.

Os ministros Fonseca e Ribeiro Dantas deixaram em aberto a possibilidade de o órgão especial do TJ ter que reavaliar esse atos, uma vez que é o foro competente.

Os ministros Noronha e Paciornik chegaram a defender que os atos da primeira instância ratificados pela Terceira Câmara do TJ do Rio fossem anulados e tivessem que passar por uma nova análise do órgão especial. Esse entendimento ficou vencido.

Márcio Falcão, TV Globo — Brasília. Publicado originalmente por G1, em 16.03.2021

Caos, omissão e explosão de mortes: o legado de Pazuello na Saúde

Em dez meses à frente do ministério, general obedeceu cegamente ordens de Bolsonaro que contrariavam a ciência, tentou esconder número de óbitos pela covid-19 e falhou em garantir vacinas suficientes para o país.

Eduardo Pazuello, agora ex-ministro da Saúde

"Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece", sintetizou o general Eduardo Pazuello em outubro de 2020 sobre seu papel, após ser desautorizado publicamente por Jair Bolsonaro numa rara ocasião em que tomou uma iniciativa que contrariava a visão do presidente sobre a pandemia. No caso, um anúncio de compra pelo Ministério da Saúde de doses da Coronavac, vacina contra a covid-19 promovida pelo governo de São Paulo, que foi tratada inicialmente com desprezo por Bolsonaro.

Nos dez meses à frente da pasta – quatro como interino, seis como efetivado –, Pazuello, um general da ativa, acabou se destacando mesmo por obedecer ordens sem apresentar questionamentos – incluindo ordens que contrariavam o consenso científico e boas práticas de gestão.

Sem qualquer experiência na Saúde, Pazuello chegou a afirmar em outubro que "nem sabia o que era SUS". Sua gestão também acabaria por ser marcada por omissões trágicas durante a pandemia, inabilidade e erros básicos de administração, apesar de o general ter sido inicialmente promovido pela máquina de propaganda do governo como um "especialista em logística".

Mas um técnico experiente não era o que Bolsonaro procurava para ocupar o cargo em maio de 2020, quando a pandemia já avançava com força no país. Antes mesmo de assumir a pasta, Pazuello atuava como secretário-executivo do ministério. Na prática, era um representante político de Bolsonaro na Saúde.

Depois, na chefia da pasta, o general não fez questão de se cercar de especialistas, preferindo entregar dezenas de cargos-chave para outros militares e ser aconselhado por figuras como o dono de uma rede de cursinhos de inglês e um marqueteiro que se apresenta como "palestrante motivacional e hipnólogo".

O resultado: quando Pazuello assumiu o ministério em 16 de maio, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes associadas à covid-19. Na segunda-feira (15/03), quando o substituto do general foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões, e o de mortes se aproximava de 280 mil, com o país ocupando o segundo lugar entre as nações com mais óbitos na pandemia.

Na última semana, o país começou a registrar marcas diárias de mortes superiores a 2 mil. A expansão da testagem há muito tempo foi deixada de lado. Recomendações de distanciamento social despareceram das propagandas do ministério.

Já a principal ferramenta para superar a crise, a vacinação, caminha a passos lentos. Por meses, Pazuello e sua equipe ignoraram ofertas de laboratórios, preferindo apostar numa arriscada estratégia de produção local de apenas um tipo de vacina, desenvolvida pela AstraZeneca, que vem sendo envasada em ritmo lento e se deparando com problemas de importação de insumos. Sem vacinação ou estratégia unificada de combate à pandemia, o Brasil virou nos últimos meses um celeiro para novas variantes mais contagiosas do vírus, levando especialistas a afirmarem que o país é uma ameaça global.

Expansão da cloroquina

Após a queda de dois ministros em sequência – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, dois médicos que resistiram a adotar as orientações negacionistas –, Pazuello assumiu o posto colocando imediatamente em prática aquela que era então a principal bandeira do governo: a expansão do chamado "tratamento precoce", especialmente a cloroquina.

O remédio foi apontado em estudos como ineficaz contra a covid-19, e mesmo assim foi adotado por Bolsonaro como instrumento para tranquilizar a população e incentivar a volta ao trabalho, com o bônus de servir de ferramenta para atacar críticos da estratégia negacionista do governo, que poderiam ser pintados falsamente como "torcedores do vírus" quando apontassem a ineficácia do tratamento.

Quatro dias após a saída de Teich, o ministério, já sob a caneta de Pazuello, publicou um novo protocolo de expansão do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com covid-19. Era só o início.

Com Pazuello, o Brasil recebeu 3 milhões de comprimidos de cloroquina dos Estados Unidos. Recursos do SUS foram alocados para distribuir outras doses do remédio pelo país. Nesse período, o Exército brasileiro já era sócio na empreitada, produzindo mais de 3 milhões de comprimidos ao longo de 2020. Em outubro, Pazuello também se tornou pessoalmente um garoto-propaganda da cloroquina, ao afirmar que estava tomando o remédio após ser infectado com o coronavírus.

Em janeiro de 2021, enquanto os hospitais de Manaus enfrentavam mais um colapso, Pazuello viajou à capital do Amazonas para lançar um aplicativo que estimulava o consumo de cloroquina e de outros itens do tratamento bolsonarista. Batizado como TrateCov, o app recomendava altas doses de cloroquina até mesmo para bebês. Diante da má repercussão, o aplicativo foi tirado do ar. Ainda assim, a fé na cloroquina persistiu. Em fevereiro, o ministério abriu um novo edital para comprar mais doses do remédio.

Mesmo tendo incentivado o uso do medicamento por mais de sete meses, Pazuello disse agressivamente para uma jornalista que nunca havia recomendado a cloroquina. A mentira coincidiu com um pedido de explicações do Tribunal de Contas da União, que apontou indícios de ilegalidade na utilização de recursos do SUS para distribuir um tratamento ineficaz.

Colapso em Manaus

Ainda em janeiro, ao mesmo tempo em que os hospitais de Manaus estavam sobrecarregados, Pazuello e outros membros do ministério pressionaram a prefeitura local a distribuir mais medicamentos ineficazes. Paralelamente, a pasta ignorou sinais de que a cidade estava sofrendo com desabastecimento de oxigênio nos hospitais. A omissão resultaria na morte de dezenas de pacientes por asfixia.

O caso acabou rendendo uma investigação contra Pazuello no Supremo Tribunal Federal (STF). O general apresentou diferentes versões para o caso, dando declarações contraditórias sobre quando a pasta teria tomado conhecimento dos problemas em Manaus. Pazuello chegou a informar três diferentes datas sobre quando teria sido informado sobre a escassez de oxigênio. Na primeira versão, apontou que foi em 8 de janeiro. Na última, 17 de janeiro, convenientemente depois do colapso, que ocorreu a partir do dia 14.

Com a saída de Pazuello, a investigação deve ser remetida para a primeira instância, já que o general não vai mais contar com foro especial.

Mesmo após a tragédia em Manaus, Pazuello seguiu na mesma linha de negar problemas. Na quarta-feira passada, ele afirmou que "o sistema de saúde está muito impactado, mas não colapsou, nem vai colapsar", mesmo diante dos sinais de estrangulamento da rede de UTIs em dezenas de capitais e grandes cidades.

Falta de transparência

Em um dos lances mais graves da gestão Pazuello, o Ministério da Saúde passou a esconder os números da pandemia em junho de 2020. Em maio, o Ministério da Saúde já havia deixado de publicar nas redes sociais os boletins diários. O último foi publicado um dia antes de o país superar pela primeira vez a marca de mil mortes em 24 horas. Pouco depois, os boletins publicados no site da pasta e disponibilizados para a imprensa começaram a sair cada vez mais tarde. Os releases também passaram a usar uma linguagem otimista, destacando supostos números de curados, e empurrando os dados negativos para parágrafos posteriores.

