terça-feira, 16 de março de 2021

Caos, omissão e explosão de mortes: o legado de Pazuello na Saúde

Em dez meses à frente do ministério, general obedeceu cegamente ordens de Bolsonaro que contrariavam a ciência, tentou esconder número de óbitos pela covid-19 e falhou em garantir vacinas suficientes para o país.

Eduardo Pazuello, agora ex-ministro da Saúde

"Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece", sintetizou o general Eduardo Pazuello em outubro de 2020 sobre seu papel, após ser desautorizado publicamente por Jair Bolsonaro numa rara ocasião em que tomou uma iniciativa que contrariava a visão do presidente sobre a pandemia. No caso, um anúncio de compra pelo Ministério da Saúde de doses da Coronavac, vacina contra a covid-19 promovida pelo governo de São Paulo, que foi tratada inicialmente com desprezo por Bolsonaro.

Nos dez meses à frente da pasta – quatro como interino, seis como efetivado –, Pazuello, um general da ativa, acabou se destacando mesmo por obedecer ordens sem apresentar questionamentos – incluindo ordens que contrariavam o consenso científico e boas práticas de gestão.

Sem qualquer experiência na Saúde, Pazuello chegou a afirmar em outubro que "nem sabia o que era SUS". Sua gestão também acabaria por ser marcada por omissões trágicas durante a pandemia, inabilidade e erros básicos de administração, apesar de o general ter sido inicialmente promovido pela máquina de propaganda do governo como um "especialista em logística".

Mas um técnico experiente não era o que Bolsonaro procurava para ocupar o cargo em maio de 2020, quando a pandemia já avançava com força no país. Antes mesmo de assumir a pasta, Pazuello atuava como secretário-executivo do ministério. Na prática, era um representante político de Bolsonaro na Saúde.

Depois, na chefia da pasta, o general não fez questão de se cercar de especialistas, preferindo entregar dezenas de cargos-chave para outros militares e ser aconselhado por figuras como o dono de uma rede de cursinhos de inglês e um marqueteiro que se apresenta como "palestrante motivacional e hipnólogo".

O resultado: quando Pazuello assumiu o ministério em 16 de maio, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes associadas à covid-19. Na segunda-feira (15/03), quando o substituto do general foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões, e o de mortes se aproximava de 280 mil, com o país ocupando o segundo lugar entre as nações com mais óbitos na pandemia.

Na última semana, o país começou a registrar marcas diárias de mortes superiores a 2 mil. A expansão da testagem há muito tempo foi deixada de lado. Recomendações de distanciamento social despareceram das propagandas do ministério.

Já a principal ferramenta para superar a crise, a vacinação, caminha a passos lentos. Por meses, Pazuello e sua equipe ignoraram ofertas de laboratórios, preferindo apostar numa arriscada estratégia de produção local de apenas um tipo de vacina, desenvolvida pela AstraZeneca, que vem sendo envasada em ritmo lento e se deparando com problemas de importação de insumos. Sem vacinação ou estratégia unificada de combate à pandemia, o Brasil virou nos últimos meses um celeiro para novas variantes mais contagiosas do vírus, levando especialistas a afirmarem que o país é uma ameaça global.

Expansão da cloroquina

Após a queda de dois ministros em sequência – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, dois médicos que resistiram a adotar as orientações negacionistas –, Pazuello assumiu o posto colocando imediatamente em prática aquela que era então a principal bandeira do governo: a expansão do chamado "tratamento precoce", especialmente a cloroquina.

O remédio foi apontado em estudos como ineficaz contra a covid-19, e mesmo assim foi adotado por Bolsonaro como instrumento para tranquilizar a população e incentivar a volta ao trabalho, com o bônus de servir de ferramenta para atacar críticos da estratégia negacionista do governo, que poderiam ser pintados falsamente como "torcedores do vírus" quando apontassem a ineficácia do tratamento.

Quatro dias após a saída de Teich, o ministério, já sob a caneta de Pazuello, publicou um novo protocolo de expansão do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com covid-19. Era só o início.

Com Pazuello, o Brasil recebeu 3 milhões de comprimidos de cloroquina dos Estados Unidos. Recursos do SUS foram alocados para distribuir outras doses do remédio pelo país. Nesse período, o Exército brasileiro já era sócio na empreitada, produzindo mais de 3 milhões de comprimidos ao longo de 2020. Em outubro, Pazuello também se tornou pessoalmente um garoto-propaganda da cloroquina, ao afirmar que estava tomando o remédio após ser infectado com o coronavírus.

Em janeiro de 2021, enquanto os hospitais de Manaus enfrentavam mais um colapso, Pazuello viajou à capital do Amazonas para lançar um aplicativo que estimulava o consumo de cloroquina e de outros itens do tratamento bolsonarista. Batizado como TrateCov, o app recomendava altas doses de cloroquina até mesmo para bebês. Diante da má repercussão, o aplicativo foi tirado do ar. Ainda assim, a fé na cloroquina persistiu. Em fevereiro, o ministério abriu um novo edital para comprar mais doses do remédio.

Mesmo tendo incentivado o uso do medicamento por mais de sete meses, Pazuello disse agressivamente para uma jornalista que nunca havia recomendado a cloroquina. A mentira coincidiu com um pedido de explicações do Tribunal de Contas da União, que apontou indícios de ilegalidade na utilização de recursos do SUS para distribuir um tratamento ineficaz.

Colapso em Manaus

Ainda em janeiro, ao mesmo tempo em que os hospitais de Manaus estavam sobrecarregados, Pazuello e outros membros do ministério pressionaram a prefeitura local a distribuir mais medicamentos ineficazes. Paralelamente, a pasta ignorou sinais de que a cidade estava sofrendo com desabastecimento de oxigênio nos hospitais. A omissão resultaria na morte de dezenas de pacientes por asfixia.

O caso acabou rendendo uma investigação contra Pazuello no Supremo Tribunal Federal (STF). O general apresentou diferentes versões para o caso, dando declarações contraditórias sobre quando a pasta teria tomado conhecimento dos problemas em Manaus. Pazuello chegou a informar três diferentes datas sobre quando teria sido informado sobre a escassez de oxigênio. Na primeira versão, apontou que foi em 8 de janeiro. Na última, 17 de janeiro, convenientemente depois do colapso, que ocorreu a partir do dia 14.

Com a saída de Pazuello, a investigação deve ser remetida para a primeira instância, já que o general não vai mais contar com foro especial.

Mesmo após a tragédia em Manaus, Pazuello seguiu na mesma linha de negar problemas. Na quarta-feira passada, ele afirmou que "o sistema de saúde está muito impactado, mas não colapsou, nem vai colapsar", mesmo diante dos sinais de estrangulamento da rede de UTIs em dezenas de capitais e grandes cidades.

Falta de transparência

Em um dos lances mais graves da gestão Pazuello, o Ministério da Saúde passou a esconder os números da pandemia em junho de 2020. Em maio, o Ministério da Saúde já havia deixado de publicar nas redes sociais os boletins diários. O último foi publicado um dia antes de o país superar pela primeira vez a marca de mil mortes em 24 horas. Pouco depois, os boletins publicados no site da pasta e disponibilizados para a imprensa começaram a sair cada vez mais tarde. Os releases também passaram a usar uma linguagem otimista, destacando supostos números de curados, e empurrando os dados negativos para parágrafos posteriores.

Números de mortes associadas à covid-19 explodiu na gestão Pazuello

O próximo passo foi vandalizar a página que concentra os dados da pandemia, promovendo um sumiço dos números totais de mortes e casos, e destacando um número de curados em caracteres garrafais. O caso provocou um escândalo e a intervenção do STF, que ordenou que todos os dados voltassem ao ar. O ministério obedeceu, mas continuou a usar a linguagem otimista em sua comunicação, passando a replicar nas redes sociais publicações do Planalto que exibiam um "Placar da Vida", que incluía apenas o número de infectados, recuperados e "em recuperação", sem mencionar o número de mortos pela doença.

Com Pazuello, as coletivas de imprensa, que eram diárias na época de Mandetta, também se tornaram uma raridade. O general passou a somente convocar a imprensa quando queria fazer um anúncio positivo, especialmente sobre as tratativas da pasta para comprar vacinas, ignorando por completo esclarecimentos sobre o avanço da doença.

Vacinas: promessas não cumpridas e previsões furadas

Em junho, o governador de São Paulo, João Doria, um desafeto do presidente, anunciou uma parceria com a empresa chinesa Sinovac para produzir a vacina que mais tarde seria batizada de Coronavac. Pouco mais de um mês depois, seria a vez de Bolsonaro assinar um acordo com a empresa anglo-sueca AstraZeneca para a produção de vacinas, em parceria com a Fiocruz.

Na contramão de quase todos os países do mundo, o Ministério da Saúde se comprometeu inicialmente com apenas uma vacina, e não com um leque diversificado como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos, país que conta atualmente com o maior número de vacinados do mundo.

Contatos com a americana Pfizer no segundo semestre não despertaram o interesse de Pazuello. Desde o primeiro momento, o general e outros militares da pasta deixaram claro que desejavam apenas fazer negócios com laboratórios que permitissem a fabricação de vacinas em território brasileiro, com transferência de tecnologia, seguindo um antigo modelo que foi bastante difundido durante o regime militar (1964-1985).

Propostas da Pfizer e outros laboratórios não incluíam essas cláusulas. No entanto, no caso do laboratório americano, a entrega poderia ter começado já em dezembro. Uma das propostas, apresentada em setembro, previa a oferta de 70 milhões de doses, sendo que três milhões poderiam ter chegado até fevereiro. Até o momento, nem uma dose da vacina AstraZeneca produzida no Brasil foi entregue.

Após fechar apenas com a AstraZeneca, o ministério não selou novos contratos para a aquisição de vacinas por cinco meses.

No período, Bolsonaro passou a alimentar temores infundados sobre o uso de imunizantes, especialmente a Coronavac, e continuou a promover a cloroquina. Em agosto e setembro, mesmo com a pandemia avançando, o ministério de Pazuello direcionou esforços para a implementar temas caros aos apoiadores de Bolsonaro, como a publicação de uma portaria para dificultar procedimento de aborto nos casos em que a gravidez ocorre em decorrência de estupro. 

No segundo semestre: houve apenas uma ocasião em que o ministro e o presidente se estranharam. Em outubro, Pazuello, aparentemente por iniciativa própria, anunciou um acordo com São Paulo para adquirir 46 milhões de doses da Coronavac. No dia seguinte, foi obrigado a voltar atrás por ordem de Bolsonaro. "Um manda e o outro obedece." Mesmo com a humilhação pública, ele decidiu permanecer no posto.

Pressão

A letargia só começou a ser rompida em dezembro, diante do progresso na elaboração do plano de imunização paulista. Pazuello finalmente manifestou interesse pela vacina da Pfizer, mas logo criaria problemas com a farmacêutica, afirmando que as cláusulas do contrato eram "leoninas", ainda que dezenas de países tenham aceitado os termos. Em janeiro, o ministério chegou a atacar publicamente a empresa, após a Pfizer divulgar que o governo havia ignorado suas propostas anteriores.

