Os filósofos da escola estóica ou cínica já nos deixaram a fórmula de uma eternidade andando pela casa sem passar pela faca. Eles nunca pensaram no futuro
Estátua do Imperador Marco Aurélio na Gliptoteca Ny Carlsberg em Copenhague. (Getty)
A imortalidade está agora ao alcance de qualquer pessoa. Não se trata dos avanços da ciência médica que permitirão que os órgãos e tecidos do corpo se renovem como numa oficina automóvel. Em breve você poderá guardar na geladeira vários corações, fígados, estômagos e pâncreas sobressalentes, embrulhados em papel albal, para quando precisar substituí-los pelos velhos e desgastados.
Na realidade, será possível ter uma réplica completa do seu corpo de 35 anos, incluindo o cérebro com todos os segredos da memória armazenados num armazém graças à inteligência artificial. Morrer ou continuar neste mundo será um jogo ao capricho do usuário. Se você ficar entediado, você vai embora, só isso.
Só que os ditadores poderão permanecer no poder indefinidamente e os idiotas continuarão brincando, os ladrões roubando, os assassinos matando, os crentes rezando, os poetas sonhando, os atores dançando, as crianças chorando, os políticos mentindo.
Esta imortalidade clínica será extremamente rude e, como o mundo continuará a não fazer sentido, os sábios irão por vontade própria para o além a bordo do barco de Caronte, numa viagem noturna em que não há farol. Pouco importa, porque os filósofos da escola estóica ou cínica já nos deixaram a fórmula para sermos imortais andando pela casa sem ter que passar por cirurgia. Seu experimento foi muito simples.
Eles nunca pensaram no futuro. Eles sabiam que o tempo era apenas um horizonte que poderiam adaptar aos seus sonhos. Eles dividiram o tempo em dias, horas, minutos e segundos. Na hora de viver plenamente, só deram importância àqueles últimos segundos que fluem pelos sentidos e através deles desceram àquela profundidade onde não existe mais um antes ou um depois, mas sim o nó de todos os prazeres que em seu o tempo final permitiu-lhes ser puros, felizes e incontaminados.
De resto, acreditavam, tal como Marco Aurélio, que a vida era apenas uma opinião. Enquanto você estiver vivo, você será imortal.
Manuel Vicente, o autor deste artigo, éescritor e jornalista. Vencedor, entre outros, dos prêmios de romance Alfaguara e Nadal. Como jornalista começou no jornal 'Madrid' e nas revistas 'Hermano Lobo' e 'Triunfo'. Ingressou no EL PAÍS como colunista parlamentar. Desde então publicou artigos, crônicas de viagens, reportagens e daguerreótipos de diversas personalidades. Publicado no EL PAÍS, de Madrid - Espanha, em 25.02.24.
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