Números de mortes associadas à covid-19 explodiu na gestão Pazuello

O próximo passo foi vandalizar a página que concentra os dados da pandemia, promovendo um sumiço dos números totais de mortes e casos, e destacando um número de curados em caracteres garrafais. O caso provocou um escândalo e a intervenção do STF, que ordenou que todos os dados voltassem ao ar. O ministério obedeceu, mas continuou a usar a linguagem otimista em sua comunicação, passando a replicar nas redes sociais publicações do Planalto que exibiam um "Placar da Vida", que incluía apenas o número de infectados, recuperados e "em recuperação", sem mencionar o número de mortos pela doença.

Com Pazuello, as coletivas de imprensa, que eram diárias na época de Mandetta, também se tornaram uma raridade. O general passou a somente convocar a imprensa quando queria fazer um anúncio positivo, especialmente sobre as tratativas da pasta para comprar vacinas, ignorando por completo esclarecimentos sobre o avanço da doença.

Vacinas: promessas não cumpridas e previsões furadas

Em junho, o governador de São Paulo, João Doria, um desafeto do presidente, anunciou uma parceria com a empresa chinesa Sinovac para produzir a vacina que mais tarde seria batizada de Coronavac. Pouco mais de um mês depois, seria a vez de Bolsonaro assinar um acordo com a empresa anglo-sueca AstraZeneca para a produção de vacinas, em parceria com a Fiocruz.

Na contramão de quase todos os países do mundo, o Ministério da Saúde se comprometeu inicialmente com apenas uma vacina, e não com um leque diversificado como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos, país que conta atualmente com o maior número de vacinados do mundo.

Contatos com a americana Pfizer no segundo semestre não despertaram o interesse de Pazuello. Desde o primeiro momento, o general e outros militares da pasta deixaram claro que desejavam apenas fazer negócios com laboratórios que permitissem a fabricação de vacinas em território brasileiro, com transferência de tecnologia, seguindo um antigo modelo que foi bastante difundido durante o regime militar (1964-1985).

Propostas da Pfizer e outros laboratórios não incluíam essas cláusulas. No entanto, no caso do laboratório americano, a entrega poderia ter começado já em dezembro. Uma das propostas, apresentada em setembro, previa a oferta de 70 milhões de doses, sendo que três milhões poderiam ter chegado até fevereiro. Até o momento, nem uma dose da vacina AstraZeneca produzida no Brasil foi entregue.

Após fechar apenas com a AstraZeneca, o ministério não selou novos contratos para a aquisição de vacinas por cinco meses.

No período, Bolsonaro passou a alimentar temores infundados sobre o uso de imunizantes, especialmente a Coronavac, e continuou a promover a cloroquina. Em agosto e setembro, mesmo com a pandemia avançando, o ministério de Pazuello direcionou esforços para a implementar temas caros aos apoiadores de Bolsonaro, como a publicação de uma portaria para dificultar procedimento de aborto nos casos em que a gravidez ocorre em decorrência de estupro. 

No segundo semestre: houve apenas uma ocasião em que o ministro e o presidente se estranharam. Em outubro, Pazuello, aparentemente por iniciativa própria, anunciou um acordo com São Paulo para adquirir 46 milhões de doses da Coronavac. No dia seguinte, foi obrigado a voltar atrás por ordem de Bolsonaro. "Um manda e o outro obedece." Mesmo com a humilhação pública, ele decidiu permanecer no posto.

Pressão

A letargia só começou a ser rompida em dezembro, diante do progresso na elaboração do plano de imunização paulista. Pazuello finalmente manifestou interesse pela vacina da Pfizer, mas logo criaria problemas com a farmacêutica, afirmando que as cláusulas do contrato eram "leoninas", ainda que dezenas de países tenham aceitado os termos. Em janeiro, o ministério chegou a atacar publicamente a empresa, após a Pfizer divulgar que o governo havia ignorado suas propostas anteriores.

Com a pressão aumentando, Pazuello também começou a multiplicar anúncios contraditórios e promessas que logo eram desmentidas. Afirmou que a vacinação poderia começar em dezembro com doses da Pfizer, mesmo depois de a empresa dizer que não poderia mais fornecer nenhuma dose naquele mês. Em um espaço de dias, ele ainda lançou datas como janeiro, fevereiro ou março para o início da vacinação. "A vacina vai começar no dia D, na hora H no Brasil", disse, no início de janeiro, numa fala que acabaria simbolizando a falta de organização da sua gestão.

Ainda em dezembro, Pazuello finalmente apresentou um plano nacional de imunização, após pressão do STF. Mas o documento era vago, sem datas e com informações incompletas sobre protocolos de segurança, e contabilizava vacinas que nunca seriam compradas. Cientistas que foram citados como colaboradores reclamaram que nunca tinham visto o documento.

Pazuello e Bolsonaro: presidente buscava ministro que atuasse como carimbador de ordens

Paralelamente, a única aposta do governo, a produção de doses da vacina da AstraZeneca no Brasil, passou a sofrer com atrasos. Mesmo assim, Pazuello continuou a apresentar números otimistas. Em dezembro, afirmou que o Brasil teria 15 milhões de doses da AstraZeneca, mesmo com a Fiocruz apontando um dia antes que a entrega só ocorreria a partir de fevereiro – e elas acabariam por ficar para a segunda metade de março. "Para que essa ansiedade, essa angústia?", disse, após críticas pela lentidão.

Mas seria Pazuello que começaria a ficar angustiado diante da pressão por vacinas. No final de 2020, o general e outros membros do governo lançaram uma atrapalhada operação para importar algumas doses prontas da Índia, um golpe publicitário para tentar superar o governo paulista. Mas a carga acabou atrasando e, no final, a corrida pela vacina foi vencida por Doria, que iniciou a vacinação em São Paulo no dia 17 de janeiro. No mesmo mês, o governo finalmente capitulou e fechou acordo para comprar a Coronavac. Até o momento, 13 milhões de doses foram aplicadas no Brasil, a maior parte consiste em vacinas da Sinovac.

A queda

Mesmo passando a liderar uma campanha mínima de vacinação graças à iniciativa de São Paulo, a pasta de Pazuello continuou a errar por conta própria. Em fevereiro, o ministério liderado pelo "especialista em logística" cometeu um engano que também se tornaria um símbolo de desorganização.

Na ocasião, o estado do Amazonas esperava receber 78 mil vacinas, mas chegaram apenas 2 mil. Já o Amapá, com população bem menor, deveria receber 2 mil, mas obteve 78 mil, escancarando que o ministério havia confundido os dois estados do Norte.

Antes disso, Pazuello já havia sido criticado por não comprar seringas com antecedência e deixar milhões de testes não utilizados perderem a validade em depósitos. Pressionado por seus aliados do Centrão e finalmente adotando uma postura pró-vacina em reação à volta do ex-presidente Lula ao cenário político, Bolsonaro acabou entregando a cabeça de Pazuello no último fim de semana.

Na segunda-feira, em uma espécie de coletiva de imprensa de despedida, Pazuello fez um balanço da sua gestão e disse: "Hoje, o Brasil pode se orgulhar de ter um governo que apresenta, com transparência e em tempo real, todas as ações com detalhamento". Na mesma noite, o número total de mortes chegou a 279.286. Ainda na coletiva, numa fala que lembrou sua previsão vaga sobre o "Dia D" da vacinação, o general disse que poderia sair do cargo "em médio, curto ou longo prazo". Poucas horas depois, Bolsonaro anunciou seu substituto.