Com a pressão aumentando, Pazuello também começou a multiplicar anúncios contraditórios e promessas que logo eram desmentidas. Afirmou que a vacinação poderia começar em dezembro com doses da Pfizer, mesmo depois de a empresa dizer que não poderia mais fornecer nenhuma dose naquele mês. Em um espaço de dias, ele ainda lançou datas como janeiro, fevereiro ou março para o início da vacinação. "A vacina vai começar no dia D, na hora H no Brasil", disse, no início de janeiro, numa fala que acabaria simbolizando a falta de organização da sua gestão.

Ainda em dezembro, Pazuello finalmente apresentou um plano nacional de imunização, após pressão do STF. Mas o documento era vago, sem datas e com informações incompletas sobre protocolos de segurança, e contabilizava vacinas que nunca seriam compradas. Cientistas que foram citados como colaboradores reclamaram que nunca tinham visto o documento.

Pazuello e Bolsonaro: presidente buscava ministro que atuasse como carimbador de ordens

Paralelamente, a única aposta do governo, a produção de doses da vacina da AstraZeneca no Brasil, passou a sofrer com atrasos. Mesmo assim, Pazuello continuou a apresentar números otimistas. Em dezembro, afirmou que o Brasil teria 15 milhões de doses da AstraZeneca, mesmo com a Fiocruz apontando um dia antes que a entrega só ocorreria a partir de fevereiro – e elas acabariam por ficar para a segunda metade de março. "Para que essa ansiedade, essa angústia?", disse, após críticas pela lentidão.

Mas seria Pazuello que começaria a ficar angustiado diante da pressão por vacinas. No final de 2020, o general e outros membros do governo lançaram uma atrapalhada operação para importar algumas doses prontas da Índia, um golpe publicitário para tentar superar o governo paulista. Mas a carga acabou atrasando e, no final, a corrida pela vacina foi vencida por Doria, que iniciou a vacinação em São Paulo no dia 17 de janeiro. No mesmo mês, o governo finalmente capitulou e fechou acordo para comprar a Coronavac. Até o momento, 13 milhões de doses foram aplicadas no Brasil, a maior parte consiste em vacinas da Sinovac.

A queda

Mesmo passando a liderar uma campanha mínima de vacinação graças à iniciativa de São Paulo, a pasta de Pazuello continuou a errar por conta própria. Em fevereiro, o ministério liderado pelo "especialista em logística" cometeu um engano que também se tornaria um símbolo de desorganização.

Na ocasião, o estado do Amazonas esperava receber 78 mil vacinas, mas chegaram apenas 2 mil. Já o Amapá, com população bem menor, deveria receber 2 mil, mas obteve 78 mil, escancarando que o ministério havia confundido os dois estados do Norte.

Antes disso, Pazuello já havia sido criticado por não comprar seringas com antecedência e deixar milhões de testes não utilizados perderem a validade em depósitos. Pressionado por seus aliados do Centrão e finalmente adotando uma postura pró-vacina em reação à volta do ex-presidente Lula ao cenário político, Bolsonaro acabou entregando a cabeça de Pazuello no último fim de semana.

Na segunda-feira, em uma espécie de coletiva de imprensa de despedida, Pazuello fez um balanço da sua gestão e disse: "Hoje, o Brasil pode se orgulhar de ter um governo que apresenta, com transparência e em tempo real, todas as ações com detalhamento". Na mesma noite, o número total de mortes chegou a 279.286. Ainda na coletiva, numa fala que lembrou sua previsão vaga sobre o "Dia D" da vacinação, o general disse que poderia sair do cargo "em médio, curto ou longo prazo". Poucas horas depois, Bolsonaro anunciou seu substituto.

Deutsche Welle Brasil, em 16.03.2021

“Benefícios da vacina da AstraZeneca superam riscos”, diz diretora da Agência Europeia de Medicamentos

Principal executiva do órgão regulador da UE deve anunciar nesta quinta os resultados da investigação sobre possível vínculo do imunizante com casos de trombose e embolia. No Brasil, presidente da Fiocruz minimiza preocupação com a vacina

Emer Cooke, diretora da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), em uma tela durante a videoconferência desta terça-feira em Bruxelas. (YVES HERMAN / AFP)

Emer Cooke, diretora da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês), reiterou nesta terça-feira sua confiança nas questionadas vacinas da AstraZeneca contra a covid-19. “Continuamos convencidos de que os benefícios desta vacina superam os riscos”, afirmou Cooke numa entrevista coletiva extraordinária, via teleconferência, na qual explicou os próximos passos a serem dados pela agência reguladora da UE depois que pelo menos 16 países suspenderam ou limitaram a vacinação com o imunizante do laboratório anglo-sueco.

Nesta segunda-feira, Espanha, Alemanha, França e Itália seguiram o exemplo de outros países do continente e suspenderam temporariamente o uso da vacina da AstraZeneca, à espera de um pronunciamento dos especialistas da agência, com sede em Amsterdã. A decisão das diversas autoridades nacionais ocorre devido a suspeitas de que o medicamento poderia ter relação com casos de trombose e embolias, alguns dos quais letais.

A EMA está investigando se existe “uma relação causal” entre as vacinas desse laboratório e os incidentes detectados. Até o momento, todos os indícios levam a crer que não, mas só na quinta-feira serão divulgadas conclusões mais detalhadas.

Cooke destacou que os episódios foram detectados “em um pequeno número de pessoas”, quando se sabe que “muitos milhares” desenvolvem coágulos e embolias anualmente, “por muitas razões”. Estes casos, por enquanto, “não parecem superiores aos da população geral”, informou.

Diante da urgência médica, o Comitê de Avaliação de Riscos de Vigilância Farmacológica da EMA se reuniu nesta terça em um encontro convocado especificamente para esse fim, segundo a diretora, com a intenção de prosseguir com a análise dos dados que chegam sem parar dos diferentes países do bloco. Suas recomendações sairão dentro de dois dias.

Cooke disse que nenhuma hipótese está sendo descartada na investigação. Os especialistas estão seguindo pistas a partir de alguns lotes concretos das vacinas, analisando o processo de produção nas fábricas europeias e, ao mesmo tempo, repassando a informação clínica geral e individual dos casos notificados pelos países, tentando averiguar se o imunizante poderia afetar apenas determinados subgrupos populacionais.

A diretora não quis mencionar cifras do número de casos que estariam sob investigação. Em um comunicado da semana passada, a EMA informava que haviam sido relatados 30 episódios tromboembólicos após serem administrados quase cinco milhões de doses da vacina da AstraZeneca na UE. Esse número, segundo ela deu a entender, seria ligeiramente superior agora. Ela também incentivou a população e as autoridades médicas a notificarem qualquer caso suspeito.

Cooke não quis comentar as decisões dos Estados-membros da UE de suspenderem a vacinação com o produto da AstraZeneca. “Entendo que estão claramente esperando nossa opinião”, afirmou. “É uma responsabilidade que levamos muito a sério”. A EMA está consciente de que o assunto pode ser decisivo na batalha entre o ceticismo e a credibilidade dos cidadãos em relação às vacinas. “Nosso trabalho é que se mantenha a confiança sobre a base de uma avaliação científica adequada”, acrescentou.

Presidente da Fiocruz minimiza preocupação com vacina

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, minimizou nesta terça-feira, as preocupações em torno da suspensão da aplicação da vacina da AstraZeneca em países da Europa por efeitos adversos.Trindade destacou que, tanto a EMA quanto a OMS, não recomendam a interrupção da vacinação. “EMA e OMS não recomendaram a interrupção, mas são cautelas dos países que devem ser respeitadas e observadas”, afirmou durante reunião na Câmara dos Deputados. “Os eventos relatados são num número menor do que seria observado inclusive em relação à população ou grupos que normalmente têm esses eventos, independentemente da vacinação”, ressaltou.

A presidente também criticou a forma de distribuição desigual das vacinas pelo mundo. “[É preciso] repensar essa ordem global de países ficarem, muitas vezes, com cinco vezes o número de vacinas com o seu país e, uma nação como a nossa, que enfrenta dificuldades com o agravamento da pandemia, não possamos ter um número maior de doses”, afirmou. (Com informações da Agência Brasil)

GUILLERMO ABRIL, de Bruxelas para o EL PAÍS, em  16 MAR 2021 

Merval Pereira: Catch 22

A escolha do substituto do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é uma situação típica de Catch-22, expressão muito usada nos países de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos, oriunda de uma lei militar. 

Dá nome a um livro de Joseph Heller, “Ardil-22” na versão brasileira, que se passa no final da Segunda Guerra Mundial. Segundo o dicionário, caracteriza um problema cuja solução é negada por uma circunstância inerente ao próprio problema. 

No livro, o piloto que pede uma avaliação psicológica para escapar de missões perigosas de bombardeios estará mostrando sua sensatez e será considerado apto às mesmas missões perigosas.

É preciso mudar a política sanitária devido à repulsa provocada na população, fazendo cair a popularidade do presidente Bolsonaro. Mas como mudar a política sanitária, se o responsável por ela, o próprio presidente, não mudou a maneira de pensar em relação ao distanciamento social, ao uso da máscara ou à vacinação?

Se Bolsonaro escolhesse uma médica como Ludhmila Hajjar, estaria admitindo uma mudança de comportamento. Como não é esse o caso, a indicada pelo Centrão desistiu, incentivada por uma brutal guerrilha digital bolsonarista. O presidente Bolsonaro sempre alega que seus seguidores nas redes sociais são autônomos, não obedecem às suas ordens, o que é meia verdade. Veja-se a atuação do gabinete do ódio de dentro do Palácio do Planalto.

A solução seria escolher uma pessoa ligada a ele, que pensasse como ele, como o novo ministro escolhido, Marcelo Queiroga. Mas, para isso, por que demitir o general Pazuello, que já se humilhou publicamente afirmando, sem que lhe perguntassem, que “um manda, e o outro obedece”? O Centrão, por sua vez, também se encontra numa situação de Catch-22.

Indicou a médica rejeitada pelos bolsonaristas, tendo a demonstração clara de que seu peso político não decide tudo no governo Bolsonaro. Mas como continuar apoiando um presidente que os leva para o precipício da impopularidade, ainda mais agora que outro candidato forte se apresenta, o ex-presidente Lula, a quem já serviram com grandes vantagens? Mas, também, abrir mão das benesses do governo assim, de graça?

Típica situação de Catch-22 é a do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que, vendo que seria derrotado na Segunda Turma no julgamento da suspeição do então juiz Sergio Moro, resolveu chutar o pau da barraca e anulou quatro processos contra o ex-presidente Lula, mandando-os para a Justiça Federal de Brasília.

Como a solução de um problema Catch-22 será sempre negada pelo próprio problema, num conflito mútuo, Fachin pode perder tudo, não salvar a Lava-Jato, que parece ter sido sua motivação para ir para tudo ou nada. Salvar a Lava-Jato anulando as condenações do ex-presidente Lula é uma contradição em termos, pois ele era um símbolo do sucesso da operação de combate à corrupção.

