terça-feira, 16 de junho de 2020

"É inconcebível que ainda sobreviva no Estado brasileiro resíduo de autoritarismo', diz o Ministro Celso de Mello

Relator do inquérito que investiga se Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, o decano do STF disse que é preciso resistir “com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro”
     

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, disse nesta terça-feira (16) que é “inconcebível” que ainda haja resíduo de autoritarismo dentro do Estado brasileiro. Relator do inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, Celso disse que é preciso resistir “com as armas legítimas da Constituição e das leis do Estado brasileiro” e observou que “sem juízes independentes, jamais haverá cidadãos livres neste País”.

Em um discurso endereçado a Bolsonaro, ainda que sem mencioná-lo explicitamente, Celso criticou a postura “atrevida” de não se cumprir ordens judiciais. No mês passado, o presidente da República disse que não entregaria seu celular, mesmo se houvesse decisão da Justiça nesse sentido. O pedido de partidos da oposição para apreender o aparelho do presidente, no entanto, acabou arquivado pelo próprio ministro.

“Esse discurso (de não cumprir decisões judiciais) não é um discurso próprio de um estadista comprometido com o respeito à ordem democrática e que se submete ao império da Constituição e das leis da República.  É essencial  relembrar a cada momento as lições da história, cuja advertência é implacável, como assinalava o saudoso ministro Aliomar Baleeiro: ‘Enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio sempre haverá vocação de ditadores’. É preciso resistir, mas resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro e reconhecer na independência da Suprema Corte a sentinela das liberdades”, disse o decano.

A fala do decano foi feita durante a sessão da Segunda Turma, quando integrantes do STF saíram em defesa da democracia, da Constituição e da atuação de juízes, além de condenarem os ataques ao tribunal, em meio à escalada de tensões na relação com o Palácio do Planalto.

Ao longo das últimas semanas, o Supremo tomou uma série de decisões que contrariaram os interesses do Palácio do Planalto, como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, a proibição da expulsão de diplomatas venezuelanos, a limitação do alcance do salvo-conduto a gestores públicos e o entendimento de que prefeitos e governadores têm autonomia para tomar iniciativas de combate ao novo coronavírus.

Coragem. Coube à presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia, abrir a sessão demonstrando, em suas próprias palavras, “preocupação” com o cenário nacional.

“Atentados contra instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferente voltam-se contra todos, contra o País. A nós, cabe manter a tranquilidade, mas principalmente a coragem, a dignidade de continuar a honrar a Constituição, cumprindo a obrigação que nos é expressamente imposta de guardá-la para garantir a sua aplicação a todos e por todos. Constituição não é um artifício e direitos não são de menor importância, são conquistas”, observou a presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia.

“Que não se cogite que a ação de uns poucos conduzirá a resultado diferente do que é a convivência democrática. E não se cogite que se instalará algum temor ou fraqueza nos integrantes da magistratura brasileira. Este tribunal é presente, está presente, permanecerá presente e atuante cumprindo seus compromissos institucionais com a República”, completou Cármen.

O ministro Edson Fachin concordou com Cármen. “Temos de sair da crise sem sair da democracia. A saúde da democracia é também a saúde das instituições”, afirmou.

As relações do STF com o Palácio do Planalto também ficaram estremecidas após a declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que disse na reunião ministerial de 22 de abril que, por ele, “botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. No último domingo, Weintraub furou o bloqueio na Esplanada dos Ministérios e se encontrou com manifestantes em frente ao Ministério da Agricultura. Ao conversar com o grupo, o ministro disse: “Eu já falei a minha opinião, o que faria com esses vagabundos”.

No sábado, um grupo de 20 manifestantes bolsonaristas soltou fogos de artifício em direção à sede do Supremo, enquanto xingavam ministros do tribunal. Outro episódio de atrito veio após o presidente Jair Bolsonaro divulgar nota, assinada com vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, em que afirma que as Forças Armadas  “não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”.

Fonte: O Estado de São Paulo / Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA
16 de junho de 2020 | 15h54

Esticando a corda

Para o general Luiz Eduardo Ramos, o Judiciário estará provocando uma reação militar se entender que houve irregularidade na campanha de Bolsonaro

O Supremo Tribunal Federal (STF) advertiu que não tolerará mais intimidação por parte do bolsonarismo, originada seja das infectas redes sociais, seja dos movimentos de camisas pardas travestidos de patriotas, seja do primeiríssimo escalão do Executivo.

Ao reagir ao disparo de fogos de artifício contra o prédio do Supremo, feito por bolsonaristas no sábado, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ordenou a responsabilização dos delinquentes, citando uma “eventual organização criminosa”. O resultado da reação do Supremo não tardou, e alguns celerados já foram presos. Se o bolsonarismo estava testando os limites das instituições democráticas, sabe agora que o preço de tanta desfaçatez é a cadeia. É bom, portanto, que os que inspiram esse comportamento delinquente dos camisas pardas saibam que chegará o dia em que terão de responder por isso. Não à toa, o ministro Dias Toffoli, em nota, disse que as atitudes dos bolsonaristas, “financiadas ilegalmente”, têm sido “reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado”.

O presidente do Supremo acrescentou que a Corte “se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus ministros e da democracia brasileira”. Isso já está acontecendo: correm no Judiciário investigações sobre inúmeras suspeitas que recaem sobre os liberticidas que chegaram ao poder em 2018, desde o financiamento ilegal de campanha até a organização de uma máquina de destruição de reputações na internet. Perto do que já se sabe a respeito disso, o disparo de fogos de artifício contra o Supremo é traque.

Ante essa pressão, não parece ter sido casual que na sexta-feira o presidente Jair Bolsonaro tenha emitido nota para “lembrar à Nação brasileira que as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do presidente da República” e que essas Forças “não aceitam tentativas de tomada de Poder por um outro Poder da República, ao arrepio das leis ou por conta de julgamentos políticos”. Trata-se de uma ameaça explícita do presidente de recorrer às Forças Armadas caso algum dos processos que correm contra ele afinal o tire da Presidência. A nota é assinada ainda pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo – e ambos se fizeram reconhecer no texto como generais, embora sejam da reserva. Ou seja, há aí a pretensão de indicar uma unidade militar em torno do presidente e de intimidar quem ousa contrariá-lo.

O mesmo fez o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. À revista Veja, o general disse que é “ultrajante” a ideia de que os militares pensem em golpe, mas “o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”. O “outro lado” a que se refere o ministro são as instituições, sobretudo o Judiciário – que, na visão do general, estará “esticando a corda” e provocando uma reação militar se entender que houve irregularidade na campanha de Bolsonaro e cassar a chapa. Para o ministro, qualquer resultado que não seja a absolvição do presidente será “casuístico” – logo, inaceitável.

Trata-se de golpismo escancarado. Ora, quem “estica a corda”, dia e noite, é o presidente da República. Na quinta-feira, dia 11, Bolsonaro incitou seus seguidores a invadir hospitais para verificar “se os leitos estão ocupados ou não”, pois, segundo o presidente, “tem um ganho político dos caras”, referindo-se aos governadores, a quem acusa de aumentar o número de mortos pela pandemia de covid-19 para responsabilizá-lo.

É um atentado de múltiplas dimensões. Além de estimular a invasão de hospitais e de colocar em risco a vida dos invasores e dos internados, o presidente, sem nenhuma prova, acusa médicos de forjarem atestados de óbito e governadores de inventarem mortos. Ora, se o presidente estivesse mesmo interessado em saber o que se passa nos hospitais, bastaria acionar seu Ministério da Saúde, que existe para isso, e não atiçar seus seguidores a atuarem como polícia política. “Invadir hospitais é crime – estimular também”, disse o ministro do STF Gilmar Mendes, lembrando o óbvio.

Como salientou outro ministro do STF, Luís Roberto Barroso, é preciso indicar claramente que “há diferença entre militância e bandidagem”. E lugar de bandido, seja ele quem for, é na cadeia.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
16 de junho de 2020 | 03h00


Traficante esconde 300 quilos de maconha em caixões lacrados e diz que eram corpos de vítimas da Covid-19

Polícia Militar de Goiás flagrou carro funerário durante fiscalização na BR-060

Traficante esconde 300 kg de maconha em falsos caixões

Droga estava escondida em dois caixões. Foto: Reprodução/Polícia Militar

A Polícia Militar de Goiás apreendeu 300 quilos de maconha escondidos em caixões transportados por um carro funerário. A droga foi encontrada na madrugada de segunda-feira, 15, durante fiscalização na BR-060, na altura do município de Jataí, localizado a cerca de 300 quilômetros da capital do Estado.

De acordo com os agentes, o motorista, de 22 anos, disse que estava transportando dois corpos de vítimas da Covid-19 e que os caixões estavam lacrados seguindo protocolo para evitar o contágio do vírus. Ele informou ainda que havia saído de Ponta Porã, no Mato Grosso, e seguia para Goiânia.

