quarta-feira, 3 de março de 2021

The Intercept Brazil: Os judeus e Bolsonaro

Há algo acontecendo nas sinagogas

É preciso estar atento para o que acontece nas sinagogas e em seus arredores. Entre as frases criminosas de Bolsonaro durante a campanha de 2018, há talvez uma que possa ser considerada a pior de todas, sobretudo pelo local onde foi dita. “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve”, disse Jair, na Hebraica do Rio de Janeiro. Foi ovacionado por centenas de pessoas.

A cena chocou parte da comunidade judaica, mas o estrago estava feito. A partir de então, o senso comum jogou todos os judeus brasileiros como apoiadores de Bolsonaro, o que é falso. Uma charge rodou o país. Nela, apenas dois fantasmas protestam, como se os judeus vivos, todos, fossem a favor da declaração delinquente.

Mas algo está mudando. Nesta semana, Israel anunciou a troca de seu embaixador no Brasil. Yossi Shelley não era diplomata de carreira, mas empresário e ex-dirigente do partido Likud, do premier Benjamin Netanyahu. Foi Shelley que garantiu a presença de Netanyahu na desprestigiada posse de Bolsonaro. O embaixador e o presidente se tornaram amigos porque, aparentemente, comungam dos mesmos valores. O novo representante de Israel no Brasil tem perfil oposto, é diplomata de carreira e progressista – ao menos perto de Shelley. Um sinal de distanciamento estratégico de Netanyahu. Com eleições gerais marcadas para março, não há vantagem em estar associado ao pior presidente do mundo na gestão da pandemia.

Há mais coisas por aí. A saída de Fabio Wajngarten do comando da Secretaria de Comunicação da Presidência é uma quebra de ponte ente Bolsonaro e a comunidade judaica. Wajngarten foi um dos principais cabos eleitorais do então candidato entre judeus paulistas.

O outro se chama Meyer Nigri, um dos maiores empreiteiros do país. Nigri acaba de deixar a UTI, onde esteve internado por longos cinco meses para tratar covid19. Ele segue no hospital. Pessoas familiarizadas com a situação dizem que a fé de Nigri no capitão cloroquina já não é mais a mesma e que 2022 é um jogo em aberto.

A proximidade de Bolsonaro com importantes grupos judaicos foi crucial em 2018. O candidato a usava em duas situações: para se livrar das acusações de discurso nazista e para conquistar o voto dos evangélicos. Lembram da promessa de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém? Era parte do plano eleitoral de malafaias e felicianos. Evangélicos dispensacionalistas acreditam que a segunda vinda de Cristo de dará, fisicamente, em Israel. Espero que a segunda vinda de Bolsonaro se dê, fisicamente, longe do Palácio do Planalto. Quiçá na cadeia.

Publicado originalmente por The Intercept Brasil, em 27 de fevereiro de 2021

O alto custo da baixa política

Enquanto o presidente cuida de interesses pessoais e familiares, os mais destacados em sua agenda, o governo segue sem rumo

Emperrado por um governo inepto e irresponsável e agora ameaçado também pelo fisiologismo triunfante no Congresso, o Brasil continua perdendo espaço na economia internacional, enquanto a pandemia se agrava e a mortandade supera os piores momentos do ano passado. Perdido o primeiro trimestre, é preciso muito otimismo para ainda apostar num crescimento, embora pífio, na faixa de 3% a 3,5%. É a glória do bolsonarismo – do negacionismo, do atraso na compra de vacinas, da exaltação da morte e do desvario administrativo, comprovado mais uma vez na decisão de subordinar a Petrobrás, a maior estatal brasileira, aos interesses de uma categoria profissional, a dos caminhoneiros.

O carnaval passou, a Semana Santa começará no fim do mês e o ministro da Economia, Paulo Guedes, continua à espera de verbas para um novo auxílio emergencial. Enquanto isso, parlamentares tentam cavar mais R$ 18,4 bilhões para suas emendas. Se conseguirem, o total chegará a R$ 34,7 bilhões, soma igual, talvez pouco superior, àquela necessária para socorrer as famílias mais desamparadas, mais uma vez, e dar algum impulso ao consumo.

Se passar, a expansão das emendas será mais um desarranjo num Orçamento ainda nem aprovado e muito atrasado. Ficará mais difícil arrumar as contas federais, já muito esburacadas, controlar a dívida pública e ao mesmo tempo reanimar os negócios e a criação de empregos. Mesmo em condições políticas mais favoráveis seria difícil combinar estímulo econômico e ajuste das finanças oficiais.

Enquanto o presidente cuida de interesses pessoais e familiares, sempre os mais destacados em sua agenda, o governo segue sem rumo e o País mal consegue manter a recuperação iniciada em maio do ano passado e já enfraquecida. Esses dados bastariam para compor um quadro preocupante.

Mas a isso é preciso adicionar inegáveis pressões inflacionárias, claramente perceptíveis nos preços por atacado. No varejo os consumidores encontram, como no segundo semestre de 2020, alimentos caros e ainda sujeitos a novas altas. O câmbio instável é um poderoso combustível para o aumento de preços. Nos últimos dias o dólar voltou a atingir – e até a superar – a cotação de R$ 5,60.

O dólar tem oscilado em níveis elevados, no Brasil, principalmente por causa da insegurança ocasionada pelo quadro político de Brasília, marcado pelo voluntarismo do presidente Jair Bolsonaro, por sua insistência em conflitos desnecessários e por suas decisões erráticas e fora de quaisquer padrões compatíveis com a racionalidade administrativa. A incompetência gerencial do presidente ficou clara desde os primeiros dias de seu mandato.

Essa incompetência se manifesta, com frequência, em ordens absurdas, porque ele tende a confundir a função presidencial com o mero exercício do poder de mando, concretizado sem respaldo técnico, sem atenção a detalhes legais e com base em opiniões estritamente particulares e infundadas. Essa tendência o levou, em 2019, a intervir na publicidade veiculada pelo Banco do Brasil, numa desastrada interferência na gestão de uma empresa de capital aberto.

A política econômica, apesar da expectativa otimista manifestada por analistas e investidores, seguiu o padrão de qualidade bolsonariano. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu menos em 2019 que em 2018 e encolheu no primeiro trimestre de 2020, antes do choque da pandemia. O crescimento projetado para 2021 será insuficiente para a retomada do nível pré-crise. Além disso, o País já crescia menos que outros emergentes antes de 2020, e continuará em desvantagem na recuperação.

Fraquezas econômicas acumuladas em vários anos e agravadas a partir de 2019 são parte do problema. Mas o Brasil ainda carrega desvantagens associadas à pandemia. Com maior contágio, mais mortes, vacinação lenta, sem coordenação federal das ações de saúde e com o presidente estimulando o risco da contaminação, a retomada econômica será mais difícil e insegura. Investidores nacionais e estrangeiros sabem disso, mas o presidente insiste em viver num mundo próprio.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 03 de março de 2021

O sistema de saúde brasileiro à beira do colapso

Apesar de repetidos alertas de especialistas, o Brasil caminha para semanas catastróficas da pandemia, como numa tragédia anunciada. Pressão por lockdown se intensifica.

    

UTI no Rio: vários estados estão vendo leitos se esgotarem

O Brasil vive atualmente o momento mais crítico da pandemia. Tanto o número diário de mortes quanto a média móvel (dos últimos sete dias) bateram recordes, e a taxa de ocupação das UTIs já está acima de 80% em 19 das 27 unidades federativas. A tendência, afirmam especialistas, é a situação piorar.

"Estamos certamente no pior momento da pandemia, com recorde de mortes em 24 horas e UTIs lotadas em todo o país", resume a microbiologista Natália Pasternak à DW.

Na terça-feira (02/03), chegou-se à marca recorde de 1.641 mortes em 24 horas por covid-19, segundo um balanço do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass). Levando em conta estimativas da imprensa brasileira, o número de óbitos foi de 1.726, maior marca desde o início da pandemia. 

A média de mortes dos últimos sete dias também está em nível sem precedentes – 1.274 óbitos, 23% mais do que há 14 dias, segundo levantamento da imprensa. O total de mortes no país associadas à doença já supera 257 mil.

Uma análise simples das estatísticas mostra o rápido desenvolvimento da pandemia no Brasil. Foram necessários 34 dias para que o número de mortes aumentasse de uma média de 1.000 para 1.100. por dia. De 1.100 para 1.200, precisou-se só de três dias.

Houve 58.237 novos casos registrados na terça-feira, segundo levantamento da imprensa, e a média de sete dias está em 55.318 novas infecções. A cifra é 22% maior do que há duas semanas. 

Pandemia fora de controle e uma variante perigosa

Especialistas suspeitam que a atual onda de infecções seja alimentada pela variante P1, descoberta pela primeira vez na região amazônica. Um estudo preliminar publicado nesta semana pela Universidade de Oxford e pelo Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP) sugere que a variante é entre 1,4 e 2,2 vezes mais contagiosa do que a original. A variante, além disso, estaria levando a um alto grau de reinfecção em pacientes já curados.

O fato de que a variante de Manaus tenha sido capaz de emergir e se espalhar tão rapidamente no Brasil é atribuído a medidas de restrição demasiadamente relaxadas.

"A mutação de Manaus e todas as mutações são causadas pela circulação descontrolada do vírus", diz Pasternak. "Assim, dizer que a variante causou o aumento de casos é incompleto – o aumento da circulação de pessoas por relaxamento da prevenção causou as variantes, que por sua vez podem ser mais transmissíveis e acelerar ainda mais a propagação da doença. Mas elas não surgem no vácuo. Surgem justamente porque o vírus circula livremente."

Cemitério em Manaus: o total de mortes no país associados à covid supera 257 mil

Pressão por lockdown

Na segunda-feira, os secretários de Saúde de todos os estados brasileiros pediram medidas drásticas para evitar um colapso do sistema de saúde. Entre eles, a proibição de eventos, o fechamento de escolas, praias e bares, e restrições ao transporte público.