Claro que anular os processos não significa dá-lo por inocente, mas, para efeitos políticos, Lula livre dá no mesmo. Fachin só poderá se livrar desse efeito Catch-22 se o Supremo, mais uma vez, decidir não decidir. O ministro Nunes Marques, que pediu vista do processo, pode ficar eternamente com ele, como o próprio presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, ficou dois anos até anunciá-lo na reunião da semana passada.

Se fizer isso, é sinal de que tem as costas quentes. Quem lhe esquenta as costas, o presidente Bolsonaro, também nesse caso se encontra numa situação de Catch-22. Para se vingar de Moro, seu inimigo mortal e talvez competidor em 2022, tem que aceitar a liberação de Lula, outro forte candidato contra Bolsonaro. Para se livrar de Lula, precisa que o plenário vote contra Fachin e que Nunes Marques segure o processo de suspeição até que o prazo para registrar candidaturas se esgote. Agindo assim, estará fortalecendo Moro. Difícil combinação, como é difícil, se não impossível, escapar do Catch-22.

Como todo brasileiro, terá que escolher a opção menos ruim para ele. Não foi assim que chegou à Presidência da República, nos colocando, a nós, brasileiros, numa situação de Catch-22? Para melhorar o país, só trocando o presidente. Mas trocar o presidente pode nos levar a uma convulsão social. Melhor deixá-lo sangrar até 2022. Lembram-se de Lula no mensalão?

Merval Pereira participa do Conselho Editorial do Grupo Globo. É membro das Academias Brasileira de Letras, Brasileira de Filosofia e de Ciências de Lisboa. Recebeu os prêmios Esso de Jornalismo e Maria Moors Cabot, da Columbia University. Publicado originalmente n'O Globo, em 16.03.2021.

Miriam Leitão: Denúncias da médica Ludhmila mostram os crimes da milícia digital de Bolsonaro e têm de ser investigadas

Os ataques à doutora Ludhmila Hajjar revelam de forma transparente a ação da milícia digital bolsonarista que tem origem, e fonte de alimentação, no gabinete do ódio onde atuam assessores presidenciais. 

A médica foi alvo de ataques, ameaças e mentiras porque não queriam que ela fosse a escolhida.

Ao ser informado disso pela própria médica, o presidente Bolsonaro disse “isso faz parte”. Essa frase já mostra sua cumplicidade com esse tipo de atuação dos seus apoiadores. Os movimentos não são espontâneos, eles têm origem no próprio governo.

A polícia precisa investigar isso, de forma independente, porque é crime. Ela disse ter recebido ameaças de morte. Se isso não for investigado o perigo é para a médica e para a sua família, mas é também uma ameaça à democracia brasileira.

Essa milícia influencia o presidente e é comandada pelos assessores do presidente. Essa simbiose precisa ser entendida para a proteção de todos.

Míriam Leitão é comentarista de economia e política n'O Globo. Comentário publicado originalmente n'O Globo, em 16.03.2021.

Eliane Cantanhede: Médico sério defende o que Bolsonaro condena e condena o que ele defende. E Queiroga?

O novo ministro vai ter a altivez de Luiz Mandetta, Nelson Teich e Ludhmila Hajjar, ou vai replicar Pazuello e jogar a ciência para o alto?

A médica cardiologista Ludhmila Hajjar é o oposto do general da ativa Eduardo Pazuello e deixou a demissão dele do Ministério da Saúde ainda mais humilhante. Ela conhece profundamente a situação da pandemia e tem noção clara não só do que fazer, mas sobretudo do que não fazer. E ele? O homem errado, na hora errada, passando vexame. Mas a grande diferença entre os dois nem é essa. É que ela tem brios.

Ao ser chamada a Brasília pelo presidente Jair Bolsonaro, Hajjar já tinha estratégia, equipe e estava pronta para a guerra – diferentemente do general. “Mas foi só um sonho”, desabafou a doutora, depois do encontro com Bolsonaro. O mais surpreendente é que ela sabia exatamente o que o presidente pensa da pandemia, mas ele nem sabia com quem estava falando. Só aí soube que os dois são como azeite e água.

Bastava fazer uma busca na internet e ouvir umas poucas pessoas para Bolsonaro saber que Hajjar é contra cloroquina, despreza o tal “tratamento precoce”, segue a ciência, defende o isolamento social e as máscaras e é obcecada pelas vacinas – e pela vida. Ou seja: ela defende tudo o que ele condena e condena tudo o que ele defende. Por isso, é mais uma a virar alvo de ataques covardes da tropa bolsonarista.

Isso, aliás, combina à perfeição com a provocação que uma alta fonte do governo me fez na semana passada, quando ficou claro que Pazuello não duraria muito na Saúde: “Quem pôr no lugar? Desafio você a sugerir um médico respeitável, com credibilidade, que aceite assumir a Saúde numa hora dessas!”

Pura verdade. Qualquer médico sério pensa como Hajjar. Logo, Bolsonaro ficou entre um nome do Centrão ou um doutor pronto a seguir a máxima de Pazuello: “um manda, outro obedece”. Assim, o novo ministro, Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, está no foco. Vai ter a altivez de Luiz Mandetta, Nelson Teich e Ludhmila Hajjar, ou vai replicar Pazuello e jogar a ciência para o alto?

O País está em polvorosa, caminhando para 300 mil mortos, com governadores e prefeitos tontos, médicos e enfermeiros no limite, mas o que fez Bolsonaro mudar o ministro e o discurso não foi nada disso. Foi a entrada do ex-presidente Lula em cena. Era preciso um bode expiatório rápido. E um general da ativa é um bode expiatório e tanto.

Depois de fritado pelo presidente e três generais de Exército, inclusive o ministro da Defesa, Pazuello ainda divulgou que, ao contrário das versões palacianas, ele não estava doente, não tinha pedido demissão e não tinha sido demitido. E, ontem, disse que 15% dos grupos prioritários estarão vacinados em março e 88% em abril. Convém guardar esses números, porque uma das marcas do general é fazer previsões que não se confirmam, nem de datas, nem de doses, nem de contratos, nem de testes...

E ele se “esqueceu” de dizer que, se 10 milhões de brasileiros foram vacinados até agora, é graças ao governador João Doria (SP), ao Butantan, ao laboratório Sinovac e à Coronavac, atacada como “aquela vacina chinesa do Doria”, quando Bolsonaro bateu no peito, disse que ele é que mandava e cancelou a compra de 46 milhões de doses que Pazuello anunciara.

Se dependesse de Bolsonaro, os brasileiros nem estariam se vacinando até agora, quando estão morrendo sem direito a UTI, dignidade, humanidade. 

É por isso, aliás, que a gestão da pandemia no Brasil foi parar na Conselho de Direitos Humanos da ONU, sofre investigações do STF, do TCU e do Ministério Público e pode virar alvo do Congresso.

Caso a CPI seja instalada, não há gabinete do ódio, carreatas e fake news que possam apagar todas as monstruosidades de Bolsonaro a favor do vírus, contra a vida. A dúvida é como Queiroga vai lidar com isso. E com a realidade.

Eliane Cantanhêde é comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal (PE) e do telejornal Globo News "Em Pauta". Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 16 de março de 2021. 

Escanteado, Centrão avisa que será última chance de Bolsonaro acertar; leia bastidores

Presidente decidiu colocar na pasta um nome da confiança do seu filho Flávio Bolsonaro e demonstrou que, no momento mais dramático de seu governo, voltou a se isolar

 Os constrangimentos que marcaram as duas conversas da médica Ludhmila Hajjar com o presidente Jair Bolsonaro fizeram políticos do Centrão lavar as mãos sobre a indicação do novo ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga. Bolsonaro decidiu colocar na pasta um nome da confiança do seu filho Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Com isso, o presidente demonstrou que, no momento mais dramático de seu governo, voltou a se isolar.

A resposta do grupo que tenta convencer o governo a dar uma guinada na Saúde é sempre de que a escolha é do presidente, mas há um tom de ameaça no ar. 

Um influente político do Centrão resume: Bolsonaro quis escolher um nome sozinho. 

Não tem problema. Mas terá que acertar na seleção do seu quarto ministro da Saúde porque, caso seja necessário fazer uma nova troca, o País não vai parar para discutir quem será o quinto, mas sim o próximo presidente da República. 

Na versão de um deputado, ninguém mais ficará brincando de escolher ministro.

No Supremo Tribunal Federal (STF), onde Ludhmila Hajjar também tinha amplo apoio para assumir o cargo de Eduardo Pazuello, o tratamento dado a ela foi considerado lamentável. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, colocou gasolina na crise ao tentar desmentir a médica no Twitter dizendo que ela não chegou a ser convidada para o cargo. A postagem foi feita pouco depois de ela afirmar, em entrevistas, que havia recusado a oferta. “Pode não ter tido um convite formal, mas a chamaram para o quê?”, perguntou ao Estadão um integrante do Supremo.

Dois ministros consultados pela reportagem dizem que Bolsonaro pode não ter iniciado os ataques a ela nas redes sociais, mas também não pediu para que seus apoiadores parassem. Quando Augusto Aras foi escolhido para a Procuradoria-Geral da República (PGR), a cúpula do gabinete do ódio foi para as redes pedir paciência dos apoiadores que exploraram as relações do chefe do Ministério Público Federal com o PT.

No encontro de mais de quatro horas com Bolsonaro no domingo, Hajjar foi sabatinada pelo presidente e pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um de seus filhos. Quem conversou com a médica diz que foi constrangedor o fato de o próprio ministro estar presente no momento em que se discutia a sua troca.

O site Poder 360 relatou que, durante a conversa, Hajjar foi questionada por Eduardo sobre qual sua opinião sobre armas e aborto. Bolsonaro perguntou se ela defenderia lockdown no Nordeste, o que, conforme o site, prejudicaria a sua reeleição. Pazuello, por sua vez, indicou que ele estaria sendo substituído por não ter o apoio político que ela teria. Àquela altura, o líder do Centrão e presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), já havia tuitado em defesa do seu nome. Razão pela qual uma das primeiras declarações da médica foi dizer que não tem vinculação partidária. 

O Progressistas tinha interesse em voltar a comandar o Ministério da Saúde, uma pasta que tem orçamento de R$ 134,5 bilhões. Três nomes da bancada foram cotados para substituir Pazuello: os deputados Doutor Luizinho (RJ), Hiran Gonçalves (RR) e Ricardo Barros (PR). Nenhum deles foi sequer entrevistado.

Andreza Matais, O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2021 

Bolsonaro, ministro da Saúde

Malgrado tenha cometido inúmeros erros, Pazuello foi sabotado por Bolsonaro nas escassas ocasiões em que tentou acertar

A incompetência do intendente Eduardo Pazuello para exercer o cargo de ministro da Saúde, algo especialmente grave em meio à pandemia de covid-19, já está sobejamente comprovada. Portanto, sua substituição, cogitada no fim de semana, tornou-se há muito tempo um imperativo. Em defesa de Pazuello, contudo, deve-se enfatizar que, assim como jabuti não sobe em árvore, sua presença no Ministério da Saúde, a despeito de seu evidente despreparo, só se materializou porque o presidente Jair Bolsonaro o colocou lá.

