segunda-feira, 21 de julho de 2025

Tempo de Trump vai custar a passar

Americanos começam a sentir o peso destrutivo do Estado policial que elegeram e prefeririam não ver

‘O tempo envelhece depressa’, ensinou o escritor italiano Antonio Tabucchi em belíssimo livro de contos publicado há anos. Quase já não conseguimos mais habitá-lo (o tempo), tamanho é nosso desassossego contemporâneo. Estamos cada vez mais aprisionados ao turbilhão do momento, à sensação de aceleração e fragilidade do mundo. Esquecemos quanto a História é apenas um rosário de momentos que o futuro se encarrega de trançar. A política, de modo geral, e os políticos medíocres, em particular, gostam pouco de elucubrações sobre o tempo — e ainda menos de ensinamentos da História. Vão atropelando para não ser atropelados por suas próprias fraquezas. Tome-se como exemplo o 45º presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Cinquenta anos atrás, o 37º ocupante da Casa Branca fora obrigado a renunciar, enrolado até o pescoço no escândalo Watergate. Para Richard Nixon, a hecatombe teve amargor pessoal. Para o resto do país, o trauma foi nacional. Ao longo dos anos seguintes, o Congresso americano empenhou-se em promulgar uma série de reformas visando a proteger as instituições democráticas e a restaurar a confiança dos americanos no governo. Foram reformas que fortaleceram a transparência e a ética públicas, aprimoraram a supervisão do Congresso, impuseram limites significativos aos poderes presidenciais. Resistiram bastante bem ao teste do tempo, até a irrupção de Trump na cena mundial. No primeiro mandato, ele escapou de dois pedidos de impeachment encaminhados pela Câmara, fatalidade histórica que poderia ter evitado seu segundo mandato. Saiu da Casa Branca literalmente pela porta dos fundos em 2020, depois de derrotado pelo democrata Joe Biden, mas renasceu legitimado nas urnas em 2024.

É desde sua segunda posse, em janeiro, que Trump passou a agir como “imperador do mundo”, expressão cunhada pelo presidente Lula em entrevista a Christiane Amanpour, da CNN Internacional. Um presidente desprovido de respeito às leis, que age como se regras fossem para tolos e normas, para perdedores. Talvez até acredite ser mesmo imperador. Já no seu primeiríssimo livro, intitulado “A arte da negociação”, de 1987, ele exaltava a arte da bravata.

— Jogo com as fantasias das pessoas — escreveu pelas mãos do ghostwriter Tony Schwartz. — As pessoas nem sempre sabem pensar grande por conta própria, mas ficam hiperfascinadas com quem é capaz disso. Querem acreditar que algo é a maior coisa do mundo, a mais espetacular e mais grandiosa. Chamo a isso de “hipérbole verdadeira”. Outros chamariam esse jogo de fraude moral.

Trump acabou revelando, na semana passada, a dimensão doentia de sua própria fantasia. Depois de anunciar a taxação dos produtos brasileiros vendidos nos Estados Unidos em 50%, deu uma explicação lapidar para os tarifaços que anda espalhando mundo afora:

— Faço porque eu posso.

Como gosta de dizer o brasileiro Frei Betto, pessoas não mudam, apenas se revelam.

Fazer, como sabemos, exige visão de longo prazo, disciplina, planejamento, compreensão de complexidades — tudo que Donald Trump desdenha por carecer desses atributos. Segundo citação frequentemente atribuída a Albert Einstein (por soar inteligente), nenhum problema pode ser resolvido a partir do mesmo grau de consciência que o criou. Pois bem, passados seis meses de governo Trump 2, nada do que ele anunciou de forma espetaculosa tem dado os resultados prometidos. A revolução tarifária destinada a “tornar a América grande novamente” corre o risco de fazer o resto do mundo conhecer-se melhor. Ucrânia e Gaza continuam com a vida civil em carne viva, com o russo Vladimir Putin e o israelense Benjamin Netanyahu dando um baile nas fantasias do americano de acabar com guerras em 24 horas. Ainda na semana passada, Netanyahu avançou mais um degrau no seu ímpeto expansionista, arrogando-se o direito de bombardear também a Síria. Putin, enquanto isso, multiplica a derrama de bombas sobre Kiev ganhando tempo e terreno

Também a política anti-imigração de Trump — extremada, perversa, aplicada com crueldade estratégica e indiferença tática — tem obtido resultados tortos. A maré humana que conseguia atravessar a fronteira pelo México praticamente secou, tornando concreta sua principal promessa de campanha. Ao mesmo tempo, o número de americanos — inclusive republicanos — que se declaram contrários à deportação em massa de imigrantes capturados nas ruas, no trabalho, em igrejas, fábricas, plantações, escolas ou hospitais já beira os 60%. Começam a sentir o peso destrutivo do Estado policial que elegeram e prefeririam não ver.

Faltam três anos e meio para Trump terminar o mandato. Esse tempo certamente não envelhecerá depressa.

Dorrit Harazim, a autora, deste artigo, é Jornalista e documentarista. Publicado originalmente n'O Globo, em 20.07.25

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