Os policiais solicitaram a documentação necessária para o transporte dos corpos, mas condutor não apresentou. Diante disso, a equipe decidiu abrir os caixões e encontrou a droga. O suspeito e o carregamento foram levados para a Delegacia de Polícia.

Fonte: Pedro Prata e Rayssa Motta, do Correio Braziliense
16 de junho de 2020 | 15h22



Toda vida importa, sim!

Num grupo de mulheres em rede social, de repente, a polêmica - racismo e violência policial. Ânimos se exaltam e Maria ameaça sair do grupo. Ágil no teclado, Eurídice pondera.

"A violência policial é uma aberração no processo civilizatório. A polícia deve proteger e não ameaçar a cidadania. São servidores públicos, pagos com impostos arrecadados na sociedade."

Mas tragicamente, sabemos, não há milagres possíveis para a conquista desta forma legítima e qualificada de atuar.

E a formação policial, tanto lá como cá - aqui muito mais, até - é para o ataque caracteristico da guerra. Ou seja, é matar ou morrer. Aqui, a polícia militar é força auxiliar do Exército. Uma anomalia, decorrente do nosso processo histórico, da “ Revolução” de 64.

A polícia tem que ter natureza essencialmente civil e seguir as regras estritas dos pactos sociais, traduzidos nas Constituições.

Os policiais que atuam dentro da legalidade - e são muitos - sofrem também, absurdamente, com a atuação criminosa dos que assim se portam.

Sim, sofrem porque aumenta o estigma contra eles/elas. Aqui no Brasil, ganhando mal e tendo que morar em áreas onde habita a marginalidade, frequentemente têm que esconder sua condição de policial.

Enfim, quando acontece uma tragédia como a que vimos agora nos EUA, é esperado que a argumentação racional perca qualquer espaço.   

O ato criminoso nos EUA - revoltante em sua singularidade - passou a representar a convergência da revolta pela violência praticada no dia a dia pelo trabalho policial abusivo e aviltante.

Perde-se, neste contexto, repito, qualquer vínculo com as nuances do crime praticado.

George Floyd: o missionário cristão morto por um policial branco e ...     Assassinato de George Floyd – Wikipédia, a enciclopédia livre

George Floyd, entre seus irmãos de fé religiosa, no Texas, empunha a Bíblia. Depois, em Minneapolis, onde trabalhava como segurança. Preso e algemado, é asfixiado por policial até à morte. (Fotos da internet).

Ele, o crime, passa a virar símbolo de uma situação que agride a todas/todos nós, pessoas comprometidas com valores humanitários.

E acabamos assim, cegos de legítima revolta, a não aceitar qualquer argumento que trate o ato criminoso pelo viés do exame racional de algumas de suas variáveis.

Repito, este crime - mais um horroroso - virou símbolo da nossa revolta. Mas também afirmo - com a memória de quem já atuou na área de segurança pública nos últimos 20 anos - há muiiiita gente trabalhando para reverter o quadro da violência policial.

Por fim, Maria, ouso dizer que se sair do debate, estará contribuindo e não ajudando a enfrentar a causa da violência policial. Fique entre nós!


Eurídice Nóbrega Vidigal, avó de Guilherme e Helena, foi Secretária de Estado da Segurança Cidadã no Maranhão (Governo Jackson Lago).

Morte de jovem negro por policial em Atlanta intensifica protestos nos EUA

Rayshard Brooks foi morto a tiros após resistir à prisão; caso levou a profunda comoção e causou demissão do agente e da chefe de polícia da cidade

Um novo caso de violência policial contra negros nos Estados Unidos despertou ondas de revolta em todo o país. Na última sexta-feira 12, um agente branco matou a tiros o jovem negro Rayshard Brooks em Atlanta, no estado da Geórgia. O policial, identificado como Garrett Rolfe, foi demitido, enquanto seu parceiro Devin Bronsan, que esteve envolvido em uma briga com a vítima, está em licença administrativa.

Rolfe tem 27 anos, a mesma idade de Brooks, que morreu ao ser baleado pelo policial, que estava no Departamento de Polícia de Atlanta desde 2013. O jovem foi morto a tiros na noite de sexta-feira no estacionamento de um restaurante de fast food, depois de resistir à prisão, lutando com os dois policiais brancos, tirando-lhes uma pistola de choque elétrico e tentando fugir, segundo o Gabinete de Investigação da Geórgia (GBI, sigla em inglês).

A polícia chegou ao local após receber um aviso de que um homem – Brooks -, estava “dormindo em um veículo estacionado em frente à janela” do restaurante, dificultando a retirada de alimentos de outros clientes, explicou o GBI. Um vídeo da câmera presa ao uniforme de um dos agentes, publicado neste domingo 14 pela polícia, mostra que os policiais conversaram por quase meia hora com Brooks antes do início do confronto.

Brooks, diante de policiais no estacionamento, permaneceu calmo, confirmou que havia bebido “uma bebida e meia” e colaborou com os policiais, pedindo que deixassem que estacionasse seu carro lá e caminhasse até a casa de sua irmã. Os agentes confirmaram que ele estava embriagado e Bronsan tentou colocar as algemas nele, mas Brooks se sacudiu e os três acabaram no chão, com a polícia avisando que eles lhe dariam um choque elétrico se ele resistisse.

Fonte: O Globo / Da Redação - 
Atualizado em 15 Jun 2020, 11h33 - Publicado em 15 Jun 2020, 11h20

Criador do Bot Sentinel diz que contas falsas são tão comuns quanto robôs na internet: 'Estão usando humanos de verdade'

Uma plataforma criada nos Estados Unidos contra a desinformação nas redes pode ajudar a entender o caminho das mensagens políticas que estão circulando no Twitter brasileiro. 

A Bot Sentinel, criada em 2018, já identificou dezenas de hashtags relacionadas à política do país tuitadas a partir de contas inautênticas, como #BolsonaroTemRazao, #FechadoComBolsonaro e #MaiaTemQueCair, a primeira não americana a ocupar o topo do ranking do Bot Sentinel, no dia 27 de abril. 

Ao GLOBO, o criador da plataforma, Christopher Bouzy, explica como um sistema criado para identificar contas em inglês chegou aos tuítes brasileiros. Nas redes, Bouzy não esconde sua preferência pelo partido Democrata, mas, na entrevista, explica como programou a plataforma para não favorecer ideologias. 

Ele acredita que empresas privadas localizadas nos EUA foram contratadas para impulsionar mensagens sobre a política brasileira.

Por que o Bot Sentinel foi criado?

Comecei a trabalhar nele depois das eleições de 2016 porque notei que as pessoas no Twitter pensavam que todo mundo era bot (robôs, ou sistemas automatizados programados para fazer uma função determinada na internet). Se não concordavam com alguém, chamavam de bot. Achei que isso não era produtivo em termos de discurso político. Comecei a desenvolver algo para ajudá-las a distinguir contas falsas de verdadeiras. Encontrei ferramentas e tentei metodologias, mas não achei que eram efetivas. Olhar um certo número de tuítes durante um período de tempo ou palavras-chave não permite julgar uma conta. Criei minha própria tecnologia, recorrendo aos termos de uso do Twitter. Treinei os modelos de aprendizado automático usando milhões de tuítes de contas que estavam quebrando regras. Havia uma correlação entre contas fazendo isso e contas falsas, tanto na China e na Rússia quanto nos EUA. Com o tempo, seguindo essas contas, o modelo se aprimorou, porque vimos que as contas estavam sendo suspensas pelo Twitter. Pegamos os dados para continuar a treinar o modelo, até que a plataforma começou a aprender sozinha usando os dados que estava coletando.

O Bot Sentinel identifica muito conteúdo a favor do presidente dos EUA ou do presidente do Brasil. Ele só vai atrás das contas falsas da direita?

Nós somos muito acusados de termos um viés, deixe-me explicar. Me perguntam se miramos os conservadores ou a direita, e a resposta direta é não. Primeiro, o algoritmo para identificar os bots não se importa com ideologia. Há muitas contas de direita ou de esquerda que são classificadas como normais, satisfatórias, perturbadoras ou problemáticas. Mas há um número mais alto dessas contas que estão empurrando isso, infelizmente, que estão à direita. Mas nós não dizemos ao sistema quem seguir ou rastrear, ele está fazendo isso sozinho. Por isso você vê contas favorecendo (Donald) Trump ou o atual presidente do Brasil. Mas se você olhar os dados a fundo, vai encontrar contas que estão dizendo coisas que não são precisas ou coisas positivas sobre Joe Biden e que não são contas legítimas.

Essas contas publicam conteúdo de maneira automática?

