Levantamento de menções revela um país sem clima para mobilização das massas
Lula e Jair Bolsonaro têm dificuldades para emplacar candidaturas para 2026 Foto: Wilton Júnior/Estadão e Tiago Queiroz/Estadão
A prisão de Jair Bolsonaro pouco alterou o quadro político brasileiro. Lula e o ex-presidente continuam aparecendo nas redes como opostos idênticos, conforme mostram os dados da AP Exata. Cada um registra 66% de menções negativas e abarca cerca de 35% do volume total de citações. A confiança nos dois também registra percentual igual, estando presente em apenas 13% dos posts.
Essa formatação faz com que as crises que envolvem um acabem reforçando o desgaste do outro, pois cada ato desperta as torcidas e o debate entre elas. O retrato lembra 2022, embora exista agora um elemento novo. O centro cresceu. Os moderados se tornaram um grupo mais volumoso e mais atento ao comportamento das lideranças políticas. Essa parcela do eleitorado observa a cena com cuidado e revela um medo de ter que repetir a lógica da escolha do menos pior.
Os números mostram essa mudança de humor de forma clara. Quando se compara o antes e o depois da prisão, fica evidente como se comportam os quatro nomes mais mencionados nas redes. As menções negativas a Lula e a Bolsonaro subiram cinco pontos. No caso de Tarcísio, o aumento da negatividade foi de seis pontos, alimentado pela cobrança de apoiadores por gestos mais enfáticos em defesa do ex-presidente. A única melhora foi a de Ciro Gomes, que ganhou três pontos positivos, por conta da disseminação de vídeos em que critica os dois polos. Mesmo assim, a rejeição acumulada impede que ele avance como terceira via.
Nesse cenário, crises não reorganizam o tabuleiro. Apenas reforçam o ambiente que já está posto. A forma como o episódio da tornozeleira eletrônica foi absorvido ilustra esse processo. A tentativa de Bolsonaro de abrir o equipamento tinha potencial para produzir um choque político mais profundo. No entanto, a narrativa médica ocupou o espaço da controvérsia e diluiu o impacto, atenuando a ideia de que planejava uma fuga. A discussão migrou rapidamente para o segundo plano, convertida em ruído episódico.
Os movimentos políticos que surgiram após a prisão seguiram padrões já conhecidos. A direita tentou impulsionar discursos pró-anistia, mas a mobilização ficou restrita ao núcleo mais engajado do bolsonarismo. A esquerda, por sua vez, retomou a estratégia de ironizar manifestações pró-Bolsonaro, associando-as a episódios caricatos ocorridos durante os atos em frente aos quartéis, numa tentativa de minar a credibilidade dos apoiadores. São reações previsíveis, que mantêm vivas identidades já consolidadas e não ampliam o debate.
Entre os moderados, o sentimento dominante é de desânimo. A impressão geral nesse núcleo é que o país permanece preso ao passado, sem oferecer renovação. Há, portanto, espaço para o surgimento de um outsider, mas esse nome ainda não apareceu. Mesmo que surja, precisará atravessar o bloqueio partidário e enfrentar estruturas que se protegem de mudanças profundas. O momento não oferece esperanças e, sem esse incentivo, se torna um ponto de lamentação, mas não de mobilização das massas.
Sergio Denicoli, o autor deste comentário, é pós-doutor pela Universidade do Minho e pela Universidade Federal Fluminense. Foi repórter da Rádio CBN Vitória, da TV Gazeta (Globo-ES), e colunista do jornal A Gazeta. Atualmente, é CEO da AP Exata e cientista de dados. Publicadooriginalmente n'O Estado de S. Paulo, em 24.11.25
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