quinta-feira, 18 de abril de 2024

Da necessária paridade no Judiciário

O aumento na atuação feminina não se reflete na esfera pública do poder: ainda são poucas as mulheres que alcançaram o cargo de ministras das Cortes superiores

Advogada Anna Maria da Trindade dos Reis - (crédito: Divulgação)

Quando iniciei minha trajetória na advocacia, só existiam ministros homens e poucas eram as mulheres advogadas atuantes perante as Cortes Superiores, destacando-se Maria Cristina Peduzzi (atual ministra do TST), Rosa Maria Brochado, Heloísa Mendonça e Marisa Polletti

Nessa caminhada, fui acompanhada por Mônica Goes, Fernanda Hernandez, Ana Tereza Basílio e Renata Fontes. Como se vê, contavam-se nos dedos as advogadas em constante atuação. Hoje, com alegria, o número aumentou sensivelmente e não causa surpresa a atuação feminina perante os tribunais.

Infelizmente, esse aumento na atuação feminina não se reflete na esfera pública do poder: ainda são poucas as mulheres que alcançaram o cargo de ministras das Cortes superiores e a sua ocupação forma, em realidade, um desenho piramidal, com muitas magistradas em atuação no primeiro grau, algumas alçadas a desembargadoras e pouquíssimas nos Tribunais Superiores.

Recentemente muito se louvou, e com razão, sobre os 35 anos da instalação do STJ, mas não passou despercebido que dos 103 ministros que já o compuseram ou, ainda, o compõem, apenas nove mulheres foram alçadas ao cargo de ministra, sendo que a primeira, Eliana Calmon, somente foi empossada em 1999.

Com as recentes aposentadorias das ministras Laurita Vaz e Assusete Magalhães, remanescem apenas cinco ministras. As ministras Nancy Andrighi, Maria Isabel Gallotti e Regina Helena são oriundas do TJDF, TRF1 e TRF3, respectivamente. Provenientes da advocacia, apenas as ministras Maria Thereza de Assis Moura, atual presidente, e Daniela Teixeira.

É muito pouco diante do gigantismo da jurisdição e da harmonização de composição do STJ, formado por membros egressos da Justiça Federal, Ministério Público e advocacia.

No STF, não é diferente: somente em 2000 foi empossada a primeira ministra, Ellen Gracie, já aposentada e, até hoje, uma referência de jurista -, seguida apenas pelas ministras Cármen Lúcia (única remanescente) e Rosa Weber, recentemente aposentada e sua vaga foi preenchida por um homem.

No TSE, além da atuação das citadas ministras do STF, apenas quatro mulheres foram nomeadas até o momento como ministras juristas: Luciana Lóssio (2011), Maria Claudia Bucchianeri (2021), Edilene Lôbo, primeira negra da história do TSE, e Vera Lúcia Araújo, segunda negra a ocupar a mesma posição (2023).

Dos 26 ministros que compõem o TST, apenas sete são mulheres. No STM, a ministra Maria Elizabeth, empossada em 2007, segue sendo a única representante feminina.

No TCU não é diferente. A presidência só foi exercida em duas oportunidades por mulheres: Elvia Lordello Castelo Branco (1994) e Ana Arraes (2020). No momento, não há nenhuma representante feminina na Corte.

Até o momento, o Ministério Público Federal foi chefiado por uma mulher apenas uma vez, de 2017 a 2019, pela subprocuradora-geral Raquel Dodge.

Essa constatação também atinge a advocacia no que se refere aos cargos de direção. A despeito de sermos a maioria nas faculdades de direito e de o número de advogadas superar o de advogados em várias seccionais, até o momento, nenhuma mulher exerceu a presidência e poucas a diretoria da OAB Federal — atualmente, composta paritariamente — sendo concedida apenas a uma, a festejada Dra. Cléa Carpi, a honrosa medalha Rui Barbosa.

Sob a presidência de Felipe Santa Cruz foi aprovada a histórica paridade de gênero nas eleições da OAB, obrigando a que as chapas sejam compostas por 50% de mulheres. Ainda assim, em exercício no Conselho Federal, o percentual masculino supera em muito a presença feminina, jamais foi indicada uma advogada para o CNJ, a despeito de ter apresentado lista paritária para o CNPM, hoje composto por 12 homens e 2 mulheres.

O CNJ, apesar de contar apenas com quatro mulheres em sua composição, recentemente editou a importante Resolução CNJ 525/2023, de relatoria da então Conselheira Salise Sanchotene, prevendo que, por ocasião do preenchimento das vagas por merecimento, os tribunais utilizem lista exclusivamente para mulheres, alternadamente, com a tradicional lista mista, justamente para combater a ausência de mulheres na estrutura de poder.

A despeito da necessária ação afirmativa, essencial para refletir a atuação feminina e a pluralidade que resultarão em formação jurisprudencial mais humanista, muitos magistrados, inconformados e não compreendendo o objetivo democrático e social da medida, tentaram, sem êxito, impedir a realização do primeiro concurso pela atual regra.

Esses fatos, antigamente ignorados ou raramente contestados, agora atraem um necessário olhar para a disparidade perpetrada, e têm provocado manifestações e estudos visando à efetivação da paridade de gênero, que culminará em futura paridade racial, em busca da verdadeira democracia que a pluralidade pode ofertar à humanidade. Avanços são impositivos e devem ser celebrados. A reflexão da celebrada escritora e Des. Andrea Pachá de que "a magistratura só faz sentido se for no coletivo, no plural, na afirmação dos direitos humanos e das garantias sociais" se aplica também à advocacia e às demais funções do Direito.

Ana Maria Trindade dos Reis, a autora deste artigo, é advogada desde 1986 e fundadora do Trindade & Reis Advogados Associados, composto igualitariamente por advogados e advogadas, com atuação nas Cortes sediadas em Brasília, presidente do Cesa/DF, membro da Alumni/UnB, IAB, ABMCJ/DF, IADF e do coletivo Elas Pedem Vista. Publicado originalmente no suplemento Direito e Justiça do Correio Braziliense, em 18.04.24

Nenhum comentário: