segunda-feira, 1 de março de 2021

Em nota, governadores dizem que governo ‘parece priorizar criação de confronto’

Autoridades se irritaram porque o presidente Jair Bolsonaro divulgou repasses obrigatórios da União aos Estados como se fossem uma verba extra para conter os problemas da pandemia

Governadores de 18 Estados decidiram reagir ao movimento do presidente Jair Bolsonaro de tentar repassar a eles a responsabilidade pela expansão da pandemia do novo coronavírus. Nesta segunda-feira, 1.º, o grupo divulgou nota criticando a atitude do governo federal de usar dinheiro público “a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais”.

No documento, o grupo cobra a distorção da conta feita pelo presidente, que diz ter repassado R$ 837,4 bilhões para os Estados Foto: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO

Foi uma resposta à estratégia do presidente, que passou a divulgar em público e, nas suas redes sociais, que a União repassava bilhões aos Estados para que reduzissem os efeitos da pandemia. Esse argumento também foi  reproduzido nas redes da Secretaria Especial de Comunicação (Secom) do governo.

A irritação foi grande porque a maior parte desses recursos aos quais Bolsonaro se refere é de repasses obrigatórios, previstos pela Constituição. Ou seja, não se trata de um gesto do presidente para conter os problemas da pandemia. Para o grupo, não há dúvidas de que Bolsonaro decidiu tentar repassar para o colo dos governadores pelo menos parte da conta política e do desgaste junto à população pela disparada no aumento dos casos de coronavírus.

Na nota, os governadores dizem que o governo parece “priorizar a criação de confrontos”. O texto é subscrito pelos governadores de Alagoas (Renan Filho - MDB), Amapá (Waldez Góes - PDT), Ceará (Camilo Santana - PT), Espírito Santo (Renato Casagrande - PSB), Goiás (Ronaldo Caiado - DEM), Maranhão (Flávio Dino - PCdoB), Pará (Helder Barbalho - MDB), Paraíba (João Azevêdo - Cidadania), Paraná (Ratinho Junior - PSD), Pernambuco (Paulo Câmara - PSB), Piauí (Wellington Dias - PT), Rio de Janeiro (Cláudio Castro - PSC), Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra - PT), Rio Grande do Sul (Eduardo Leite - PSDB), São Paulo (João Doria - PSDB) e Sergipe (Belivaldo Chagas - PSD).

“Os governadores dos Estados abaixo assinados manifestam preocupação em face da utilização, pelo Governo Federal, de instrumentos de comunicação oficial, custeados por dinheiro público, a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais. Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o governo federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população”, diz o texto.

“A Constituição Brasileira, Carta maior de nossa sociedade e nossa democracia, estabelece receitas e obrigações para todos os Entes Federados, tal como é feito em qualquer federação organizada do mundo. No modelo federativo brasileiro, boa parte dos impostos federais (como o Imposto de Renda pago por cidadãos e empresas) pertence aos Estados e Municípios, da mesma forma que boa parte dos impostos estaduais (como o ICMS e o IPVA) pertence aos Municípios. Em nenhum desses casos a distribuição tributária se deve a um favor dos ocupantes dos cargos de chefe do respectivo Poder Executivo, e sim a expresso mandamento constitucional”, acrescenta a nota. 

“Nesse sentido, a postagem hoje veiculada nas redes sociais da União e do Presidente da República contabiliza majoritariamente os valores pertencentes por obrigação constitucional aos Estados e Municípios, como os relativos ao FPE, FPM, FUNDEB, SUS, royalties, tratando-os como uma concessão política do atual Governo Federal. Situação absurda similar seria se cada Governador publicasse valores de ICMS e IPVA pertencentes a cada cidade, tratando-os como uma aplicação de recursos nos Municípios a critério de decisão individual”.

Durante o fim de semana, as redes bolsonaristas trataram de espalhar a narrativa do governo, afirmando que R$ 837,4 bilhões haviam sido enviados pela União aos Estados. Ou seja, os governadores teriam dinheiro sobrando para combater o vírus. Essa tentativa de repassar responsabilidade causou grande desconforto até em governadores aliados do Planalto, como Ronaldo Caiado (Goiás), Ratinho Júnior (Paraná) e Claudio Castro (Rio), que subscreveram a nota crítica.

Alguns governadores foram mais duros na sua reação ao presidente. “Ao invés de construir alianças para combater a pandemia, Bolsonaro destrói pontes e prejudica o trabalho dos governadores para salvar vidas”, disse o governador de São Paulo, João Doria, ao Estadão.

“O presidente da República insiste em agredir a verdade para tentar atingir os governadores. Ele está postando contas malucas sobre recursos enviados aos Estados, misturando com municípios, recursos de FPE, FPM, auxílio emergencial etc. Em suma, é um irresponsável”, acusou o governador do Maranhão, Flávio Dino.

“O presidente da República mistura, sem explicar, todos os repasses federais (até os obrigatórios pela Constituição) e fala que mandou R$ 40 bilhões para o Rio Grande do Sul. Se a lógica é essa, fica a dúvida: como o Rio Grande mandou para Brasília R$ 70 bilhões em impostos federais, cadê os nossos outros R$ 30 bilhões que enviamos?”, questionou o governador gaúcho Eduardo Leite.

Apesar da reação, os bolsonaristas não recuaram da estratégia. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, voltou a insistir na história mesmo depois da divulgação da nota dos governadores. Faria sustentou que os dados do governo procedem.

“Os valores de repasses do governo para os Estados estão 100% corretos. As fontes são acessíveis”, disse o ministro. “Os valores estão claramente discriminados nas publicações e são referentes a todos os repasses para os Estados: diretos (da União para os entes) e indiretos, como benefícios ao cidadão (Auxílio, Bolsa etc.) e suspensão de dívida. Não há o que contestar, não se briga com números”, afirmou o ministro, endossando o discurso do presidente.

Marcelo de Moraes, O Estado de São Paulo, em 01 de março de 2021


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