A plataforma se chama Bot Sentinel, mas nós rastreamos mais do que bots estritamente falando. Este é um termo específico. Eles são contas automatizadas, estão constantemente tuitando e retuitando coisas. O Bot Sentinel também procura contas que estão fingindo ser algo que não são. Elas estão mais espertas agora do que em 2016. Não se está usando mais tanto os “bots”. Estão usando humanos de verdade, e eles estão interagindo, ganhando seguidores, postando coisas. E irão te responder. Mas muitas dessas contas que estamos seguindo não são legitimas. Pode ser uma pessoa controlando uma dúzia ou duas dúzias de contas: 80% do que rastreamos são essas contas inautênticas, controladas por humanos, e o resto são as totalmente automatizadas, ou algum formato híbrido.

Se há um humano por trás do computador, por que essa conta é considerada falsa?

Porque eles estão fingindo ser algo que não são. Por exemplo, temos o Black Lives Matter, que ganhou força nos EUA depois do assassinato de George Floyd pelos policiais. Há pessoas tentando usar isso como uma maneira de mais uma vez causar confusão e caos aqui na América. Há pessoas criando contas fingindo que são afro-americanas e não são; podem ser caucasianos aqui nos EUA ou alguém na China, tentando manipular a conversa aqui nos EUA. Talvez na Rússia. Pode ser alguém fingindo ser uma mulher, quando na verdade é homem. Não é como um jornalista, usando um nome real, ou talvez até alguém que não está usando seu nome verdadeiro, mas que é de fato o que diz ser.

Nessas contas falsas já foi identificado alguém tuitando sobre o Brasil?

A questão do Brasil é uma anomalia. O Bot Sentinel foi criado para tuítes em inglês, para o público americano. Mas ele está aprendendo, e, quando alguém ou um grupo de pessoas no Brasil começou a usar bots, ele começou a aprender. Ele é focado apenas em tuítes em inglês. Isso faz com que as coisas que estão acontecendo no Brasil sejam estranhas, porque muitos desses tuítes são em português. Então nós começamos a pesquisar para tentar entender por que o Bot Sentinel está fazendo isso. Vimos alguma sobreposição entre contas que estão tuitando sobre o seu atual presidente e o nosso atual presidente, o que nós achamos que é um pouco suspeito. Há pessoas que são viciadas em política, que não focam só na política doméstica. Mas quando você tem um grande número de contas focando nos dois, é um pouco estranho. Estamos trabalhando num modelo específico para o Brasil, para o português, para ele entender melhor.

Onde aparece a interseção entre contas em português e inglês?

Há contas que estão tuitando sobre o seu presidente e, dois tuítes depois, sobre o nosso presidente. É estranho que isso esteja acontecendo, mas é isso que estão fazendo. Temos nossas suspeitas do porquê. Acreditamos que há alguns grupos que estão sendo pagos para fazer isso e criar novas contas. Não é difícil de fazer isso, mas leva tempo. Esses grupos reciclam contas. Nós acompanhamos isso também. Há contas que primeiro fingiam ser uma pessoa, temporariamente são fechadas, depois reativadas e mudam tudo, inclusive o nome de usuário. Nós vemos contas que fingem ser de apoiadores do Trump e, semanas depois, mudam complemente para serem de apoiadores de Bernie (Sanders) ou (Joe) Biden. Alguns grupos são preguiçosos. Eles não recomeçam do zero, mudam as personas de um extremo para o outro, ou então tentam atender muitos clientes ao mesmo tempo. Elas vão tuitar sobre o seu presidente e tuitar sobre o nosso presidente usando as mesmas contas, para continuar a disseminar desinformação.

Foi descoberta alguma interferência estrangeira nos tuítes sobre o Brasil?

Em termos de contas inautênticas nos Estados Unidos controladas por indivíduos daqui interferindo em política brasileira, sim. Nós vimos indivíduos americanos se envolvendo em política brasileira. Essas são pessoas que estão morando aqui; elas podem ser americanas, e estão tuitando sobre o Brasil. E vice-versa. Vimos contas de naturais brasileiros tuitando sobre política americana. Nós definitivamente vimos contas inautênticas baseadas nos EUA tuitando sobre coisas brasileiras. Há grupos sendo pagos para fazer isso, sendo pagos para espalhar a desinformação. As pessoas às vezes pensam em termos de governo: o governo russo, ou dos EUA, ou o Irã. Mas há firmas e indivíduos que são pagos para fazer isso, você pode contratar alguém.

Paola De Orte, de Washington, especial para O GLOBO

15/06/2020 • 04:30

Prisão de radicais é correta; liberdade de expressão não protege ameaças e crimes’, diz Moro após PF prender líderes do ‘300 do Brasil’

Segundo o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, o debate público 'pode ser veemente, mas não criminoso'
 Após a Polícia Federal prender a militante bolsonarista Sara Winter e buscar outros cinco líderes do ‘300 do Brasil’, o ex-ministro Sérgio Moro afirmou em publicação no Twitter que a ‘prisão de radicais’ que ameaçam o Supremo Tribunal Federal e seus ministros é correta. “A liberdade de expressão protege opiniões, mas não ameaças e crimes. O debate público pode ser veemente, mas não criminoso”, declarou o ex-juiz.

A prisão de Sara Winter e de outros cinco militantes bolsonaristas foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do inquérito sobre a organização de atos antidemocráticos. Segundo apurado pelo Estadão, os militantes são investigados pelo crime de associação criminosa, previsto no artigo 288 do Código Penal.

Os pedidos de prisão foram feitos pelo vice-procurador-geral da República Procuradoria-Geral da República Humberto Jacques de Medeiros e enviados ao gabinete de Alexandre na sexta feira, 12.

Em nota, a PGR indicou que há indícios ‘de que o grupo continua organizando e captando recursos financeiros para ações que se enquadram na Lei de Segurança Nacional’. O objetivo das prisões temporárias, com duração de cinco dias, ‘é ouvir os investigados e reunir informações de como funciona o esquema criminoso’, diz o Ministério Público Federal.

Fonte: Redação de O Estado de São Paulo
15 de junho de 2020 | 11h32

Esticando a corda

O que significa "não esticar a corda"? Eliane Cantanhede em artigo n'O Estado de São Paulo quer saber. Coincidentemente ou não, o Povo em geral também.       

A nota conjunta do presidente Bolsonaro, do vice Mourão e do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, é uma clara ameaça e está em sintonia com o secretário de Governo da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, que disse à revista Veja que é “ultrajante” falar em golpe militar, para em seguida ressalvar: “Mas não estica a corda”. A frase ficou no ar. Faltou completar: senão...

O que significa “não esticar a corda”? Enquanto a resposta não é clara, soa como advertência a um menino levado, desobediente: “Ou você se comporta, ou vai ficar de castigo, levar uma palmada”. O que nos remete às ameaças de “ruptura” e de AI-5, já alardeados por ninguém menos que o filho do presidente da República, que orna a parede da sala de jantar com a imagem de uma metralhadora.

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Nos remete também às “consequências imprevisíveis” citadas pelo general Augusto Heleno contra uma decisão do STF e encampadas pelo general Fernando – que é o primeiro militar a ocupar o Ministério da Defesa e desfilou num helicóptero com Bolsonaro para saudar manifestações contra o Supremo e o Congresso. Outros militares de alta patente prestigiaram atos assim, como o próprio Ramos, que é da ativa. Do alto da rampa do Planalto, mas ele estava lá.

Quanto à nota, Bolsonaro e os dois militares dizem que as Forças Armadas estão sob autoridade suprema do presidente e não cumprem “ordens absurdas, como a tomada de poder”. E ressaltam: “Também não aceitam a tomada de poder por outro poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”. Novamente, faltou: senão...

É preciso especificar, ou decifrar, o que significa dizer que as FA “não aceitam” isso ou aquilo. No caso, a tomada do poder pelo Executivo (um auto-golpe) ou por um “outro poder”. E vem o dedo em riste: um outro poder que possa fazer “julgamentos políticos”. Vale para o Judiciário, citado literalmente, já que responsável por julgamentos. E vale para o Congresso, que faz julgamentos legal e legitimamente políticos, como o que sofreu Dilma Rousseff.

Em resumo, portanto, temos que o presidente, o vice e o ministro da Defesa anunciam ao País que não aceitam julgamentos do STF, do TSE e do Congresso. Não por que eventualmente contrariem a Constituição e as leis, mas os que ameacem suas posições e interesses. E isso é álcool na fogueira de manifestações antidemocráticas.

É uma situação delicada, a ser tratada com maturidade institucional e firme consciência democrática, num momento em que o Supremo investiga a acusação do ex-ministro Sérgio Moro de intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal, o TSE analisa oito ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão, STF e CPMI acumulam dados sobre fake news que podem chegar ao Planalto e, na presidência da Câmara, pousam 30 pedidos de impeachment de Bolsonaro.

