quinta-feira, 18 de maio de 2023

Não se aplica sanção por meio de interpretação extensiva. É inconstitucional.

O TSE, sem o devido processo legal, ou melhor, sem o devido processo legal administrativo, culpou Dallagnol. Absurdo: julgou sem ser o juiz natural, constitucional, preestabelecido pela lei.

O deputado federal cassado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) sai em busca de tábua de salvação, sem desistir do papel de taumaturgo circense. 

Algumas considerações sobre a perda do mandato do ex-procurador que coordenou a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba:

1- Suspender a cassação

A decisão relâmpago do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) resultante na cassação do mandato popular de Deltan Dallagnol (Podemos-PR) tem eficácia imediata. Em outras palavras: Dallagnol não é mais deputado federal.

A cassação tornou-se pública, sem precisar de publicação no Diário Oficial da União. A decisão foi publicada na própria sessão plenária de ontem.

Segundo se sabe, Dallagnol vai tentar obter uma tábua provisória de salvação junto ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Seria uma medida acautelatória liminar, com fundamento na irreparabilidade do dano sofrido e numa existente e visível fumaça de bom direito (fumus boni juris).

A alegação de dano irreparável vai estar ligada ao princípio da soberania popular do voto, em tempo passado denominada de garantia ao sufrágio universal.

Sem mandato, haveria um dano aos cerca de 400 mil votantes em Dallagnol e à representação por mandato (procuração) conferida democraticamente. A lembrar que se tornou inelegível por oito anos.

Trocado em miúdos: o cidadão (na definição constitucional, cidadão é sinônimo de eleitor) perderia o representante e no lugar ingressaria um suplente, não escolhido pela vontade do eleitor.

Os danos irreparáveis à pessoa de Dallagnol, um ex-procurador que buscou carreira política, também serão considerados.A fumaça do bom direito tem conexão com a possibilidade, diante do direito invocado, de o recurso ao STF poder prosperar.

2- Inconstitucional interpretação extensiva

O marquês Cesare Beccaria é considerado o precursor do direito penal (criminal) moderno. Foi um humanista.

O seu livro intitulado "Dos Delitos e das Penas" (Dei Delitti e delle Pene), publicado em 1764, é, no mundo ocidental, de leitura obrigatória nas faculdades onde se ensina o direito e a jurisprudência.

Beccaria, usando linguagem do século 21, inspirou o garantismo de matriz iluminista e brecou a selvageria e as ordálias, ou juízos de Deus.

A partir de Beccaria chegou-se ao "nulla poena nullum crimen sine lege", que é o princípio da legalidade que está expresso na nossa Constituição. Não existe crime sem lei e, também, pena sem previsão legal. O princípio vem do filósofo e jurista alemão Anselm von Feuerbach e foi para o código penal da Baviera de 1813.

Como decorrência, o direito penal (criminal) não admite a denominada interpretação extensiva, salvo se for para favorecer o acusado, no caso Dallagnol.

O TSE usou de interpretação extensiva para condenar Dallagnol. Entendeu que 15 reclamações protocoladas poderiam ser presumidas e que virariam um processo administrativo disciplinar contra Dallagnol.

As 15 reclamações, arquivadas por decisão do governo do Ministério Público Federal, teriam, na visão de adivinho do TSE, potencial para virar processo administrativo. As 15 estão arquivadas diante do fato de Dallagnol ter deixado o Ministério Pùblico Federal.

Atençao: a lei de inelegibilidade exige processo administrativo. E exoneração ou renúncia postuladas pelo funcionário público ( engloba órgão de poder) para evitar o seu julgamento, com eventual imposição de sanção-pena.

O TSE, sem o devido processo legal, ou melhor, sem o devido processo legal administrativo, culpou Dallagnol. Absurdo: julgou sem ser o juiz natural, constitucional, preestabelecido pela lei.

Reclamações, como já decidiu o STF, representam expectativa de direito. Os que apresentaram as 15 reclamações contra Dallagnol tinham uma expectativa dele ser sancionado, não direito reconhecido num devido processo administrativo.

A decisão do TSE fez o supracitado marquês de Beccaria revirar na sepultura. Não se aplica sanção por meio de interpretação extensiva. É inconstitucional.

Com efeito, aí está a chamada fumaça do bom direito que o STF, se provocado por Dallagnol, deverá apreciar para decidir pela concessão ou não de uma medida liminar acautelatória.

3 - STF e a liminar

O pedido de liminar acautelatório — que deverá ser seguido depois por um recurso solicitando o reexame da decisão do TSE — será examinado por um ministro sorteado por sistema eletrônico.

Estarão impedidos de votar o ministro Alexandre de Moraes e a ministra Cármen Lúcia, por terem participado e votado pela cassação de Dallagnol. Precisará se dar por suspeito o ministro Gilmar Mendes. Isso pelo que já disse sobre Dallagnol, seu inimigo de carteirinha.

Se a decisão do ministro sorteado for técnica e não política, Dallagnol tem grande chance de obter a liminar.

Caso não obtenha a liminar, o seu recurso de reexame da cassação pelo STF poderá levar anos para ser colocado em pauta de julgamento.

E poderá até não ser julgado. Isso ocorrerá se for colocado em pauta quando a legislatura já estiver encerrada e não se poder mais falar em mandato.

Enquanto isso, Dallagnol prepara uma saída jurídica. Politicamente, sem mandato, inaugurou ontem, em entrevista, o circo de esperneios e ele no papel de injustiçado taumaturgo.

 Wálter Maierovitch, o autor deste artigo, é magistrado federal aposentado e colunista do UOL. Publicado originalmente em 18.05.23

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