terça-feira, 23 de setembro de 2025

As ruas mandam um recado ao Congresso

Protestos mostram que os cidadãos se dispõem a ir às ruas quando se trata de defender não a agenda de um partido, mas os princípios da vida democrática, ameaçados por políticos oportunistas


Protestos de domingo, 21, fortalece STF no conflito com o Congresso Nacional Foto: Evaristo Sa/EVARISTO SA

Milhares de pessoas foram às ruas no domingo passado para dizer um “basta” ao alheamento do Congresso à realidade do País. Em todas as capitais, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, cidadãos protestaram contra dois símbolos recentes da degradação da representação política: a aprovação, pela Câmara, da chamada PEC da Bandidagem, que visa a blindar parlamentares de investigações criminais, e a concessão de anistia “ampla, geral e irrestrita” a Jair Bolsonaro e outros golpistas condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O Monitor do Debate Político da USP, que tem metodologia própria, calculou que 42,4 mil pessoas ocuparam cerca de quatro quarteirões da Avenida Paulista e que 41,8 mil encheram a orla de Copacabana. Como se viu, foram mobilizações muito próximas, em escala, daquelas arregimentadas pelo bolsonarismo no Sete de Setembro, mas com pautas diametralmente opostas. Se na data nacional o objetivo dos manifestantes era pressionar o STF pela impunidade de Bolsonaro e seus cúmplices na trama golpista, além de clamar por intervenção dos EUA – inclusive militar – no curso do julgamento, no dia 21 passado a mensagem foi um sonoro “não” à criação de uma casta de mandatários acima da lei e ao perdão a quem ousou atentar contra a ordem constitucional democrática.

Isso mostra, como primeiro ponto de destaque, que Bolsonaro, nos estertores de sua relevância política, não é mais o senhor das ruas do País. Nos últimos anos, o ex-presidente exerceu com habilidade o protagonismo da mobilização popular, papel outrora desempenhado com igual força e presença por sua nêmesis, Lula da Silva. Mas algo abalou as estruturas da política nacional, levando às ruas um contingente de cidadãos não necessariamente aferrados às agendas de um ou outro polo. Ao que tudo indica, a indignação popular com a defesa explícita da impunidade – seja para parlamentares, seja para golpistas – parece ter despertado um movimento político mais amplo, que não se confunde com a estrita militância partidária.

É um erro, portanto, reduzir as manifestações de domingo a um triunfo da esquerda, menos ainda do PT. A esquerda, sozinha, mal é capaz de levar meia dúzia de gatos-pingados às ruas, como restou evidente no constrangedor ato pelo Dia do Trabalho no ano passado, no qual a presença de Lula só acentuou o vexame da ausência de povo. O PT tampouco tem legitimidade para tremular a bandeira da moralidade pública depois dos escândalos de corrupção que marcaram os governos lulopetistas. Logo, os protestos de domingo só ganharam corpo porque, obviamente, extrapolaram as trincheiras ideológicas e atraíram cidadãos inconformados com o divórcio entre o Congresso e a sociedade, marcado pelo desabrido desrespeito aos valores republicanos, a começar pela igualdade de todos perante a lei.

Não é de agora que o Legislativo mostra afastamento dos reais interesses da população, capturado que está por uma agenda corporativista em torno das emendas ao Orçamento e dos mais mirabolantes mecanismos de autoproteção de seus membros contra a apuração de desvios desses recursos. Mas raramente essa separação ficou tão evidente. A insistência em alçar parlamentares à condição de inimputáveis e o tempo que muitos no Congresso dedicam à agenda de um clã criminoso como o de Bolsonaro, decerto esperando que a subserviência renda votos, demonstram a captura de parte considerável do Legislativo por interesses que nem remotamente passam perto do bem comum. No domingo, ficou claro que muitos cidadãos não toleram isso.

De melhor, extrai-se que as manifestações contra a PEC da Bandidagem e a anistia aos golpistas evidenciaram que a sociedade brasileira não está anestesiada nem as ruas são cativas do bolsonarismo. Uma parcela expressiva da população mostrou disposição para sair de casa em defesa da Constituição e contra a supremacia de uma cultura de privilégios que parece dominar a política nacional. É claro que Lula e o PT, oportunistas que são, vão tentar tirar uma casquinha dos atos, mas todos sabem que o lulopetismo, aquele que protagonizou o mensalão e o petrolão, não tem nada a ver com a defesa da integridade das instituições republicanas.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 23.09.25

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