Mais: malgrado tenha cometido inúmeros erros de sua própria lavra, Pazuello foi sabotado por Bolsonaro nas escassas ocasiões em que tentou acertar – como quando se dispôs a assinar um protocolo de intenções com o governo paulista para aquisição de vacinas produzidas pelo Instituto Butantan e foi desautorizado publicamente, de forma humilhante, pelo presidente. Qualquer um com amor próprio teria pedido as contas no ato; mas não Pazuello, que se limitou a admitir que estava no cargo apenas para cumprir ordens.

O intendente é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro, colocado ali depois que os dois anteriores se recusaram a fazer o triste papel que lhes atribuía o presidente. Bolsonaro é, na prática, o ministro da Saúde.

Nessa condição, menosprezou a dimensão da pandemia, fez campanha contra a vacinação, estimulou os brasileiros a se automedicarem com remédios inócuos contra o coronavírus, ofendeu doentes e mortos, desmoralizou todas as medidas de isolamento destinadas a conter a covid-19 e ainda desdenhou dos cuidados mínimos para evitar contaminação, como o uso de máscara e o distanciamento social.

Logo, não é possível sequer imaginar que, diante desse comportamento do presidente da República, o Ministério da Saúde, sob a direção de quem quer que seja, será capaz de atuar tendo a ciência e o bom senso como norte. Quem tentou, antes de Pazuello, perdeu o emprego.

A esta altura, a esperança de uma mudança de direção no governo reside na pressão eleitoral, a única que move Bolsonaro. A perda acelerada de popularidade do presidente por conta da condução irresponsável da crise, com seus múltiplos efeitos trágicos, já fez Bolsonaro pelo menos reduzir sua hostilidade à vacinação.

De uma hora para outra – notadamente desde o ressurgimento do petista Lula da Silva no cenário eleitoral, com um discurso a favor da vacinação –, Bolsonaro passou a posar de campeão da imunização. Também cedeu à pressão política pela substituição do ministro Pazuello, hoje completamente desacreditado em todas as áreas envolvidas na luta contra a pandemia.

No fim de semana passado, Bolsonaro sondou, para o lugar de Pazuello, a cardiologista Ludhmila Hajjar, nome que imediatamente ganhou apoio de expoentes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Sua nomeação representaria uma guinada radical na condução do Ministério da Saúde, pois a médica é conhecida pela defesa da vacinação e das medidas de isolamento social e por sua oposição firme ao “tratamento precoce” com cloroquina e outros elixires caros aos bolsonaristas.

A esperança de mudança durou poucas horas. Assim que se soube que Ludhmila Hajjar havia se reunido com Bolsonaro para discutir sua eventual nomeação, as redes sociais bolsonaristas reagiram com especial virulência, atacando a cardiologista como se fosse uma inimiga do Brasil.

Com bom senso, a doutora Ludhmila recusou o convite, informando o óbvio: que não houve “convergência” entre ela e Bolsonaro, pois o presidente não mudou de ideia sobre a pandemia, ao contrário do que seus marqueteiros pretendem fazer o País acreditar. 

E acrescentou que foi ameaçada de morte pelos camisas pardas que idolatram o presidente – o que dá a dimensão da loucura que o bolsonarismo inoculou no Brasil. 

No mesmo momento em que Bolsonaro fingia interesse em melhorar o Ministério da Saúde, bolsonaristas – devidamente aglomerados e sem máscara – se mobilizavam em diversas capitais em manifestações contrárias às medidas de isolamento social e, de quebra, a favor de uma intervenção militar. É a esses celerados, e só a eles, que Bolsonaro dá ouvidos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 16 de março de 2021

Juan Arias: Alguém acha que se Bolsonaro perder as eleições contra Lula irá passar a faixa pacificamente?

A única coisa que preocupa o capitão desde que foi eleito é assegurar sua reeleição no ano que vem. Contra isso, é capaz de atropelar liberdades e voltar a acariciar seu sonho de uma nova ditadura militar

Presidente Jair Bolsonaro. (Crédito foto: Joédson Alves / EFE)

A possível foto do capitão Bolsonaro passando pacificamente a faixa presidencial ao ex-presidente Lula percorreria o mundo. E é isso que o presidente tentará evitar. Já recém-eleito em 2018 começou imediatamente a colocar em dúvida a legitimidade das urnas e exigiu o voto impresso. Chegou a dizer que se os votos não fossem manipulados ele teria vencido no primeiro turno e que tinha provas disso, mas nunca as apresentou. E desde então deixou claro que se perder o próximo pleito e ainda mais agora com a possibilidade de que Lula seja o vitorioso, não aceitará pacificamente os resultados.

Estadistas e políticos de fibra não temem críticas de jornalistas. Só os medíocres e inseguros

Não por acaso, desde que surgiu de surpresa a possibilidade de que Lula possa disputar as eleições, Bolsonaro tem afirmado que só ele pode impor o estado de sítio no país. Falou novamente da possibilidade de um golpe, de que ele conta com “seu Exército”.

Bolsonaro nunca apareceu tão nervoso e agressivo ao mesmo tempo em que se apresentou de repente como o defensor da vacina, enquanto abre uma guerra contra os governadores aos que acusa de ser os responsáveis pela tragédia da pandemia por permitirem medidas restritivas para tentar conter o drama da covid-19 cada vez mais perigosa e agressiva.

A única coisa que preocupa o capitão desde que foi eleito é assegurar sua reeleição no ano que vem. Contra isso, o presidente é capaz de atropelar todas as liberdades e de voltar a acariciar seu sonho de implantar uma nova ditadura militar. Não é por acaso que a cada dia seu Governo aparece mais militarizado e que no boletim do Clube Militar do Rio de Janeiro tenha se defendido que a maioria dos brasileiros “tem saudade da ditadura”. Algo que todas as pesquisas nacionais desmentem mostrando que 70% dos brasileiros são favoráveis à democracia.

Bolsonaro voltou esses dias à cínica filosofia de que “a liberdade é mais importante do que a vida”. Só que ele falar de liberdade soa a sarcasmo. Pelo contrário, para ele o conceito de liberdade não existe. A primeira vez que ele falou de liberdade significou liberdade para infringir as leis restritivas contra o avanço da pandemia. Bolsonaro não entende de filosofia e não sabe o que é um silogismo e um sofismo. Seu forte não é o raciocínio e a reflexão e sim a impulsividade das armas e a exaltação da violência em todas as suas vertentes.

Quando o presidente defende que a liberdade vale mais do que a vida não está fazendo uma reflexão filosófica. Está só pensando na liberdade que suas hostes negacionistas pedem para desobedecer às normas impostas pela ciência e a medicina em meio à maior tragédia sanitária da história do Brasil.

Bolsonaro tem pavor de perder votos de suas hostes se apoiar as medidas necessárias não só para prevenir o contágio pessoal, como também para impedir o dos outros. Chega a defender que é melhor morrer e expor os outros à morte do que impedir as pessoas de burlar essas normas ao bel-prazer. Sua única obsessão é a de poder perder as eleições e por isso despreza a vida dos outros para salvar seu poder.

Bolsonaro falar da liberdade mesmo à custa de colocar em perigo a própria vida é risível e soa mais à fraude. Se há hoje no Brasil um político que despreza a liberdade é o presidente cujo vocabulário está repleto de palavras como golpe, ditadura, guerra contra a liberdade de expressão e perseguição dos direitos humanos. De guerra contra a liberdade das pessoas de escolher suas preferências sexuais e de negar que os diferentes tenham direito à sua liberdade de sê-lo.

A palavra liberdade na boca do negacionista e genocida já nasce podre e corrompida.

A única forma de liberdade para ele é justamente a de perseguir as liberdades que forjam uma sociedade verdadeiramente democrática onde não existe valor maior do que a vida.

O presidente alardeia o uso de Deus para seus planos de poder e para ganhar os votos da grande massa dos evangélicos. Ele, que gostaria de trocar a Constituição pela Bíblia, deveria se lembrar que nos textos sagrados Jesus define a si mesmo como “o caminho, a verdade e a vida” (João, 14,16).

Bolsonaro depreza exatamente esses três conceitos. Em vez de ser o caminho, ou seja, o guia de uma sociedade justa e livre, é o motor da confusão e do desgoverno. Em vez de ser o representante no país da verdade é o semeador da mentira, cultor da nova moda das fake news. E em vez de ser o defensor da vida chama de covardes os que se protegem do vírus e fazem sacrifícios para continuar vivos.

Não existe no presidente que está conduzindo o país a uma catástrofe um só instinto de vida. Seu abecedário é o da morte e da destruição como revela sua paixão pelas armas, expressão da morte e da violência. Que Bolsonaro coloque um falso conceito de liberdade como mais importante do que a vida é a melhor constatação do que já havia confessado: “Eu não nasci para ser presidente. Minha profissão é matar”.

Bolsonaro poderá um dia ser levado aos tribunais internacionais acusado de não ter impedido com sua negação da pandemia e seu desprezo pela vacina encher os cemitérios de mortos. A única verdadeira liberdade que ele pratica é a de abandonar o país a sua própria sorte para não perder o poder.

O certo e cada vez mais indiscutível é que o Brasil, desde o fim da ditadura e volta à democracia, nunca esteve tão perto de uma nova tragédia política. A espada de Dâmocles de um novo golpe militar não é algo hipotético e sim algo bem próximo. E ainda mais com a chegada inesperada de Lula e a deterioração cada dia maior das instituições que deveriam velar pelos valores democráticos como o Congresso e o Supremo onde está ocorrendo uma verdadeira guerra campal entre os magistrados que deveriam colocar todos os seus esforços na defesa da democracia ameaçada.

Por sua vez, os militares que se comprometeram abertamente com o Governo Bolsonaro e suas loucuras antidemocráticas dificilmente aceitarão aparecer como derrotados. E certamente não permitirão perder essa guerra.

As grandes tragédias dos países começam por ser consideradas como catastrofistas e acabam sempre se realizando quando já não há mais tempo de detê-las.

Cuidado Brasil!

JUAN ARIAS para o EL PAÍS. Publicado originalmente em 15.03.2021

Indígena chefiará secretaria do governo dos EUA pela 1ª vez

Nomeada por Biden e confirmada pelo Senado, Deb Haaland será a nova secretária do Interior. Como responsável por terras federais e recursos naturais, ela deve desempenhar papel-chave no combate às mudanças climáticas.

Integrante do povo indígena Laguna Pueblo, Deb Haaland foi eleita em 2018 deputada pelo Novo México.

O Senado dos Estados Unidos confirmou nesta segunda-feira (15/03) a congressista Deb Haaland como a nova secretária do Interior do governo do presidente Joe Biden. Ela será a primeira pessoa indígena a chefiar uma secretaria do governo americano e deve desempenhar um papel-chave nos planos de Biden para combater as mudanças climáticas.