Deutsche Welle Brasil, em 16.03.2021

“Benefícios da vacina da AstraZeneca superam riscos”, diz diretora da Agência Europeia de Medicamentos

Principal executiva do órgão regulador da UE deve anunciar nesta quinta os resultados da investigação sobre possível vínculo do imunizante com casos de trombose e embolia. No Brasil, presidente da Fiocruz minimiza preocupação com a vacina

Emer Cooke, diretora da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), em uma tela durante a videoconferência desta terça-feira em Bruxelas. (YVES HERMAN / AFP)

Emer Cooke, diretora da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês), reiterou nesta terça-feira sua confiança nas questionadas vacinas da AstraZeneca contra a covid-19. “Continuamos convencidos de que os benefícios desta vacina superam os riscos”, afirmou Cooke numa entrevista coletiva extraordinária, via teleconferência, na qual explicou os próximos passos a serem dados pela agência reguladora da UE depois que pelo menos 16 países suspenderam ou limitaram a vacinação com o imunizante do laboratório anglo-sueco.

Nesta segunda-feira, Espanha, Alemanha, França e Itália seguiram o exemplo de outros países do continente e suspenderam temporariamente o uso da vacina da AstraZeneca, à espera de um pronunciamento dos especialistas da agência, com sede em Amsterdã. A decisão das diversas autoridades nacionais ocorre devido a suspeitas de que o medicamento poderia ter relação com casos de trombose e embolias, alguns dos quais letais.

A EMA está investigando se existe “uma relação causal” entre as vacinas desse laboratório e os incidentes detectados. Até o momento, todos os indícios levam a crer que não, mas só na quinta-feira serão divulgadas conclusões mais detalhadas.

Cooke destacou que os episódios foram detectados “em um pequeno número de pessoas”, quando se sabe que “muitos milhares” desenvolvem coágulos e embolias anualmente, “por muitas razões”. Estes casos, por enquanto, “não parecem superiores aos da população geral”, informou.

Diante da urgência médica, o Comitê de Avaliação de Riscos de Vigilância Farmacológica da EMA se reuniu nesta terça em um encontro convocado especificamente para esse fim, segundo a diretora, com a intenção de prosseguir com a análise dos dados que chegam sem parar dos diferentes países do bloco. Suas recomendações sairão dentro de dois dias.

Cooke disse que nenhuma hipótese está sendo descartada na investigação. Os especialistas estão seguindo pistas a partir de alguns lotes concretos das vacinas, analisando o processo de produção nas fábricas europeias e, ao mesmo tempo, repassando a informação clínica geral e individual dos casos notificados pelos países, tentando averiguar se o imunizante poderia afetar apenas determinados subgrupos populacionais.

A diretora não quis mencionar cifras do número de casos que estariam sob investigação. Em um comunicado da semana passada, a EMA informava que haviam sido relatados 30 episódios tromboembólicos após serem administrados quase cinco milhões de doses da vacina da AstraZeneca na UE. Esse número, segundo ela deu a entender, seria ligeiramente superior agora. Ela também incentivou a população e as autoridades médicas a notificarem qualquer caso suspeito.

Cooke não quis comentar as decisões dos Estados-membros da UE de suspenderem a vacinação com o produto da AstraZeneca. “Entendo que estão claramente esperando nossa opinião”, afirmou. “É uma responsabilidade que levamos muito a sério”. A EMA está consciente de que o assunto pode ser decisivo na batalha entre o ceticismo e a credibilidade dos cidadãos em relação às vacinas. “Nosso trabalho é que se mantenha a confiança sobre a base de uma avaliação científica adequada”, acrescentou.

Presidente da Fiocruz minimiza preocupação com vacina

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, minimizou nesta terça-feira, as preocupações em torno da suspensão da aplicação da vacina da AstraZeneca em países da Europa por efeitos adversos.Trindade destacou que, tanto a EMA quanto a OMS, não recomendam a interrupção da vacinação. “EMA e OMS não recomendaram a interrupção, mas são cautelas dos países que devem ser respeitadas e observadas”, afirmou durante reunião na Câmara dos Deputados. “Os eventos relatados são num número menor do que seria observado inclusive em relação à população ou grupos que normalmente têm esses eventos, independentemente da vacinação”, ressaltou.

A presidente também criticou a forma de distribuição desigual das vacinas pelo mundo. “[É preciso] repensar essa ordem global de países ficarem, muitas vezes, com cinco vezes o número de vacinas com o seu país e, uma nação como a nossa, que enfrenta dificuldades com o agravamento da pandemia, não possamos ter um número maior de doses”, afirmou. (Com informações da Agência Brasil)

GUILLERMO ABRIL, de Bruxelas para o EL PAÍS, em  16 MAR 2021 

Merval Pereira: Catch 22

A escolha do substituto do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é uma situação típica de Catch-22, expressão muito usada nos países de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos, oriunda de uma lei militar. 

Dá nome a um livro de Joseph Heller, “Ardil-22” na versão brasileira, que se passa no final da Segunda Guerra Mundial. Segundo o dicionário, caracteriza um problema cuja solução é negada por uma circunstância inerente ao próprio problema. 

No livro, o piloto que pede uma avaliação psicológica para escapar de missões perigosas de bombardeios estará mostrando sua sensatez e será considerado apto às mesmas missões perigosas.

É preciso mudar a política sanitária devido à repulsa provocada na população, fazendo cair a popularidade do presidente Bolsonaro. Mas como mudar a política sanitária, se o responsável por ela, o próprio presidente, não mudou a maneira de pensar em relação ao distanciamento social, ao uso da máscara ou à vacinação?

Se Bolsonaro escolhesse uma médica como Ludhmila Hajjar, estaria admitindo uma mudança de comportamento. Como não é esse o caso, a indicada pelo Centrão desistiu, incentivada por uma brutal guerrilha digital bolsonarista. O presidente Bolsonaro sempre alega que seus seguidores nas redes sociais são autônomos, não obedecem às suas ordens, o que é meia verdade. Veja-se a atuação do gabinete do ódio de dentro do Palácio do Planalto.

A solução seria escolher uma pessoa ligada a ele, que pensasse como ele, como o novo ministro escolhido, Marcelo Queiroga. Mas, para isso, por que demitir o general Pazuello, que já se humilhou publicamente afirmando, sem que lhe perguntassem, que “um manda, e o outro obedece”? O Centrão, por sua vez, também se encontra numa situação de Catch-22.

Indicou a médica rejeitada pelos bolsonaristas, tendo a demonstração clara de que seu peso político não decide tudo no governo Bolsonaro. Mas como continuar apoiando um presidente que os leva para o precipício da impopularidade, ainda mais agora que outro candidato forte se apresenta, o ex-presidente Lula, a quem já serviram com grandes vantagens? Mas, também, abrir mão das benesses do governo assim, de graça?

Típica situação de Catch-22 é a do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que, vendo que seria derrotado na Segunda Turma no julgamento da suspeição do então juiz Sergio Moro, resolveu chutar o pau da barraca e anulou quatro processos contra o ex-presidente Lula, mandando-os para a Justiça Federal de Brasília.

Como a solução de um problema Catch-22 será sempre negada pelo próprio problema, num conflito mútuo, Fachin pode perder tudo, não salvar a Lava-Jato, que parece ter sido sua motivação para ir para tudo ou nada. Salvar a Lava-Jato anulando as condenações do ex-presidente Lula é uma contradição em termos, pois ele era um símbolo do sucesso da operação de combate à corrupção.

Claro que anular os processos não significa dá-lo por inocente, mas, para efeitos políticos, Lula livre dá no mesmo. Fachin só poderá se livrar desse efeito Catch-22 se o Supremo, mais uma vez, decidir não decidir. O ministro Nunes Marques, que pediu vista do processo, pode ficar eternamente com ele, como o próprio presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, ficou dois anos até anunciá-lo na reunião da semana passada.

Se fizer isso, é sinal de que tem as costas quentes. Quem lhe esquenta as costas, o presidente Bolsonaro, também nesse caso se encontra numa situação de Catch-22. Para se vingar de Moro, seu inimigo mortal e talvez competidor em 2022, tem que aceitar a liberação de Lula, outro forte candidato contra Bolsonaro. Para se livrar de Lula, precisa que o plenário vote contra Fachin e que Nunes Marques segure o processo de suspeição até que o prazo para registrar candidaturas se esgote. Agindo assim, estará fortalecendo Moro. Difícil combinação, como é difícil, se não impossível, escapar do Catch-22.

