Inquérito é essencial num momento em que a Justiça está vulnerável à infiltração do crime organizado
O prédio do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
As investigações da Polícia Federal (PF) sobre um esquema de venda de sentenças criado em gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) são graves não apenas pelos fatos que têm revelado, mas também pelo que significam no atual contexto de combate ao crime organizado.
Já seriam preocupantes, por si sós, as evidências de ilegalidade em sentenças da penúltima instância do Judiciário, abaixo apenas do Supremo Tribunal Federal (STF). Quando se multiplicam evidências da infiltração de organizações criminosas na economia formal, a investigação precisa servir de referência para proteger o Judiciário de interferências externas. Só uma Justiça íntegra terá capacidade de enfrentar as máfias.
Investigação: PF identifica três núcleos em esquema de venda de sentenças judiciais no STJ
O inquérito tramita em sigilo no STF e é presidido pelo ministro Cristiano Zanin. Tem como alvos advogados, empresários e ex-servidores de gabinetes dos ministros Og Fernandes, Isabel Gallotti e Nancy Andrighi. É fundamental destacar que a PF não encontrou nenhuma evidência de envolvimento dos ministros — eles não são sequer investigados. Tudo transcorreu, de acordo com o que se apurou até agora, sem o conhecimento deles.
A PF divide a investigação em três núcleos. O primeiro apura a atuação no esquema de servidores do STJ, incluindo ex-chefes de gabinete dos ministros. O segundo trata de advogados e lobistas, responsáveis por aliciar clientes para o esquema, principalmente no agronegócio e entre donos de empresas em processo falimentar. O terceiro núcleo reúne os beneficiados pela compra de sentenças.
Operação: PF cumpre mandado de buscas na casa de lobista investigado em esquema de venda de sentenças do STJ
Em apenas um caso, revelado pelo blog da colunista Malu Gaspar, do GLOBO, há menção a um parente de ministro, a advogada Catarina Buzzi, filha do ministro Marco Buzzi, acusada de ter recebido uma transferência de R$ 1,12 milhão, segundo indícios descobertos no celular do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves. Relatório preliminar da PF identifica o advogado Roberto Zampieri, assassinado em Cuiabá (MT) em dezembro de 2023, e o empresário Haroldo Augusto Filho como próximos de Catarina. O conteúdo do celular de Zampieri foi essencial para o início das investigações — há nele uma mensagem de Catarina que despertou a suspeita da PF. Haroldo, sócio de consultoria especializada no agronegócio, é investigado sob a acusação de comprar sentenças também no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
Caso se confirmem ramificações do esquema em Cortes estaduais, o inquérito ganhará ainda mais relevância para ajudar a blindar a Justiça contra a influência de organizações criminosas. O Judiciário sairá mais forte das investigações se elas elucidarem os fatos de modo exaustivo e se, confirmados os crimes, as condenações forem exemplares.
Editorial d'O Globo, em 18.10.25
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