Haaland, de 60 anos, é integrante do povo indígena Laguna Pueblo e foi eleita em 2018 deputada pelo Novo México no Congresso dos EUA, tornando-se uma das duas primeiras congressistas indígenas no país.

Nomeada em dezembro por Biden – que prometeu formar "o gabinete mais diverso da história" da Casa Branca – ela foi agora confirmada para o cargo com 51 votos a favor e 40 contra no Senado.

O Departamento do Interior é uma grande agência com mais de 70 mil funcionários, responsável pela supervisão dos recursos naturais do país, incluindo parques nacionais e reservas de petróleo ou gás, assim como pelas terras federais, muitas das quais são lar das mais de 570 tribos reconhecidas federalmente.

Em seu trabalho no Congresso desde 2018, Haaland se dedicou especialmente à melhoria dos serviços para as comunidades nativas, como a assistência durante a pandemia do coronavírus, que afetou muitas famílias indígenas, e aos esforços para proteger a natureza e mitigar as mudanças climáticas.

"Grande honra"

Em comunicado publicado no jornal The New York Times após sua nomeação, Haaland afirmou: "Seria uma grande honra avançar a agenda climática Biden-Harris, ajudar a consertar as relações intergovernamentais com as tribos que o governo Trump arruinou e servir como a primeira secretária nativa americana do gabinete na história de nossa nação."

Haaland se opõe à expansão de combustíveis fósseis em terras federais e apoia uma drástica redução das emissões para combater as mudanças climáticas, o que fez com que a maioria dos senadores republicanos votasse nesta segunda contra a sua confirmação. Cerca de 25% das emissões no país provêm da queima de combustíveis extraídos de terras e águas públicas.

A escolha histórica de Haaland foi elogiada por líderes indígenas, ativistas e integrantes da ala mais progressista do Partido Democrata. O líder da maioria democrata no Senado, Chuck Schumer, disse que a nomeação de Haaland é um "momento profundamente importante" para o país e ajudará a reparar a relação entre o Departamento do Interior e os povos indígenas que foram tratados de forma injusta.

O juramento de posse da nova secretária do Interior está previsto para esta terça-feira.

Deutsche Welle Brasil, em 16.03.2021

segunda-feira, 15 de março de 2021

Bolsonaro escolhe médico Marcelo Queiroga como ministro da Saúde

Médico, que assume no lugar de general, será o quarto nome a assumir a pasta desde o início da pandemia

 O presidente Jair Bolsonaro escolheu o médico Marcelo Queiroga como novo ministro da Saúde. Será o quarto nome a assumir a pasta, comandada desde maio pelo general Eduardo Pazuello, após o início da pandemia de covid-19. 

O convite a Queiroga foi feito em reunião na tarde desta segunda-feira, 15, no Palácio do Planalto, após a recusa da também cardiologista Ludhmila Hajjar em aceitar o cargo por, segundo ela, "motivos técnicos". A médica tem opiniões divergentes a de Bolsonaro, que defende a prescrição de cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada no combate à covid-19, e é contrário a medicas de isolamento social.

O médico Marcelo Queiroga, cotado para o Ministério da Saúde Foto: Divulgação/SBC

O paraibano Queiroga é muito respeitado no setor. No combate ao coronavírus, porém, se alinha a Hajjar: defende o distanciamento social e não acredita em tratamento precoce, dois pontos em que diverge dos bolsonaristas e do próprio presidente. Mas Queiroga é considerado uma pessoa com jogo de cintura para construir uma política de saúde que possa funcionar contra a pandemia, sem contrariar suas convicções.

Queiroga tem bom contato com integrantes do governo e havia sido indicado por Bolsonaro para ocupar uma diretoria da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS). A indicação estava parada na Comissão de Assuntos Sociais do Senado por causa da pandemia, mas seria aprovada sem problemas. 

Há poucos dias, Queiroga se encontrou com o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, a quem pediu apoio para a realização do Congresso Mundial de Cardiologia no Brasil. Em vídeo, Queiroga chama Gilson de “querido ministro”.

Marcelo de Moraes e Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2021 | 19h30

Polícia intima Felipe Neto por chamar Bolsonaro de 'genocida'

Influenciador digital foi intimado com base na Lei de Segurança Nacional; por meio de nota, youtuber diz que considera o ato uma 'tentativa de silenciamento'

O influenciador digital Felipe Neto foi intimado nesta segunda-feira, 15, a depor na Polícia Civil, com base na Lei de Segurança Nacional. Último instrumento legal remanescente do autoritarismo, a LSN ganhou sua versão mais recente em 1983, no governo do general-presidente João Figueiredo, que fechou o ciclo da ditadura militar, de 1964 a 1985. Neto também responderá por calúnia com base no Código Penal. Foi intimado após chamar o presidente Jair Bolsonaro de “genocida” por sua atuação na pandemia de covid-19. A doença já deixou mais de 275 mil mortos. Segue descontrolada no País.

“Um carro da polícia acaba de vir na minha casa”, tuitou Felipe Neto, à tarde. 

“Trouxeram uma intimação para que eu compareça e responda por crime contra a segurança nacional porque chamei Jair Bolsonaro de genocida. 

Carlos Bolsonaro foi no mesmo delegado que me indiciou por 'corrupção de menores'. Sim, é isso mesmo.” 

O vereador, segundo filho do presidente, tuitou ter entrado com queixa crime contra Neto e a atriz Bruna Marquezine “por supostos crimes contra o presidente da República”.


O influenciador digital Felipe Neto. Foto: Felipe Neto/Divulgação

A intimação é assinada pelo delegado Pablo Dacosta Sartori. O mesmo policial, no ano passado, abriu outra investigação contra o influenciador digital. A alegação era “corrupção de menores”. Neto foi indiciado em novembro de 2020. Segundo a Polícia Civil, ele estaria sob investigação por divulgar material impróprio para crianças e adolescentes sem limitar a classificação etária no YouTube.

O crime de genocídio, no Brasil, é tipificado na Lei 2.889/56. Pune quem “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: “a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”. As penas combinam punições já estabelecidas no Código Penal.

A LSN estabelece como crime, em seu artigo 26: “Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.” Já o CP fixa, em seu Artigo 138: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.”

No fim da tarde, o influenciador digital, por meio de assessores, divulgou nota em que afirma que “sua equipe jurídica está ciente do ocorrido e já está adotando todas as medidas cabíveis para cessar mais uma tentativa de silenciamento, fruto de uma clara perseguição da extrema-direita, obviamente desesperada pela ascendente perda de popularidade”.

Contra-ataque no Twitter

Neto também reagiu no Twitter. “A clara tentativa de silenciamento se dá pela intimidação”, tuitou ele à tarde. “Eles querem que eu tenha medo, que eu tema o poder dos governantes. Já disse e repito: um governo deve temer seu povo, nunca o contrário. Carlos Bolsonaro, você não me assusta com seu autoritarismo. Não vai me calar.”

Em seguida, Neto explica que usou o termo “genocida” para se referir ao presidente devido ao que chamou de “sua nítida ausência de política de saúde pública no meio da pandemia, o que contribuiu diretamente para a morte de milhares de brasileiros”. E ainda: “Uma crítica política não pode ser silenciada jamais!”

Em uma thread (sequência de tuítes), Felipe Neto lembra ainda que em janeiro deste ano, foi arquivado processo similar contra o advogado Marcelo Feller. Este também chamara o presidente de genocida. O inquérito contra o advogado foi aberto pelo ministro da Justiça, André Mendonça. Assim como Felipe Neto, Feller criticara o presidente pela forma como conduz o combate à pandemia.

“Ninguém será silenciado à força nesse País por criticar seu pai, Carluxo”, conclui Neto, chamando Carlos Bolsonaro pelo apelido.

O Estadão não conseguiu falar com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), nem com Bruna Marquezine.

Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2021 

Bela Megale: Após ameaças, Ludhmila Hajjar passa a andar com segurança e carro blindado

Em entrevista à jornalista Andreia Sadi, da Globo News, a cardiologista relatou que houve três tentativas de invadir o hotel onde estava hospedada em Brasília, na madrugada de hoje. Ludhmila também relatou que sofreu ameaças de morte e que foi alvo de divulgação de áudios e vídeos falsos, mas que segue firme em sua missão como médica.

A médica Ludhmila Hajjar | Foto: Agência O GLOBO

As ameaças contra a médica Ludhmila Hajjar, sondada para assumir o Ministério da Saúde, levaram a cardiologista a adotar medidas de segurança pessoal para ela e sua família.

Ludhmila revelou à coluna que já contratou, na manhã desta segunda-feira, segurança profissional e que passou a andar de carro blindado. As mesmas medidas foram adotadas para proteger sua família.

– Já estou com carro blindado e segurança desde hoje cedo – afirmou.

Em entrevista à jornalista Andreia Sadi, da Globo News, a cardiologista relatou que houve três tentativas de invadir o hotel onde estava hospedada em Brasília, na madrugada de hoje. Ludhmila também relatou que sofreu ameaças de morte e que foi alvo de divulgação de áudios e vídeos falsos, mas que segue firme em sua missão como médica.

– Nestas 24 horas houve uma série de ataques à minha pessoa, à minha reputação. (...) Estou num hotel em Brasília, e houve três tentativas de entrar no hotel. Pessoas que diziam que estavam com o número do quarto e que eu estava esperando-os. Diziam que eram pessoas que faziam parte da minha equipe médica. Se não fossem os seguranças do hotel, não sei o que seria…" – afirmou à Globo News.

As ameaças aconteceram depois que a cardiologista passou a ser cotada para ocupar o lugar de Eduardo Pazuello na pasta da Saúde. Ela se reuniu ontem e hoje com o presidente Jair Bolsonaro e afirmou em entrevista que não aceitou convite por falta de “convergência técnica” entre ela e Bolsonaro.

Bela Megale é colunista de O Globo. Publicado originalmente em 15.03.2021

Brasil se aproxima de 280 mil mortes e registra 1.057 óbitos por covid-19 em 24h

Volume de novos casos da doença voltou a crescer no país

O Brasil atingiu na segunda-feira (15/3) 11.519.609 casos de covid-19 e 279.286 mortes, segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Foram 1.057 mortes em 24 horas. A média móvel dos últimos sete dias ficou em chegou ao nível inédito de 1.841 mortes, superando o recorde de domingo, que fora de 1.831 .

O número de casos nas últimas 24 horas foi de 36.239. A média móvel ficou em 66.849 mil novos casos.

O Estado com maior número de vítimas fatais é São Paulo (64.223), onde diversos hospitais públicos e privados relatam superlotação, seguido de Rio de Janeiro (34.330) e Minas Gerais (20.687).

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país com mais mortes pela doença em todo o mundo. Ele está atrás apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 534,4 mil óbitos por covid-19, conforme registro da Universidade Johns Hopkins.

