terça-feira, 9 de dezembro de 2025

De novo a farra eleitoral

Manobra no Orçamento permite ao governo Lula doar cestas básicas e tratores em meio à campanha

Em julho de 2022, quando o mundo político estava prestes a entrar no chamado “defeso eleitoral” – período de três meses anterior ao calendário de votação, quando fica suspensa boa parte da liberação de benesses públicas –, o Congresso aprovou, em votação ágil de 20 minutos, dois projetos que autorizavam o governo de Jair Bolsonaro a distribuir de cestas básicas a tratores em plena campanha e até realocar verbas de um município a outro, dependendo da conveniência. As medidas ampliavam o nível de obscuridade do chamado “orçamento secreto”, escândalo denunciado pelo Estadão, que consistia na liberação de gastos com emendas sem que o nome do parlamentar fosse divulgado ou mesmo o destino dos recursos públicos.

Pois eis que Bolsonaro fez escola e agora, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, medida idêntica foi aprovada pelo Congresso, de forma igualmente sorrateira, em manobra na votação do texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. Um dos artigos do texto permite ao governo fazer a doação de benefícios, como cestas básicas, ambulâncias, tratores e outras benesses, mesmo no período de campanha, quando a lei eleitoral proíbe esse tipo de prática justamente para garantir a lisura do pleito e impedir o abuso do poder econômico na disputa.

Além de representar uma total desqualificação da Justiça Eleitoral, passando por cima de critérios básicos de equidade de condições entre os candidatos, o tal artigo é mais um drible para garantir a farra de distribuição de recursos públicos em 2026. Soma-se ao inédito calendário elaborado no acordo entre o Executivo e o Congresso para garantir a distribuição de R$ 19 bilhões em emendas parlamentares ainda no primeiro semestre do ano que vem – portanto livre das restrições eleitorais –, ao aumento de cerca de R$ 160 milhões em despesas dos partidos e à previsão de R$ 1 bilhão para o Fundo Partidário e mais R$ 4,9 bilhões para o Fundo Eleitoral em campanhas partidárias.

E todo o tipo de argumento mal fundamentado é suficiente para sustentar o aval de deputados e senadores a uma medida que claramente desrespeita a lei eleitoral que, ao menos em teoria, é o instrumento jurídico que deve prevalecer em qualquer eleição. Ao defender o dispositivo que abre as torneiras das verbas públicas durante a campanha, o relator na matéria, deputado Gervásio Maia (PSB-PB), afirmou ao Estadão que a lei não proíbe inauguração de obras durante a campanha, mas somente a participação de candidatos. Por essa lógica, diz, também não se pode “proibir algo que acontece na administração pública”.

A questão é que isso significa corromper os princípios éticos básicos que garantem a lisura do processo eleitoral, além de ameaçar o compromisso fiscal do Orçamento federal ao abrir espaço para a farta distribuição de máquinas agrícolas, ambulâncias, tratores e outros equipamentos a municípios. Mas, ao que parece, respeito a limites éticos e legais está um tanto démodé em Brasília.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, originalmente, em 09.12.25

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