sexta-feira, 18 de julho de 2025

As razões de Moraes para o cerco a Bolsonaro

O ex-presidente também será monitorado por tornozeleira eletrônica; não poderá manter contato com embaixadores, autoridades estrangeiras e nem se aproximar de sedes de embaixadas e consulados.

Alexandre de MoraesCrédito (Getty Images)

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta sexta-feira (18/7) medidas cautelares contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Pela decisão de Moraes, Bolsonaro deverá cumprir recolhimento domiciliar entre 19h e 6h de segunda a sexta-feira e em tempo integral nos fins de semana e feriados.


As medidas foram pedidas pela Polícia Federal (PF), com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ao justificar o pedido, a Polícia Federal afirmou que Bolsonaro e o filho dele - e deputado licenciado - Eduardo Bolsonaro (PL-SP) "vêm atuando, ao longo dos últimos meses, junto a autoridades governamentais dos Estados Unidos da América, com o intuito de obter a imposição de sanções contra agentes públicos do Estado Brasileiro".

As iniciativas, segundo a PF, estariam associadas a uma suposta perseguição que Bolsonaro diz sofrer no processo criminal que enfrenta no Supremo, acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.

Ao analisar o caso, Moraes considerou que há indícios de que Jair Bolsonaro e Eduardo teriam praticado atos ilícitos que podem configurar os crimes de:

coação no curso do processo;

obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa;

e atentado à soberania nacional.

Segundo o ministro, as precauções tomadas seriam necessárias para evitar uma possível fuga de Bolsonaro e assegurar a aplicação da lei penal.

Em nota publicada no X em inglês, Eduardo Bolsonaro criticou a decisão de Moraes.

"Desta vez, não se trata apenas de censura ou de medidas coercitivas contra o líder político mais proeminente do Brasil — um homem que jamais se recusou a cumprir decisões judiciais ou a participar de processos legais. O que torna essa decisão ainda mais absurda é o fato de se basear em ações tomadas pelo governo dos Estados Unidos, após o anúncio de tarifas contra o Brasil feito pelo presidente Donald Trump — como se isso, de alguma forma, configurasse um crime."

Eduardo disse ainda que, para ele, Moraes está tentando criminalizar o presidente Trump e o governo americano.

"Como não tem poder contra eles, escolheu fazer do meu pai um refém. E, ao fazer isso, não ataca apenas a democracia brasileira — ele prejudica, de forma irresponsável, a relação do Brasil com seu mais importante aliado. Isso é sabotagem institucional, pura e simples."

Jair Bolsonaro, por sua vez, afirmou que se sente "humilhado" pela decisão de Moraes e que "nunca pensou" em sair do Brasil.

Em nota oficial, os advogados do ex-presidente afirmaram:

"A defesa do ex-Presidente Jair Bolsonaro recebeu com surpresa e indignação a imposição de medidas cautelares severas contra ele, que até o presente momento sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário. A defesa irá se manifestar oportunamente, após conhecer a decisão judicial."

Confira os indícios apontados por Alexandre de Moraes nas ações de Bolsonaro e Eduardo que configurariam cada um desses crimes, listados na íntegra do processo disponibilizada pelo STF.

O ex-presidente Jair Bolsonaro chega à sede da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária, em Brasília, em 18 de julho de 2025 (Crédito,Reuters)

Coação no curso do processo

A decisão de Alexandre de Moraes enxerga "indícios suficientes e razoáveis" do crime previsto no artigo 344 do Código Penal, que criminaliza a tentativa de influenciar o resultado de um processo por meio de violência ou grave ameaça.

O magistrado cita o alinhamento de Bolsonaro com seu filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, para intimidar autoridades com a busca de sanções do governo dos Estados Unidos contra integrantes do STF, PGR e da PF que atuam na investigação e julgamento da tentativa de golpe de Estado em 2022.

Moares cita publicações em redes sociais e entrevistas que incluem ameaças de punições pelos EUA, como a cassação de visto, bloqueio de bens e proibição de relações comerciai.

Segundo ele, essas manifestações visam intimidar os agentes públicos, sob a alegação de perseguição política.