Como todo brasileiro, terá que escolher a opção menos ruim para ele. Não foi assim que chegou à Presidência da República, nos colocando, a nós, brasileiros, numa situação de Catch-22? Para melhorar o país, só trocando o presidente. Mas trocar o presidente pode nos levar a uma convulsão social. Melhor deixá-lo sangrar até 2022. Lembram-se de Lula no mensalão?

Merval Pereira participa do Conselho Editorial do Grupo Globo. É membro das Academias Brasileira de Letras, Brasileira de Filosofia e de Ciências de Lisboa. Recebeu os prêmios Esso de Jornalismo e Maria Moors Cabot, da Columbia University. Publicado originalmente n'O Globo, em 16.03.2021.

Miriam Leitão: Denúncias da médica Ludhmila mostram os crimes da milícia digital de Bolsonaro e têm de ser investigadas

Os ataques à doutora Ludhmila Hajjar revelam de forma transparente a ação da milícia digital bolsonarista que tem origem, e fonte de alimentação, no gabinete do ódio onde atuam assessores presidenciais. 

A médica foi alvo de ataques, ameaças e mentiras porque não queriam que ela fosse a escolhida.

Ao ser informado disso pela própria médica, o presidente Bolsonaro disse “isso faz parte”. Essa frase já mostra sua cumplicidade com esse tipo de atuação dos seus apoiadores. Os movimentos não são espontâneos, eles têm origem no próprio governo.

A polícia precisa investigar isso, de forma independente, porque é crime. Ela disse ter recebido ameaças de morte. Se isso não for investigado o perigo é para a médica e para a sua família, mas é também uma ameaça à democracia brasileira.

Essa milícia influencia o presidente e é comandada pelos assessores do presidente. Essa simbiose precisa ser entendida para a proteção de todos.

Míriam Leitão é comentarista de economia e política n'O Globo. Comentário publicado originalmente n'O Globo, em 16.03.2021.

Eliane Cantanhede: Médico sério defende o que Bolsonaro condena e condena o que ele defende. E Queiroga?

O novo ministro vai ter a altivez de Luiz Mandetta, Nelson Teich e Ludhmila Hajjar, ou vai replicar Pazuello e jogar a ciência para o alto?

A médica cardiologista Ludhmila Hajjar é o oposto do general da ativa Eduardo Pazuello e deixou a demissão dele do Ministério da Saúde ainda mais humilhante. Ela conhece profundamente a situação da pandemia e tem noção clara não só do que fazer, mas sobretudo do que não fazer. E ele? O homem errado, na hora errada, passando vexame. Mas a grande diferença entre os dois nem é essa. É que ela tem brios.

Ao ser chamada a Brasília pelo presidente Jair Bolsonaro, Hajjar já tinha estratégia, equipe e estava pronta para a guerra – diferentemente do general. “Mas foi só um sonho”, desabafou a doutora, depois do encontro com Bolsonaro. O mais surpreendente é que ela sabia exatamente o que o presidente pensa da pandemia, mas ele nem sabia com quem estava falando. Só aí soube que os dois são como azeite e água.

Bastava fazer uma busca na internet e ouvir umas poucas pessoas para Bolsonaro saber que Hajjar é contra cloroquina, despreza o tal “tratamento precoce”, segue a ciência, defende o isolamento social e as máscaras e é obcecada pelas vacinas – e pela vida. Ou seja: ela defende tudo o que ele condena e condena tudo o que ele defende. Por isso, é mais uma a virar alvo de ataques covardes da tropa bolsonarista.

Isso, aliás, combina à perfeição com a provocação que uma alta fonte do governo me fez na semana passada, quando ficou claro que Pazuello não duraria muito na Saúde: “Quem pôr no lugar? Desafio você a sugerir um médico respeitável, com credibilidade, que aceite assumir a Saúde numa hora dessas!”

Pura verdade. Qualquer médico sério pensa como Hajjar. Logo, Bolsonaro ficou entre um nome do Centrão ou um doutor pronto a seguir a máxima de Pazuello: “um manda, outro obedece”. Assim, o novo ministro, Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, está no foco. Vai ter a altivez de Luiz Mandetta, Nelson Teich e Ludhmila Hajjar, ou vai replicar Pazuello e jogar a ciência para o alto?

O País está em polvorosa, caminhando para 300 mil mortos, com governadores e prefeitos tontos, médicos e enfermeiros no limite, mas o que fez Bolsonaro mudar o ministro e o discurso não foi nada disso. Foi a entrada do ex-presidente Lula em cena. Era preciso um bode expiatório rápido. E um general da ativa é um bode expiatório e tanto.

Depois de fritado pelo presidente e três generais de Exército, inclusive o ministro da Defesa, Pazuello ainda divulgou que, ao contrário das versões palacianas, ele não estava doente, não tinha pedido demissão e não tinha sido demitido. E, ontem, disse que 15% dos grupos prioritários estarão vacinados em março e 88% em abril. Convém guardar esses números, porque uma das marcas do general é fazer previsões que não se confirmam, nem de datas, nem de doses, nem de contratos, nem de testes...

E ele se “esqueceu” de dizer que, se 10 milhões de brasileiros foram vacinados até agora, é graças ao governador João Doria (SP), ao Butantan, ao laboratório Sinovac e à Coronavac, atacada como “aquela vacina chinesa do Doria”, quando Bolsonaro bateu no peito, disse que ele é que mandava e cancelou a compra de 46 milhões de doses que Pazuello anunciara.

Se dependesse de Bolsonaro, os brasileiros nem estariam se vacinando até agora, quando estão morrendo sem direito a UTI, dignidade, humanidade. 

É por isso, aliás, que a gestão da pandemia no Brasil foi parar na Conselho de Direitos Humanos da ONU, sofre investigações do STF, do TCU e do Ministério Público e pode virar alvo do Congresso.

Caso a CPI seja instalada, não há gabinete do ódio, carreatas e fake news que possam apagar todas as monstruosidades de Bolsonaro a favor do vírus, contra a vida. A dúvida é como Queiroga vai lidar com isso. E com a realidade.

Eliane Cantanhêde é comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal (PE) e do telejornal Globo News "Em Pauta". Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 16 de março de 2021. 

Escanteado, Centrão avisa que será última chance de Bolsonaro acertar; leia bastidores

Presidente decidiu colocar na pasta um nome da confiança do seu filho Flávio Bolsonaro e demonstrou que, no momento mais dramático de seu governo, voltou a se isolar

 Os constrangimentos que marcaram as duas conversas da médica Ludhmila Hajjar com o presidente Jair Bolsonaro fizeram políticos do Centrão lavar as mãos sobre a indicação do novo ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga. Bolsonaro decidiu colocar na pasta um nome da confiança do seu filho Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Com isso, o presidente demonstrou que, no momento mais dramático de seu governo, voltou a se isolar.

A resposta do grupo que tenta convencer o governo a dar uma guinada na Saúde é sempre de que a escolha é do presidente, mas há um tom de ameaça no ar. 

Um influente político do Centrão resume: Bolsonaro quis escolher um nome sozinho. 

Não tem problema. Mas terá que acertar na seleção do seu quarto ministro da Saúde porque, caso seja necessário fazer uma nova troca, o País não vai parar para discutir quem será o quinto, mas sim o próximo presidente da República. 

Na versão de um deputado, ninguém mais ficará brincando de escolher ministro.

No Supremo Tribunal Federal (STF), onde Ludhmila Hajjar também tinha amplo apoio para assumir o cargo de Eduardo Pazuello, o tratamento dado a ela foi considerado lamentável. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, colocou gasolina na crise ao tentar desmentir a médica no Twitter dizendo que ela não chegou a ser convidada para o cargo. A postagem foi feita pouco depois de ela afirmar, em entrevistas, que havia recusado a oferta. “Pode não ter tido um convite formal, mas a chamaram para o quê?”, perguntou ao Estadão um integrante do Supremo.

