terça-feira, 26 de março de 2024

Se não é a economia, o que será?

O que o Datafolha mostra é que ações do governo ou do presidente influenciam mais a opinião pública do que avanços na economia

(Crédito: terra.com.br)

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está perdendo popularidade. Pesquisa recente mostra que a população está dividida em três partes de dimensões comparáveis. Segundo o Datafolha, a parcela que considera o governo bom ou ótimo corresponde a 35% dos entrevistados; a que considera o governo ruim ou péssimo é de tamanho estatisticamente igual, pois corresponde a 33%; e a terceira, que acha a atual gestão apenas regular, representa 30%, pouco menor do que as outras duas. Um ano antes, a margem favorável ao governo era mais confortável. O governo era bem avaliado por 38% e os que o consideravam ruim correspondiam a 30% dos entrevistados, fatia igual à dos que achavam o governo regular.

Há pouco mais de 30 anos, um dos responsáveis pela campanha de Bill Clinton à Presidência dos Estados Unidos, James Carville, tornou famosa a frase “é a economia, estúpido!”. A expressão conclamava o eleitor, no momento de decidir seu voto, a avaliar os problemas que enfrentava para pagar suas contas em vez de se deslumbrar com as vitórias na Guerra do Golfo, iniciada pelo então presidente e candidato à reeleição George Bush (o pai). Clinton, como se sabe, ganhou em 1992 (e foi reeleito quatro anos depois). Era a economia.

Mas há momentos em que talvez se deva dizer que “não é a economia, estúpido!”. Dados conjunturais sugerem que a queda da avaliação do governo não tem relação direta com a atividade econômica.

Reconheça-se que a economia nacional está longe de apresentar os resultados exuberantes que ostentou há alguns anos, quando muitos chegaram a supor que o Brasil tinha a seu alcance o ingresso no mundo dos países desenvolvidos. A média do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos últimos 10 ou 15 anos é muito baixa, se comparada com a da segunda metade do século passado.

No entanto, num período mais curto, de um ano, por exemplo – como o intervalo no qual a popularidade do governo caiu –, é possível identificar melhoras que têm efeito expressivo sobre o bolso da população, sobre suas condições de vida, enfim. São dados positivos que os meios de comunicação divulgam, mas que não despertam grandes emoções entre os analistas lidos pelo mundo das finanças, nem, muito menos, entre os operadores dos mercados financeiros. Nos últimos dias, surgiram alguns dados desse tipo. São números relevantes, embora não espetaculares.

Cálculos do pesquisador Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostram que no ano passado, para um crescimento de 2,9% do PIB, a massa de rendimentos do trabalho teve aumento real (descontada a inflação) de 11,7%. É o melhor resultado desde 1995, quando o Plano Real, ao vencer a superinflação, promoveu um verdadeiro programa de aumento de renda real e fez a massa de rendimentos do trabalho crescer 12,9%.

Desse modo, a participação dos salários no PIB voltou a crescer, depois de ter diminuído de 35,5% em 2016 para 31% em 2021, segundo dados do IBGE. É indicação forte de que os trabalhadores estão tendo mais participação na economia, pois dispõem de parcela maior de tudo o que se produz no País. Têm, assim, proporcionalmente, mais renda para sustentar as despesas para sua manutenção e a de sua família e para eventualmente poupar. Em termos individuais, o rendimento real médio teve aumento de 3,9% no ano passado, na comparação com o valor de 2022.

E a economia está mais eficiente. Acompanhando ganhos reais de salários pelos trabalhadores, a produtividade do trabalho voltou a crescer em 2023, depois de dois anos de queda. Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), a produtividade do trabalho consiste no valor adicionado gerado por trabalhador ou por hora trabalhada. A produtividade total dos fatores, de sua parte, inclui a eficiência do uso do capital. Relatório do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Ibre-FGV, informa que em 2023 houve elevação em todas as medidas de produtividade. A que considera as horas efetivamente trabalhadas cresceu 1,9% e a que considera a população ocupada aumentou 1,6%.

Ganha-se mais por trabalho mais eficiente, que melhora o desempenho da economia, mas a popularidade do governo cai.

O que o Datafolha mostra é que ações do governo ou do presidente influenciam mais a opinião pública do que avanços na economia. Exemplos recentes disso há vários. A imposição por Lula a seus subordinados do silêncio sobre o golpe empresarial-militar de 1964 desagradou boa parte dos que apoiam seu governo. A transformação de uma banalidade – o destino dos móveis da residência oficial – em assunto de governo apequenou a Presidência. Declarações controvertidas de Lula afetam sua imagem e estimulam a oposição. O grande público que compareceu à manifestação bolsonarista na Avenida Paulista há um mês é, além de demonstração de força e convicção dessa parcela do eleitorado, um alerta para o governo – e para os que prezam as liberdades democráticas. Muitos ainda têm saudades da truculência do governo anterior.

Jorge J. Okubaro, o autor deste artigo, é jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome) e Presidente do Centro de Estudos Nipo-Brasileiros. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo,em 26.03.24

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