Com trocas de informação, pedidos de vista daqui e dali e declarações variadas contra impeachment, as instituições se autodefendem das ameaças de “ruptura” e acumulam arsenal. O TSE deu sinal verde para embolar as investigações sobre fake news num mesmo processo: no TSE, denúncias de uma máquina de robôs para disparar mentiras na campanha de 2018; no STF, a rede de ataques contra ministros, suas famílias e a própria instituição.

Quem ameaçou primeiro, porém, tem armas, arsenal literalmente mais letal. E é aí que essa guerra se torna assimétrica e nos arrepia. De um lado, a democracia, com apoios e uma resistência difusa, mas atuante, na sociedade civil. Do outro, as armas – e não só das FA. Onde Bolsonaro quer chegar? Até onde as nossas Forças Armadas se sujeitam a ir? E qual a força da munição do Supremo, do Congresso e do TSE para resistir?

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
14 de junho de 2020 | 03h00

As ondas e a credibilidade

Pode ser forte, agora, a tentação de confundir questões sociais e preocupações fiscais. Se isso ocorrer, os pobres poderão sair perdendo

O mundo se levanta e volta a se mover, mas poderá ser novamente derrubado por uma segunda onda de covid-19. O alerta, válido para todos, está no panorama da economia global recém-lançado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com sede em Paris. Sem novo tombo, o produto mundial encolherá 6% neste ano e crescerá 5,2% em 2021. Com segunda onda, a contração será de 7,6% em 2020, com recuperação de 2,8% no próximo ano. Em qualquer caso, o desafio é mais complicado no caso do Brasil. Além de enfrentar a pandemia e tentar vencer a recessão, o governo terá de manter a credibilidade, sinalizando claramente o compromisso de retomar a disciplina fiscal – o cuidado das finanças públicas – ao sair da crise. De todos os déficits, o de credibilidade pode ser o mais danoso para o futuro do País.

A situação do Brasil parece menos feia quando se comparam apenas as projeções de retração econômica e de recuperação. Com apenas uma onda de covid-19, o Produto Interno Bruto (PIB) do País deve diminuir 7,4% em 2020 e crescer 4,2% em 2021. No caso de segunda onda, o recuo poderá chegar a 9,1% neste ano, com reativação de 2,4% no próximo.

Na média, a economia dos 37 países-membros da OCDE, avançados e emergentes, deve encolher 7,5% na melhor hipótese e 9,3% na outra. Algumas grandes economias europeias devem ter desempenho bem mais feio que o do Brasil. França, Itália e Reino Unido podem ter recuo pouco superior a 11%, na hipótese mais benigna, e na faixa de 14%, na menos favorável. Mas essa comparação pode ser enganadora.

Ao entrar na crise da covid-19, o Brasil já estava em situação bem pior que a da maior parte das economias emergentes e desenvolvidas. Seu desemprego era o dobro da média da OCDE, de 5,5% em março. Com o impacto da crise, a desocupação média nesse conjunto de países subiu para 8,4% em abril e continuou bem abaixo da taxa brasileira, superior a 11% da força de trabalho. Mesmo com algum ajuste técnico, a situação brasileira continuaria pior.

Além disso, o Brasil, como se lembra no relatório da OCDE, estava “finalmente recuperando-se de uma longa recessão” e agora, segundo se projeta, está no rumo de outra ainda mais profunda. Mas as fragilidades brasileiras são mais amplas. Pela estimativa da organização, o déficit geral das contas públicas do País, incluídos os juros, deve saltar de 5,9% do PIB em 2019 para 14,5% neste ano e 7,2% em 2021, se a crise sanitária ficar limitada a uma onda.

Investidores e financiadores estarão de olho nesses indicadores e, principalmente, na orientação do governo. Será prudente, portanto, deixar logo clara a disposição de retomar já no próximo ano a política de arrumação das contas públicas, avaliou o economista Jens Arnold, responsável na OCDE pelo acompanhamento de Argentina e Brasil, em entrevista à correspondente Célia Froufe, baseada em Londres.

A confiança na política fiscal, lembrou o entrevistado, facilitou a redução de juros básicos e a gestão da dívida pública. Ninguém perderá a confiança por causa das medidas excepcionais neste ano, acrescentou, mas todos estarão atentos à próxima etapa da política. A redução de juros, poderia ter observado o economista, foi um ganho importante para o Brasil, nos últimos anos. Seria insano desperdiçar esse ativo. No Ministério da Economia e no Banco Central todos sabem disso. Falta ver se esses fatos serão considerados pelo presidente da República, por seus conselheiros políticos e pelo Centrão.

As políticas de enfrentamento da crise, no Brasil, são em geral bem avaliadas. O economista Jens Arnold elogia o apoio a trabalhadores e empresas mais vulneráveis e as medidas estaduais e municipais de isolamento. Esta seria, segundo ele, uma boa ocasião para desenhar uma política mais ampla e permanente de transferência de renda. O ministro da Economia tem falado sobre isso. Mas é melhor ter cuidado. Pode ser forte, agora, a tentação de confundir questões sociais e preocupações fiscais. Se isso ocorrer, os pobres poderão sair perdendo.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
15 de junho de 2020 | 03h00

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Enquanto isso, Brasil tem 891.556 casos de Covid-19 e 44.118 óbitos, mostra consórcio de veículos de imprensa no boletim das 20h

Foram registradas 729 novas mortes e 23.674 novos casos em relação ao domingo

O Brasil tem 891.556 casos de Covid-19, e o número total de mortes é de 44.118. Os dados são do boletim das 20h desta segunda-feira do consórcio de veículos de imprensa formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S. Paulo, Uol e O Estado de S. Paulo, a partir das atualizações das secretarias estaduais de Saúde.

Foram registradas 729 novas mortes e 23.674 novos casos em relação ao domingo. Todos os estados brasileiros informaram suas atualizações.

O Brasil é o segundo país com maior número de casos confirmados e de mortes provocadas pelo novo coronavírus no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

No domingo, a cidade do Rio ultrapassou a marca de 5 mil mortes por Covid-19. No estado, o número de óbitos nesta segunda chegou a 7.728.

Outros estados além desses cinco também apresentam números preocupantes. Goiás registrou novos 2.334 diagnósticos positivos nas últimas 24h. Segundo a secretaria estadual de saúde, o aumento expressivo se deu, em grande parte por conta dos resultados dos testes feitos no município de Rio Verde, que ainda não haviam entrado no sistema de contabilização da doença.

Já o Sergipe registrou 1.707 novos casos confirmados nas últimas 24h. De acordo com a secretaria estadual de saúde, destes novos casos, "1.385 são resultados de amostras que tinham sido acumuladas de 25 maio a 1º de junho e que foram enviadas para processamento na Fiocruz/RJ".

O Ceará foi o estado que apresentou o maior número de novas mortes em decorrência do novo

O Ministério da Saúde divulgou no início da noite desta segunda-feira os dados de seu balanço sobre os casos e mortes registrados pela Covid-19. De acordo com a pasta, foram registrados 20.647 novos casos da doença nas últimas 24 horas, totalizando 888.271. Ainda segundo o balanço, foram registradas 627 novas mortes nas últimas 24 horas, totalizando 43.959.

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde na noite desta segunda-feira indicam que o país chegou a 888.271 casos do novo coronavírus, com 43.959 mortes provocadas pela doença. No domingo, eram 867.624 infectados e 43.332 óbitos.

Segundo o balanço, foram acrescentados no sistema da pasta 20.647 diagnósticos nas últimas 24 horas, mas que podem ter ocorrido em dias anteriores. Também foram registrados 627 óbitos de domingo para a segunda, dos quais 256 ocorreram nos últimos três dias. Há ainda 4.070 mortes em investigação.

São Paulo é o estado com mais casos da doença: 181.460. Seguido por Rio de Janeiro (80.946), Ceará (79.462), Pará (69.224) e Maranhão (60.5920).

Quando observada as mortes, São Paulo também lidera o ranking, com 10.767 óbitos. Depois vem Rio de Janeiro (7.728), Ceará (4.999), Pará (4.201) e Pernambuco (3.886).

Fonte: O Globo
15/06/2020 - 20:00 / Atualizado em 15/06/2020 - 20:03

Não se deve pressupor que as instituições vão sempre funcionar, diz FHC: 'Momento preocupante'

Ex-presidente tucano foi o primeiro entrevistado na edição 2020 do Brazil Forum UK, transmitido pelo Estadão

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse que o Brasil vive um momento preocupante com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que não se pode dar como certo que, na democracia, as insituições vão sempre funcionar. "Risco depende das circunstâncias de quem fale em nome da democracia e de quem a defenda", afirmou em entrevista no Brazil Forum UK 2020, evento da comunidade de estudantes brasileiros no Reino Unido.

