A punição dos que sequestraram o Congresso a título de livrar a cara de Jair Bolsonaro tem de ser exemplar. Não se pode premiar com a leniência quem atenta contra o funcionamento de um Poder
Motim a bordo (Crédito da foto:Metropóles)
O País assistiu, estarrecido, ao sequestro das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado por parlamentares bolsonaristas que decidiram rasgar o Regimento de ambas as Casas, afrontar a Constituição e manchar a história do Congresso fazendo-o refém de uma chantagem. Durante mais de 30 horas – que não deveriam ter durado nem 30 minutos –, os trabalhos legislativos foram suspensos na marra por uma súcia de deputados e senadores que puseram seus mandatos a serviço da impunidade de Jair Bolsonaro, e não do melhor interesse do Brasil. O que se viu não foi nada menos do que uma nova tentativa de golpe no coração da democracia representativa.
Chamemos as coisas pelo nome. Não há outra forma de descrever o que aconteceu em Brasília. Impedir o livre trabalho do Congresso não é outra coisa senão um atentado contra o Estado Democrático de Direito. Pior ainda quando a violência é perpetrada de dentro da instituição democrática por excelência por indivíduos que, malgrado terem sido legitimamente eleitos, agiram como traidores da mesma democracia que os consagrou nas urnas. Um absurdo.
Obstrução parlamentar é prática legítima em todas as democracias maduras. Porém, o que os vândalos bolsonaristas praticaram naquelas horas de caos não foi obstrução, mas coerção. Não foi protesto contra a prisão domiciliar de Bolsonaro, foi delinquência. Em última análise, não foi política, foi seu exato oposto: a imposição de vontades por meio da força bruta.
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, falharam miseravelmente em impedir o sequestro. A Polícia Legislativa deveria ter sido acionada minutos após a paralisação dos trabalhos legislativos. Ulysses Guimarães, um dos mais altivos deputados a tomar assento na presidência da Câmara, não teria hesitado em fazê-lo. Já Motta e Alcolumbre, lamentavelmente, mostraram-se menores do que suas cadeiras ao se omitirem por tempo demasiado longo enquanto as Casas que presidem eram violadas por uma turba de parlamentares que, na prática, comportou-se como uma facção criminosa a serviço de Bolsonaro.
Passada a tibieza inicial, o único caminho republicano que se abre diante de Motta e Alcolumbre, se preocupados estiverem com suas biografias, é a restauração da autoridade moral e política do Congresso. E isso só será possível por meio de duas ações. Em primeiro lugar, a imediata e rigorosa punição de cada deputado e cada senador que participou do sequestro do Legislativo federal. O que eles fizeram é intolerável para um país que se pretende sério. Em segundo lugar, os presidentes da Câmara e do Senado devem enterrar definitivamente as demandas apresentadas pelos delinquentes a título de resgate. Avançar com a proposta de anistia a Bolsonaro e outros golpistas ou com o impeachment desarrazoado do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes equivalerá a uma capitulação. Não se negocia com delinquentes. A democracia não se rende – ou deixa de ser democracia.
Por ora, é desconhecido o inteiro teor da barganha que Motta e Alcolumbre fizeram com os sequestradores travestidos de parlamentares para a retomada de seus assentos. Mas, se há um cálculo político que ambos têm de fazer agora, é este: caso não punam exemplarmente os radicais bolsonaristas, sinalizarão que sua tática bandida é aceitável e, consequentemente, pode ser repetida no futuro. Por óbvio, não pode. Em uma democracia digna do nome, não é normal o que essa gente fez.
O Congresso precisa dar uma resposta clara e firme aos bolsonaristas irresignados com os ritos democráticos: no Estado Democrático de Direito não há espaço para aventuras autoritárias que pretendem subverter as instituições em nome de interesses particulares de quem quer que seja. Deputados e senadores têm o dever de defender os interesses da sociedade e da Federação, e não do líder de um movimento político que cada dia mais se desvela como seita.
É hora de Motta e Alcolumbre, do alto dos cargos que ocupam, fazerem uma escolha entre a leniência que estimula a baderna e a firmeza institucional que a debela. A Câmara e o Senado precisam se erguer em defesa de sua própria autoridade. O País precisa de paz. E ela só virá se o Congresso não se ajoelhar diante dos que pretendem sabotá-lo.
Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 08.08.25
Nenhum comentário:
Postar um comentário