Às vésperas do novo ciclo eleitoral, Brasília encena uma rinha institucional entre Legislativo e Executivo que nada tem a ver com o interesse público, e sim com a satisfação de ambições pessoais
A cerca de um ano das eleições gerais, Brasília encena uma deprimente rinha institucional. Enquanto o País enfrenta problemas reais que exigem cooperação total entre os Poderes, Congresso e Palácio do Planalto decidiram fazer das lides políticas, de resto legítimas, um duelo por interesses mesquinhos. Ainda que performático, o alardeado “rompimento” dos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se pauta pela discussão de qualquer tópico de uma agenda virtuosa para o Brasil. O que há é uma guerrilha miúda entre autoridades que sobrepõem suas ambições privadas ao interesse público.
Para começo de conversa, Lula fomentou o conflito que agora ameaça paralisar seu governo. Neste terceiro mandato, o presidente claramente abdicou da articulação com os parlamentares e a colocou nas mãos de amadores. O resultado aí está. Não se trata de inabilidade política, algo de que o petista jamais poderá ser acusado, mas de um projeto consciente de deslocar a política para fora de seu locus apropriado, o Congresso. Lula escolheu “governar”, por assim dizer, com o Supremo Tribunal Federal (STF), como se o eventual apoio da Corte a questões caras ao Executivo tivesse o condão de suplantar o diálogo com deputados e senadores.
A cada derrota política, o governo recorre ao STF para tentar reverter decisões tomadas legitimamente pelos representantes eleitos. Para piorar, ainda apela às redes sociais para atacar o Parlamento. A hashtag #CongressoInimigoDoPovo, amplificada por alguns dos governistas mais estridentes nas redes, como os deputados Lindbergh Farias e Erika Hilton, além do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, não apenas degradou o ambiente de cooperação institucional, como alimentou uma retórica tão simplista quanto falaciosa segundo a qual oposição a Lula significa sabotagem contra os pobres.
O Congresso, porém, está longe de ser vítima. A súbita “ruptura” de Motta e Alcolumbre com o governo não se escora na defesa de prerrogativas constitucionais nem de princípios republicanos, mas na ampliação dos mecanismos de poder engendrados pelo Legislativo nos últimos anos, particularmente o controle sobre as verbas discricionárias do Orçamento. Ao fim e ao cabo, é do manejo de recursos públicos sem controle que se trata quando os presidentes das Casas Legislativas afetam indignação contra o governo, visto como parceiro do STF no combate ao orçamento secreto.
A coroar essa atitude indigna das altas posições que ambos ocupam na República, Motta e Alcolumbre decidiram faltar à cerimônia de sanção da lei de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais – uma medida amplamente aprovada pelo Congresso e que de resto beneficia a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros. Pura picuinha. Pura politicagem rasteira.
A postura de Alcolumbre, em particular, sintetiza esse ambiente beligerante no qual o interesse nacional não chega a ser nem sequer uma miragem. Seu rompante ao declarar que será um “novo Davi”, após Lula frustrar sua expectativa de indicar um ministro para o STF, escancarou o problema: o Senado, que deveria ser o fiador da estabilidade institucional, foi transformado por seu presidente em um balcão de barganhas pessoais. A indicação de Jorge Messias para o STF contrariou interesses internos da Casa. Mas, em vez de lidar com a questão nos termos da Constituição, Alcolumbre destila ressentimento e distribui ameaças por não exercer uma prerrogativa que jamais foi sua.
Hugo Motta, por sua vez, tenta demonstrar força explorando o conflito, amparado por lideranças que tratam a Câmara como instrumento de chantagem: ora travam pautas do Executivo para pressionar a liberação de emendas, ora agitam o espectro de derrota política, como no caso da anistia aos golpistas, para extrair novas vantagens. Nada disso constrói políticas públicas duradouras e aptas a melhorar a vida dos brasileiros.
E assim assistimos a um festival de mediocridades. O resultado é um país à deriva, sem projetos estruturantes, sem reformas e sem um líder digno do nome e à altura destes tempos desafiadores.
Editorial \ Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 28.11.25
Nenhum comentário:
Postar um comentário