Para eles, viagens aéreas domésticas e internacionais, bem como o tráfego de passageiros sobre terra, também deveriam ser restringidos. Os secretários pediram, como medida mais importante, um toque de recolher nacional entre 20h e 6h e nos fins de semana.

O vice-presidente Hamilton Mourão reagiu de forma crítica. Ele disse que os diferentes comportamentos da população nas regiões não permitem medidas de âmbito nacional.  "E aí como é que você vai fazer isso para valer? Uma imposição? Nós não somos ditadura. Ditadura é fácil", afirmou.

A microbiologista Natália Pasternak também defende um lockdown: "Se não fizermos nada, vai colapsar tudo: o SUS e a rede privada. E como não temos vacinas em quantidade suficiente, ainda precisamos de um lockdown de verdade. Não é tempo de meias medidas."

Falta de vacinas

No Brasil, a campanha de vacinação começou no final de janeiro. Até o momento, 7,1 milhões de pessoas foram vacinadas, cerca de 3,3% da população. Mais de 2,1 milhões já receberam a segunda dose.

Em muitas regiões, entretanto, a vacinação teve que ser suspensa nos últimos dias devido à escassez de doses. A aquisição de vacinas teve atraso no segundo semestre de 2020 devido às disputas políticas internas entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria. Enquanto Bolsonaro, que é crítico das vacinas, confiava exclusivamente na vacina AstraZeneca/Oxford, Doria firmou uma parceria com a a chinesa Sinovac, fabricante da Coronavac.

Em entrevista à DW Brasil no início da semana, o diretor do Instituto Butantan disse que, se não fosse o governo federal, o Brasil já teria vacina desde dezembro. Ele apontou o obscurantismo científico das autoridades como responsável direto pela nova onda explosiva de covid-19.

Dados os problemas do governo federal em fornecer vacinas rapidamente e em quantidades suficientes, cidades já estão procurando alternativas. A Frente Nacional de Prefeitos (FNP), uma federação de cidades com mais de 80 mil habitantes, está planejando selar contratos de fornecimento com os produtores de vacinas por conta própria. O presidente da FNP, Jonas Donizette, exortou os prefeitos a "lançarem mão de todos os instrumentos que têm para evitar a situação dramática de ter de escolher entre quem vai viver ou morrer".

Deutsche Welle Brasil, em 03.03.2021

PIB de 2020 no Brasil cai 4,1% com pandemia, o pior resultado em 24 anos

Resultado do quarto trimestre apontava recuperação da atividade econômica, mas segunda onda do coronavírus faz país bater recordes de morte, o que pode afetar outra vez a economia neste trimestre
Jovem sem máscara caminha em uma movimentada rua comercial em São Paulo, no momento em que o Brasil vive uma aceleração da pandemia.


Jovem sem máscara caminha em uma movimentada rua comercial em São Paulo, no momento em que o Brasil vive uma aceleração da pandemia.SEBASTIAO MOREIRA / EFE

A pandemia da covid-19 no Brasil derrubou o Produto Interno Bruto (PIB), que registrou uma queda de 4,1% no ano passado, segundo os dados divulgados nesta quarta-feira (3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A retração causada pelo confinamento social e a redução da atividade econômica foi atenuada pelas 9 parcelas de auxílio emergencial entre 300 e 600 reais no ano passado, mas o país não fugiu das consequências vividas no mundo inteiro com o coronavírus. O caos provocado pelo vírus gerou uma queda significativa no PIB, o pior resultado desde 1996. No quarto trimestre, no entanto, a soma das riquezas produzidas no país apontou uma recuperação das perdas anteriores, com o resultado positivo de 3,2% em comparação aos três meses anteriores, numa melhora que já tinha sido observada no trimestre anterior, quando a economia subiu 7,7%, em comparação ao período de abril a junho do ano passado. O PIB totalizou 7,4 trilhões de reais em 2020. O PIB de 2019 registrou um minguado crescimento de 1,1%.

O quadro econômico do Brasil foi desestruturado pela pandemia, que chegou a um desemprego de 14,6% entre julho e setembro, quando o isolamento social e a retração da economia com a pandemia da covid-19 reduziu a oferta de postos de trabalho. Um dos setores mais impactados foi o de construção, com uma queda de 7% da atividade. Também a indústria de transformação, que engloba o setor automotivo, metalúrgico e de vestuário, registrou queda de 4,3% no ano. A economia na corda bamba no mundo todo afetou também o setor externo. O país registrou queda das exportações e importações – 1,8% e 10%, respectivamente. A agricultura, por sua vez, registrou uma queda de 0,4% no último trimestre em contraste com o mesmo período de 2019. Na comparação anual, os agronegócios avançaram 2% sobre 2019.

Em setembro, porém, houve uma redução no quadro de mortes por coronavírus - caíram de uma média diária de 1000 para 800 — o que levou a população a enxergar uma luz no fim do túnel e o otimismo aqueceu um pouco a economia. A partir dali, a indústria e serviços tiveram variação positiva de 1,9% e 2,7%, respectivamente, sendo que a indústria de transformação avançou 4,9%. Até o desemprego recuou, caindo de 14,6%, para 13,9%. No final do ano o país contava com 13,4 milhões de desempregados.

Na evolução dos trimestres, os últimos três meses do ano mostravam uma redução do impacto da pandemia. Depois da queda abrupta de 10,9% no segundo trimestre de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019, o terceiro trimestre registrou queda de 3,9% e de outubro a dezembro o recuo foi de 1,1%, o que parecia confirmar a recuperação em V apontada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

A taxa de investimento em 2020 chegou a 16,4% do PIB, melhor do que no ano anterior, quando os recursos investidos na economia foi equivalente a 15,4% do PIB. Entram nessa conta o investimento em maquinários e na expansão de negócios. O consumo das famílias, por sua vez, caiu 5,5% comparado ao ano anterior, como reflexo da pandemia. Também o Governo apertou os cintos e teve um consumo 4,7% menor neste ano. O PIB per capita alcançou 35.172 reais em 2020, um recuo, em termos reais, de 4,8%, a menor marca dede o início da série histórica em 1996.

Na comparação com outros países, a queda do PIB no Brasil foi menor do que em outros países da América Latina, como destaca a nota da Secretaria de Política Econômica: México teve queda de 9,7% e a Colômbia, 6,8%.

A dúvida, a partir de agora, é como o país vai reagir nestes primeiros meses de 2021. Com a guarda baixa para a covid-19, as festas de final de ano se multiplicaram e os números de infectados por covid-19 explodiram outra vez. O número de mortes voltou com força numa segunda onda, e tem batido recordes diariamente. Nesta quarta, foram mais de 1.600 mortes, o pior resultado desde o início da pandemia. Hoje grande parte dos governadores pressionam por restrições mais severas, o que deixa em aberto as consequências para a economia neste primeiro trimestre. Ao mesmo tempo, o auxílio emergencial deve voltar no valor de 250 reais, bem abaixo dos 600 reais pagos no início da pandemia. “As incertezas econômicas continuam elevadas, especialmente, o primeiro trimestre deste ano será desafiador”, destaca a nota da Secretaria de Política Econômica. O Governo aposta ainda numa pauta de reformas como o caminho para o controle das finanças para recuperar a confiança da economia.

Economistas apontam, ainda, o prejuízo da inflação para este ano, cujas projeções sobem há oito semanas, na leitura do mercado financeiro. A alta nos preços deve levar a uma alta de juros que deve inibir a atividade econômica.

A grande esperança é o avanço da vacinação, que ainda é incipiente no Brasil. São 6,7 milhões de vacinados para um país de 211 milhões. O Governo e o Congresso acenam com a aceleração da compra e produção de vacinas, que garantiria ter metade da população vacinada até metade do ano. Com esse resultado, seria mais rápida a retomada de atividades econômicas. Até lá, no entanto, o país se digladia numa guerra entre governadores e o presidente Jair Bolsonaro pela manutenção sem restrições das atividades econômicas em um momento que o Brasil registra pico de mortes por covid-19. Os Estados querem toque de recolher diante da iminência do colapso da saúde num momento em que 19 unidades federais têm mais de 80% dos leitos de UTI comprometidas. Ao mesmo tempo, ainda reverbera a interferência do Governo na Petrobras. O presidente Jair Bolsonaro demitiu no último dia 19 o presidente Roberto Castello Branco, substituído por um militar, o general Joaquim Silva e Luna. Nesta terça, 2, quatro membros do Conselho de administração da Petrobras pediram demissão após a troca de comando.

CARLA JIMÉNEZ, de São Paulo para o EL PAÍS, em 03.03.2021

terça-feira, 2 de março de 2021

Rio Grande do Sul ultrapassa 100% de ocupação dos leitos de UTI adulto

Hospital privado de Porto Alegre anunciou a instalação um contêiner refrigerado para aumentar a capacidade do necrotério

O Rio Grande do Sul ultrapassou 100% de ocupação nos leitos de UTI adulto nesta terça-feira, 2. Já são 2.824 pacientes internados em 2.818 leitos, incluindo hospitais públicos e privados. O Estado vive o pior momento da pandemia, com todas as regiões em bandeira preta.

Rio Grande do Sul está com todos os leitos de UTI adulto ocupados Foto: Eraldo Peres/AP

No Twitter, o governador Eduardo Leite falou que o Estado abriu 1,1 mil leitos de UTI durante a pandemia. O total passou de 933 para 2.121.

Desde o último sábado, o Estado inteiro está em bandeira preta no plano de distanciamento controlado. A classificação prevê o fechamento do comércio não essencial, a proibição de permanecer nas orlas das praias, a suspensão das aulas presenciais e outras medidas restritivas.

O Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, anunciou nesta sexta que vai instalar um contêiner refrigerado anexo ao hospital para aumentar a capacidade do necrotério, que atualmente comporta até três corpos. Em nota, o hospital disse que ele só será usado em caso de necessidade, “considerando a possibilidade de atrasos na retirada dos óbitos por parte das funerárias.”

A instituição está com taxa de ocupação dos leitos de UTI acima de 100% e não aceita mais transferências de pacientes de outros hospitais. Pacientes graves que chegam diretamente na unidade ainda são atendidos pela equipe de emergência porque o hospital tem capacidade de transformar leitos em terapia intensiva.