"Na questão da democracia, não se deve dar por assente que as instituições vão funcionar. Não estamos nos Estados Unidos ou na Inglaterra, onde as instituições provavelmente funcionam. É verdade que há liberdade de imprensa, Congresso assumindo posições, mas tem um problema: o povo está em casa com medo por causa do coronavírus, não se sente reação popular", disse o tucano.

FHC disse que o Brasil pode cair no autoritarismo se não houver reação a fatos como os ataques contra o STF no domingo, 14. Perto da meia-noite de domingo, cerca de 30 manifestantes bolsonaristas autodenominados “300 do Brasil” simularam com fogos de artifício um ataque ao STF. Os fogos foram disparados às 21h30 na direção do edifício principal do STF, na Praça dos Três Poderes, enquanto os manifestantes xingavam ministros da Suprema Corte. Nesta segunda, uma das líderes do grupo, a ativista Sara Winter, foi presa.

"Hoje vivemos um momento preocupante, com atentado simbólico ao STF sem reação de autoridades maiores. Há um clima em que você sente que as instituições estão com vigor, querendo reagir", analisou FHC. "Mas nessa horas de dificuldade, não tenhamos dúvida, a instituição fundamental são as Forças Armadas. Nunca se sabe muito bem, mas não creio que eles tenham, como tinham em 64, um projeto, (como foi em 1964) de segurar a esquerda. Eles estão, acredito eu, com a Constituição. O terreno é escorregadio. Você pode sem querer cair no autoritarismo, se não houver reação. Não vejo sinais na sociedade um sinal de apoio a um possível fechamento, à perda de liberdade."

O tucano elencou sinais de um possível rompimento institucional com rumo ao autoritarismo: para ele, é o fim do apoio no Congresso, a existência de mobilizações nas ruas e a tomada de medidas com viés autoritário.

"A retórica do presidente vai no sentido do autoritarismo, mas na mão dele não se sente a espada. Estamos na zona cinzenta, ainda bem. Vai depender da reação. O STF reagiu bastante fortemente em função do que ocorreu ontem (no domingo). O que não vejo ainda é o caminho definido, o rumo. Mesmo (Bolsonaro) não tendo esse projeto (de autoritarismo), ele pode chegar lá. É um momento perigoso."

FHC disse ver o presidente Bolsonaro tão perdido quanto os brasileiros em meio à crise do coronavírus. "A sensação que temos é que estamos perdidos e o presidente também. O governo está um pouco sem rumo. O rumo era reorganizar a questão fiscal, mas com a crise sanitária tem que gastar mais, não menos. Numa crise, a primeira coisa é chamar quem entende do assunto. Depois, explicar à população, dizer os rumos, os caminhos."

O Brazil Forum UK continua até o dia 10 de julho, todos com transmissão exclusiva no Estadão. O evento é gratuito e não necessita de inscrição. É possível acompanhar as discussões no portal estadao.com.br, nas redes sociais Twitter (@estadao) e Facebook e no canal do Estadão no YouTube. Assista abaixo.

Matheus Lara, O Estado de S.Paulo
15 de junho de 2020 | 16h50

Radicalismo do bolsonarismo divide a oficialidade das Forças Armadas

Decisão do presidente de incentivar seguidores a invadir hospitais e ataque de milícia ao STF causaram repulsa em oficiais que pretendem reafirmar profissionalismo dos militares

Repórter especial de O Estado de São Paulo, Marcelo Godoy acompanha as relações entre o Poder Civil e as Forças Armadas. Neste artigo, pubicado hoje, ele analisa os movimentos do Presidente da República que tem resultado no enfraquecimento da governabilidade.



Até quem gosta do presidente admite: os atos do governo Jair Bolsonaro dividiram as Forças Armadas. Uma parte dos oficiais, ainda que afinada politicamente com as ideias do presidente, critica cada vez mais a forma como o governo executa suas ideias para atingir seus objetivos. Há uma certeza crescente de que besteiras, como o incentivo à invasão de hospitais públicos para filmar os leitos de UTI e mostrar se eles estão realmente ocupados, causarão estragos à imagem das instituições, principalmente, do Exército.

"Que ideia de jerico. Se eu não fosse bolsonarista, ia dizer que chegou a hora de reeditar o Febeapá", disse um coronel das Força Aérea Brasileira, em referência ao Festival de Besteiras que Assola o Brasil (Febeapá), título das crônicas que o jornalista Sérgio Porto publicava no jornal Última Hora, nos anos 1960, sob o nome de Stanilaw Ponte Preta. Um oficial da reserva do Exército  teve a mesma reação no sábado: "isso vai cair no nosso colo". Outro, um general de brigada, sempre disposto a defender Bolsonaro, prefirou, desta vez, se calar diante da nova ideia do presidente.

Bolsonaro criou os fiscais da covid-19. Em 1986, José Sarney criara os fiscais do Plano Cruzado. Cada um lidou com o gado como pôde... Sua intervenção na área da Saúde e a atuação do general Eduardo Pazuello - um militar da ativa - na pasta, com sua pedalada sanitária barrada pela Justiça e com a falta de transparência ou de planos compartilhados com Estados e Municípios para enfrentar a pandemia, deixaram a Nação sem referência confiável para o combate à doença, o maior desafio enfrentado neste século pelo País.

A própria presença de Pazuello e de outros militares da ativa em manifestações de rua, na Esplanada dos Ministérios, incomoda parte dos chefes militares. Generais e almirantes conversaram sobre a situação e o desconforto chegou aos ouvidos do ministro Luiz Eduardo Ramos, que deixara a caserna para exercer cargo político, sem passar para a reserva. Ramos anunciou no sábado, dia 13, que vai deixar o quadro ativo de oficiais, no mesmo dia em que o general Santos Cruz cobrava publicamente uma solução para o problema.

Os generais de Bolsonaro sonharam repetir com o capitão a situação vivida nos anos 1930, quando Getúlio Vargas foi apontado como o responsável pelo Estado Novo, preservando-se a imagem do marechal Eurico Gaspar Dutra e do general Góis Monteiro. Os dois, por fim, distanciaram-se do mandatário, depondo Vargas em 29 de outubro de 1945, quase oito anos depois de terem mandado cercar, em 10 de novembro de 1937, o regimento de aviação, com receio da reação de Eduardo Gomes, contrário à ditadura. Em vez disso, os generais do Planalto foram obrigados a se expor, como Ramos ao pedir que a oposição "não estique a corda".  E, ao fazer isso, voltou a despertar reações na caserna.

Depois de falar à coluna, o brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla concedeu nova entrevista, desta vez ao jornal italiano Il Fatto Quotidiano. "Os nosso oficiais, seduzidos por Bolsonaro, são uma vergonha", afirmou. Um dos pioneiros da Embraer, o brigadeiro foi ainda presidente do Superior Tribunal Militar (STM) . Ao jornal italiano, disse ainda: "Sobre alguns generais do Exército que fazem parte de sua equipe presidencial, já expressei minha opinião: eles provocam um dano à imagem das Forças Armadas, que não aceitam a participação deles em disputas partidárias e em atos radicais que ameaçam a democracia". Ferolla é só o sintoma. Não só brigadeiros, mas também almirantes e generais começam a se distanciar em silêncio do bolsonarismo. 

O presidente vê diminuir o apoio entre militares, desde a demissão de Sérgio Moro da pasta da Justiça, e o início das negociações com centrão, além de não conseguir explicar as razões para precisar proteger amigos e filhos no Rio por meio da nomeação do superintendente da PF. O próprio início das negociações com o Centrão é interpretado como consequência da perda de consenso na caserna e do fim da ilusão de círculos bolsonaristas de que seria possível contar com as Forças Armadas para uma aventura, para fazer de Bolsonaro um ditador.

Como sempre se negou a governar por meio da produção de consenso, ao bolsonarismo restavam dois caminhos: o uso da força ou a corrupção. Corrupção aqui não é apenas a mala de dinheiro entregue em um restaurante ou em uma garagem. Mas qualquer tipo de vantagem, até mesmo um cargo, obtido em troca de voto no Congresso ou de decisão na Justiça. Bolsonaro testou dezenas de vezes os limites legais e foi rechaçado diversas vezes pelo Congresso e pelo Judiciário. Não conseguiu galvanizar as ruas a fim de justificar uma intervenção redentora. Sobraram-lhe os meios da política tradicional para governar.

Busca, no entanto, comportar-se como se dispusesse da carta das armas. Na sexta-feira, dia 12, o presidente, seu vice, Hamilton Mourão, e o ministro da defesa, Fernando Azevedo e Silva, assinaram uma nota, afirmando que as "Forças Armadas do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos."

