Derrubada de vetos presidenciais pelo Congresso semana passada resultou não de conflito programático, e sim da contrariedade pela indicação de Messias ao STF. Isso é oposição irresponsável
Os últimos dias mostraram que o Congresso tem feito mau uso da prerrogativa de divergir do Executivo quando acha que deve. Com os ânimos acirrados por motivos bastante questionáveis, como a indicação do ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), deputados e senadores confundiram disputa política com pirraça e, mirando no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, acabaram por atingir a sociedade brasileira como um todo.
A derrubada indiscriminada de vetos presidenciais na semana passada é o exemplo mais bem acabado de uma oposição que, de tão irascível, perde seu sentido. Se a intenção era mostrar ao presidente Lula que ele não pode prescindir do Congresso para governar, deputados e senadores não poderiam ter escolhido temas piores que a Lei Geral do Licenciamento Ambiental e o programa de renegociação das dívidas dos Estados.
Em nenhum dos casos havia uma divergência de agendas que opõem esquerda e direita, conservadores e progressistas ou governo, oposição e Centrão. Manter a floresta de pé é uma condição necessária para que o mundo não feche suas portas ao agronegócio brasileiro, enquanto impedir o desastre fiscal é proteger a população dos efeitos danosos de uma recessão econômica.
Há que perguntar, portanto, quem se beneficia de atrozes retrocessos como a flexibilização da proteção de um bioma tão devastado como a Mata Atlântica, que, depois de décadas, começou a se regenerar. Há que perguntar por que não dificultar o acesso ao crédito de devastadores contumazes e deixar clara a enorme distância que separa produtores rurais que cumprem a lei daqueles que a descumprem. Há que questionar como alguém pode ser favorável ao autolicenciamento para empreendimentos de médio impacto ambiental, entre os quais barragens de rejeitos de mineração, depois dos desastres de Mariana e Brumadinho.
Da mesma forma, o programa de renegociação das dívidas estaduais não primava pela austeridade. Não apenas não se exigia nenhuma medida de ajuste de gastos, como também se incentivava o aumento de despesas em áreas tão amplas como educação, segurança e investimentos, a depender do interesse mais imediato do governador. Mas ainda havia governadores insatisfeitos, e o Congresso achou que era hora de dar uma lição ao governo federal e ajudar os Estados – não os mais pobres e menos desenvolvidos, que pagam suas contas em dia, mas os mais ricos e endividados do País, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo.
Com a derrubada dos vetos, eles poderão utilizar recursos que os Estados ainda nem receberam – e que deveriam compensá-los pelas perdas que terão quando a reforma tributária entrar em vigor, a partir de 2029 – para estender o prazo de pagamento e zerar os juros de seus financiamentos.
Trata-se de manobra descarada de antecipação de receitas. Por óbvio, isso vai esvaziar o caixa de seus sucessores, que eventualmente podem vir a ser os mesmos deputados e senadores que apoiaram a medida de maneira entusiasmada. Talvez alguns deles tenham de peregrinar até Brasília em busca da enésima renegociação num futuro próximo.
Até 2015, contrariar o governo significava ficar sem emendas parlamentares, o que fazia com que muitos deputados e senadores apoiassem projetos do Executivo mesmo sem convicção. Isso começou a mudar com o pagamento obrigatório das emendas individuais. A ascensão dessas indicações a patamares bilionários nos últimos anos reequilibrou as relações entre os Poderes e deu ao Legislativo a liberdade para divergir do Executivo sem medo de punições.
Hoje, portanto, há plenas condições de exercer essa independência de maneira coerente, e não inconsequente como foi feito na semana passada. Até mesmo condições imorais – e inconstitucionais – de aposentadoria para agentes comunitários de saúde foram aprovadas. Não se poderá culpar o Executivo se decidir recorrer ao Judiciário em quaisquer desses casos, ainda mais quando o motivo do levante é tão mesquinho quanto uma rotineira indicação ao STF.
Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo,em 03.12.25
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