segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Custo de tribunais impõe adequação à realidade fiscal

Com gasto estimado em 1,6% do PIB, Judiciário e MPs brasileiros compõem a Justiça mais cara entre 53 países

Brasil tem uma das Justiças mais caras do mundo, segundo relatório do Tesouro Nacional — Foto: Márcio Alves / Agência O Globo

Publicado no final do mês passado, o relatório do Tesouro Nacional classificando as despesas do governo confirma o que se sabe há tempos: o Brasil tem uma das Justiças mais caras do mundo, provavelmente a mais cara. Os tribunais e Ministérios Públicos (MPs) estaduais e federal custaram à sociedade 1,6% do PIB em 2022. Foi a proporção mais alta numa amostra de 53 países. O gasto brasileiro equivale ao quádruplo da média. Em termos absolutos, a Justiça custou perto de R$ 160 bilhões.

Para dar uma ideia da ordem de grandeza da cifra, basta lembrar que a despesa com todas as polícias foi de R$ 114 bilhões. Com serviços de proteção contra incêndios, R$ 8,8 bilhões. Com penitenciárias, R$ 26,3 bilhões. Em pesquisa e desenvolvimento sobre ordem pública e segurança, mirrados R$ 44 milhões. Quando são consideradas as despesas com “ordem pública e segurança” — incluindo a Justiça —, a despesa alcança R$ 311 bilhões, ou 3% do PIB, mais que na América Latina (2,6%) e nas economias emergentes (2,3%).

Custo: Brasil gasta 1,6% do PIB com tribunais, maior despesa entre 53 países

Associações de classe contestaram a metodologia usada pelo Tesouro para cotejar o gasto dos diversos países. Mas é a mesma adotada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para comparar gastos públicos. Ao mesmo tempo, tentaram justificar a despesa afirmando que o Judiciário brasileiro custa mais caro porque trabalha mais, tamanha a quantidade de temas que, pela Constituição, suscitam recurso aos tribunais. Pode até ser verdade. Há, porém, algo além do excesso de processos que distingue a Justiça brasileira.

Judiciário e MPs gastam sobretudo com salários, e a quantidade de benesses que usufruem juízes e procuradores brasileiros — como férias de dois meses, auxílios e verbas indenizatórias de todo tipo — é única no mundo. Tais “penduricalhos” inflam a remuneração, com frequência para além do teto constitucional, colocando as duas categorias da elite do funcionalismo no centésimo de maior renda no Brasil.

Opinião: Benesses a juízes erodem confiança na Justiça

Não se trata de questionar a necessidade de remunerar de modo justo serviço tão essencial e relevante quanto a Justiça. Mas é preciso ter senso de medida. Apenas um exemplo de desconexão da realidade: em 2017, ficou decidido que as licenças-prêmio de 90 dias a que procuradores têm direito — em si um privilégio que deveria ser extinto — poderiam ser pagas em dinheiro. Só esse benefício custou quase meio bilhão de reais aos cofres públicos entre 2019 e 2022 . No ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que juízes também poderiam reivindicar as mesmas benesses dos procuradores. Para não falar nas tentativas de restaurar promoções automáticas a cada cinco anos (quinquênio) e outras iniciativas do tipo.

Estudioso do assunto, o cientista político Luciano Da Ros, da Unicamp e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), creditou em análise de 2015 o “elevado grau” de independência — inclusive orçamentária — do Judiciário e dos MPs no Brasil ao esforço da sociedade na transição para a democracia. É verdade. Mas isso não justifica a profusão de benesses. Juízes e procuradores deveriam entender a realidade de um país com alta dívida pública e social, em que o Estado precisa promover o equilíbrio fiscal para o bem de todos. Os números do Tesouro revelam a urgência dessa discussão.

Editorial de O Globo, em 05.02.24

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