Os três constitucionalistas da Esplanada esqueceram que o impeachment é também um processo político? Desde quando ocupantes de cargos civis do Poder Executivo podem se comportar como intérpretes da Lei? Quem lhes dá autonomia para dizer se algo é ilegal, subtraindo-se aos tribunais? Teriam eles a tropa à disposição, como tinham Aurélio de Lyra Tavares, Augusto Rademaker e Márcio de Sousa Melo, quando interpretaram a Constituição? Eis o exemplo que vem do Planalto.

Não se deve reduzir as Forças Armadas à condição de espantalho na política nacional. Nem elas devem proteger a milícia bolsonarista que atacou o prédio do Supremo, no sábado, dia 14, à noite. Baderneiros, arruaceiros e bandidos ameaçam invadir hospitais, agredir médicos, enfermeiros e doentes na maior pandemia dos últimos cem anos. Essa é a turma que vai dizer às Forças Armadas quais ordens elas devem cumprir? Se continuar ressuscitando o Febeapá, o governo vai descobrir rápido que, de fato, os militares profissionais, aqueles que não se renderam à militância política, não cumprem notas absurdas.

Pandemia acelera derretimento da imagem do Brasil na Europa

Forma como Bolsonaro enfrenta a crise do coronavírus impulsiona vertiginosamente processo de deterioração da reputação brasileira. Imprensa europeia pinta cenário catastrófico, e parcerias importantes estão sob risco.

  
  Jair Bolsonaro em meio a apoiadores em Brasília
Jair Bolsonaro em meio a apoiadores em Brasília

Em editorial, "El País" critica govertno Bolsonaro por "gestão errática da pandemia e uma grave crise político-institucional"

É gritante o contraste entre a imagem atual do Brasil e a que tinha há uma década, quando era aclamado mundo afora por sua economia promissora, com a revista britânica The Economist estampando em sua capa uma imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete. O país estava prestes a superar a França e assumir o posto de quinta maior economia do mundo. Nesse meio tempo, caiu para a 12ª posição.

"O Brasil estragou tudo?", questionava a Economist já em 2013, trazendo a crise no maior país latino-americano como manchete. Naquele momento, no entanto, ainda era difícil prever a dimensão do declínio brasileiro que estava por vir.

Apesar da crise econômica, o Brasil se apresentou para o mundo como país-sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, mostrando-se cada vez mais autoconfiante. Durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o país conquistou prestígio no cenário internacional.

O país chamou atenção sobretudo por seu bem-sucedido combate à pobreza por meio de programas sociais como o Bolsa Família, que ajudaram cerca de 30 milhões de brasileiros a ascender à classe média. Há dez anos, o jornalista alemão Alexander Busch, que atua como correspondente no Brasil, resumiu o clima de euforia em seu livro intitulado Brasil, país do presente - O poder econômico do gigante verde.

Agora, a euforia definitivamente chegou ao fim. E não apenas devido à crise econômica e aos escândalos de corrupção que vieram à tona nos últimos anos. Se desde que tomou posse o presidente Jair Bolsonaro já vinha contribuindo para um derretimento da imagem do Brasil na Europa, sendo criticado por ameaçar a democracia e o meio ambiente, a maneira como vem lidando com a pandemia de covid-19 vem acelerando vertiginosamente esse processo de deterioração da reputação brasileira.

"A imagem positiva acabou", afirma Friedrisch Prot von Kunow, presidente da Sociedade Brasil-Alemanha (DBG, na sigla em alemão) e que foi embaixador no Brasil entre 2004 e 2009. Atualmente, o diplomata não vê progressos sociais no Brasil, mas sim um cenário catastrófico. "Do ponto de vista alemão, uma personalidade como Bolsonaro é inconcebível. Pessoalmente, tenho dificuldade em lidar com isso."

Acordo Mercosul-UE e meio ambiente
Assim como o presidente americano, Donald Trump, Bolsonaro ameaça abandonar o Acordo de Paris para o clima e a Organização Mundial da Saúde (OMS), e a gestão da atual pandemia vem contribuindo para isolar ainda mais o Brasil no cenário internacional.

"Na crise do coronavírus, Bolsonaro vem se mostrando ainda mais radical que Trump", afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Com isso, a ratificação do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) fica cada vez mais improvável", escreveu no Twitter recentemente.

A destruição da Amazônia também vem rendendo duras críticas ao governo brasileiro. Na última quinta-feira, Georg Witschel, embaixador da Alemanha no Brasil, disse ao portal G1 que o desmatamento na região – que, segundo o Inpe, cresceu 34,4% entre agosto de 2018 e julho de 2019 em relação ao período anterior – torna a ratificação do tratado "cada vez mais difícil".

Para ter validade, o acordo Mercosul-UE, que foi assinado na cúpula do G20 em junho de 2019, tem que ser aprovado pelos parlamentos de todos os países de ambos os blocos. "Precisamos do apoio do Brasil, e o apoio é a redução do desmatamento", afirmou o embaixador alemão.

No início de junho, o jornal britânico The Guardian publicou um editorial manifestando preocupação com o avanço da destruição da Amazônia durante a pandemia. "O mundo não pode permitir que a pandemia de coronavírus distraia da destruição da floresta tropical", diz o texto.

"Enquanto Bolsonaro continua a atacar medidas de saúde pública, a população indígena da região amazônica parece estar cada vez mais ameaçada pela violência e pela doença", diz o jornal.

Devido às políticas do governo Bolsonaro para o meio ambiente e ao aumento do desmatamento na região amazônica, Alemanha e Noruega se distanciaram do Brasil, congelando no ano passado seus repasses para o Fundo Amazônia. O Ministério alemão do Desenvolvimento vem encerrando projetos no país.

Indústria alemã avalia permanência

A indústria alemã no Brasil também vem sofrendo com o derretimento da imagem brasileira. "Não há dúvida de que o Brasil e a América Latina ficaram menos atrativos", disse Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil, em entrevista ao jornal econômico alemão Handelsblatt na semana passada.

Ao ser questionado sobre a atuação do governo Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus, Schiemer afirmou que a gestão da crise "deixa a desejar" e que "as constantes disputas políticas são uma fonte adicional de incerteza". "Com isso, a credibilidade do Brasil é prejudicada", disse.

Apesar de elogiar o fato de o governo ter agilizado o auxílio financeiro para os mais pobres e flexibilizado as leis trabalhistas de modo a evitar demissões em massa, Schiemer critica que disputas políticas tenham voltado a ocupar as autoridades e diz que gostaria que o governo dedicasse mais energia a implementação de sua agenda de reformas econômicas.

Em análise para o Handelsblatt, o correspondente Alexander Busch afirma que a crise do coronavírus e Bolsonaro são "uma combinação que acaba com o espírito empreendedor até mesmo dos maiores otimistas" e que médias empresas alemãs, duramente atingidas pelos efeitos da pandemia, se perguntam se vale a pena continuar no Brasil.

Ameaças à democracia e à saúde

Desde o início do governo Bolsonaro, editoriais dos principais jornais europeus vêm denunciando ameaças à democracia no Brasil. No último dia 7 de junho, o britânico Financial Times afirmou que, em meio à crise provocada pelo coronavírus e à queda na popularidade de Bolsonaro, "os brasileiros estão preocupados com a possibilidade de o presidente estar tentando provocar uma crise entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para justificar uma intervenção militar".

Apesar de afirmar ser improvável que as Forças Armadas apoiem um golpe militar, o jornal aponta: "Outros países devem tomar nota: os riscos para a maior democracia da América Latina são reais, e estão aumentando."

Em meados de maio, foi a vez do jornal francês Le Monde, que escreveu que o governo brasileiro adotara uma via "extremamente perigosa" e que a postura do presidente causa "caos na saúde e semeia a morte". Para o diário, "há algo de podre" no país. "O Brasil de Bolsonaro habita um mundo paralelo", dizia o texto. 

No fim de maio, após a divulgação do vídeo com trechos de uma infame reunião ministerial em 22 de abril, o espanhol El País também havia destacado em editorial que "as ameaças à separação de poderes ali lançadas por alguns ministros são inadmissíveis" e que "o rosário de insultos emitidos pelo presidente é uma afronta intolerável às instituições".

A "gestão errática da pandemia e uma grave crise político-institucional com flertes com golpes de Estado", diz o jornal, "além de ser muito grave, desvia a atenção numa altura em que a luta contra o coronavírus deveria ser a prioridade de toda a classe política brasileira".

Num veemente editorial intitulado Covid-19 no Brasil: "E daí?", a revista científica britânica The Lancet escreveu no dia 8 de maio que "talvez a maior ameaça à resposta do país à covid-19 seja seu presidente, Jair Bolsonaro" e que a liderança do Brasil perdeu seu compasso moral – se é que jamais teve algum".