BBC News Brasil, em 15.03.2021

José Sarney: As flores do coração

Cruel ver tratar-se agora de outras coisas, todas menores diante do desafio que estamos vivendo. Nada existe para discutir neste momento senão a Covid — a vida e a morte, a vida que precisa vencer a morte — e a desgraça de ver nosso País tendo como marca mundial uma coroa de defuntos.

Na adolescência encontrei um livro que muito marcou a minha vida e me fez entrar numa fase de dúvidas — muitas dúvidas — filosóficas e religiosas. Sobrevivi a todas e mantive definitivamente os meus ideais cristãos. Esse livro ocupou meu pensamento e permanece até hoje como uma fonte de indagações não respondidas, provocação permanente a incitar o meu raciocínio. Já o título do livro era uma formulação desafiadora: O Sentimento Trágico da Vida. Mais tarde a Igreja o colocou no Index librorum prohibitorum. Seu autor é o grande filósofo espanhol Dom Miguel de Unamuno, que foi Reitor da Universidade de Salamanca — pertenço, com orgulho, a um dos seus Conselhos.

Ali fiz uma conferência quando do Centenário de Jorge Amado, analisando sua obra e importância na literatura brasileira, e lembrei, para admiração geral, o verso de Júlio Dantas, em A Ceia dos Cardeais, quando colocou na palavra do Cardeal Rufo a expressão do temperamento de fanfarronice ibérico: “Não matei em duelo o Sol, pelas alturas / Só para não deixar Salamanca às escuras!”

Lembrei-me desse livro ao viver uma comoção que não passa com a situação trágica do País, com essa pandemia que ameaça o futuro da humanidade por um vírus, uma partícula submicroscópica, que não chega a ser um organismo, que não é um ser vivo, mas é a porta da morte, que como um dragão apocalíptico se transforma a cada instante em variantes mais transmissíveis e mais letais. Vivemos, assim, com medo desse monstro nos possuir e com uma infindável percepção de perda.

Não há quem não compartilhe das lágrimas das famílias dos mais de 270 mil mortos, dos 2349 homens e mulheres cujas mortes, na quarta-feira, colocaram o Brasil na vergonhosa e podre posição de ser o primeiro país do mundo nesse ranking do terror. Não há flores em nossos corações suficientes para ocupar o pedaço de chão onde essas pessoas repousam por toda a eternidade. Esses números destroem todos nós, presos de uma tristeza que não passa.

Viver é ter um privilégio, uma vitória desde o nada. Cada vez que a relação sexual entre um homem e uma mulher gera um ser humano, somente um entre cerca de vinte milhões de espermatozoides consegue alcançar e fertilizar o óvulo. Já nascemos vencendo uma competição entre vinte milhões de concorrentes. A vida é uma graça de Deus. Temos o dever de zelar por ela, por nós e pelos outros, pelo amor e pela esperança — e contra aquele lema da Falange na Guerra Civil Espanhola: “Viva a morte!” Estamos a vislumbrar uma ameaça ao futuro da humanidade, com o raio de uma doença desconhecida.

Cruel ver tratar-se agora de outras coisas, todas menores diante do desafio que estamos vivendo. Nada existe para discutir neste momento senão a Covid — a vida e a morte, a vida que precisa vencer a morte — e a desgraça de ver nosso País tendo como marca mundial uma coroa de defuntos.

José Sarney foi Governador do Maranhão e Presidente da República. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado do Maranhão, edição de 14 de março de 2021.

O escândalo das nulidades

Como é possível que órgãos e agentes públicos sigam atuando à revelia da lei?

É frequente a acusação de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) seria um “cemitério de Operações”, em razão de ter invalidado, ao longo dos anos, diversas investigações criminais. De fato, a Corte anulou operações policiais importantes, como a Castelo de Areia, a Satiagraha e a Boi Barrica. Recentemente, o STJ anulou, por falta de fundamentação, a decisão judicial que decretou a quebra de sigilo no caso das “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

No entanto, esse histórico de decisões do STJ a respeito de ilegalidades praticadas em operações policiais não deixa mal o tribunal, que em tese apenas cumpriu o seu papel de aplicar uniformemente a legislação nacional. Nessa história de operações anuladas, quem fica rigorosamente mal são os órgãos policiais, o Ministério Público e os juízes que acompanharam os respectivos inquéritos.

Em abril de 2011, a Sexta Turma do STJ anulou as provas da Operação Castelo de Areia. Segundo o tribunal, as escutas e as operações de busca e apreensão de documentos não tinham validade legal, pois foram autorizadas com base em uma única denúncia anônima.

No julgamento, os ministros do STJ censuraram os promotores e juízes que atuaram no caso na primeira instância, por terem acolhido várias petições formuladas em termos excessivamente genéricos, o que viola direitos fundamentais e liberdades públicas. “A concessão indiscriminada de senhas foi uma autorização em branco, dando ensejo a uma verdadeira devassa na vida dos suspeitos e de qualquer pessoa. Se a Polícia desrespeita a norma e se o Ministério Público passa por cima da irregularidade, não deve o Judiciário conceder beneplácitos às violações da lei”, disse na época o desembargador Celso Limongi, que participou do julgamento.

Dois meses depois, o STJ declarou a nulidade das provas obtidas pela Operação Satiagraha, envolvendo o banqueiro Daniel Dantas. Os ministros do STJ concluíram que os métodos do delegado Protógenes Queiroz, com a participação clandestina de 75 agentes da Abin que tiveram acesso a dados sigilosos, não tinham respeitado os ditames legais.

“O combate ao crime tem de ser feito nos termos da lei. Aquela prova colhida na clandestinidade era natimorta, e cabe a nós, do Judiciário, passar o atestado de óbito antes que seja tarde”, disse Jorge Mussi, atual vice-presidente do STJ, que votou pela nulidade das provas obtidas na Satiagraha.

Em 2013, por unanimidade, a Sexta Turma do STJ declarou a ilicitude das provas produzidas pelas interceptações telefônicas da Operação Suíça, que investigava suposto esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro envolvendo executivos e diretores do banco Credit Suisse. Os grampos tinham sido autorizados judicialmente com base em denúncia anônima.

A cada decisão do STJ a respeito de nulidades processuais tem-se a esperança de que, nas futuras investigações, delegados federais e procuradores atuarão dentro dos limites estabelecidos pela lei e recordados pela Corte. No entanto, o conjunto de operações anuladas indica uma realidade muito diferente, como se não houvesse um aprendizado. Renovam-se as operações, mas parece que as práticas permanecem as mesmas.

De fato, as várias operações anuladas constituem um escândalo, mas não em relação ao STJ, e sim a quem tem produzido essas nulidades. Como é possível que órgãos e agentes públicos, financiados com recursos do contribuinte, sigam atuando à revelia da lei, mesmo sabendo que esse tipo de trabalho, num Estado Democrático de Direito, não tem – não pode ter – utilidade nenhuma?

É injusto atribuir à defesa da lei – que, muitas vezes, nada mais é do que o respeito a liberdades e garantias fundamentais – um caráter de conivência com a impunidade. Todos sabem que as investigações devem ser feitas dentro da lei. Assim, a impunidade não é consequência de quem protege a lei, e sim de quem repetidamente não parece se importar com os limites legais, abrindo caminho para novas e repetidas nulidades.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2021

Gaudêncio Torquato: Porandubas Políticas

 A coluna de hoje é dividida em duas partes. A primeira traz uma abordagem sobre os eventuais protagonistas que sonham com 2022. A segunda apresenta resumida visão histórica sobre as mulheres que, dia 8, segunda-feira, receberam homenagem pelo Dia Internacional da Mulher.


Abro com uma fábula de Esopo.

O jumento e o sal

Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade. (Esopo)

Parte I

Os nomes

Nos últimos tempos tem se avolumado o espaço de análise e especulação em torno dos nomes imaginados por uns e por outros para entrar na arena eleitoral de 2022. São estes os mais nomeados: Ciro Gomes, Fernando Haddad, Lula, Flávio Dino, Guilherme Boulos, Eduardo Leite, Jair Bolsonaro, João Amoedo, João Doria, Luciano Huck, Luiz Henrique Mandetta, Marina Silva e Sergio Moro.

Tracemos algumas linhas sobre cada um.

Ciro

Pelo PDT, o candidato mais provável será o do ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes. Luta para ocupar o espaço de centro-esquerda, atraindo o centro e suas margens. Tem dito que fará tudo para bloquear o PT e essa promessa cai bem nas almas ponderadas. Ciro conhece o país e é bom de debate. Tem visão de economista e sociólogo. Precisa resgatar a confiança perdida junto a alguns setores por conta de sua linguagem exacerbada. Seu desafio: conseguir ser o candidato de uma frente.

Haddad

Mesmo considerado marxista, não tem a marca radical que, ao longo do tempo, se fixou na imagem de petistas, aos quais se atribui o lema: "nós e eles", nós, os mocinhos, eles, os bandidos. Não é radical e a imagem jovial conota um PT mais moderno, não com cara de ranço ou de lobo. Poderá ser o nome do PT, caso Lula desista ou seja instado a desistir em função de processos na Justiça. O problema é a imagem do PT, hoje estigmatizada.

Lula I

Uma bomba com impactos. Lula acaba de ver anuladas as condenações sobre suas costas, feitas pela 13ª vara Federal de Curitiba. O ministro Edson Fachin, relator do processo, acolhe habeas corpus impetrado pela defesa de Lula em novembro do ano passado. Na verdade, Fachin não entrou no mérito, apenas decidiu que processos contra Lula, em Curitiba, fogem à alçada da 13ª vara Federal de Curitiba, eis que não estão relacionados à Petrobras, objeto central da Lava Jato. Lembrando: casos do Guarujá, sítio de Atibaia e terreno para o Instituto Lula. A decisão do ministro deverá ser referendada pelo plenário do STF. Os casos irão para o Juizado de 1ª instância em Brasília. Há possibilidade de prescrição. Na verdade, teria sido um golpe de mestre de Fachin, que sempre defendeu a operação Lava Jato e, com sua decisão, a livra de questões não referentes aos dutos da Petrobras. Lula vai esperar os próximos passos do Judiciário.

Lula II

Por enquanto Luiz Inácio ganha a condição de elegível. Tudo vai recomeçar na 1ª instância. E é também possível que a 2ª Turma do STF anule todas as acusações contra Lula, inviabilizando o uso de provas já coletadas. Tudo, então, recomeçaria do zero. O fato é que outros condenados poderão se ancorar na decisão de Fachin e pedir anulação de suas condenações. O PT, por sua vez, recebe com cautela a decisão, endossando e comemorando a decisão do ministro paranaense, e iniciando a campanha para inocentar Lula. E transformá-lo em vítima. Ganhando a condição de elegibilidade, Lula enfrentará o dilema de ser o candidato do PT ou entrar em eventual frente ampla contra Bolsonaro. Mas se os partidos de esquerda se dividirem - PSOL, PDT, PSB, PC do B - e ainda, se houver divisão nos partidos de centro e direita - MDB, DEM, PSD, PSL - o PT se aproveitará do racha para jogar Lula no páreo. Quanto maior a divisão, melhor para o PT. A imagem do PT, para a maior parcela do eleitorado, ainda é a de um demônio. Limpar esse traço é tarefa mais que complexa. O partido dividiu o país em duas bandas.