Dois ministros consultados pela reportagem dizem que Bolsonaro pode não ter iniciado os ataques a ela nas redes sociais, mas também não pediu para que seus apoiadores parassem. Quando Augusto Aras foi escolhido para a Procuradoria-Geral da República (PGR), a cúpula do gabinete do ódio foi para as redes pedir paciência dos apoiadores que exploraram as relações do chefe do Ministério Público Federal com o PT.

No encontro de mais de quatro horas com Bolsonaro no domingo, Hajjar foi sabatinada pelo presidente e pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um de seus filhos. Quem conversou com a médica diz que foi constrangedor o fato de o próprio ministro estar presente no momento em que se discutia a sua troca.

O site Poder 360 relatou que, durante a conversa, Hajjar foi questionada por Eduardo sobre qual sua opinião sobre armas e aborto. Bolsonaro perguntou se ela defenderia lockdown no Nordeste, o que, conforme o site, prejudicaria a sua reeleição. Pazuello, por sua vez, indicou que ele estaria sendo substituído por não ter o apoio político que ela teria. Àquela altura, o líder do Centrão e presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), já havia tuitado em defesa do seu nome. Razão pela qual uma das primeiras declarações da médica foi dizer que não tem vinculação partidária. 

O Progressistas tinha interesse em voltar a comandar o Ministério da Saúde, uma pasta que tem orçamento de R$ 134,5 bilhões. Três nomes da bancada foram cotados para substituir Pazuello: os deputados Doutor Luizinho (RJ), Hiran Gonçalves (RR) e Ricardo Barros (PR). Nenhum deles foi sequer entrevistado.

Andreza Matais, O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2021 

Bolsonaro, ministro da Saúde

Malgrado tenha cometido inúmeros erros, Pazuello foi sabotado por Bolsonaro nas escassas ocasiões em que tentou acertar

A incompetência do intendente Eduardo Pazuello para exercer o cargo de ministro da Saúde, algo especialmente grave em meio à pandemia de covid-19, já está sobejamente comprovada. Portanto, sua substituição, cogitada no fim de semana, tornou-se há muito tempo um imperativo. Em defesa de Pazuello, contudo, deve-se enfatizar que, assim como jabuti não sobe em árvore, sua presença no Ministério da Saúde, a despeito de seu evidente despreparo, só se materializou porque o presidente Jair Bolsonaro o colocou lá.

Mais: malgrado tenha cometido inúmeros erros de sua própria lavra, Pazuello foi sabotado por Bolsonaro nas escassas ocasiões em que tentou acertar – como quando se dispôs a assinar um protocolo de intenções com o governo paulista para aquisição de vacinas produzidas pelo Instituto Butantan e foi desautorizado publicamente, de forma humilhante, pelo presidente. Qualquer um com amor próprio teria pedido as contas no ato; mas não Pazuello, que se limitou a admitir que estava no cargo apenas para cumprir ordens.

O intendente é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro, colocado ali depois que os dois anteriores se recusaram a fazer o triste papel que lhes atribuía o presidente. Bolsonaro é, na prática, o ministro da Saúde.

Nessa condição, menosprezou a dimensão da pandemia, fez campanha contra a vacinação, estimulou os brasileiros a se automedicarem com remédios inócuos contra o coronavírus, ofendeu doentes e mortos, desmoralizou todas as medidas de isolamento destinadas a conter a covid-19 e ainda desdenhou dos cuidados mínimos para evitar contaminação, como o uso de máscara e o distanciamento social.

Logo, não é possível sequer imaginar que, diante desse comportamento do presidente da República, o Ministério da Saúde, sob a direção de quem quer que seja, será capaz de atuar tendo a ciência e o bom senso como norte. Quem tentou, antes de Pazuello, perdeu o emprego.

A esta altura, a esperança de uma mudança de direção no governo reside na pressão eleitoral, a única que move Bolsonaro. A perda acelerada de popularidade do presidente por conta da condução irresponsável da crise, com seus múltiplos efeitos trágicos, já fez Bolsonaro pelo menos reduzir sua hostilidade à vacinação.

De uma hora para outra – notadamente desde o ressurgimento do petista Lula da Silva no cenário eleitoral, com um discurso a favor da vacinação –, Bolsonaro passou a posar de campeão da imunização. Também cedeu à pressão política pela substituição do ministro Pazuello, hoje completamente desacreditado em todas as áreas envolvidas na luta contra a pandemia.

No fim de semana passado, Bolsonaro sondou, para o lugar de Pazuello, a cardiologista Ludhmila Hajjar, nome que imediatamente ganhou apoio de expoentes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Sua nomeação representaria uma guinada radical na condução do Ministério da Saúde, pois a médica é conhecida pela defesa da vacinação e das medidas de isolamento social e por sua oposição firme ao “tratamento precoce” com cloroquina e outros elixires caros aos bolsonaristas.

A esperança de mudança durou poucas horas. Assim que se soube que Ludhmila Hajjar havia se reunido com Bolsonaro para discutir sua eventual nomeação, as redes sociais bolsonaristas reagiram com especial virulência, atacando a cardiologista como se fosse uma inimiga do Brasil.

Com bom senso, a doutora Ludhmila recusou o convite, informando o óbvio: que não houve “convergência” entre ela e Bolsonaro, pois o presidente não mudou de ideia sobre a pandemia, ao contrário do que seus marqueteiros pretendem fazer o País acreditar. 

E acrescentou que foi ameaçada de morte pelos camisas pardas que idolatram o presidente – o que dá a dimensão da loucura que o bolsonarismo inoculou no Brasil. 

No mesmo momento em que Bolsonaro fingia interesse em melhorar o Ministério da Saúde, bolsonaristas – devidamente aglomerados e sem máscara – se mobilizavam em diversas capitais em manifestações contrárias às medidas de isolamento social e, de quebra, a favor de uma intervenção militar. É a esses celerados, e só a eles, que Bolsonaro dá ouvidos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 16 de março de 2021

Juan Arias: Alguém acha que se Bolsonaro perder as eleições contra Lula irá passar a faixa pacificamente?

A única coisa que preocupa o capitão desde que foi eleito é assegurar sua reeleição no ano que vem. Contra isso, é capaz de atropelar liberdades e voltar a acariciar seu sonho de uma nova ditadura militar

Presidente Jair Bolsonaro. (Crédito foto: Joédson Alves / EFE)

A possível foto do capitão Bolsonaro passando pacificamente a faixa presidencial ao ex-presidente Lula percorreria o mundo. E é isso que o presidente tentará evitar. Já recém-eleito em 2018 começou imediatamente a colocar em dúvida a legitimidade das urnas e exigiu o voto impresso. Chegou a dizer que se os votos não fossem manipulados ele teria vencido no primeiro turno e que tinha provas disso, mas nunca as apresentou. E desde então deixou claro que se perder o próximo pleito e ainda mais agora com a possibilidade de que Lula seja o vitorioso, não aceitará pacificamente os resultados.

Estadistas e políticos de fibra não temem críticas de jornalistas. Só os medíocres e inseguros

Não por acaso, desde que surgiu de surpresa a possibilidade de que Lula possa disputar as eleições, Bolsonaro tem afirmado que só ele pode impor o estado de sítio no país. Falou novamente da possibilidade de um golpe, de que ele conta com “seu Exército”.

Bolsonaro nunca apareceu tão nervoso e agressivo ao mesmo tempo em que se apresentou de repente como o defensor da vacina, enquanto abre uma guerra contra os governadores aos que acusa de ser os responsáveis pela tragédia da pandemia por permitirem medidas restritivas para tentar conter o drama da covid-19 cada vez mais perigosa e agressiva.