Desde então, o Brasil perdeu seu segundo ministro da Saúde em menos de um mês e viu o número de mortos por covid-19 saltar de 5 mil para mais de 43 mil, sendo atualmente o segundo país com mais óbitos em decorrência da doença.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

domingo, 14 de junho de 2020

O impossível não acontece

É impossível manter o país por mais dois anos e meio neste grau de tensão, com um presidente como Bolsonaro que estimula o conflito, ataca pessoas ou instituições, ameaça a democracia, e põe em risco o pacto civilizatório que o Brasil penosamente construiu. Isso não acontece.

Leia aqui o artigo de Míriam Leitão publicado em O Globo hoje:

‘Em 40 anos de consultoria, o que eu aprendi é que o impossível não acontece.’ Foi essa a resposta que me deu um experiente consultor quando perguntei se o governo Bolsonaro concluiria seu mandato. Isso foi em 7 de maio. No mesmo dia, ele previu que o Brasil seria o segundo país com mais mortes. Parecia exagerado, afinal era o oitavo. Na sexta-feira, virou o segundo. “É impossível mais dois anos e meio dessa tragédia que nós estamos vivendo. Com esse grau de dissonância, ruído, complicação, briga. Isso não acontece”, disse ele. Esse é o grande assunto entre cientistas políticos, economistas, cenaristas em geral. Para permanecer, Bolsonaro teria que mudar. A nota assinada pelo presidente, o vice e o ministro da Defesa na noite de sexta-feira tem como alvos o ministro Luiz Fux e TSE, mas há uma ameaça implícita a qualquer voz divergente.

A hipótese de Bolsonaro mudar, distensionar o país e, assim, conseguir concluir o mandato é improvável. Bolsonaro não vai mudar. Por incapacidade mesmo. Ele será sempre criador de atritos constantes. Ele não sabe governar, por isso precisa dos confrontos. As brigas serão com pessoas, grupos sociais ou instituições. Escolherá aleatoriamente os “inimigos” para hostilizar. Quando faltar adversários, ele vai atirar para dentro do seu próprio governo.

Fiz a mesma pergunta que havia feito ao consultor — se o presidente terminaria o mandato — a uma alta autoridade da República, fora do Executivo. A resposta que eu ouvi:
— Com ele ignorando os conselhos que recebe, com essa estrutura que Bolsonaro criou, o Brasil explode antes de 2022. Do ponto de vista social e econômico. Eu tenho certeza. Como é que resolve? Dentro da democracia.

A democracia tem muitos caminhos. O afastamento de um presidente é remédio extremo, usado já duas vezes desde o começo do atual período da República. Bolsonaro pensa estar se blindando de duas formas. Usando as Forças Armadas como manobra dissuasória e comprando o centrão com cargos para ter votos no parlamento. Para evitar um impeachment precisa de apenas 171 votos. Parece pouco, mas quando um governo desmonta, nada há que o sustente. O centrão estava no governo Dilma. Esse grupo de partidos vai para onde soprar o vento. Distribuir cargos não é suficiente.

No horizonte dos riscos ao presidente está agora o Tribunal Superior Eleitoral onde tramitam oito processos de cassação da chapa. Os dois primeiros foram suspensos por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e tratam de um ataque virtual a um site de mulheres contra Bolsonaro durante a campanha. Dos restantes, quatro tratam do assunto mais delicado: a contratação dos serviços de disparo em massa de mensagens pelo WhatsApp. As investigações do inquérito das fake news estão caminhando na mesma direção. É difícil saber a evolução desses processos, mas a nota divulgada pelo presidente, pelo vice Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa é grave porque contém uma ameaça, ao dizer que as Forças Armadas não cumprem ordens absurdas, como a tomada de poder, mas também “não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”. O núcleo militar do governo está convencido de que o Judiciário está interferindo em áreas do Executivo. Portanto, isso é uma ameaça. E é um aviso prévio ao TSE que só aceitará resultado favorável. Se por acaso houver um processo de impeachment eles farão as mesmas ameaças. No Congresso, o julgamento é político.

O ministro Luiz Eduardo Ramos disse em entrevista à revista “Veja” que é “ultrajante e ofensivo” para as Forças Armadas dizer que pode haver um golpe militar no Brasil. Segundo ele, o presidente jamais falou em golpe. Mesmo? O presidente vai a manifestações com faixas pedindo intervenção militar, fechamento do Congresso e do Supremo. Em uma delas, disse que as Forças Armadas estavam com eles, os manifestantes. Ministros de origem militar fazem constantes insinuações intimidatórias. O próprio Ramos disse na entrevista: “Não estiquem a corda.”

É impossível manter o país por mais dois anos e meio neste grau de tensão, com um presidente como Bolsonaro que estimula o conflito, ataca pessoas ou instituições, ameaça a democracia, e põe em risco o pacto civilizatório que o Brasil penosamente construiu. Isso não acontece.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

Enquanto isso, o Brasil tem 42.837 mortes por coronavírus

Levantamento é feito por jornalistas de G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL junto às secretarias estaduais de Saúde.

O Brasil tem 42.837 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h deste domingo (14), aponta um levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

O consórcio divulgou no sábado (13), às 20h, o sexto balanço, com os dados mais atualizados das secretarias estaduais naquele momento. Depois desse balanço, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Roraima divulgaram novos dados.

Veja os dados atualizados às 13h deste domingo (14):

42.837 mortes

852.785 casos confirmados

(No sábado, 13, às 20h, o balanço indicou: 42.791 mortes, 843 nas últimas 24 horas; e 850.796 casos confirmados)

Os dados foram obtidos após uma parceria inédita entre G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL, que passaram a trabalhar de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal.

O objetivo é que os brasileiros possam saber como está a evolução e o total de óbitos provocados pela Covid-19, além dos números consolidados de casos testados e com resultado positivo para o novo coronavírus.

Parceria

A parceria entre os veículos de comunicação foi feita em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia da Covid-19. Personalidades do mundo político e jurídico, juntamente com entidades representativas de profissionais e da imprensa, elogiaram a iniciativa.

Mudanças feitas pelo Ministério da Saúde na publicação de seu balanço da pandemia reduziram por alguns dias a quantidade e a qualidade dos dados. Primeiro, o horário de divulgação, que era às 17h na gestão do ministro Luiz Henrique Mandetta (até 17 de abril), passou para as 19h e depois para as 22h. Isso dificultou ou inviabilizou a publicação dos dados em telejornais e veículos impressos. “Acabou matéria no Jornal Nacional”, disse o presidente Jair Bolsonaro, em tom de deboche, ao comentar a mudança.

A segunda alteração foi de caráter qualitativo. O portal no qual o ministério divulga o número de mortos e contaminados foi retirado do ar na noite da quinta-feira (4). Quando retornou, depois de mais de 19 horas, passou a apresentar apenas informações sobre os casos “novos”, ou seja, registrados no próprio dia. Desapareceram os números consolidados e o histórico da doença desde seu começo. Também foram eliminados do site os links para downloads de dados em formato de tabela, essenciais para análises de pesquisadores e jornalistas, e que alimentavam outras iniciativas de divulgação.

Entre os itens que deixaram de ser publicados estão: curva de casos novos por data de notificação e por semana epidemiológica; casos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica; mortes por data de notificação e por semana epidemiológica; e óbitos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica.

No domingo (7), o governo anunciou que voltaria a informar seus balanços sobre a doença. Mas mostrou números conflitantes, divulgados no intervalo de poucas horas.

Neste sábado (13), mais uma vez o Ministério da Saúde divulgou os dados completos, obedecendo a ordem do STF. Segundo a pasta, houve 892 novos óbitos e 21.704 novos casos, somando 42.720 mortes e 850.514 casos desde o começo da pandemia – números totais menores que os apurados pelo consórcio.

Por G1
14/06/2020 12h59  Atualizado há 6 horas

O segundo inverno do governo Bolsonaro

O presidencialismo de confrontação vem encontrando resistência crescente na sociedade

Lider da equipe que implantou o Plano Real, resgatando a estabilidade da economia, livrando o Brasil da galopante inflação, Pedro Malan foi Ministro da Fazenda no Governo Fernando Henrique.

Tem credibilidade acadêmica e moral para falar do que, como poucos, entende no Brasil.

Leia aqui o seu artigo pubicado na edição de hoje de O Estado de São Paulo.

“The life so short, the craft so long to learn” - Geoffrey Chaucer

“A vida tão curta, o ofício tão longo de aprender”, poderia ser essa a tradução para nossa língua do belo inglês medieval com que Chaucer traduziu o conhecido e um tanto insípido original em latim: “Ars longa, vita brevis”.