(Imponderável)

P.S. Este consultor considera que o desafio de limpar a imagem do PT, até as margens de outubro de 2002, será tarefa hercúlea. A depender da economia, Produto Nacional Bruto da Felicidade, desastre gigantesco do governo Bolsonaro, acesso das margens à mesa do pão, satisfação/insatisfação das classes médias, gestão da pandemia, sob a sombra do Senhor Imponderável, que costuma visitar o Brasil.

Flávio Dino

O governador do Maranhão, do PC do B, tem se destacado como voz do Nordeste. Com chance limitadas, pode vir a compor uma chapa majoritária, como candidato a vice-presidente. Não tem cacife para unir as esquerdas. É hábil na articulação, mas não tem entrada nos espaços do Sudeste, por exemplo.

Guilherme Boulos

Em ascensão, deixou de lado a linguagem contundente para ganhar a confiança de contingentes do meio da pirâmide. É inteligente, bom de debate, mas lhe falta conhecimento sobre a realidade brasileira. Tem um eleitorado fiel. Ainda não criou a imagem de um presidenciável. Mais parece um fomentador de massas.

Eduardo Leite

O governador do RS é o nome tucano em crescimento, opção ao governador de SP, João Doria. Jovial, boa aparência, fluente, consegue integrar grupos em conflito no PSDB. Perfil moderado, de centro. Seu cacife dependerá da maneira como será avaliado no ciclo da pandemia. Já entra na linha de tiroteio de Bolsonaro, que o considera "manso", em expressão depreciativa.

Jair Bolsonaro

Tem como meta manter a polarização com o PT e os partidos de esquerda, com um discurso ideológico e ameaçador. Suas condições dependerão do desempenho da economia, que pode se traduzir pela equação com que tenho condicionado a viabilidade dos protagonistas: BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Bolso cheio, barriga satisfeita, coração agradecido, cabeça votando no patrocinador da equação. Mas a corrosão mortífera da pandemia ameaça estraçalhar seu perfil. Bolsonaro é um atirador sem bom senso. Diz o que lhe vem à cabeça. E costuma desdizer o que disse.

João Amoedo

Um empresário à espera de uma oportunidade. Exibe uma receita ultraliberal. É desconhecido. E voluntarioso.

João Doria

Tem vontade, determinação, gosta da luta. E faz um bom trabalho de combate à pandemia, sendo até a ele atribuído o acesso do Brasil à vacina Coronavac, que Bolsonaro execrou como a "vacina chinesa". Mas fica tão patente a intenção de ser o candidato do PSDB, que propicia a formação de grupos contrários dentro do próprio partido. Enfrenta um exército de bolsonaristas que o xingam nas redes sociais.

Luciano Huck

Endinheirado, o apresentador de TV tem como âncora um programa de TV. É admirado pelas margens. Mas a identidade ficará sempre repartida entre o mundo dos espetáculos e o mundo da política. Seria um outsider. Pode se arriscar, eis que seu ciclo na TV se mostra em declínio. Sairia da campanha igual, sem grandes perdas. Insere-se no centro, com apelo às adjacências.

Luiz Henrique Mandetta

Pode vir a ser o nome do DEM, caso este não entre numa Frente Ampla. Ganhou fama e respeito como ministro da Saúde do governo Bolsonaro, de onde foi defenestrado. Simpático, irradia sinceridade.

Marina Silva

Passou sua vez. Frágil, sem articulação política. Mas conserva a imagem de limpa, digna, séria.

Sergio Moro

A grande incógnita. Se a economia despencar e se mostrar disposição, tem chance de ser chamado por algum partido para se candidatar. Também deve ser alvo do bombardeio político, a partir da suspeita de que teria havido conluio com os procuradores de Curitiba para apertar o cerco contra Lula. Beneficiado também por esta decisão do ministro Fachin. Desvia-se da linha de tiro. Mas tudo pode recomeçar, sob a decisão de Gilmar Mendes de levar a (de Moro) suspeição para a 2ª Turma e ele ser condenado. O abacaxi seria descascado no Plenário da Corte. Se for condenado, SDS: Só Deus Saberá. A interrogação se agiganta.

Parte II - A luta das mulheres

Luta contra a escravidão

A luta da mulher pelo ideário de igualdade tem longa história. Seja na frente do direito ao voto, seja na frente do direito por salários iguais aos dos homens, seja no combate à discriminação que enfrenta na labuta cotidiana, a mulher conquista, passo a passo, papel central na construção de um planeta mais solidário e justo. Valho-me de um ensaio do pesquisador e consultor Antônio Sérgio Ribeiro para anotar alguns desses eventos, a começar pelo combate à escravidão, onde se destacam, inicialmente, Susan Brownell Anthony e Elizabeth Cady Stanton. Ambas, em um encontro em 1851, em Seneca Falls, Estado de New York (EUA), iniciaram a jornada de lutas contra a escravidão. Susan queria ver aprovada uma emenda constitucional pelo direito de voto às mulheres. A ideia culminou com a aprovação da emenda nº 13, pelo Congresso, extinguindo a escravidão nos Estados Unidos.

Nísia Floresta

Abro espaço para falar da luta das mulheres no meu Rio Grande do Norte, começando com a professora Nísia Floresta Brasileira Augusta. Próxima a Augusto Comte, o primeiro teórico a fincar as bases do positivismo. Em 1832, traduziu a obra da feminista inglesa Mary Wollstonecraft e passou a ser considerada uma das primeiras defensoras da emancipação feminina no Brasil. Com ideias, Nísia Floresta lutou para que as representantes do sexo feminino tivessem direito ao voto. Voto que, a partir de 1932, através de um decreto de Getúlio Vargas - decreto este que foi confirmado pela Constituição de 1934 - veio a eleger Alzira Teixeira Soriano para prefeita do município de Lajes. Nordestina e lutadora, foi alçada à condição de primeira prefeita eleita no Brasil.

Alzira Soriano

Filha mais velha de influente líder político regional, Alzira nasceu e cresceu em Jardim de Angicos, um distrito de Lajes, no Rio Grande do Norte. Aos 17 anos de idade, casou-se com um promotor pernambucano, com quem teve três filhas. Ficou viúva aos 22 anos quando seu esposo morreu vítima da Gripe Espanhola. Um detalhe: em 1928, Bertha Lutz fez uma visita ao Rio Grande do Norte. Ativista feminista, bióloga, filha de Adolfo Lutz, pioneiro da medicina tropical, influenciou a fundação de uma associação de eleitoras, promovendo ainda a candidatura de Alzira Soriano à prefeitura de Lajes. Juntamente com Juvenal Lamartine, governador do Estado, Bertha Lutz fez uma visita ao "coronel" Miguel Teixeira de Vasconcelos, pai de Alzira, que à época, tinha 31 anos. "Esta é a mulher que estamos procurando", teria dito Bertha Lutz à Juvenal Lamartine.

O direito de votar

Aliás, no RN, em 25 de outubro de 1927, pela Lei estadual 660, as mulheres brasileiras puderam, pela primeira vez, ter o direito de votar e serem votadas. Infelizmente, viram seus votos anulados. A Comissão de Poderes do Senado Federal, no ano de 1928, ao analisar essas eleições realizadas no Estado, requereu em seu relatório a anulação de todos os votos que haviam sido dados às mulheres, sob a alegação da necessidade de uma lei especial a respeito. O projeto que concedia esse direito à mulher norte-rio-grandense foi de autoria do deputado Juvenal Lamartine de Faria, o mesmo que, como relator do projeto de 1921 na Câmara Federal, havia dado parecer favorável ao pleito, e fora aprovado pelo legislativo estadual e sancionado pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.

Os pioneiros

A batalha pelo voto, como se vê, teve retas e curvas. No então território de Wyoming no ano de 1869, EUA, a mulher obteve o direito ao voto. Posteriormente mais três Estados do Oeste também seguiriam o exemplo. A Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a conceder o direito ao voto às mulheres no ano de 1893. A Austrália concedeu o voto em 1902, com restrições. Na Europa, o primeiro país em que as mulheres obtiveram o direito ao voto foi a Finlândia em 1906. Na Inglaterra, as mulheres iniciavam a sua luta mais acirrada. Já em 1866 John Stuart Mill, jurista, economista e filósofo, eleito para o Parlamento, apresentou emenda que dava o direito à mulher inglesa, assinada também por miss Sarah Emily Davies e pela dra. Garret Anderson. Foi derrotado por 194 votos contra e 73 a favor. Finalmente, em 1918, ao término da 1ª Grande Guerra, que contou com a participação decisiva do sexo feminino na retaguarda do conflito, deu-se o direito do voto às mulheres inglesas com mais de 30 anos, sendo eleitas três mulheres para a Câmara dos Comuns. Em 1928, a idade foi reduzida para 21 anos. Na AL, o Equador, em 1929, foi o primeiro país. Já a Argentina, em 1947, sob uma campanha liderada por Eva Perón, conseguiu aprovar o voto feminino.

Junta feminina

No Brasil, a emancipação feminina teve como precursora a educadora baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, que vivia no Rio de Janeiro. A fim de colaborar na campanha eleitoral para a presidência da República, fundou, em 1910, a Junta Feminina Pró-Hermes da Fonseca, de quem era amiga da família. Com a vitória de seu candidato, continuou sua campanha pela participação da mulher brasileira na vida política do país. Concorreu como candidata à Constituinte no ano de 1933. Com o advento da Revolução de 30, novos ventos sopraram. Nathércia da Cunha Silveira e Elvira Komel, esta líder feminista em Minas Gerais, formaram uma comissão para atuar junto a autoridades Federais e pedir o apoio da igreja ao cardeal D. Sebastião Leme.

Berta Lutz

No princípio dos anos 30, Bert Lutz fundou no Rio de Janeiro a Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino, quando expressou: "é um fato interessante, que as revoluções de pós-guerra têm favorecido a mulher". O presidente Getúlio Vargas suprimiu restrições às mulheres. Em 1932, uma comissão de mulheres foi recebida no Palácio do Catete pelo presidente, que acatou um memorial com mais de 5.000 assinaturas, no qual pleiteava-se a indicação da líder Bertha Lutz como participante da comissão para elaborar o anteprojeto da nova Constituição. Em 3 de maio de 1933, na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, a mulher pela primeira vez, em âmbito nacional, votou e foi votada. A médica paulista Carlota Pereira de Queirós foi eleita a primeira deputada brasileira.

Disparidades

No mercado de trabalho, a luta das mulheres por salários iguais aos dos homens continua. Desempenham as mesmas funções, cumprem a mesma carga horária, têm responsabilidades similares, mas, ao final do mês, quase sempre, recebem contracheques com salário menor que seus pares. A renda média dos homens é 76% maior que a renda das mulheres, o que comprova que as mulheres são o elo mais frágil na corrente salarial.