A única coisa que preocupa o capitão desde que foi eleito é assegurar sua reeleição no ano que vem. Contra isso, o presidente é capaz de atropelar todas as liberdades e de voltar a acariciar seu sonho de implantar uma nova ditadura militar. Não é por acaso que a cada dia seu Governo aparece mais militarizado e que no boletim do Clube Militar do Rio de Janeiro tenha se defendido que a maioria dos brasileiros “tem saudade da ditadura”. Algo que todas as pesquisas nacionais desmentem mostrando que 70% dos brasileiros são favoráveis à democracia.

Bolsonaro voltou esses dias à cínica filosofia de que “a liberdade é mais importante do que a vida”. Só que ele falar de liberdade soa a sarcasmo. Pelo contrário, para ele o conceito de liberdade não existe. A primeira vez que ele falou de liberdade significou liberdade para infringir as leis restritivas contra o avanço da pandemia. Bolsonaro não entende de filosofia e não sabe o que é um silogismo e um sofismo. Seu forte não é o raciocínio e a reflexão e sim a impulsividade das armas e a exaltação da violência em todas as suas vertentes.

Quando o presidente defende que a liberdade vale mais do que a vida não está fazendo uma reflexão filosófica. Está só pensando na liberdade que suas hostes negacionistas pedem para desobedecer às normas impostas pela ciência e a medicina em meio à maior tragédia sanitária da história do Brasil.

Bolsonaro tem pavor de perder votos de suas hostes se apoiar as medidas necessárias não só para prevenir o contágio pessoal, como também para impedir o dos outros. Chega a defender que é melhor morrer e expor os outros à morte do que impedir as pessoas de burlar essas normas ao bel-prazer. Sua única obsessão é a de poder perder as eleições e por isso despreza a vida dos outros para salvar seu poder.

Bolsonaro falar da liberdade mesmo à custa de colocar em perigo a própria vida é risível e soa mais à fraude. Se há hoje no Brasil um político que despreza a liberdade é o presidente cujo vocabulário está repleto de palavras como golpe, ditadura, guerra contra a liberdade de expressão e perseguição dos direitos humanos. De guerra contra a liberdade das pessoas de escolher suas preferências sexuais e de negar que os diferentes tenham direito à sua liberdade de sê-lo.

A palavra liberdade na boca do negacionista e genocida já nasce podre e corrompida.

A única forma de liberdade para ele é justamente a de perseguir as liberdades que forjam uma sociedade verdadeiramente democrática onde não existe valor maior do que a vida.

O presidente alardeia o uso de Deus para seus planos de poder e para ganhar os votos da grande massa dos evangélicos. Ele, que gostaria de trocar a Constituição pela Bíblia, deveria se lembrar que nos textos sagrados Jesus define a si mesmo como “o caminho, a verdade e a vida” (João, 14,16).

Bolsonaro depreza exatamente esses três conceitos. Em vez de ser o caminho, ou seja, o guia de uma sociedade justa e livre, é o motor da confusão e do desgoverno. Em vez de ser o representante no país da verdade é o semeador da mentira, cultor da nova moda das fake news. E em vez de ser o defensor da vida chama de covardes os que se protegem do vírus e fazem sacrifícios para continuar vivos.

Não existe no presidente que está conduzindo o país a uma catástrofe um só instinto de vida. Seu abecedário é o da morte e da destruição como revela sua paixão pelas armas, expressão da morte e da violência. Que Bolsonaro coloque um falso conceito de liberdade como mais importante do que a vida é a melhor constatação do que já havia confessado: “Eu não nasci para ser presidente. Minha profissão é matar”.

Bolsonaro poderá um dia ser levado aos tribunais internacionais acusado de não ter impedido com sua negação da pandemia e seu desprezo pela vacina encher os cemitérios de mortos. A única verdadeira liberdade que ele pratica é a de abandonar o país a sua própria sorte para não perder o poder.

O certo e cada vez mais indiscutível é que o Brasil, desde o fim da ditadura e volta à democracia, nunca esteve tão perto de uma nova tragédia política. A espada de Dâmocles de um novo golpe militar não é algo hipotético e sim algo bem próximo. E ainda mais com a chegada inesperada de Lula e a deterioração cada dia maior das instituições que deveriam velar pelos valores democráticos como o Congresso e o Supremo onde está ocorrendo uma verdadeira guerra campal entre os magistrados que deveriam colocar todos os seus esforços na defesa da democracia ameaçada.

Por sua vez, os militares que se comprometeram abertamente com o Governo Bolsonaro e suas loucuras antidemocráticas dificilmente aceitarão aparecer como derrotados. E certamente não permitirão perder essa guerra.

As grandes tragédias dos países começam por ser consideradas como catastrofistas e acabam sempre se realizando quando já não há mais tempo de detê-las.

Cuidado Brasil!

JUAN ARIAS para o EL PAÍS. Publicado originalmente em 15.03.2021

Indígena chefiará secretaria do governo dos EUA pela 1ª vez

Nomeada por Biden e confirmada pelo Senado, Deb Haaland será a nova secretária do Interior. Como responsável por terras federais e recursos naturais, ela deve desempenhar papel-chave no combate às mudanças climáticas.

Integrante do povo indígena Laguna Pueblo, Deb Haaland foi eleita em 2018 deputada pelo Novo México.

O Senado dos Estados Unidos confirmou nesta segunda-feira (15/03) a congressista Deb Haaland como a nova secretária do Interior do governo do presidente Joe Biden. Ela será a primeira pessoa indígena a chefiar uma secretaria do governo americano e deve desempenhar um papel-chave nos planos de Biden para combater as mudanças climáticas.

Haaland, de 60 anos, é integrante do povo indígena Laguna Pueblo e foi eleita em 2018 deputada pelo Novo México no Congresso dos EUA, tornando-se uma das duas primeiras congressistas indígenas no país.

Nomeada em dezembro por Biden – que prometeu formar "o gabinete mais diverso da história" da Casa Branca – ela foi agora confirmada para o cargo com 51 votos a favor e 40 contra no Senado.

O Departamento do Interior é uma grande agência com mais de 70 mil funcionários, responsável pela supervisão dos recursos naturais do país, incluindo parques nacionais e reservas de petróleo ou gás, assim como pelas terras federais, muitas das quais são lar das mais de 570 tribos reconhecidas federalmente.

Em seu trabalho no Congresso desde 2018, Haaland se dedicou especialmente à melhoria dos serviços para as comunidades nativas, como a assistência durante a pandemia do coronavírus, que afetou muitas famílias indígenas, e aos esforços para proteger a natureza e mitigar as mudanças climáticas.

"Grande honra"

Em comunicado publicado no jornal The New York Times após sua nomeação, Haaland afirmou: "Seria uma grande honra avançar a agenda climática Biden-Harris, ajudar a consertar as relações intergovernamentais com as tribos que o governo Trump arruinou e servir como a primeira secretária nativa americana do gabinete na história de nossa nação."

Haaland se opõe à expansão de combustíveis fósseis em terras federais e apoia uma drástica redução das emissões para combater as mudanças climáticas, o que fez com que a maioria dos senadores republicanos votasse nesta segunda contra a sua confirmação. Cerca de 25% das emissões no país provêm da queima de combustíveis extraídos de terras e águas públicas.

A escolha histórica de Haaland foi elogiada por líderes indígenas, ativistas e integrantes da ala mais progressista do Partido Democrata. O líder da maioria democrata no Senado, Chuck Schumer, disse que a nomeação de Haaland é um "momento profundamente importante" para o país e ajudará a reparar a relação entre o Departamento do Interior e os povos indígenas que foram tratados de forma injusta.

O juramento de posse da nova secretária do Interior está previsto para esta terça-feira.

Deutsche Welle Brasil, em 16.03.2021

segunda-feira, 15 de março de 2021

Bolsonaro escolhe médico Marcelo Queiroga como ministro da Saúde

Médico, que assume no lugar de general, será o quarto nome a assumir a pasta desde o início da pandemia

 O presidente Jair Bolsonaro escolheu o médico Marcelo Queiroga como novo ministro da Saúde. Será o quarto nome a assumir a pasta, comandada desde maio pelo general Eduardo Pazuello, após o início da pandemia de covid-19. 

