Há que melhorar muito a representatividade política dos parlamentares
O caderno de Economia e Negócios deste jornal (O Estado de S. Paulo) estampou na sua primeira página no domingo passado, a manchete: Lula prevê “pacote de bondades” de R$ 100 bi, mas falta verba (Estadão, 12/10, B1). E completa: “Medidas previstas para ano eleitoral necessitam de manobras no Orçamento.”
Segundo a matéria, o pacote inclui a “ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, aprovada na Câmara e ainda pendente no Senado, a distribuição de gás de cozinha de graça, isenção na conta de luz para 17 milhões de famílias e o pagamento de bolsas do Pé-de-Meia para estudantes do ensino médio”. Resolvi chamar estas propostas de emendas, pois guardam certa semelhança com as parlamentares, exceto na sua escala bem maior; correm no Parlamento e há essa preocupação comum com falta de verbas. Os dois tipos de emendas têm olho no ganho eleitoral.
O leitor que acompanha meus artigos sobre as emendas parlamentares sabe que as considero inconstitucionais, pois só conferem essas emendas a candidatos que já têm mandato, tratando-os com vantagem que não cabe aos sem mandatos, violando o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, a eleitoral. O presidente, que busca a reeleição, tem o mesmo privilégio. Seria o caso de proibir a reeleição, uma ideia também recomendável por outras razões, como a perspectiva de gestão mais eficiente de quem exerça seu mandato sem reeleição.
Sobre a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, aprovada na Câmara e ainda pendente no Senado, vale lembrar que a parte que não foi aprovada na Câmara era a que tratava do seu financiamento. Sem sua aprovação, até onde sei, a lei seria prejudicada, pois, no site do Senado, vi que a Emenda Constitucional (EC) 128, de 2015, proíbe a legislação federal de criar despesas sem que haja previsão de fontes orçamentárias e financeiras ou transferência dos recursos necessários para a prestação do respectivo serviço público. Também no mesmo site, soube que as únicas despesas ressalvadas são as decorrentes do salário mínimo e as obrigações assumidas espontaneamente pelos entes federados.
Segundo Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado à época da aprovação da Emenda Constitucional 128, “trata-se de uma alteração constitucional da mais importância para os entes federativos, pois prestigia sua saúde orçamentária e fortalece a sua capacidade de financiamento de políticas públicas na medida em que impede que os entes tenham as suas finanças oneradas por criação de programas que não venham acompanhados das fontes de recursos necessários ao seu custeio”.
O fato é que a sociedade brasileira tem muito pouca noção do que se passa no Congresso, pois seus representantes, os parlamentares, eleitos em eleições proporcionais, com votos por toda a unidade federativa de onde vêm, o que cria uma dificuldade de o eleitor escolher um candidato, há centenas deles e, em geral, só aparecem perante o eleitor a cada quatro anos e depois somem. Chamo-os de candidatos-cometas. Vivi em países com voto distrital e percebi que é muito mais eficaz. São Paulo teria 70 distritos (o número de deputados do Estado no Congresso), cada um reunindo municípios com número de eleitores aproximadamente igual entre os distritos. Num distrito, cada partido político apresentaria seu candidato e seria mais fácil escolher um para votar durante os debates pré-eleitorais. O mais votado seria o representante do distrito, de todos os eleitores distritais, e não apenas dos que votaram nele. Com isso, ele teria de se relacionar e prestar contas a esses eleitores para reduzir o risco de não voltar no próximo pleito.
Já houve propostas de adoção do voto distrital pelo Congresso, mas sua probabilidade de aprovação é próxima a zero, pois, em sua maioria, os parlamentares atuais não seriam reeleitos no novo sistema. Mas acho que seria possível melhorar a representatividade do sistema atual mediante a adoção das seguintes providências: cada parlamentar teria um site na internet contendo sua foto e menção do partido político a que está associado, bem como seu Estado de origem. O site também daria acesso, inclusive para download, à ação legislativa do parlamentar (seus projetos de lei, e como votou nos projetos que foram ao plenário para essa finalidade, seus discursos, viagens e outras formas de atuação. Os interessados teriam acesso ao e-mail do parlamentar para perguntas, sugestões e questionamentos. Ou seja, o parlamentar estaria prestando contas do seu trabalho à sociedade, bem como dando o direito a seus eleitores e a outros interessados de elogiar, criticar e sugerir mais temas para a atuação do parlamentar. Tudo poderia ser feito dentro da estrutura atual do Congresso. Com as devidas adaptações, esses aspectos poderiam ser aplicados às assembleias legislativas estaduais e às câmaras municipais.
Roberto Macedo, o autor deste artigo, é Economista (UFMG, USP e Harvard). Consultor econômico e de ensino superior. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 16.10.25
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