Ministros não são investigados e dizem que fatos devem ser esclarecidos e responsáveis, punidos. Relatório aponta suspeita de 'estrutura organizada voltada à manipulação de decisões judiciais'
Fachada do prédio do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em Brasília - Pedro Ladeira - 28.mar.2023/Folhapress
A Polícia Federal suspeita que outros servidores do STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de três já identificados, tenham participado de um esquema de venda e vazamento de decisões da corte e pretende ampliar as suas investigações para saber quem são essas pessoas.
Os indícios são apontados em relatório preliminar da operação Sisamnes, que investiga irregularidades cometidas em gabinetes do tribunal e menciona a reprodução de "padrões típicos de atuação de organizações criminosas".
Os três servidores já identificados trabalhavam com ministros da corte e estão entre os principais investigados da operação. A desconfiança da PF é que haja outros.
"O conjunto de diligências realizadas permitiu identificar, em tese, que o esquema não se restringia aos servidores Daimler, Márcio e Rodrigo Falcão e nem ao núcleo Andreson/Zampieri, mas integrava estrutura organizada voltada à manipulação de decisões judiciais, reproduzindo padrões típicos de atuação de organizações criminosas", afirma o relatório da PF obtido pela Folha.
O trecho se refere ao lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, pivô das investigações, ao advogado Roberto Zampieri, que atuaria com ele, e aos servidores Daimler Alberto de Campos, que foi chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, que trabalhou para a ministra e para outros integrantes da corte e foi exonerado após sindicância do STJ; e Rodrigo Falcão, que foi chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.
No documento, são apontados indícios de que outras pessoas teriam compartilhado informações internas com Andreson. Essas suspeitas foram apontadas, sobretudo, em processos que estavam sob a relatoria de Gallotti.
A PF aponta que interlocutores do lobista demonstravam pleno conhecimento sobre a tramitação interna do gabinete da ministra, "antecipando informações a respeito de pautas e movimentações processuais antes mesmo de sua divulgação oficial".
"Os diálogos apontam que o envolvimento funcional não se restringia a Daimler, alcançando outros servidores vinculados ao gabinete", diz a polícia no relatório.
"Diante desses indícios, a investigação ampliará o foco para identificar eventuais outros servidores que possam ter participado das tratativas e da elaboração das minutas, mediante a análise detalhada dos possíveis sinais e códigos camuflados nas mensagens trocadas entre os interlocutores."
O relatório policial tem como principal linha de investigação suspeitas sobre ações que tramitaram nos gabinetes das ministras Gallotti (sete processos) e Nancy Andrighi (cinco processos) e também sobre vazamento de informações da Operação Faroeste, de relatoria do ministro Og Fernandes.
Marcio Toledo, que trabalhou com Gallotti, também passou pelo gabinete de Nancy e é o principal suspeito de vazamentos de informações e de ter relações próximas com Andreson.
Nenhum ministro da corte é investigado no inquérito, que está sob condução de Cristiano Zanin no STF (Supremo Tribunal Federal).
Procurada, a ministra Nancy Andrighi afirma, em nota do seu gabinete, que "já prestou informações à imprensa, no ano de 2024, sobre os processos" e que "os processos de responsabilização encontram-se em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar".
A ministra Isabel Gallotti afirmou que "desconhece o conteúdo da investigação, porque tramita em sigilo, e que seu gabinete está à disposição, para auxiliar, no que seja necessário, a fim de que sejam cabalmente apurados os fatos ocorridos e responsabilizados todos os envolvidos".
Questionado se gostaria de se manifestar, o ministro Og Fernandes afirmou que, "respeitando o direito ao contraditório, quem cometer ato ilícito deve assumir as consequências legais cabíveis".
O advogado de Daimler, Bernardo Fenelon, afirmou que a investigação comprova a inocência de seu cliente, já que os contatos telefônicos salvos pelo grupo como sendo do servidor na realidade pertencem a outras pessoas, e que a sindicância interna do STJ afastou qualquer participação dele.
"A apuração mostra claramente que inexiste qualquer indício mínimo que vincule nosso cliente aos atos ilícitos sob investigação. Nenhuma mensagem, nenhum encontro e nenhuma transferência valores. Absolutamente nada", disse Fenelon.
A defesa de Falcão foi procurada, mas não se manifestou. A reportagem não localizou a de Marcio Toledo.
No relatório, são comparadas movimentações processuais e movimentações financeiras de suspeitos com trocas de mensagens do advogado Roberto Zampieri, assassinado no fim de 2023, e Andreson.
Além dos três auxiliares dos ministros que são alvos de inquérito, também são citadas outras pessoas ainda não identificadas ou que acessaram internamente os processos como possíveis alvos de futura investigação.
A análise da polícia faz ainda outras observações. Por exemplo, ao analisar o conteúdo de dados de nuvem de Andreson, a PF identificou que um contato salvo com o nome de Daimler não era o número do celular do chefe de gabinete, mas de um advogado.
A polícia diz que "a prática de salvar números telefônicos sob nomes de terceiros é expediente recorrente em contextos de ocultação e dissimulação de ilícitos, justamente para despistar eventual vinculação entre o interlocutor real e as comunicações mantidas".
No caso em questão, afirma a PF, os elementos indicavam que, embora a linha estivesse em nome de outra pessoa, "o controle prático do terminal e a condução das tratativas cabiam, em verdade, ao servidor Daimler, então chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti".
"Essa hipótese se robustece pelo teor das mensagens e pela correlação temporal com outros achados investigativos, que já vinham apontando Daimler como elo central no fluxo de informações e de valores em favor do grupo investigado."
No caso da suspeita de vazamento pelo ex-chefe de gabinete de Og Fernandes, a PF ainda não tem clareza se Falcão realmente teria vazado minutas para Andreson. Isso porque a polícia trabalha com a possibilidade de que uma decisão de Og que estava no celular do lobista era falsa.
A investigação ainda apura se foram repassadas outras informações relacionadas à Operação Faroeste.
Os dados obtidos na nuvem do celular de Andreson, diz a polícia, confirmam a sua condição de articulador de manipulações judiciais e também trazem novos elementos relevantes como provas.
"Entre eles, destacam-se os contatos mantidos com servidores, chefes de gabinete e magistrados", afirma o relatório.
Andreson está em prisão domiciliar em Primavera do Leste, no interior de Mato Grosso, desde julho. Zanin autorizou a prisão domiciliar após um parecer positivo da PGR (Procuradoria-Geral da República) pela saída do lobista de uma prisão federal em Brasília, devido ao seu estado de saúde. Sua defesa não tem comentado informações sobre a operação.
José Marques, jornalista, de Brasília - DF, originalmente, para a Folha de S. Paulo, em 14.10.25
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