As publicações se dão, sobretudo, em postagens em redes sociais, que reverberam em outros canais de mídia, bem como em entrevistas diretas a veículos de imprensa, diz o magistrado, que inseriu um print de entrevista de Eduardo na CNN em que o deputado diz esperar sanções ao Brasil.

"Há um manifesto tom intimidatório para os que atuam como agentes públicos, de investigação e de acusação, bem como para os julgadores na Ação Penal, percebendo-se o propósito de providência imprópria contra o que o sr. Eduardo Bolsonaro parece crer ser uma provável condenação."

O objetivo, diz Moraes, é "embaraçar o andamento do julgamento técnico" da investigação da tentativa de golpe de Estado e perturbar os trabalhos do inquérito das fake news, que apura a disseminação de notícias falsas, ameaças, calúnias e outros crimes contra a corte e seus membros.

Postagem de Eduardo Bolsonaro no X falando sobre sanções contra Moraes e projeto de lei do Congresso dos EUA que pode tirar visto de Moraes, citada na decisão de Alexandre de MoraesCrédito,Reprodução/X

Legenda da foto,Postagem de Eduardo Bolsonaro no X falando sobre sanções contra Moraes e projeto de lei do Congresso dos EUA que pode tirar visto de Moraes, citada na decisão de Alexandre de Moraes

Obstrução de investigação

Em sua argumentação, Moraes também cita a obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa, crime previsto na Lei 12.850/13.

Segundo o ministro, Bolsonaro e Eduardo têm buscado criar entraves econômicos nas relações comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil para "obstar o prosseguimento da AP 2668", que apura a tentativa de golpe de Estado após as eleições presidenciais de 2022.

Moraes cita o Pix de R$ 2 milhões que Bolsonaro confessou ter enviado a Eduardo, no dia 13 de maio. O auxílio financeiro ocorreu quando Eduardo já estava no exterior, "em plena ação das atividades ilícitas" relacionadas à busca de sanções e pressões sobre o Brasil.

A "vultosa contribuição financeira" encaminhada a Eduardo é, segundo o magistrado, forte indício do alinhamento do réu com o seu filho, "com o claro objetivo de interferir na atividade judiciária e na função jurisdicional" do STF e "abalar a economia do país".

Eduardo Bolsonaro (Crédito,Getty Images)

Atentado à soberania nacional

O artigo 359-I do Código Penal criminaliza "a negociação com governo estrangeiro para que este pratique atos hostis contra o país".

Segundo Moraes, Bolsonaro, com seu filho Eduardo, está "atuando dolosa e conscientemente de forma ilícita" para tentar submeter o funcionamento do STF "ao crivo de outro Estado estrangeiro", com graves impactos à soberania nacional e com objetivo de "gerar instabilidade política e econômica" no Brasil.

Moraes afirma que, em publicação no Instagram, Bolsonaro demonstrou ter interferência no tarifaço anunciado pelo governo Trump contra produtos brasileiros.

O ex-presidente e seu filho também comemoraram a "gravíssima agressão estrangeira ao Brasil", manifestando-se favoravelmente às sanções e taxações, instigando os Estados Unidos a tomar novas medidas hostis contra o Brasil.

Moraes também cita a reunião de Bolsonaro com Ricardo Pita, conselheiro sênior do Departamento de Estado dos Estados Unidos para o Hemisfério Ocidental, em maio.

Após a reunião, o ex-presidente declarou nas redes sociais que "o alerta foi dado, e não há mais espaço para omissões", e complementou com pedido "aos Poderes que ajam com urgência apresentando medidas para resgatar a normalidade institucional".

Já Eduardo agradeceu expressamente Trump pela carta em que anuncia o tarifaço, pleiteando a aplicação da Lei Magnitsky – lei americana que prevê a possibilidade de sanções contra autoridades estrangeiras.

"A ousadia criminosa parece não ter limites, com as diversas postagens em redes sociais e declarações na imprensa atentatórias à Soberania Nacional e à independência do Poder Judiciário", disse o magistrado.

Rute Pina e Thais Carrança, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 18.07.

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