Na nota, o Moinhos de Vento ressaltou que pacientes com menos de 60 anos correspondem a 35% dos internados, “o que enseja um sinal de alerta para que a população mais jovem redobre os cuidados.”

Mariana Hallal, O Estado de São Paulo, em 02 de março de 2021 | 16h40


Pacientes com covid-19 morrem à espera de UTI em SC; centenas estão na fila

Desde 21 de fevereiro, quando Estado atingiu capacidade máxima de internação, foram registrados 16 óbitos; pacientes começam a ser transferidos para o Espírito Santo

Santa Catarina vai transferir pacientes com covid-19 para hospitais da região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo. Com o sistema de saúde totalmente colapsado - até essa segunda-feira, 1º, pelo menos 228 pessoas aguardavam vaga de tratamento intensivo, o Estado também começa a registrar mortes por falta de leitos. Desde o dia 21 de fevereiro, quando Santa Catarina atingiu capacidade máxima de internação, foram registradas 16 mortes na fila por uma vaga de UTI.

As transferências vão priorizar pacientes que estão aguardando internações na região oeste, onde a situação é a mais crítica. "Nossa prioridade neste momento é salvar vidas. Em outros momentos, acolhemos pacientes de diferentes regiões do País e, agora, contamos com a solidariedade dos capixabas", afirmou Motta Ribeiro. O transporte dos pacientes será feito de Chapecó nesta terça-feira, 2. No Espírito Santo, a taxa de ocupação de leitos é de 75%.


Equipe médica em Unidade de Terapia Intensiva para pacientes da Covid-19 Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Com maior número de internados desde o início da pandemia, esta é a primeira vez que Santa Catarina vai transferir pacientes para outros Estados. Em dezembro, a região chegou a receber doentes de Manaus.

Resistência ao lockdown

Agora, no pior momento da pandemia e com uma taxa de transmissão muito mais acelerada, órgãos de controle e especialistas pedem adoção de medidas mais rígidas de isolamento social. Contudo, o governador Carlos Moisés (PSL) tem relutado em acatar lockdown por 14 dias como pedem os chefes e integrantes do Ministério Público, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Tribunal de Contas, e das defensorias Pública do Estado e da União.

Em reunião com os representantes dos órgãos na segunda-feira, o governador disse que vai aguardar resultados do modelo de isolamento que considera eficiente, com lockdown nos fins de semana e restrição de horários das atividades nos dias de semana.  

O número de pessoas com vírus ativo disparou nas últimas duas semanas. Em 15 de fevereiro, eram 10 mil. Nesta terça, 2, foram registrados 41 mil infectados com potencial de transmissão. Já são 7.438 mortos pelo novo coronavírus no Estado.

Risco de desabastecimento de insumos

O risco de desabastecimento de insumos para intubação e oxigênio também é considerado iminente, principalmente dos medicamentos do chamado kit intubação. "Os hospitais estão tendo dificuldades para adquirir insumos de maneira geral, principalmente do kit intubação, que já começa a faltar em algumas unidades", afirmou Adriano Ribeiro, diretor-executivo da Associação dos Hospitais de Santa Catarina (Ahesc). 

Segundo apurou a reportagem, gestores das regiões oeste e norte do Estado estão solicitando apoio para não ficarem sem insumos para intubar pacientes.

Ribeiro também comentou as mortes daqueles que sequer chegaram ao leito de UTI como pedia a avaliação médica. "Essa é uma realidade que só vai piorar; em Xanxerê, nós temos 30 pacientes internados na emergência, não tem mais lugar, as pessoas vão morrer na ambulância esperando vaga", emendou Ribeiro.

O diretor alerta para a gravidade no sistema de saúde catarinense, que, segundo ele, aguarda a habilitação de 978 leitos por parte do governo federal nos hospitais filantrópicos. Esses leitos já estão ocupados, mas não estão recebendo os recursos necessários para sua manutenção. 

"Isso por si só demonstra a situação em que nos encontramos: não há condições físicas nem de recursos humanos de abrirmos mais leitos. É preciso uma ação urgente de testagem em massa e isolamento sanitário das regiões críticas”, avalia. “Não tem como abrir UTI sem acesso a oxigênio, sem equipe capacitada, não é abrindo leitos dessa forma que vamos salvar vidas”.

Variante de Manaus circula em SC

Na última semana, a Secretaria de Saúde de Santa Catarina confirmou o que especialistas já tinham constatado na prática: a nova onda de infecção que atinge Santa Catarina é mais rápida e violenta e está sendo impulsionada pela variante detectada em Manaus (AM), chamada de P1. De dez casos testados pela Fiocruz, oito confirmaram a circulação da variante no estado.

Gestor de uma unidade hospitalar na capital ouvido pelo Estadão diz que foi um erro Santa Catarina ter recebido pacientes de Manaus sem protocolos adequados e sem isolamento rígido desses pacientes. "Nós trouxemos pacientes leves, que em poucos dias receberam alta, mas eles entraram nas unidades de saúde e, muito provavelmente, contribuíram para essa maior disseminação", avalia o médico que pediu para não ser identificado.

Fábio Bispo, especial para o Estadão, em 02 de março de 2021 

Brasil registra 1.726 mortes pela covid em 24 horas e volta a bater recorde

Média móvel de mortes pela doença também bateu recorde ao somar 1.274 nesta terça-feira

O Brasil registrou recorde do número de mortes em 24 horas desde o início da pandemia, com 1.726 novos óbitos nesta terça-feira, 2, segundo o consórcio de veículos de imprensa. A média móvel de mortes pela doença também bateu recorde ao somar 1.274. A sequência de balanços altos ocorre no momento em que o País enfrenta o pico da crise causada pelo coronavírus.

O número total de mortes chegou a 257.562, de acordo com o levantamento do consórcio de veículos de imprensa, formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL em parceria com 27 secretarias estaduais de Saúde. Já o registro de casos confirmados chegou a 10.647.845, sendo 58.237 contabilizados nas últimas 24 horas. O balanço mais recente foi divulgado às 20h.


Coveiros preparam novos túmulos para serem usados ​​no cemitério de Vila Formosa em meio ao surto da doença coronavírus, em São Paulo. Foto: REUTERS/Amanda Perobelli

A média móvel de mortes, que registra as oscilações dos últimos sete dias e elimina distorções entre um número alto de meio de semana e baixo de fim de semana, bateu recorde pelo quarto dia consecutivo. Além disso, já são mais de 40 dias com a média acima da marca de 1 mil vítimas.

Estado mais afetado pelo vírus em números absolutos, São Paulo também bateu recorde nesta terça-feira ao somar 468 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas. Com isso, o Estado chegou a 60.014 óbitos e 2.054.867 casos confirmados. 

Como divulgado pelo Estadão, o governo de São Paulo avalia possibilidade de colocar todo o Estado na fase vermelha, mas com escolas abertas. As novas diretrizes serão anunciadas nesta quarta-feira, 3. Entre os grandes hospitais particulares, pelo menos quatro (Einstein, Oswaldo Cruz, BP e São Camilo) afirmam que atingiram nos últimos dias 100% de ocupação de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para internados com covid-19. 

Segundo o governo, as taxas de ocupação dos leitos de UTI são de 75,5% na Grande São Paulo e 74,3% no Estado. O número de pacientes internados é de 16.635, sendo 9.225 em enfermaria e 7.410 em unidades de terapia intensiva.

Ainda nesta terça-feira, o Rio Grande do Sul anunciou que ultrapassou 100% de ocupação nos leitos de UTI adulto. Já são 2.824 pacientes internados em 2.818 leitos, incluindo hospitais públicos e privados. O Estado vive o pior momento da pandemia, com todas as regiões em bandeira preta. Em Santa Catarina, desde o dia 21 de fevereiro, quando o Estado atingiu capacidade máxima de internação, foram registradas 16 mortes na fila por uma vaga de UTI.

Consórcio dos veículos de imprensa

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os seis meios de comunicação que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, mas foi mantida após os registros governamentais continuarem a ser divulgados.

Andreza Galdeano, O Estado de São Paulo, em 02 de março de 2021

2ª Turma do STF arquiva denúncia contra Arthur Lira no ‘quadrilhão do PP’

Chegada de Kassio Nunes Marques ao tribunal permitiu reviravolta no julgamento do caso, que marca mais uma derrota da Lava Jato no STF

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Por 3 a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (2) arquivar a denúncia de organização criminosa apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) e outros três parlamentares no caso conhecido como “quadrilhão do PP”. O resultado marca mais uma derrota da Operação Lava Jato no Supremo.

A decisão da Segunda Turma também beneficia os deputados Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB) e Eduardo da Fonte (Progressistas-PE) e o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), todos investigados no âmbito de um inquérito que apura desvios bilionários na Petrobrás. Segundo a PGR, o esquema da organização criminosa também teria atingido a Caixa Econômica Federal e o Ministério das Cidades, com objetivo de obter propina de forma estável e “profissionalizada”.

As investigações sofreram uma reviravolta no Supremo após a aposentadoria de Celso de Mello e a indicação de Kassio Nunes Marques para a Corte, expondo mais uma vez o cenário desfavorável para o legado da operação no tribunal. Um dos líderes do Centrão, Ciro Nogueira deu a bênção para a indicação de Nunes Marques ao STF.

Nesta terça-feira, Nunes Marques voltou a se alinhar com os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, dois expoentes da ala garantista do tribunal, mais crítica aos métodos de investigação da Lava Jato. O trio impôs um novo revés para o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, e formou a maioria para arquivar o caso.

“A acusação formulada pela PGR concentra-se em fatos investigados em outros inquéritos. Todos os fatos investigados já foram arquivados pela própria PGR ou rejeitados nesta Corte”, disse o ministro Gilmar Mendes, ao alegar que as provas usadas na acusação eram frágeis, baseadas em versões de delatores e “recicladas” de outras investigações já arquivadas.

“No caso em questão, salta aos olhos a engenhosa artificialidade da acusação, já que não há nenhuma razão que sustente a persistência da organização criminosa até a data do protocolo da denúncia.”

Em um voto de 46 páginas, Gilmar destacou ainda mensagens privadas atribuídas a integrantes da hoje extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, obtidas por hackers que invadiram o celular de autoridades. Nas conversas reservadas, os procuradores discutiram a estratégia em torno da construção da denúncia.

“As recentes revelações de diálogos, quer lícitos ou não, sugerem que a apresentação da denúncia nos presentes autos era tão somente um ‘pé de apoio’ para um projeto político próprio do Ministério Público que perpassava justamente essa estratégia de deslegitimação do establishment partidário para, talvez no futuro, apresentar-se como solução: instaurar o caos para afiançar a moralidade”, afirmou Gilmar Mendes.

Na denúncia, Lira é acusado de receber R$ 1,6 milhão de propina paga pela Queiroz Galvão e de ser beneficiado com R$ 2,6 milhões de vantagens indevidas por meio de doações eleitorais “oficiais” realizadas pela UTC Engenharia. 

“Essas investigações já foram arquivadas, rejeitadas ou sequer iniciadas em virtude da fragilidade dos colaboradores e das provas produzidas. Denúncia se apoia basicamente nos depoimento dos colaboradores premiados, sem indicar os indispensáveis elementos autônomos de colaboração que seriam necessários para verificação da viabilidade de acusação”, afirmou Nunes Marques, ao acompanhar o entendimento de Gilmar Mendes.

Último a votar, Ricardo Lewandowski também votou pelo arquivamento da denúncia e fez um duro discurso contra a corrupção. “Quero dizer que nós somos contra a corrupção, detestamos a corrupção, consideramos que a corrupção é um dos males endêmicos que não permite que o país se desenvolva adequadamente do ponto de vista econômico, social e político. Ocorre, que esse combate à corrupção precisa ser feito dentro dos lindes da Constituição”, frisou.

Reviravolta. A denúncia do “quadrilhão do PP” foi apresentada em setembro de 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em junho de 2019, a acusação contra Lira e os outros parlamentares por organização criminosa foi recebida pela Segunda Turma do STF por outro placar apertado: 3 a 2. 

Naquela época, Gilmar e  Lewandowski votaram contra o recebimento da denúncia. Por outro lado, Fachin, Cármen Lúcia e o então decano do STF, Celso de Mello, defenderam o recebimento da acusação formal, formando a maioria para a abertura de uma ação penal.

A reviravolta no caso do “quadrilhão do PP” expõe mais uma vez a mudança na correlação de forças na Corte, desde a aposentadoria de Celso de Mello (que costumava se alinhar a Fachin na Segunda Turma) e a chegada de Nunes Marques, em novembro do ano passado.

Desde que Nunes Marques passou a integrar o colegiado, a Segunda Turma já determinou o arquivamento de um inquérito contra o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE) aberto com base na delação da Odebrecht e garantiu à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a mensagens privadas obtidas por hackers da Operação Spoofing.

Linha sucessória. O resultado do julgamento não resolve a controvérsia envolvendo a possibilidade de Lira assumir interinamente a Presidência da República caso Jair Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, se ausentem do território nacional. Um precedente do STF estabeleceu que réus em ações penais podem até comandar uma das Casas do Congresso, mas não substituir o presidente e o vice, caso os dois se ausentem do território nacional.

Além do “quadrilhão do PP”, que será arquivado, a Primeira Turma do STF já aceitou uma denúncia contra Lira em outro inquérito, no qual o parlamentar é acusado de corrupção passiva. O episódio diz respeito ao assessor parlamentar Jaymerson José Gomes de Amorim, servidor público da Câmara dos Deputados, que foi apreendido com R$ 106 mil em espécie quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com destino a Brasília utilizando passagens custeadas pelo deputado federal.

Ao tentar passar pelo aparelho de raio x, o assessor foi abordado por agentes aeroportuários e detido pela Polícia Federal.

A PGR narra que os valores apreendidos deveriam ser entregues a Lira, em troca de apoio político para manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Segundo a PGR, foi o deputado quem determinou que Jaymerson escondesse as notas de dinheiro na roupa (bolsas do paletó, cintura e dentro das meias).

Em novembro do ano passado, um pedido de vista do ministro Dias Toffoli “travou” o aprofundamento das investigações e a abertura de ação penal contra Lira. Não há previsão de quando a discussão do caso vai ser retomada.

Repercussão.

Para os advogados de Arthur Lira, Pierpaolo Bottini e Marcio Palma, a decisão reconheceu “que é preciso cuidado com a delação premiada”. “Embora seja um importante instrumento de prova, só deve valer quando coerente e corroborada por provas. É a terceira denúncia com base nas declarações do doleiro rejeitada pela Suprema Corte”, afirmou a defesa do presidente da Câmara.

Na avaliação do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, defensor de Ciro Nogueira, a decisão do STF “resgata a confiança no sistema de Justiça e anuncia novos tempos no cumprimento da Constituição”.

Rafael Moraes Moura de BRASÍLIA para O Estado de São Paulo, em 02.03.2021

Compra de mansão lança novas suspeitas sobre Flávio Bolsonaro

Filho mais velho do presidente comprou imóvel de luxo de R$ 6 milhões. Valor está bem acima do patrimônio declarado pelo senador, e condições de empréstimo para quitar mais da metade do valor levantam questionamentos

Flávio Bolsonaro e seu pai. Senador é suspeito de ocultar valores desviados com compra de imóveis

O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio, comprou uma mansão de luxo por quase R$ 6 milhões num condomínio fechado de Brasília. A informação foi revelada na noite de segunda-feira (01/03) pelo site O Antagonista e logo levantou questionamentos sobre as condições da transação.

Há mais de dois anos, negócios suspeitos de Flávio assombram a família presidencial. O parlamentar é acusado de enriquecer graças a um esquema de desvio de verbas públicas na época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro. Segundo investigações, há suspeita de que esses valores tenham sido lavados na compra de imóveis.

De acordo com o Antagonista, Flávio Bolsonaro pagou parte do imóvel, avaliado em R$ 5,97 milhões, com um empréstimo de R$ 3,1 milhões junto ao Banco de Brasília (BRB), uma instituição estatal do governo do Distrito Federal, que por sua vez é comandado por Ibaneis Rocha, um aliado do presidente. O banco acumulou um longo histórico de escândalos de corrupção nas últimas duas décadas e chegou a ter dois ex-presidentes presos. Já o atual presidente da instituição, Paulo Henrique Costa, é um dos cotados, segundo vários veículos da imprensa, para assumir a chefia do Banco do Brasil, uma prerrogativa do governo federal.

A compra da casa milionária também provocou críticas em redes sociais por ocorrer num momento de crise econômica, quando nenhum auxílio emergencial está sendo pago para famílias afetadas pela pandemia. A esposa de Flávio, Fernanda, que é dentista, também consta como compradora.

Transação

O valor da transação da mansão também chamou atenção, já que está bem acima do patrimônio declarado pelo senador Flávio em 2018. No pleito, o então candidato declarou possuir bens que totalizavam R$ 1,74 milhão. Seu salário como senador é de R$ 33.763.

O pagamento do empréstimo de R$ 3,1 milhões será feito em 360 parcelas. A certidão informa que as taxas de juros variam de 3,65% a 4,85% ao ano. Dessa forma, as parcelas devem ficar em torno de R$ 18 mil, mais da metade do salário líquido do senador.

Apesar de a mansão ficar numa área de Brasília, Flávio registrou o imóvel em um cartório de Brazilândia, uma empobrecida cidade satélite de 50 mil habitantes a 50 quilômetros do Plano Piloto.

Outro lado

Em nota divulgada nesta terça-feira, Flávio indicou que pagou mais de R$ 2,8 milhões do valor da mansão com recursos da venda de um apartamento no Rio de Janeiro.

"A casa adquirida pelo senador Flávio Bolsonaro em Brasília foi comprada com recursos próprios, em especial oriundos da venda de seu imóvel no Rio de Janeiro. Mais da metade do valor da operação ocorreu por intermédio de financiamento imobiliário. Tudo registrado em escritura pública. Qualquer coisa além disso é pura especulação ou desinformação por parte de alguns veículos de comunicação", afirmou a assessoria do senador.

Em um vídeo publicado em seu Twitter, Flávio ainda afirmou que parte do valor foi pago graças à venda de sua participação em uma franquia de chocolates no Rio.

A participação foi vendida no final de janeiro. A loja estava justamente na mira dos investigadores do Ministério Público que apuram as suspeitas de participação do senador no esquema das "rachadinhas" em seus tempos de deputado. A loja, segundo os promotores, operava com volume atípico de transações em dinheiro vivo e há suspeita de que o local era usado para lavar dinheiro.

O caso das rachadinhas também evidenciou a ligação da família Bolsonaro com milicianos do Rio, notadamente o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, morto em 2020, cuja ex-mulher e mãe foram empregadas no gabinete de Flávio e repassaram centenas de milhares de reais para Fabricio Queiroz, uma espécie de "faz tudo" da família Bolsonaro. Além disso, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também foi implicada no caso quando apareceram valores depositados por Queiroz em sua conta.

Suspeitas

Flávio foi denunciado em novembro pelo Ministério Público por seu papel nas suspeitas de desvios na Assembleia Legislativa do Rio, acusado de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Os desvios teriam somado R$ 6,1 milhões ao longo dos quatro mandatos de Flávio na Alerj.

A denúncia ainda apontou que os valores desviados foram ocultados com a compra de imóveis. Flávio, por exemplo, comprou em 2012 dois imóveis em Copacabana a preços abaixo do mercado. Os apartamentos foram comprados por R$ 310 mil e revendidos meses depois com um lucro de 262%. Sobre o caso, Flávio disse à época: "Ué, eu consigo comprar mais barato e estou sendo julgado por isso?". Mas o baixo valor pago parece ter sido artificial. No mesmo dia em que a transação foi oficializada, o dono original dos imóveis depositou R$ 638,4 mil em dinheiro vivo na própria conta.

