Provar que Bolsonaro orquestrou um golpe de Estado não parece reduzir seu apoio popular
O então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, participava de cerimônia militar em Brasília em agosto de 2022. (Ag. Anadolu)
Até agora, dois generais confirmaram que Jair Bolsonaro, o ex-presidente de extrema direita do Brasil, queria dar um golpe para permanecer no poder depois de perder as eleições para Luiz Inácio Lula da Silva. E não quaisquer generais, mas os mais altos oficiais do Exército e da Aeronáutica do próprio Governo de Bolsonaro. Mesmo assim, Bolsonaro – inelegível até 2030 – sente-se à vontade para fazer campanha para apresentar prefeitos e vereadores para as eleições deste ano. Bolsonaro tem certeza de que não perderá prestígio entre seus seguidores mesmo que seja julgado por ataque à democracia. Infelizmente, parece que ele está certo.
Em países como o Brasil, a democracia está longe de ser um valor absoluto pelo qual a maioria luta. Em parte, porque muitos não acreditam que isso mudará especialmente as suas vidas. A ditadura militar (1964-1985) sequestrou, torturou e executou opositores. Mas quando o país se redemocratizou, a polícia continuou a invadir casas, sequestrar e matar pessoas nas favelas e bairros pobres, onde vive a maioria da população. Com impunidade, e sem incomodar particularmente os mais ricos, geralmente brancos, que continuam a ocupar posições de poder nas instituições democráticas.
Esta democracia selectiva, que deixou de fora ou incluiu apenas parcialmente os mais pobres, está hoje a cobrar o seu preço. Lula sempre acreditou que o voto depende da economia, da sensação das pessoas de que sua vida material melhorou, o que de fato funcionou nos seus dois primeiros mandatos, que terminaram com índices recordes de aprovação. Mas já não. Nada parece ser mais importante para uma parcela significativa dos brasileiros do que sentir-se seguro num momento de tantas incertezas, quando até o clima está mudando. Certeza de que seu celular não será roubado numa esquina, mas também certeza de que a única família abençoada por Deus é a de um “homem com uma mulher”.
A segurança física e material tem sido articulada de forma decisiva com o que poderia ser chamado de segurança moral, cada vez mais determinada pelas igrejas evangélicas neopentecostais no Brasil atual. Um tornou-se obrigatoriamente ligado ao outro.
Se a contradição é que os policiais que matam os pobres e os negros são em sua maioria apoiadores de Bolsonaro, a extrema direita convence seus seguidores de que a esquerda transformou o Brasil numa Sodoma. A insegurança urbana, nesse discurso, seria resultado da corrosão dos valores morais e dos costumes conservadores, e quem vive fora desses valores torna-se um inimigo que deve ser eliminado. Quando o debate político é reduzido a uma guerra do bem contra o mal, com o mal encarnado por todos os que discordam do grupo que afirma ter o monopólio do bem, a democracia pouco pode contar.
Tanto é verdade que a palavra que une este setor da população que se reúne em torno de Bolsonaro não é democracia, mas “liberdade”: a liberdade de eliminar tanto as leis como os direitos de todos aqueles que ameaçam o seu lugar precário e mutável. mundo inóspito.
Ainda assim, o Brasil está longe de se tornar a Rússia. As investigações avançam e existe a possibilidade de Bolsonaro finalmente ser preso, mesmo que isso desagrade parte do país. Mas tão crucial como punir aqueles que a atacaram é fazer com que valha a pena defender a democracia, não apenas nas instituições, mas nas ruas. Como aumentar rapidamente o valor da democracia num contexto tão hostil é a questão mais difícil que um governante como Lula deve responder.
Eliane Brum, Jornalista, a autora deste artigo, trabalha para O EL PAÍS. Publicado originalmente em 20.03.24. Tradução de Meritxell Almarza .
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