quarta-feira, 8 de maio de 2024

Enchentes mergulham Porto Alegre no caos: “Tem famílias que estão há três dias no telhado”

As equipes de resgate, que já contabilizam 95 mortos e 131 desaparecidos, temem que tudo se complique com a chegada de mais chuva e frio esta semana



Aeroporto de Porto Alegre, neste dia 7 de maio. (Wesley Santos / Reuters)

A tempestade de chuvas fortes e persistentes que atinge o estado brasileiro do Rio Grande do Sul deixou um panorama devastador em sua capital, Porto Alegre, uma cidade próspera de 1,3 milhão de habitantes que nunca viu nada parecido. O rio Guaíba inundou alguns bairros mais centrais, obrigando ao corte de pontes e estradas e ao encerramento do aeroporto pelo menos até ao final de maio. Dezenas de milhares de moradores deste estado brasileiro que faz fronteira com Argentina e Uruguai não têm eletricidade nem água potável. Existe até o risco de escassez de alimentos. “O que você vê na televisão não é nem metade do que está acontecendo. “Este é o nosso Katrina, o nosso tsunami , uma catástrofe enorme”, Fernanda de Carvalho, uma jovem que, como muitos outros moradores da capital, tem passado dias sem pregar o olho, ajudando no trabalho de socorro, diz Fernanda de Carvalho, à beira das lágrimas, do resgate de Porto Alegre.


Segundo o último balanço oficial da Defesa Civil, até a tarde desta terça-feira, em todo o estado do Rio Grande do Sul havia 95 mortos, 131 desaparecidos e 372 feridos. Além disso, há 207 mil pessoas fora de casa. Não chove há dois dias, mas a situação não melhora. O caudal dos rios mantém-se estável ou continua a subir ligeiramente e agora o temor é a chegada de uma nova frente fria que previsivelmente trará mais chuvas e uma descida drástica das temperaturas.


De Carvalho, analista de comunicação, mora num bairro que não é dos mais afetados, por isso aproveitou a sua situação relativamente segura para arregaçar as mangas e ajudar. Participe de um grupo de WhatsApp em que 400 pessoas trocam informações sobre pessoas isoladas que precisam ser resgatadas. “Tem famílias que estão dois ou três dias abrigadas no telhado, sem comida, sem remédio (…) num bairro de Canoas [cidade próxima] temos uma casa com 13 pessoas sem água potável”, diz. A sua missão é contrastar a informação que chega – lamenta que abunde a desinformação – e movimentar contactos, porque há sempre alguém que conhece alguém, desde um militar com botes salva-vidas até indivíduos com pequenas embarcações. Recentemente ela e seus amigos conseguiram trazer 15 jet skis de uma cidade costeira.


As equipes de Defesa Civil do Governo do Rio Grande do Sul fazem o que podem, mas não conseguem dar conta. Em Porto Alegre a situação começou a ficar dramática a partir de sexta-feira, com a enchente do rio Guaíba, a pior desde 1941. O rio atingiu 5,33 metros de altura, bem acima dos três metros que marcam o limite a partir do qual a cidade pode inundar. A tradução é visível a partir de uma vista aérea, como mostram as imagens aéreas: boa parte da cidade literalmente submersa, incluindo edifícios simbólicos como o Mercado Municipal ou os seus estádios de futebol.


Na segunda-feira, as autoridades locais evacuaram os bairros Menino Deus e Cidade Baixa, adjacentes ao centro histórico. De Carvalho estava no local ajudando nos resgates com sua motocicleta, mas teve que deixar o local com medo de ficar preso.


Só na cidade de Porto Alegre são 9,8 mil pessoas abrigadas em escolas, centros esportivos ou shopping centers. Muitos outros procuraram abrigo temporário em casas de amigos ou familiares. Longe de melhorar com o passar dos dias, o número de pessoas despejadas continua a aumentar. Nesta terça-feira, o prefeito de Eldorado do Sul, cidade vizinha a Porto Alegre, afirmou que toda a sua população deve ser evacuada: mais de 40 mil pessoas que não têm para onde ir.


A situação não é apenas desesperadora para aqueles que perderam a sua casa ou tiveram que abandoná-la temporariamente, mas também para os milhares de vizinhos que permanecem nas suas casas sem electricidade ou água, a grande maioria. Embora haja água por toda parte, paradoxalmente, em 85% da cidade não sai uma gota das torneiras porque as estações de bombeamento estão danificadas.


Um porta-aviões da Marinha do Brasil (o maior da América Latina) carregado com duas estações móveis de tratamento de água, com capacidade para produzir 20 mil litros de água potável por hora, deverá chegar a Porto Alegre na quarta-feira.


As comunicações em todo o Rio Grande do Sul são muito precárias e a gota d’água foi o fechamento do aeroporto de Porto Alegre. As companhias começaram a cancelar voos na sexta-feira, dia 3, quando a pista começou a inundar, mas a empresa que administra o aeroporto jogou a toalha definitivamente na segunda-feira, com o terminal totalmente inundado. Numa primeira fase, o aeródromo estará encerrado “por tempo indeterminado”, embora a concessionária espere poder reabri-lo por volta de 30 de maio. Enquanto isso, a pequena base aérea de Canoas, próxima à capital, é utilizada para receber ajudas que chegam de todo o Brasil.


Os moradores de Porto Alegre estão com um olho na água marrom que inunda suas ruas e outro no céu. A chuva deu uma trégua nos últimos dois dias, mas no meio da semana a instabilidade deverá voltar e um novo inimigo aparecerá: o frio. As temperaturas podem cair entre quatro e oito graus no sudoeste do estado e ficar em torno de 12 graus Celsius em Porto Alegre. As autoridades temem que as pessoas despejadas que perderam as suas casas e mal têm comida e água sofram de hipotermia.

Publicado originalmente po EL PAÍS

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