Ao todo, Flávio adquiriu 19 imóveis num intervalo de 16 anos, entre apartamentos e salas comerciais. A mansão em Brasília é o 20º imóvel envolvendo o filho mais velho do presidente.

A mansão

O imóvel adquirido por Flávio Bolsonaro fica no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul, uma área nobre de Brasília. O terreno soma 2.400 m². Já a construção tem 1.100 m².

Os detalhes da casa apareceram num vídeo divulgado pela construtora. As imagens originais já foram retiradas do ar, mas foram logo reproduzidas por contas em redes sociais.

São dois pavimentos, com jardim e piscina. O anúncio de venda da casa descrevia que o andar inferior tem "salas de estar e de jantar com pé direito duplo, escritório, lavabo, home-theater, cozinha, espaço gourmet com ampla varanda, despensa, lavanderias coberta e descoberta, duas dependências completas para empregadas e quarto de motorista".

Já o andar superior conta com "sala e copas íntimas, uma brinquedoteca, quatro suítes amplas, sendo a master com hidromassagem para o casal, closet e academia".

"Na área externa, piscina e spa com aquecimento solar, iluminação em led e deck, banheiros do espaço gourmet, depósito, quatro vagas de garagem cobertas e mais quatro descober

Deutsche Welle Brasil, em 02.03.2021

Na França, ninguém está acima da lei

Durante muito tempo, a Justiça francesa aplicou medidas diferentes para a classe dominante e o cidadão comum. Isso mudou, como mostra a condenação de Sarkozy, opina Barbara Wesel.

O ex-presidente francês Sarkozy, condenado por corrupção

Não é que Nicolas Sarkozy terá que ir para a cadeia com traficantes de drogas e ladrões de carros. Se sua sentença for mantida após recurso, ele poderá cumprir a pena no conforto de sua casa com uma tornozeleira eletrônica. E sua esposa, Carla Bruni, poderá tocar para ele uma canção no violão com o refrão: "Você pode fazer o que quiser, desde que não seja pego."

Muita coisa aconteceu na era Sarkozy. Os franceses se divertiram com os detalhes de sua vida amorosa, mas seus escândalos políticos só vieram à tona mais tarde. Ele foi condenado porque o tribunal considera provado que ele tentou subornar um juiz em 2014 para obter informações sobre uma investigação.

Nessa história, tudo aconteceu: celulares descartáveis, chamadas telefônicas grampeadas, um cargo de luxo em Mônaco – os arquivos da corte fornecem material suficiente para um bom roteiro. E isso não é tudo: em um julgamento anterior, Sarkozy foi absolvido sob a acusação de aceitar doações não declaradas da herdeira da L'Oréal Liliane Bettencourt. Mas a sombra do caso permaneceu sobre ele por anos.

E o Judiciário ainda não deve deixar o ex-presidente em paz. Outro julgamento, sobre o financiamento ilegal de sua campanha presidencial de 2007, começa em duas semanas. Sarkozy teria recebido 50 milhões de euros do antigo ditador líbio Muammar Kadafi. Há ainda uma investigação sobre seu trabalho de consultoria para uma empresa russa e questões incômodas sobre o suposto uso de sua primeira esposa como funcionária fantasma.

Sarkozy é o segundo ex-presidente a ser condenado por um tribunal francês: em 2011 Jacques Chirac foi atingido por um escândalo de desvio e uso indevido de fundos públicos como prefeito de Paris. Mas o julgamento mais espetacular foi provavelmente contra François Fillon, que teve a esposa registrada durante anos como sua empregada, recebendo salário, embora ela nunca tivesse trabalhado. O veredito destruiu a carreira do candidato presidencial conservador e abriu as portas para a vitória de Emmanuel Macron.

Sentença histórica para a França

Há algumas décadas, as coisas eram diferentes: a acusação contra Valerie d'Estaing, por exemplo, que havia aceitado uma bolsa de diamantes do ditador centro-africano Jean-Bédel Bokassa, não deu em nada. E o fato de François Mitterrand ter mantido sua amante e filha em um apartamento de propriedade do Estado, com policiais como seguranças, foi de alguma forma aceito. Durante muito tempo, foram aplicadas na França regras diferentes para a classe dominante e os cidadãos. E isso alimentou a raiva que os franceses nutriam contra seus governantes.

Mas há alguns anos o Judiciário vem julgando cada vez mais os delitos de políticos que, no passado, teriam sido varridos para debaixo do tapete. A expectativa do público de processos judiciais justos tanto contra grandes quanto contra pequenos aumentou. As velhas barreiras oferecem cada vez menos proteção, e a recente série de investigações de agressões sexuais contra membros da elite francesa aponta para uma mudança.

Naturalmente, processos como o de Sarkozy também têm seus perigos. O ex-presidente, por exemplo, sempre afirmou que tudo isso era uma caça às bruxas. E é inteiramente possível explorar tais julgamentos contra rivais para fins políticos. Terá que ser provado, ao mesmo tempo, o quão objetiva e independentemente o Judiciário realmente realiza suas tarefas.

Para o ex-presidente, a condenação é um golpe. Ele parecia estar flertando com um retorno político, nas eleições presidenciais deste ano, já que os conservadores não têm um candidato confiável. Formalmente, ele ainda pode concorrer, mas será difícil fazer uma campanha com esse antecedente criminal. Sarkozy pode, é claro, continuar fazendo articulações dentro do partido. Mas o veredito contra ele é um sinal de que ninguém está acima da lei. Um sinal importante para os franceses frustrados e desiludidos.

Barbara Wesel é correspondente da Deutsche Welle em Bruxelas. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.

Família Bolsonaro - No Palácio, compra de mansão por Flávio Bolsonaro é vista como “tiro no pé” que expõe o pai


 Mansão comprada pelo senador Flávio Bolsonaro | Foto: Reprodução

A compra de uma mansão por R$ 6 milhões por Flávio Bolsonaro despertou críticas entre diversos aliados de Jair Bolsonaro, inclusive dentro do Palácio do Planalto. Em um primeiro momento, eles chegara a duvidar da compra, dizendo que o senador não seria “maluco” de fazer algo do tipo.

Confirmada a “loucura”, a avaliação de auxiliares do presidente é de que a atitude do senador expõe não só a si próprio, por ser alvo de uma denúncia no caso das rachadinhas, mas o próprio pai. A compra da casa foi revelada pelo site “O Antagonista” e confirmada pelo GLOBO. 

Para aliados do governo, Flávio escolheu “o pior momento” para adquirir o imóvel, pois ganha mais visibilidade quando tenta reverter sua situação na Justiça. 

Na semana passada, ele conseguiu que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulasse as quebras dos sigilos bancário e fiscal da investigação. Com isso, as principais provas contra ele devem ser removidas do processo. 

Interlocutores avaliam que o salário líquido de R$ 24,9 mil como senador é incompatível com a compra e custeio da casa, que tem 2.400 metros quadrados de terreno e 1.100 metros de área construída no condomínio “Setor de Mansões Dom Bosco”, no Lago Sul, bairro mais caro de Brasília.

Alguns integrantes do governo, porém, minimizaram a aquisição. Eles afirmam que Flávio sabe que irá apanhar se comprar qualquer bem e que decidiu fazer “ouvidos moucos” para as críticas.

Bela Megale, n'O Globo, em 02/03/2021.

Dias difíceis virão

As autoridades devem ter coragem para fazer o que tem de ser feito para o controle da covid

A Nação terá semanas muito duras pela frente, talvez as mais difíceis em muitos anos. Uma combinação de fatores tende a agravar ainda mais a situação epidemiológica do País, que já é dramática. Sistemas de saúde das redes pública e privada que ainda não entraram em colapso estão na iminência de colapsar.

Seis especialistas ouvidos pelo Estado – Gonzalo Vecina Neto, Renato Kfouri, Miguel Nicolelis, Roberto Kraenkel, Márcio Bittencourt e Mellanie Fontes-Dutra – foram unânimes na defesa de um “lockdown de verdade”, ainda que com variações de cidade para cidade, a fim de conter a disseminação desenfreada do novo coronavírus e o esgotamento da capacidade de atendimento dos hospitais. À rede de TV CNN, a infectologista Thaís Guimarães, do Hospital das Clínicas de São Paulo, prevê um “cenário de guerra” nos próximos dias, com pessoas morrendo por covid-19 dentro de suas casas ou na entrada de hospitais superlotados.

Estes alertas não devem ser tomados como mau augúrio por cidadãos e tampouco por governantes. Se houve quem mais acertou do que errou em seus prognósticos desde que a pandemia se instalou no País, foram os médicos e cientistas.

A cepa P.1, como foi denominada a variante do novo coronavírus detectada primeiramente em Manaus (AM), circula sem qualquer tipo de controle no País. Pesquisadores da Fiocruz descobriram que esta variante aumenta a carga viral em dez vezes e é duas vezes mais contagiosa. Junte-se a isto a baixa adesão ao isolamento social em muitas cidades, a falta de vacinas na quantidade que o País precisa e ninguém menos do que o presidente da República exortando a população a boicotar as únicas medidas sanitárias aptas a conter o espalhamento do vírus e está formada a tempestade que ora paira sobre o País.

A hora é de união nacional para salvar vidas. O horror de hoje e dos próximos dias, é importante destacar, reflete a inação de governantes e o mau comportamento de cidadãos de algumas semanas atrás. De uns e de outros, espera-se mais responsabilidade, coragem e espírito público para que a cada ciclo de 14 dias não se arme uma bomba viral sempre prestes a explodir e matar. O País vive uma tragédia sem precedentes. Há mais de um mês, morrem, em média, 1,2 mil pessoas por covid-19 todos os dias. Isto tem de acabar.

Passado um ano de uma pandemia que já custou a vida de quase 255 mil brasileiros, é desalentador observar que ainda há quem insista em ignorar as recomendações básicas das autoridades de saúde. Ou pior, quem insista em afrontá-las e desqualificá-las, como faz Jair Bolsonaro, dia sim e outro também, em seu doentio descaso pela vida de seus governados.