O convite a Queiroga foi feito em reunião na tarde desta segunda-feira, 15, no Palácio do Planalto, após a recusa da também cardiologista Ludhmila Hajjar em aceitar o cargo por, segundo ela, "motivos técnicos". A médica tem opiniões divergentes a de Bolsonaro, que defende a prescrição de cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada no combate à covid-19, e é contrário a medicas de isolamento social.

O médico Marcelo Queiroga, cotado para o Ministério da Saúde Foto: Divulgação/SBC

O paraibano Queiroga é muito respeitado no setor. No combate ao coronavírus, porém, se alinha a Hajjar: defende o distanciamento social e não acredita em tratamento precoce, dois pontos em que diverge dos bolsonaristas e do próprio presidente. Mas Queiroga é considerado uma pessoa com jogo de cintura para construir uma política de saúde que possa funcionar contra a pandemia, sem contrariar suas convicções.

Queiroga tem bom contato com integrantes do governo e havia sido indicado por Bolsonaro para ocupar uma diretoria da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS). A indicação estava parada na Comissão de Assuntos Sociais do Senado por causa da pandemia, mas seria aprovada sem problemas. 

Há poucos dias, Queiroga se encontrou com o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, a quem pediu apoio para a realização do Congresso Mundial de Cardiologia no Brasil. Em vídeo, Queiroga chama Gilson de “querido ministro”.

Marcelo de Moraes e Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2021 | 19h30

Polícia intima Felipe Neto por chamar Bolsonaro de 'genocida'

Influenciador digital foi intimado com base na Lei de Segurança Nacional; por meio de nota, youtuber diz que considera o ato uma 'tentativa de silenciamento'

O influenciador digital Felipe Neto foi intimado nesta segunda-feira, 15, a depor na Polícia Civil, com base na Lei de Segurança Nacional. Último instrumento legal remanescente do autoritarismo, a LSN ganhou sua versão mais recente em 1983, no governo do general-presidente João Figueiredo, que fechou o ciclo da ditadura militar, de 1964 a 1985. Neto também responderá por calúnia com base no Código Penal. Foi intimado após chamar o presidente Jair Bolsonaro de “genocida” por sua atuação na pandemia de covid-19. A doença já deixou mais de 275 mil mortos. Segue descontrolada no País.

“Um carro da polícia acaba de vir na minha casa”, tuitou Felipe Neto, à tarde. 

“Trouxeram uma intimação para que eu compareça e responda por crime contra a segurança nacional porque chamei Jair Bolsonaro de genocida. 

Carlos Bolsonaro foi no mesmo delegado que me indiciou por 'corrupção de menores'. Sim, é isso mesmo.” 

O vereador, segundo filho do presidente, tuitou ter entrado com queixa crime contra Neto e a atriz Bruna Marquezine “por supostos crimes contra o presidente da República”.


O influenciador digital Felipe Neto. Foto: Felipe Neto/Divulgação

A intimação é assinada pelo delegado Pablo Dacosta Sartori. O mesmo policial, no ano passado, abriu outra investigação contra o influenciador digital. A alegação era “corrupção de menores”. Neto foi indiciado em novembro de 2020. Segundo a Polícia Civil, ele estaria sob investigação por divulgar material impróprio para crianças e adolescentes sem limitar a classificação etária no YouTube.

O crime de genocídio, no Brasil, é tipificado na Lei 2.889/56. Pune quem “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: “a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”. As penas combinam punições já estabelecidas no Código Penal.

A LSN estabelece como crime, em seu artigo 26: “Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.” Já o CP fixa, em seu Artigo 138: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.”

No fim da tarde, o influenciador digital, por meio de assessores, divulgou nota em que afirma que “sua equipe jurídica está ciente do ocorrido e já está adotando todas as medidas cabíveis para cessar mais uma tentativa de silenciamento, fruto de uma clara perseguição da extrema-direita, obviamente desesperada pela ascendente perda de popularidade”.

Contra-ataque no Twitter

Neto também reagiu no Twitter. “A clara tentativa de silenciamento se dá pela intimidação”, tuitou ele à tarde. “Eles querem que eu tenha medo, que eu tema o poder dos governantes. Já disse e repito: um governo deve temer seu povo, nunca o contrário. Carlos Bolsonaro, você não me assusta com seu autoritarismo. Não vai me calar.”

Em seguida, Neto explica que usou o termo “genocida” para se referir ao presidente devido ao que chamou de “sua nítida ausência de política de saúde pública no meio da pandemia, o que contribuiu diretamente para a morte de milhares de brasileiros”. E ainda: “Uma crítica política não pode ser silenciada jamais!”

Em uma thread (sequência de tuítes), Felipe Neto lembra ainda que em janeiro deste ano, foi arquivado processo similar contra o advogado Marcelo Feller. Este também chamara o presidente de genocida. O inquérito contra o advogado foi aberto pelo ministro da Justiça, André Mendonça. Assim como Felipe Neto, Feller criticara o presidente pela forma como conduz o combate à pandemia.

“Ninguém será silenciado à força nesse País por criticar seu pai, Carluxo”, conclui Neto, chamando Carlos Bolsonaro pelo apelido.

O Estadão não conseguiu falar com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), nem com Bruna Marquezine.

Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2021 

Bela Megale: Após ameaças, Ludhmila Hajjar passa a andar com segurança e carro blindado

Em entrevista à jornalista Andreia Sadi, da Globo News, a cardiologista relatou que houve três tentativas de invadir o hotel onde estava hospedada em Brasília, na madrugada de hoje. Ludhmila também relatou que sofreu ameaças de morte e que foi alvo de divulgação de áudios e vídeos falsos, mas que segue firme em sua missão como médica.

A médica Ludhmila Hajjar | Foto: Agência O GLOBO

As ameaças contra a médica Ludhmila Hajjar, sondada para assumir o Ministério da Saúde, levaram a cardiologista a adotar medidas de segurança pessoal para ela e sua família.

Ludhmila revelou à coluna que já contratou, na manhã desta segunda-feira, segurança profissional e que passou a andar de carro blindado. As mesmas medidas foram adotadas para proteger sua família.

– Já estou com carro blindado e segurança desde hoje cedo – afirmou.

Em entrevista à jornalista Andreia Sadi, da Globo News, a cardiologista relatou que houve três tentativas de invadir o hotel onde estava hospedada em Brasília, na madrugada de hoje. Ludhmila também relatou que sofreu ameaças de morte e que foi alvo de divulgação de áudios e vídeos falsos, mas que segue firme em sua missão como médica.

– Nestas 24 horas houve uma série de ataques à minha pessoa, à minha reputação. (...) Estou num hotel em Brasília, e houve três tentativas de entrar no hotel. Pessoas que diziam que estavam com o número do quarto e que eu estava esperando-os. Diziam que eram pessoas que faziam parte da minha equipe médica. Se não fossem os seguranças do hotel, não sei o que seria…" – afirmou à Globo News.

As ameaças aconteceram depois que a cardiologista passou a ser cotada para ocupar o lugar de Eduardo Pazuello na pasta da Saúde. Ela se reuniu ontem e hoje com o presidente Jair Bolsonaro e afirmou em entrevista que não aceitou convite por falta de “convergência técnica” entre ela e Bolsonaro.

Bela Megale é colunista de O Globo. Publicado originalmente em 15.03.2021

Brasil se aproxima de 280 mil mortes e registra 1.057 óbitos por covid-19 em 24h

Volume de novos casos da doença voltou a crescer no país

O Brasil atingiu na segunda-feira (15/3) 11.519.609 casos de covid-19 e 279.286 mortes, segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Foram 1.057 mortes em 24 horas. A média móvel dos últimos sete dias ficou em chegou ao nível inédito de 1.841 mortes, superando o recorde de domingo, que fora de 1.831 .