Luta árdua

A luta por espaço no mercado de trabalho é tão árdua que, de acordo com um levantamento recente da OIT (Organização Internacional do Trabalho), 67% das mulheres que trabalham no Brasil estão no setor informal. Um percentual superior ao masculino, que é de 55%. Ou seja, na hora de contratar, apesar das mulheres serem maioria, os homens têm a preferência. Preferência, de certa forma injustificada, uma vez que as mulheres investem mais em educação do que os homens: 45% das mulheres têm mais de oito anos de estudo contra 36% dos homens. De 195 países no mundo, apenas 22 são comandados por mulheres.

Na Academia

A coluna presta sua homenagem às mulheres do RN, com referência à sua participação na Academia de Letras do nosso Estado. Transcrevo a homenagem da Academia para as Mulheres de Letras: Auta, Nísia, Carolina, Palmira, Anna, Eugênia, América, Eulália, Sônia, Diva e Leide.

Um acinte

O afastamento por apenas quatro meses do deputado Fernando Cury (Cidadania), de São Paulo, por ter apalpado sua colega Isa Penna (PSOL), no plenário da Assembleia Paulista, é um escárnio. Decisão da Comissão de Ética. Deveria ter sido cassado.

Samba do crioulo doido

O governo vive seu pior momento. A paisagem da epidemia mostra destruição e desorganização por todos os lados. Governadores isolam o presidente. O pico de mortes parece coisa banal. Uma viagem de 10 pessoas para ver um spray em Israel é maluquice. Esse remédio ainda está em fases iniciais de teste. Usado para combater câncer. Samba do crioulo doido.

E assim caminha a humanidade!

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

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domingo, 14 de março de 2021

Brasil registra 1.138 mortes por covid-19 neste domingo

É a marca mais alta já registrada num domingo, dia em que o número costuma ser mais baixo. Total de mortes passa de 278 mil.

O Brasil registrou neste domingo (14/03) 1.138 mortes associadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass). Essa é a maior marca já registrada num domingo, dia da semana em que o número costuma ser significativamente menor devido ao represamento de testes.

No dia 7 de março, o número de mortes já havia ficado acima de mil pela primeira vez num domingo, num momento em que país vive um novo momento de aceleração da doença, com registro de colapso da rede de saúde pública em vários estados. 

Também foram identificados neste domingo 44.435 novos casos da doença.

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 11.483.370, enquanto os óbitos chegam a 278.229.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 10.036.947 pacientes haviam se recuperado até sábado.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 132,4 no Brasil, a 20ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 29,4 milhões de casos, e da Índia, com 11,3 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 534 mil pessoas morreram nos EUA

Ao todo, mais de 119,7 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,65 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 14.03.2021

Em manifesto, mais de mil integrantes do Ministério Público criticam Gilmar e Lewandowski e apoiam Lava-Jato

Documento foi formulado em meio ao julgamento da suspeição de Sergio Moro no STF e após anulação das condenações do ex-presidente Lula

 Mais de mil integrantes do Ministério Público lançaram neste sabado um manifesto de apoio ao trabalho dos procuradores da Operação Lava-Jato e criticando o que chamaram de "impropérios retóricos" dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal.

Os promotores e procuradores afirmaram que todas as operações de combate à corrupção nos últimos 20 anos foram, de alguma forma, anuladas. Entre elas, citaram a Operação Banestado e a Operação Castelo de Areia.

"O roteiro seguido por essas operações sempre é o mesmo: narrativas criadas pelas defesas de supostos vícios procedimentais, que são rotineiramente acolhidos pelos Tribunais Superiores. Todavia, nunca pelo conteúdo das provas, quase sempre incontrastáveis", afirmou.

Na última semana, o ministro Edson Fachin anulou as condenações do ex-presidente Lula na Operação Lava-Jato. Além disso, segue em curso no Supremo o julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro nos processos do petista, o que pude justificar pedidos similares de outros réus da operação.

Segundo os promotores e procuradores que assinaram o documento, a forma como Gilmar Mendes e Lewandowski falaram do trabalho de procuradores não está à altura do comportamento que se espera do Supremo Tribunal.

"Afora a estranheza causada no referido julgamento, do qual participaram Ministros que já se manifestaram publicamente contrários à Operação Lava Jato e às autoridades que a conduziram, as palavras ofensivas dirigidas por eles aos membros do Ministério Público não refletem a dignidade do trabalho desenvolvido por estes últimos", afirmaram os procuradores.

Os procuradores ainda lembraram dos resultados da Operação Lava-Jato, que incluiu 278 condenações e mais de R$ 4,3 bilhões devolvidos aos cofres públicos. O documento foi formulado em grupos de WhatsApp e alcançou mais de 1000 assinaturas em dois dias.

Ao longo do documento, os promotores fazem uma defesa da atuação do Ministério Público ao longo da história e destacam a importância da instituição no Estado Democrático de Direito.

"A atuação firme e independente dos membros do Ministério Público apenas evidencia o cumprimento de seus deveres constitucionais, comuns aos de outros tantos na labuta diária em suas comarcas. A construção de um Estado Democrático de Direito, que tem como alicerce o republicanismo impõe a intransigência necessária e devida com a proteção dos valores éticos, morais e probos de uma nação", afirmaram.

Confira o documento na íntegra:

Os membros do Ministério Público abaixo nominados vêm a público externar seu apoio ao trabalho dos Procuradores da República que atuaram na Operação LavaJato, diante dos impropérios retóricos lançados pelos Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski na sessão de julgamento do HC n° 164.493, realizada pela 2ª Turma do STF na data de 09 de março de 2021.

Infelizmente, ao longo dos últimos 20 anos, a sociedade brasileira constata - de forma atônita - que praticamente todas as operações desenvolvidas pelos órgãos responsáveis pelo combate à corrupção são, em determinado momento, anuladas pelos Tribunais Superiores. Este foi o destino da “Operação Diamante”, “Operação Chacal”, “Operação Sundown/Banestado”, “Operação Boi Barrica/Faktor”, “Operação Dilúvio”, “Operação Suiça”, “Operação Castelo de Areia” e “Operação Poseidon”. 

O roteiro seguido por essas operações sempre é o mesmo: narrativas criadas pelas Defesas de supostos vícios procedimentais, que são rotineiramente acolhidos pelos Tribunais Superiores. Todavia, nunca pelo conteúdo das provas, quase sempre incontrastáveis.

Recentemente, por exemplo, o STF anulou ação penal pelo fato de a defesa não ter apresentado memoriais, após o réu que prestou colaboração premiada, algo que não tem previsão na Lei, mas serviu como justificativa para que a sentença condenatória fosse desconsiderada.

Assim, todas as operações precedentes que foram anuladas pelos tribunais superiores têm em comum com a pretensa anulação da Lava Jato a característica de sempre se acolher um entendimento que não tem sustentação em regra do ordenamento jurídico brasileiro para criar, inovar, uma nulidade inexistente, ou sem que tenha sido anteriormente reconhecida. Como resultado, todos os trabalhos de combate aos grandes esquemas de corrupção foram arruinados.

No dia 09 de março de 2021, mais uma vez, o mesmo destino recaiu sobre parte da Operação Lava Jato. Sob o pretexto de parcialidade do Magistrado e dos Procuradores da República, a 2ª Turma do STF deu andamento a mais um Habeas Corpus que pretende a anulação de processos movidos naquela operação.

Independentemente do desfecho a ser dado ao referido Habeas Corpus, a forma como os Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski se pronunciaram sobre os Procuradores da República da Operação Lava Jato não está à altura do comportamento que se espera daqueles que integram a Corte Suprema.

Afora a estranheza causada no referido julgamento, do qual participaram Ministros que já se manifestaram publicamente contrários à Operação Lava Jato e às autoridades que a conduziram, as palavras ofensivas dirigidas por eles aos membros do Ministério Público não refletem a dignidade do trabalho desenvolvido por estes últimos.

Todo e qualquer membro do Ministério Público, da União ou Estadual, atua a fim de que a Lei seja cumprida e respeitada, seja pelo cidadão comum ou por qualquer político. Não é possível, em um Estado Democrático de Direito, que o peso da Justiça seja distribuído de forma diferenciada entre criminosos comuns e de colarinho branco.

Por mais que se queira, por motivos diversos, desconstruir o trabalho desenvolvido na Operação Lava Jato, jamais conseguirão apagar da consciência coletiva que tal investigação proporcionou 1.450 mandados de busca e apreensão, 211 conduções coercitivas, 132 mandados de prisão preventiva e 163 de temporária, com 130 denúncias contra 533 acusados, gerando 278 condenações (sendo 174 nomes únicos) chegando a um total de 2.611 anos de pena; mais de R$ 4,3 bilhões devolvidos aos cofres públicos por meio de 209 acordos de colaboração e 17 acordos de leniência, nos quais se ajustou a devolução de quase R$ 20 bilhões.

Nenhuma narrativa será capaz de retirar da compreensão da sociedade que foi desnudado o maior esquema de corrupção construído em toda história deste país. 

O Ministério Público não faz diferenciação entre investigados por certidão de nascimento, cadastro por contribuinte ou pelos sinais de riquezas estampadas em suas declarações anuais de rendas, pois todos são iguais perante a Lei.

Também não serve como parâmetro de distinção qualquer predicado pessoal, por cargo ou função anteriormente ocupada, pois ao Ministério Público não interessam títulos nobiliárquicos, colorações partidárias ou predileções ideológicas.

Afinal, a ninguém é dado o título de porta voz ou destinatário exclusivo das angústias de uma sociedade, muito menos lhe é devido o salvo conduto para a prática de atos que frustrem as esperanças de um povo, depositadas em seus representantes elegíveis.

Ao longo das últimas décadas, o Ministério Público consolidou-se como instituição responsável por diminuir as mazelas de um povo sofrido, desprovido de seus direitos humanos mais básicos.

Ao longo das últimas décadas, o Ministério Publico colocou-se como força essencial no enfrentamento de forças políticas e econômicas que impedem o livre desenvolvimento da sociedade e de sua população.

Não por acaso, poucos anos atrás, o povo abraçou o Ministério Público, quando parte da classe política tentou retirar-lhe o poder investigatório concedido pelo constituinte para responsabilização de corruptos e corruptores.

A atuação firme e independente dos membros do Ministério Público apenas evidencia o cumprimento de seus deveres constitucionais, comuns aos de outros tantos na labuta diária em suas comarcas.

A construção de um Estado Democrático de Direito, que tem como alicerce o republicanismo impõe a intransigência necessária e devida com a proteção dos valores éticos, morais e probos de uma nação.

Assim, manifestamos irrestrito e incondicional apoio aos Procuradores da República que atuaram na Operação Lava Jato e repudiamos as palavras ofensivas dirigidas a eles pelos referidos Ministros, que apenas demonstram o quão estão apartadas da construção de uma sociedade verdadeiramente livre, justa e igualitária, prevista como desiderato da Constituição Federal.

Dimitrius Dantas, de O Globo, em 14/03/2021 - 17:30 / Atualizado em 14/03/2021 - 18:08