É inacreditável que, diante deste quadro dantesco, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenha de ser compelido a agir pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No sábado passado, a ministra Rosa Weber decidiu em caráter liminar que o Ministério da Saúde custeie a habilitação de leitos de UTI destinados para pacientes com covid-19 em São Paulo, Bahia e Maranhão. E isto é o mínimo necessário para salvar doentes de hoje. Qual o plano do intendente para evitar mal ainda maior no futuro próximo? Ele não sabe.

O mais inepto dos ministros da Saúde de que se tem notícia também precisa ser provocado para agir pelo Congresso. Há poucos dias, vale lembrar, o chefe do Poder Legislativo, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), teve de assumir o lugar que cabe a Pazuello na mesa de negociações com dois fabricantes de vacinas, os laboratórios Pfizer e Janssen. O Brasil, como duramente sabe a Nação, precisa o quanto antes aumentar a quantidade de vacinas à disposição da população. Hoje não há doses sequer para garantir a imunização de todos os que fazem parte dos grupos prioritários.

Sem vacinas, sem vagas de UTI suficientes para atender à demanda e sem um presidente da República que aja como tal, cabe a cada um dos cidadãos agir com responsabilidade. E a cada governador e prefeito, fazer com coragem o que tem de ser feito.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 02 de março de 2021 

‘É preciso parar esse cara’

O senador Tasso Jereissati foi enfático: 'É preciso parar esse cara'. Veterano, ele expressou sua estupefação com o comportamento do presidente

Político veterano, desses que já viram quase tudo na vida pública, Tasso Jereissati expressou sua estupefação com o comportamento do presidente, a quem infelizmente coube administrar o País em meio a uma das mais graves crises da história.

Bolsonaro não se limita a ser irresponsável ou omisso. Tornou-se nocivo, ao atrapalhar deliberadamente os esforços de profissionais de saúde e de autoridades públicas empenhados em conter o avanço da pandemia de covid-19.

Em meio ao recrudescimento da doença, enquanto governadores e prefeitos enfrentam o desgaste de decretar medidas drásticas para tentar frear o coronavírus e os médicos, em razão da falta de leitos de UTI, são obrigados a escolher quem vai viver e quem vai morrer, o presidente promove aglomerações, desestimula o uso de máscaras, desmoraliza vacinas e atiça a população contra as autoridades que, ao contrário dele, fazem o que precisa ser feito.

A mais recente agressão ocorreu no dia 26 passado, quando Bolsonaro chamou de “politicalha” as medidas restritivas adotadas contra a covid-19 e disse que “daqui para frente o governador que fechar seu Estado, o governador que destrói emprego, ele é que deve bancar o auxílio emergencial”.

A respeito do iminente colapso do sistema de saúde, o presidente disse que “a Saúde no Brasil sempre teve seus problemas” e que “a falta de UTIs era um deles”, como se a atual crise fosse fruto não de sua inépcia, mas do passivo de outros governos. Para completar, ante a informação de que seu governo reduziu drasticamente o financiamento de leitos de UTIs em plena pandemia, Bolsonaro apresentou dados distorcidos sobre repasses de verbas da União aos Estados para insinuar que dinheiro havia, mas não foi usado como deveria.

Para resumir: sem competência para providenciar vacinas, organizar o atendimento aos doentes e articular a renovação do necessário auxílio emergencial, e diante das perspectivas sombrias da economia, Bolsonaro manda às favas os princípios federativos e faz o que sabe melhor: foge da responsabilidade.

Incapaz de manifestar empatia em relação aos brasileiros que sofrem os efeitos da pandemia e de seu desgoverno, Bolsonaro só demonstra dedicação genuína quando o que está em jogo são seus interesses eleitorais. Ao longo de um ano de pandemia, o presidente gastou seu precioso tempo fazendo comícios em inauguração de obras desimportantes, mas não foi a nenhum hospital para prestar solidariedade a médicos e doentes e mal lhes dirige a palavra quando se pronuncia sobre a crise.

Já seria grave se fosse apenas indiferença, mas Bolsonaro parece na verdade considerar como inimigos todos os conterrâneos que não lhe devotam religiosa lealdade, pois só isso explica por que o presidente tanto se empenha em aumentar-lhes o padecimento.

É por isso que, como alertou o senador Tasso Jereissati, urge interromper essa marcha de insensatez, pois disso dependem incontáveis vidas. O melhor caminho para “parar essa insanidade”, disse o parlamentar, é a instalação de uma CPI – cujo pedido repousa na mesa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Motivos não faltam, e Tasso Jereissati os enumerou: “Primeiro, há crime contra a saúde pública, isso é claro. Segundo, há crime contra a Federação, porque está conclamando a população a fazer o contrário do decreto de um governador e ainda ameaçando governadores que fizerem isso”.

Diferentemente do que sustentam os governistas, para quem uma CPI neste momento seria indesejável ante a emergência da pandemia, o senador entende que a hora é agora, pois, a continuar nessa toada, sem que se responsabilize ninguém pela criminosa condução da crise, há uma “possibilidade enorme de termos um caos no Brasil inteiro”. O objetivo da CPI, disse Tasso Jereissati, “não é criar crise”, mas “mostrar que o presidente não pode fazer e dizer o que quer, que haverá consequências e que ele será responsabilizado”. É o que o Brasil civilizado ansiosamente aguarda.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em  02 de março de 2021

'Teremos o março mais triste de nossas vidas', prevê pneumologista da FioCruz

Para completar, não temos observado um comportamento de solidariedade, não só de todos os cidadãos, mas também de nossas autoridades políticas. Não vemos aumentar uma consciência cívica do que é preciso fazer neste momento, apesar do cansaço de um ano de pandemia. 

Seria necessário todos nós mantermos comportamentos individuais e coletivos de muito cuidado, com uso de máscara e distanciamento social. Já manifestei de que precisamos de medidas mais drásticas, com o fechamento de muitos serviços, para diminuir a circulação de pessoas e reduzir a transmissão viral.

Enterro de vítima de covid-19 em Manaus, em 17 de fevereiro; país supera 250 mil mortes (Crédito da foto: Reuters)

Em vários municípios brasileiros, leitos de enfermaria e UTI estão lotados de pacientes com covid-19. Não há mais vagas e os doentes não param de chegar.

De acordo com dados das secretarias estaduais de saúde, 17 estados têm ocupação em hospitais acima de 80%, um nível considerado crítico.

Outros oitos estados têm taxas que superam os 90% — no Rio Grande do Sul, por exemplo, o número chegou a 100%.

Onde ficarão essas pessoas que precisam de atendimento? E como poderemos conter essa avalanche de novos casos que põe em xeque o sistema de saúde e poderia afetar até mesmo a estabilidade social do país? O que fazer para se proteger num momento tão crítico?

Esses são alguns dos temas que preocupam a pneumologista Margareth Dalcolmo, professora e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), no Rio de Janeiro.

Em entrevista à BBC News Brasil, a médica, que se tornou uma das vozes mais ativas e influentes da ciência brasileira durante a pandemia, analisa como chegamos até esse estágio da pandemia e o que pode ser feito a partir de agora para aliviar a crise sanitária.

Leia os principais trechos a seguir.

BBC News Brasil - Nos últimos dias, acompanhamos notícias de diversas cidades com lotação em hospitais e colapso dos sistemas de saúde. Como classifica o atual estágio da pandemia de covid-19 no Brasil?

Margareth Dalcolmo - Nós estamos num momento muito grave da pandemia no Brasil, com um recrudescimento já materializado daquilo que consideramos uma segunda onda. Isso não nos surpreende, uma vez que as medidas de controle sanitário não foram só controversas, mas também ineficientes por um longo tempo. Nós sabemos também que a única solução possível para controlar a pandemia será a vacinação, e a campanha está apenas no início, numa velocidade muito aquém do desejável.

Para completar, não temos observado um comportamento de solidariedade, não só de todos os cidadãos, mas também de nossas autoridades políticas. Não vemos aumentar uma consciência cívica do que é preciso fazer neste momento, apesar do cansaço de um ano de pandemia. Seria necessário todos nós mantermos comportamentos individuais e coletivos de muito cuidado, com uso de máscara e distanciamento social. Já manifestei de que precisamos de medidas mais drásticas, com o fechamento de muitos serviços, para diminuir a circulação de pessoas e reduzir a transmissão viral.

A nossa grande preocupação hoje está no fato de que a transmissão viral é o grande mecanismo propiciador do aparecimento de novas variantes. E, considerando que já estamos enfrentando as primeiras mutações, precisamos responder a isso com estudos, com vigilância genômica. Precisamos entender se as vacinas utilizadas agora são capazes de nos proteger contra essas variantes. E, sobretudo, precisamos colaborar enquanto sociedade para não criar um cenário que propicie o aparecimento de novas versões do coronavírus.

Margareth Dalcomo recebeu em janeiro a dose da vacina Oxford/AstraZeneca na Fiocruz (Crédito foto: Tomaz Silva, Agência Brasil).

BBC News Brasil - Desde novembro de 2020, acompanhamos uma série de eventos que provocaram grandes aglomerações. Foi o caso das eleições municipais, das festas do final de ano, do Enem e agora do Carnaval. Algum desses episódios foi decisivo para chegarmos a crise de agora? Ou foi uma conjunção de fatores?

Dalcolmo - Foi realmente essa conjunção de fatores provocada por uma falta de entendimento do discurso dos cientistas, dos médicos e dos pesquisadores, que sempre estimularam uma consciência cívica coletiva, de solidariedade. A covid-19 mudou de lugar no Brasil e começou a entrar em nossas casas. Nós vemos agora pessoas que ficaram um ano em isolamento pegando a doença. Como isso é possível? Os jovens daquela família estão indo para as ruas e trazendo o vírus de volta.

As festas de final de ano foram trágicas. Eu mesma me manifestei diversas vezes dizendo que o Brasil teria o mais triste janeiro de sua história. E realmente tivemos, inclusive com o aparecimento da variante brasileira, identificada na família que viajou ao Japão vinda do Amazonas.