Em junho do ano passado escrevi neste espaço texto que tinha por título O primeiro inverno do governo Bolsonaro. O artigo tratava da importância de estimular debates políticos “vigorosos e eficazes” (Rorty) e notava que isso exigiria a superação da excessiva polarização vigente e um gradual deslocamento para o centro, de forma que pudessem restar atenuadas as posições extremadas que marcavam o precário debate nas redes sociais. O texto comentava ainda que esse sonho teria de ser construído ao longo dos meses e anos seguintes, porque era difícil imaginar que pudéssemos seguir com o grau de polarização, surpresas e incertezas que marcaram os primeiros seis meses do governo.

E, no entanto, as incertezas, dubiedades e contradições, em lugar de arrefecer, só fizeram acentuar-se desde então. A polarização acerba que aquele texto apontava terá sido a marca dos primeiros 18 meses do governo Bolsonaro, que serão alcançados ao fim deste mês e correspondem a 40% do tempo de que dispõe até as eleições de outubro de 2022.

Ainda este ano o Brasil elegerá nada menos que 5.570 prefeitos, e cerca de 57.800 vereadores. Essa disputa costuma dar-se em torno de agendas locais ou, no máximo, estaduais, à exceção de algumas grandes capitais. Caso queiramos tentar evitar, em outubro de 2022, uma reencenação da experiência de 2018, desde este ano de 2020 as coisas deveriam passar-se de forma diferente. Dois versos do famoso poema de Yeats The Second Coming (1939) vêm à mente: “The center does not hold/ things fall apart” (o centro não se sustenta, as coisas entram em colapso).

Há razões para acreditar que “as coisas” estão mudando, e podem continuar a mudar. O presidencialismo de confrontação permanente – com adversários que, embora legítimos, são vistos como inimigos a serem batidos, derrotados nas ruas, nas redes e, se necessário for, pelas armas – vem encontrando resistência. Resistência por parte dos outros Poderes, da mídia profissional e, crescentemente, por parte expressiva da sociedade. Daí a importância das eleições municipais deste ano. Seus resultados terão forçosamente influência nas eleições de 2022.

Aplicam-se ao Brasil de hoje as palavras com que Barack Obama, em discurso recente, se referiu a seu país: “Por mais trágicas que as últimas semanas tenham sido, (...) elas também foram dias de oportunidades incríveis para que as pessoas acordem para algumas questões – e (...) para que trabalhemos juntos para enfrentá-las”. Obama referia-se à pandemia de covid-19 e ao racismo, que chamou “praga e pecado original da sociedade americana”. Ao final de seu discurso, realçou a importância do voto; ao tratar da discussão na internet sobre votar versus protestar, sobre participação política versus desobediência civil, apontou a necessidade de “ressaltar qual é o problema, fazer as pessoas que estão no poder desconfortáveis, mas também (de) traduzir isso em leis”. Lá, como aqui, nos três níveis de governo.

Gradualmente, insisto, a sociedade brasileira vem se expressando mais. Em poucos meses, com as eleições municipais, haverá ocasião especialmente relevante para fazê-lo. Será fundamental que a expressão – de vontade, de opinião – resulte de cuidadosa avaliação: sobre quem os partidos indicaram, sobre como conduziram suas campanhas, sobre as eventuais novas faces que terão surgido e se mostrado dispostas a de fato contribuir para mudar para melhor a vida das pessoas no âmbito de suas respectivas cidades, sobre quantos, enfim, terão demonstrado real conhecimento dos desafios a enfrentar – e não se limitado a expressar platitudes, chavões batidos e promessas fadadas ao descumprimento.

Volto à epígrafe deste artigo. A parte inicial da expressão medieval de Chaucer pouco se aplica a países, que só muito raramente têm a vida “tão curta”. Mas a palavra craft, quando precedida do vocábulo state, significa ofício de estadistas – statecraft. Este será sempre, para países, um ofício “longo de aprender”.

Países que não têm praticantes desse ofício e não estimulam seu surgimento tendem a ficar para trás com relação aos que os têm e que o fazem. Estes produzem – por meio do funcionamento da democracia, pelo voto – lideranças (o plural é importante). Que se caracterizam por respeito aos fatos, capacidade de coordenação, predisposição ao diálogo franco com pessoas e partidos de visões diferentes, incluídos aí adversários políticos, que podem discordar, mas também concordar em matérias de interesse geral – e não devem ser vistos, todos, como inimigos.

Statecraft, está claro, é o que não temos hoje em nosso país e, a julgar por estes primeiros 18 meses, não teremos nos 60% do tempo que resta até as eleições de outubro de 2022. O presidente – e seus fiéis seguidores – julgam que esses 60% constituem pouco tempo. Muitos outros discordam, legítima e pacificamente. Como é natural em democracias.


A Constituição como inimiga

No devaneio ditatorial que os camisas pardas bolsonaristas acalentam, não há verdade senão aquela “revelada” por seu líder.

Impressiona a quantidade de vezes que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram que explicar ao presidente Jair Bolsonaro aspectos básicos da Constituição - aquela mesma que ele jurou respeitar ao tomar posse, mas que, dia e noite, trata de desvirtuar.

Na hipótese de que seja apenas ignorância, é espantoso que um político que passou três décadas no Congresso e hoje é a autoridade executiva máxima da República demonstre desconhecimento tão profundo do texto constitucional.

O presidente, por exemplo, já declarou que “qualquer dos Poderes” pode “pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”. Fazia referência ao artigo 142 da Constituição, que, na exótica interpretação de Bolsonaro, lhe permitiria convocar as Forças Armadas para intervir em crises e também para atuar como uma espécie de “Poder Moderador” quando há conflito entre Poderes.

O presidente repetiu em diversas ocasiões essa interpretação mesmo tendo sido alertado por especialistas e magistrados de que se tratava de uma leitura estapafúrdia da Constituição. Isso enseja uma outra hipótese: a de que Bolsonaro sabe muito bem o que está fazendo, ou seja, trata de confundir a opinião pública e, em meio a um “debate” constitucional sem sentido, dar verniz de legitimidade a seus propósitos autoritários. Ao mesmo tempo, tenta enredar as Forças Armadas em seu projeto de poder, com o objetivo óbvio de intimidar os opositores.

É por esse motivo que são tão importantes manifestações cristalinas como a do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, a propósito da absurda interpretação bolsonarista sobre o papel das Forças Armadas. “As Forças Armadas sabem muito bem que o artigo 142 não lhes dá (qualidade) de Poder Moderador. Tenho certeza de que as Forças Armadas são instituições de Estado que servem ao povo brasileiro, não são instituições de governo”, disse o ministro Toffoli.

Sendo o Supremo o intérprete final da Constituição, pode-se dizer que o caso está encerrado, mas tudo indica que Bolsonaro insistirá em sua exegese ardilosa do artigo 142. Afinal, seu objetivo é fazer suas mentiras se transformarem em verdades apenas pelo mecanismo da repetição incessante, a despeito - e muitas vezes à revelia - da realidade.

O presidente usa essa estratégia tipicamente totalitária ao insistir também que “o Supremo Tribunal Federal decidiu que governadores e prefeitos é que são responsáveis por essa política (de impor a quarentena contra a pandemia de covid-19), inclusive isolamento”, razão pela qual ele diz que não pode ser responsabilizado nem pelas mortes nem pela crise. “Não queiram colocar no meu colo”, disse Bolsonaro, numa frase que já se tornou padrão em um governo que não assume responsabilidade por nada.

Parece inútil explicar ao presidente, como já se fez diversas vezes, que em nenhum momento o Supremo atribuiu a Estados e municípios competência exclusiva para lidar com a pandemia. O STF, ao contrário, decidiu que União, Estados e municípios têm “competência concorrente” - isto é, todos os entes da Federação têm de agir para enfrentar a crise, em seus diversos aspectos, “preservada a atribuição de cada esfera de governo”.

O que Bolsonaro queria, na verdade, era ter poder para ordenar a Estados e municípios que ignorassem a pandemia e mantivessem a economia em funcionamento, atropelando não apenas as recomendações sanitárias, mas principalmente o princípio federativo gravado na Constituição. Como teve seu intento autoritário mais uma vez frustrado pelo Supremo, tratou de investir na versão fantasiosa segundo a qual é o Judiciário que o impede de tomar as medidas necessárias para o que o País “volte à normalidade”.

No devaneio ditatorial que os camisas pardas bolsonaristas acalentam, não há verdade senão aquela “revelada” por seu líder. Não à toa, já houve até um ministro de Bolsonaro que demandou a prisão de ministros do Supremo, já que estes ousaram contestar a “verdade” do chefe confrontando-a com a Constituição. Assim, na sua busca por um inimigo objetivo, que todo movimento totalitário requer, o bolsonarismo já encontrou o seu: é a própria Constituição, que reflete não a vontade de seu líder, mas o esforço coletivo de construção de um regime genuinamente democrático.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
14 de junho de 2020 | 03h00