O número de casos nas últimas 24 horas foi de 36.239. A média móvel ficou em 66.849 mil novos casos.

O Estado com maior número de vítimas fatais é São Paulo (64.223), onde diversos hospitais públicos e privados relatam superlotação, seguido de Rio de Janeiro (34.330) e Minas Gerais (20.687).

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país com mais mortes pela doença em todo o mundo. Ele está atrás apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 534,4 mil óbitos por covid-19, conforme registro da Universidade Johns Hopkins.

BBC News Brasil, em 15.03.2021

José Sarney: As flores do coração

Cruel ver tratar-se agora de outras coisas, todas menores diante do desafio que estamos vivendo. Nada existe para discutir neste momento senão a Covid — a vida e a morte, a vida que precisa vencer a morte — e a desgraça de ver nosso País tendo como marca mundial uma coroa de defuntos.

Na adolescência encontrei um livro que muito marcou a minha vida e me fez entrar numa fase de dúvidas — muitas dúvidas — filosóficas e religiosas. Sobrevivi a todas e mantive definitivamente os meus ideais cristãos. Esse livro ocupou meu pensamento e permanece até hoje como uma fonte de indagações não respondidas, provocação permanente a incitar o meu raciocínio. Já o título do livro era uma formulação desafiadora: O Sentimento Trágico da Vida. Mais tarde a Igreja o colocou no Index librorum prohibitorum. Seu autor é o grande filósofo espanhol Dom Miguel de Unamuno, que foi Reitor da Universidade de Salamanca — pertenço, com orgulho, a um dos seus Conselhos.

Ali fiz uma conferência quando do Centenário de Jorge Amado, analisando sua obra e importância na literatura brasileira, e lembrei, para admiração geral, o verso de Júlio Dantas, em A Ceia dos Cardeais, quando colocou na palavra do Cardeal Rufo a expressão do temperamento de fanfarronice ibérico: “Não matei em duelo o Sol, pelas alturas / Só para não deixar Salamanca às escuras!”

Lembrei-me desse livro ao viver uma comoção que não passa com a situação trágica do País, com essa pandemia que ameaça o futuro da humanidade por um vírus, uma partícula submicroscópica, que não chega a ser um organismo, que não é um ser vivo, mas é a porta da morte, que como um dragão apocalíptico se transforma a cada instante em variantes mais transmissíveis e mais letais. Vivemos, assim, com medo desse monstro nos possuir e com uma infindável percepção de perda.

Não há quem não compartilhe das lágrimas das famílias dos mais de 270 mil mortos, dos 2349 homens e mulheres cujas mortes, na quarta-feira, colocaram o Brasil na vergonhosa e podre posição de ser o primeiro país do mundo nesse ranking do terror. Não há flores em nossos corações suficientes para ocupar o pedaço de chão onde essas pessoas repousam por toda a eternidade. Esses números destroem todos nós, presos de uma tristeza que não passa.

Viver é ter um privilégio, uma vitória desde o nada. Cada vez que a relação sexual entre um homem e uma mulher gera um ser humano, somente um entre cerca de vinte milhões de espermatozoides consegue alcançar e fertilizar o óvulo. Já nascemos vencendo uma competição entre vinte milhões de concorrentes. A vida é uma graça de Deus. Temos o dever de zelar por ela, por nós e pelos outros, pelo amor e pela esperança — e contra aquele lema da Falange na Guerra Civil Espanhola: “Viva a morte!” Estamos a vislumbrar uma ameaça ao futuro da humanidade, com o raio de uma doença desconhecida.

Cruel ver tratar-se agora de outras coisas, todas menores diante do desafio que estamos vivendo. Nada existe para discutir neste momento senão a Covid — a vida e a morte, a vida que precisa vencer a morte — e a desgraça de ver nosso País tendo como marca mundial uma coroa de defuntos.

José Sarney foi Governador do Maranhão e Presidente da República. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado do Maranhão, edição de 14 de março de 2021.

O escândalo das nulidades

Como é possível que órgãos e agentes públicos sigam atuando à revelia da lei?

É frequente a acusação de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) seria um “cemitério de Operações”, em razão de ter invalidado, ao longo dos anos, diversas investigações criminais. De fato, a Corte anulou operações policiais importantes, como a Castelo de Areia, a Satiagraha e a Boi Barrica. Recentemente, o STJ anulou, por falta de fundamentação, a decisão judicial que decretou a quebra de sigilo no caso das “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

No entanto, esse histórico de decisões do STJ a respeito de ilegalidades praticadas em operações policiais não deixa mal o tribunal, que em tese apenas cumpriu o seu papel de aplicar uniformemente a legislação nacional. Nessa história de operações anuladas, quem fica rigorosamente mal são os órgãos policiais, o Ministério Público e os juízes que acompanharam os respectivos inquéritos.

Em abril de 2011, a Sexta Turma do STJ anulou as provas da Operação Castelo de Areia. Segundo o tribunal, as escutas e as operações de busca e apreensão de documentos não tinham validade legal, pois foram autorizadas com base em uma única denúncia anônima.

No julgamento, os ministros do STJ censuraram os promotores e juízes que atuaram no caso na primeira instância, por terem acolhido várias petições formuladas em termos excessivamente genéricos, o que viola direitos fundamentais e liberdades públicas. “A concessão indiscriminada de senhas foi uma autorização em branco, dando ensejo a uma verdadeira devassa na vida dos suspeitos e de qualquer pessoa. Se a Polícia desrespeita a norma e se o Ministério Público passa por cima da irregularidade, não deve o Judiciário conceder beneplácitos às violações da lei”, disse na época o desembargador Celso Limongi, que participou do julgamento.

Dois meses depois, o STJ declarou a nulidade das provas obtidas pela Operação Satiagraha, envolvendo o banqueiro Daniel Dantas. Os ministros do STJ concluíram que os métodos do delegado Protógenes Queiroz, com a participação clandestina de 75 agentes da Abin que tiveram acesso a dados sigilosos, não tinham respeitado os ditames legais.

“O combate ao crime tem de ser feito nos termos da lei. Aquela prova colhida na clandestinidade era natimorta, e cabe a nós, do Judiciário, passar o atestado de óbito antes que seja tarde”, disse Jorge Mussi, atual vice-presidente do STJ, que votou pela nulidade das provas obtidas na Satiagraha.

Em 2013, por unanimidade, a Sexta Turma do STJ declarou a ilicitude das provas produzidas pelas interceptações telefônicas da Operação Suíça, que investigava suposto esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro envolvendo executivos e diretores do banco Credit Suisse. Os grampos tinham sido autorizados judicialmente com base em denúncia anônima.

A cada decisão do STJ a respeito de nulidades processuais tem-se a esperança de que, nas futuras investigações, delegados federais e procuradores atuarão dentro dos limites estabelecidos pela lei e recordados pela Corte. No entanto, o conjunto de operações anuladas indica uma realidade muito diferente, como se não houvesse um aprendizado. Renovam-se as operações, mas parece que as práticas permanecem as mesmas.

De fato, as várias operações anuladas constituem um escândalo, mas não em relação ao STJ, e sim a quem tem produzido essas nulidades. Como é possível que órgãos e agentes públicos, financiados com recursos do contribuinte, sigam atuando à revelia da lei, mesmo sabendo que esse tipo de trabalho, num Estado Democrático de Direito, não tem – não pode ter – utilidade nenhuma?

É injusto atribuir à defesa da lei – que, muitas vezes, nada mais é do que o respeito a liberdades e garantias fundamentais – um caráter de conivência com a impunidade. Todos sabem que as investigações devem ser feitas dentro da lei. Assim, a impunidade não é consequência de quem protege a lei, e sim de quem repetidamente não parece se importar com os limites legais, abrindo caminho para novas e repetidas nulidades.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2021