E agora eu não tenho dúvida de que teremos o mais triste março de nossas vidas. Isso é resultado do Carnaval e do descompasso entre o que nós, cientistas, dizemos, e o que as autoridades afirmam. Nos últimos dias, ouvimos que não é pra usar máscaras. Não há dúvidas, está demonstrado que a máscara é uma barreira mecânica que protege quem usa e todo mundo ao redor.

Todos esses fatores, somados ao cansaço de uma pandemia tão longa, geram um comportamento que tem se mostrado desastroso. O que vemos agora então é uma pressão enorme sobre o sistema de saúde, que sofre com uma taxa de ocupação de leitos acima de qualquer nível desejado em hospitais públicos e privados.

'O que vemos agora então é uma pressão enorme sobre o sistema de saúde, que sofre com uma taxa de ocupação de leitos acima de qualquer nível desejado em hospitais públicos e privados' (Crédito foto: AFP).

Junto a isso, há outro fator muito grave: a covid-19 se rejuvenesce no Brasil. Hoje vemos muitos jovens internados, que desenvolvem casos graves. Esses indivíduos têm uma força de transmissão enorme, porque eles se aglomeram, cantam, falam alto e repetem todos aqueles comportamentos que sabemos serem decisivos para transmitir uma doença viral respiratória.

BBC News Brasil - Na primeira onda, Manaus foi a primeira cidade brasileira a sofrer com a pandemia, em meados de abril de 2020. O mesmo se repetiu agora: a capital amazonense "antecipou" algo que veríamos ocorrer dali a algumas semanas em vários outros lugares. O que faz Manaus ser essa espécie de "medidor" da pandemia do país?

Dalcolmo - Eu não diria que Manaus é um medidor. A situação do Amazonas e de toda região Norte é muito particular. Manaus é uma cidade afastada, de difícil acesso, e teve um pico epidêmico precoce, muito antes do Sul e do Sudeste. Aqui, nós vimos o auge da primeira onda no final de junho, começo de julho. Manaus sofreu isso em abril. É preciso pensar que ali é Zona Franca, com um fluxo enorme de pessoas.

O que aconteceu foi que a covid-19 chegou, atingiu uma grande proporção da população de baixa renda e causou aquela tragédia de túmulos em cemitérios sendo abertos a toque de caixa. Mas era natural que essa imunidade conferida pela doença não fosse muito duradoura. O Amazonas nunca tomou medidas drásticas de fechar escolas, comércio ou fazer lockdowns.

Portanto, esperava-se que toda essa situação eclodisse, ainda mais com o surgimento de uma nova variante, que logo se expandiu para todo o Brasil. Manaus tem um fluxo de voos que diminuiu, mas continua acontecendo até hoje. Logo, não é de se estranhar que a variante brasileira esteja no Reino Unido e a variante britância se encontre no Brasil.

Diante de tudo isso, Manaus se tornou um paradigma de tudo aquilo que nós desejaríamos que não acontecesse.

A situação por lá foi agravada pela desídia administrativa. Não é possível que uma cidade como Manaus tenha um único fornecedor de oxigênio, sabendo que a logística de entrega é muito complexa. Se a mesma crise se abatesse sobre o Rio de Janeiro, onde a letalidade e a taxa de transmissão da covid-19 está alta, dificilmente teríamos problema igual, porque aqui nós não dependemos de um fornecedor de oxigênio só, temos quatro ou cinco.

Por fim, a pandemia em Manaus revela a absoluta e intolerável desigualdade social do Brasil. Porque quem morre no Amazonas é pobre e indígena. A classe média alta foi embora se tratar nos hospitais do Sudeste. A quantidade de jatos privados que foram alugados por 150 mil reais em Manaus para trazer pacientes para o Rio de Janeiro e São Paulo é enorme e isso está registrado.

A covid-19 é um marco em lugares como o Brasil e os Estados Unidos. Em Nova York, 40% dos óbitos pela doença aconteceram com pretos e pobres. A mesma coisa se repete aqui. Nós podemos dar inúmeros exemplos das medidas sanitárias necessárias para conter a crise, mas todas elas precisam ser coerentes e ter ligação com a questão social do país e das nossas desigualdades.

BBC News Brasil - Esse colapso poderia ser evitado com medidas que restringissem a circulação de pessoas e as aglomerações. Mas agora que essa oportunidade já passou, tem alguma coisa que podemos fazer para aliviar a situação?

Dalcolmo - Eu acredito que sim. A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, da qual sou presidente eleita, publicou um documento assinado por outras 70 sociedades médicas que contesta esse discurso contra as máscaras que ouvimos recentemente. Nosso manifesto mostra como esses equipamentos são ferramentas de proteção individual e coletiva.

Esse discurso contraditório entre a ciência e a política tem causado muitos males à sociedade brasileira. Só pra dar um exemplo, hoje de manhã eu estava num voo para voltar ao Rio de Janeiro, após resolver questões familiares, e sentei ao lado de dois jovens, que eram irmãos. Eles entraram no avião e tiraram as máscaras. Eu imediatamente chamei a comissária e disse, ainda antes do pouso: se eles não colocarem a máscara adequadamente, nós chamaremos o comandante, não haverá decolagem e os dois serão retirados imediatamente. Eu fui aplaudida pelo resto dos passageiros.

Não estou falando aqui de dois jovens pobres. Eles estavam viajando de avião, ora. E, quando já estávamos decolando, de novo os dois resolveram abaixar a máscara. Ah, aí eu fiquei zangada. Conversei de novo com a comissária e disse que, se ela não tomasse providências, eu mesma iria conversar com o comandante. No meio disso tudo, algumas pessoas me reconheceram, tinham me visto na televisão, gritaram para eles colocarem as máscaras.

Eu percebo então que existe um sentimento, ao menos naqueles indivíduos que têm um pouquinho mais de consciência, de que um comportamento como o desses dois irmãos é execrável e faz mal para o coletivo.

Quantas vezes nós falamos que aglomerações não poderiam acontecer? Eu entendo que as pessoas estejam cansadas. Mas nós também estamos. Estamos cansados sobretudo de ter que contar mortos todos os dias. Chega disso. Eu quero que a sociedade, o governo, as autoridades e todos nós passemos a nos comportar de maneira mais civilizada.

BBC News Brasil - Ainda no campo das medidas restritivas, governadores e prefeitos têm anunciado toques de restrição e fechamento de comércios à noite e durante a madrugada. Estratégias como essa fazem algum sentido?

Dalcolmo - Na forma como elas estão sendo propostas, não vão resolver nada. Por que fazer o fechamento e impedir a circulação entre meia noite e cinco da manhã? Nesse horário já não há gente na rua. E quem foi festejar, se aglomerar, beber e fazer tudo de errado, já fez. Essa é uma medida pouco eficaz.

Estou totalmente de acordo com o professor Miguel Nicolelis, que em entrevistas recentes disse que o Brasil precisaria de um lockdown de duas semanas bastante rígido para interceptar as cadeias de transmissão do coronavírus.

O Brasil nunca fez um lockdown adequado. Nunca conseguimos alcançar a taxa de 60% da população em casa, que seria um número desejável. Quem mais chegou perto disso foi São Paulo, com 58% de distanciamento social por momentos muito breves. Aqui no Rio de Janeiro não conseguimos.

E agora há esse descompasso entre o que a ciência diz e o cansaço generalizado de uma pandemia longa, com a economia tão machucada. Mas as pessoas precisam entender que não tem jeito. Se não tomarmos cuidado por algum tempo e não começarmos uma vacinação em massa, a situação só vai piorar.


Dalcomo diz que o Brasil 'nunca fez um lockdown adequado'

Precisamos vacinar 70% de nossa população até o meio do ano. Não é pra setembro. É para junho. Caso contrário, vamos propiciar as condições para o aparecimento de outras variantes. Também precisamos de um investimento pesado em vigilância genômica, para que possamos ter certeza que as vacinas produzidas pelos dois institutos públicos brasileiros, o Butantan e a FioCruz, são realmente efetivas contra as novas variantes.

BBC News Brasil - Falando em vacinação, o Brasil tem um sistema público muito bem estabelecido e uma capacidade histórica de imunizar 80 milhões de pessoas em poucos meses. Mas quando analisamos a campanha contra a covid-19, o ritmo está muito lento. Quais são os gargalos que não permitem a gente acelerar esse processo?

Dalcolmo - O primeiro deles é óbvio: não tem vacina. Se nós tivéssemos as milhões de doses que precisamos, bastava ter agilidade. E o nosso velho, tradicional e competente Programa Nacional de Imunizações tem uma enorme experiência em vacinar, quando é somado com essa capilaridade espetacular do Sistema Único de Saúde, o SUS. Seríamos capazes sim.

Mas a pandemia de covid-19 nos colocou numa situação nova, e isso pode indicar um novo tipo de voluntariado de qualidade ao nosso país. O que estamos vivendo agora é uma possível parceria com setores privados. Eu estive em São Paulo para conversar com a empresária Luiza Trajano para discutir esse assunto.

Que fique claro: eu sou completamente contrária à compra de vacinas pela iniciativa privada e já me manifestei sobre isso inúmeras vezes. Permitir isso no Brasil é indecente e imoral.

O que precisamos é ter uma vacina comprada pelo Governo Federal, que pode contar com a ajuda de empresas e empresários em questões como logística e transporte. Imagina uma prefeitura pequena, que não tem uma capacidade de organização grande. A iniciativa privada pode prover avião, barco, caminhão refrigerado, geladeira, freezer…

O que nós precisamos agora é ter muita vacina e uma capacidade logística enorme para imunizar muita gente em pouco tempo. Só a partir daí vamos fazer a economia voltar a funcionar com um pouco mais de liberdade. Isso também permitirá que as escolas reabram em sua capacidade total. E, inclusive, eu defendo que os trabalhadores da área de educação sejam vacinados com prioridade após protegermos os idosos e os profissionais da saúde.

BBC News Brasil - Nós já temos duas vacinas em uso no país, a CoronaVac (Sinovac/Instituto Butantan) e a CoviShield (AstraZeneca/Universidade de Oxford/FioCruz). Além delas, vemos conversas sobre os imunizantes de Pfizer/BioNTech, Johnson & Johnson, a Sputnik V… É hora de diversificar nosso portfólio?

Dalcolmo - Nós estamos atrasados nisso. Poderíamos ter negociado com Pfizer e Johnson & Johnson desde que eles iniciaram os estudos de fase 3 aqui no Brasil, no segundo semestre de 2020. A Sputnik V parece ser boa, mas ainda carece de registro na Anvisa, que é nossa agência reguladora.

Mas quando alguém me pergunta qual vacina eu tomaria, eu sempre respondo: qualquer uma, desde que tenha registro na Anvisa. O que eu nunca tomaria é uma vacina que não passou por esse crivo de grande qualidade técnica que temos em nosso país.

Dalcomo: 'quando alguém me pergunta qual vacina eu tomaria, eu sempre respondo: qualquer uma, desde que tenha registro na Anvisa'

A verdade é que nós perdemos um tempo precioso e já podíamos ter a vacina da Pfizer por aqui. Hoje estamos implorando para negociar alguns poucos milhões que estão disponíveis.

Vale lembrar que não tem vacina para todo mundo. Se pensarmos que dez países já compraram 75% da produção mundial de vacina deste ano, isso de novo nos revela a enorme desigualdade em que vivemos. Só o Canadá garantiu cinco doses para cada habitante. E isso não é bom nem ruim, não estou julgando. Pelo menos eles farão uma coisa correta, que é doar o excedente para os países que não tem condições por meio do mecanismo da Covax Facility.

BBC News Brasil - Diante de todo o cenário que a senhora descreveu e analisou, quais são as mais importantes recomendações que todos nós devemos seguir pelas próximas semanas?

Dalcolmo - As pessoas têm que entender que tudo isso já era esperado, por mais que não desejássemos que acontecesse. Quantas vezes eu disse coisas nessa pandemia e gostaria de estar errada… Parece que estamos numa crônica de morte anunciada, como aquelas escritas por Gabriel García Márquez em seus livros.

Mais uma vez, faço um apelo para que todo mundo entenda que estamos num momento muito grave, muito mais sério do que o primeiro pico. Esse número de mortes é absolutamente intolerável.

O que temos de fazer é proteger a nós mesmos, nossas famílias, nossos colegas de trabalho. Sei que estamos cansados da pandemia. Mas elas são assim mesmo e levam tempo.

Essa é a primeira pandemia de uma geração mais jovem, mas nós já vivemos outras no passado. Quando enfrentamos a H1N1 em 2009, por exemplo, estávamos mais preparados. O Brasil tinha 70 milhões de doses de vacina compradas, estocadas, com seringa, agulha, tudo. Não é o que está acontecendo agora…

É hora de todos colaborarem, fazerem sua parte e terem consciência cívica. Não adianta ser anárquico e desafiar uma ordem biológica que não é favorável a nós. Ou nos comportamos agora ou colaboraremos com a piora dessas estatísticas terríveis, que mais parecem filmes de terror.

André Biernath, da BBC News Brasil em São Paulo, em 02.03.2021

segunda-feira, 1 de março de 2021

Em nota, governadores dizem que governo ‘parece priorizar criação de confronto’

Autoridades se irritaram porque o presidente Jair Bolsonaro divulgou repasses obrigatórios da União aos Estados como se fossem uma verba extra para conter os problemas da pandemia

Governadores de 18 Estados decidiram reagir ao movimento do presidente Jair Bolsonaro de tentar repassar a eles a responsabilidade pela expansão da pandemia do novo coronavírus. Nesta segunda-feira, 1.º, o grupo divulgou nota criticando a atitude do governo federal de usar dinheiro público “a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais”.

No documento, o grupo cobra a distorção da conta feita pelo presidente, que diz ter repassado R$ 837,4 bilhões para os Estados Foto: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO

Foi uma resposta à estratégia do presidente, que passou a divulgar em público e, nas suas redes sociais, que a União repassava bilhões aos Estados para que reduzissem os efeitos da pandemia. Esse argumento também foi  reproduzido nas redes da Secretaria Especial de Comunicação (Secom) do governo.

A irritação foi grande porque a maior parte desses recursos aos quais Bolsonaro se refere é de repasses obrigatórios, previstos pela Constituição. Ou seja, não se trata de um gesto do presidente para conter os problemas da pandemia. Para o grupo, não há dúvidas de que Bolsonaro decidiu tentar repassar para o colo dos governadores pelo menos parte da conta política e do desgaste junto à população pela disparada no aumento dos casos de coronavírus.

Na nota, os governadores dizem que o governo parece “priorizar a criação de confrontos”. O texto é subscrito pelos governadores de Alagoas (Renan Filho - MDB), Amapá (Waldez Góes - PDT), Ceará (Camilo Santana - PT), Espírito Santo (Renato Casagrande - PSB), Goiás (Ronaldo Caiado - DEM), Maranhão (Flávio Dino - PCdoB), Pará (Helder Barbalho - MDB), Paraíba (João Azevêdo - Cidadania), Paraná (Ratinho Junior - PSD), Pernambuco (Paulo Câmara - PSB), Piauí (Wellington Dias - PT), Rio de Janeiro (Cláudio Castro - PSC), Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra - PT), Rio Grande do Sul (Eduardo Leite - PSDB), São Paulo (João Doria - PSDB) e Sergipe (Belivaldo Chagas - PSD).

“Os governadores dos Estados abaixo assinados manifestam preocupação em face da utilização, pelo Governo Federal, de instrumentos de comunicação oficial, custeados por dinheiro público, a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais. Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o governo federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população”, diz o texto.

“A Constituição Brasileira, Carta maior de nossa sociedade e nossa democracia, estabelece receitas e obrigações para todos os Entes Federados, tal como é feito em qualquer federação organizada do mundo. No modelo federativo brasileiro, boa parte dos impostos federais (como o Imposto de Renda pago por cidadãos e empresas) pertence aos Estados e Municípios, da mesma forma que boa parte dos impostos estaduais (como o ICMS e o IPVA) pertence aos Municípios. Em nenhum desses casos a distribuição tributária se deve a um favor dos ocupantes dos cargos de chefe do respectivo Poder Executivo, e sim a expresso mandamento constitucional”, acrescenta a nota. 

“Nesse sentido, a postagem hoje veiculada nas redes sociais da União e do Presidente da República contabiliza majoritariamente os valores pertencentes por obrigação constitucional aos Estados e Municípios, como os relativos ao FPE, FPM, FUNDEB, SUS, royalties, tratando-os como uma concessão política do atual Governo Federal. Situação absurda similar seria se cada Governador publicasse valores de ICMS e IPVA pertencentes a cada cidade, tratando-os como uma aplicação de recursos nos Municípios a critério de decisão individual”.

Durante o fim de semana, as redes bolsonaristas trataram de espalhar a narrativa do governo, afirmando que R$ 837,4 bilhões haviam sido enviados pela União aos Estados. Ou seja, os governadores teriam dinheiro sobrando para combater o vírus. Essa tentativa de repassar responsabilidade causou grande desconforto até em governadores aliados do Planalto, como Ronaldo Caiado (Goiás), Ratinho Júnior (Paraná) e Claudio Castro (Rio), que subscreveram a nota crítica.

Alguns governadores foram mais duros na sua reação ao presidente. “Ao invés de construir alianças para combater a pandemia, Bolsonaro destrói pontes e prejudica o trabalho dos governadores para salvar vidas”, disse o governador de São Paulo, João Doria, ao Estadão.

“O presidente da República insiste em agredir a verdade para tentar atingir os governadores. Ele está postando contas malucas sobre recursos enviados aos Estados, misturando com municípios, recursos de FPE, FPM, auxílio emergencial etc. Em suma, é um irresponsável”, acusou o governador do Maranhão, Flávio Dino.

“O presidente da República mistura, sem explicar, todos os repasses federais (até os obrigatórios pela Constituição) e fala que mandou R$ 40 bilhões para o Rio Grande do Sul. Se a lógica é essa, fica a dúvida: como o Rio Grande mandou para Brasília R$ 70 bilhões em impostos federais, cadê os nossos outros R$ 30 bilhões que enviamos?”, questionou o governador gaúcho Eduardo Leite.

Apesar da reação, os bolsonaristas não recuaram da estratégia. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, voltou a insistir na história mesmo depois da divulgação da nota dos governadores. Faria sustentou que os dados do governo procedem.

“Os valores de repasses do governo para os Estados estão 100% corretos. As fontes são acessíveis”, disse o ministro. “Os valores estão claramente discriminados nas publicações e são referentes a todos os repasses para os Estados: diretos (da União para os entes) e indiretos, como benefícios ao cidadão (Auxílio, Bolsa etc.) e suspensão de dívida. Não há o que contestar, não se briga com números”, afirmou o ministro, endossando o discurso do presidente.

Marcelo de Moraes, O Estado de São Paulo, em 01 de março de 2021


Brasil passa de 255 mil mortes por covid-19 e tem novo recorde na média móvel de óbitos

Volume de novos casos da doença voltou a crescer no país

O Brasil acumula um total de 10.587.001 casos de covid-19 e 255.720 pessoas mortas pela doença, segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) divulgado nesta segunda-feira (1/3).

Nas últimas 24 horas, foram registrados oficialmente 778 óbitos e 35.742 novos casos da doença.

Pelo sexto dia consecutivo, o país bate recorde na média móvel de sete dias: nesta segunda, a média calculada dos últimos sete dias foi de 1.225 casos de óbitos.

O Estado com maior número de vítimas fatais é São Paulo (59.546), seguido de Rio de Janeiro (33.093) e Minas Gerais (18.598).

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país com mais mortes pela doença em todo o mundo. Ele está atrás apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 514,1 mil óbitos por covid-19, conforme registro da Universidade Johns Hopkins.

O país foi superado oficialmente em número de casos, entretanto, pela Índia (11,1 milhões), em segundo lugar, depois dos Estados Unidos (28,6 milhões).

BBC News Brasil, em 01.03.2021