sábado, 20 de maio de 2023

Collor terá tempo de sobra para desfrutar do que mais ama, seu ócio

Como nunca trabalhou, é um laborfóbico incurável. Quer irritá-lo? Fale de trabalho

Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 19 de maio de 2023 - Bruna Barros

Quem diria. Collor estava tão por baixo que ninguém se lembrava dele. Demorou, mas agora é oficial. Trinta anos depois de ser chutado do Planalto, o Supremo lhe deu o diploma de corrupto. Terá de devolver os R$ 20 milhões que roubou.

Que ninguém duvide da sua desonestidade. A mãe, irmãs e irmãos, "parças" e rivais, nunca nenhum cristão teve dúvidas de que fosse um larápio, um batedor de carteira que forra os bolsos com isopor para afanar gelo em coquetéis.

Como não faltam coquetéis de uísque paraguaio em Brasília, e de pinga com umbu em Maceió, Collor surrupiou Kilimanjaros de carteiras e Everestes de gelo. Com o tutu, viveu décadas como marajá. Com o gelo, conservou a frieza da alma. Tem-se por único, mas na verdade é ordinário.

Não é um ladravaz do jaez de Maluf, Cabral ou desses lobões de moletom que botam o boné na mesa da balada brasiliense, fungam uma carreira da colombiana, viram um shot e encoxam na marra. É questão de berço. Bolsos de isopor, sim, mas em paletós italianos.

Ao ver Bolsonaro às voltas com overdose de morfina, contrabando de brincos e sobrepreço de sanduíches, dá para ouvir Collor lastimar: tsc, tsc, tsc, que falta de classe, que pé-rapado. Se é para se pavonear, que seja de Rolls-Royce, Maserati, Porsche, Ferrari, Bentley.

Embora difiram na gabolice, o Marajá e o Mito compartilham a mesma burrice. Collor achou que ninguém notaria que ele tinha 15 bólidos de luxo estacionados à sombra das cascatas da Casa da Dinda. Logo ele, que não pagava IPVA e foi destituído devido a um reles Fiat Elba.

Em primeiro plano, um homem está vestido com turbante adornado de joias. Com uma mão, ele segura uma xícara e com a outra, uma maleta por onde escapam notas de dinheiro.  Ao fundo, um sol brilha.

Bolsonaro supôs que seria uma boa guardar os atestados falsos de que tomou vacina. Se o STF descobrisse, os bananas não fariam nada, pensou. Logo ele, que fez campanha contra a imunização, xingou Xandão de canalha e otário, e Barroso, de idiota e filho da puta.

Além da burrice, há a soberba. O profissional que chega ao Planalto se acha léguas acima do baixo clero, um ungido por Xangô, Jeová, Maquiavel, Cristo, um desses. Até FHC se julgou insubstituível e patrocinou a patranha de mudar a lei e se aferrar a seu cargo.

Depois da era das vacas fardadas, só vices vestiram a carapuça de políticos carreiristas: Sarney, Itamar e Temer. Fernando Henrique se fez ver como intelectual. Lula, como sindicalista e herói do povo. Dilma, como gerente. Bolsonaro, como um verdadeiro gorila aspirante a troglodita.

E Collor? Era um pet da milicada que virou a casaca para fazer carreira. Que contratou 15 mil pobres diabos quando prefeito e os demitiu ao se tornar governador de Estado —para posar de verdugo de barnabés e ladrilhar a trilha rumo à Presidência. Que foi conviva de cama, mesa e cofre de usineiros alagoanos.

Era um embuste da cabeça gomalinada aos pés que calçavam Church’s, passando pelas calças largas —para disfarçar as pernas arqueadas—, as gravatas Hermès e as camisas de alfaiataria com punhos dobrados e abotoaduras cafonas. De verdadeiro, nele, somente a sua gélida ambição.

Mercê do medo empresarial do sapo barbudo, do anticomunismo rábico da classe média proto-bolsonarista e da repulsa unânime aos jaquetões da Nova República, elegeu-se. Deu-se então a guarânia: não tinha a mais escassa noção do que fazer. A ambição cedeu lugar à melancolia.

Procurou gente à altura de sua mediocridade e se cercou de poltrões. Do confisco da poupança ao "Besame Mucho" de Zélia e Bernardo Cabral, deu tudo errado. O governo oscilou entre o banzé e a abulia. No final, só era aplaudido por Brizola e Antonio Carlos Magalhães, o avô de Grampinho.

Certos traços de Collor ajudam a explicar seu apego à roubalheira. Como nunca trabalhou na vida, é um laborfóbico incurável. Quer irritá-lo? Fale de trabalho. Seu estado natural é o ócio.

Dá uma importância louca à aparência —a roupas, cremes, cabelos, prendedores de gravata. Passa acetona nas unhas. Não é asqueroso como Bolsonaro, mas está longe, muito longe, de ser agradável.

Transpira insinceridade. Parece representar um papel o tempo todo, mas o personagem que encarna é um espantalho. Vi-o de porre em um Carnaval fora de hora em Maceió. Nem ali disse algo espontâneo. O espaço infinito de seu vazio interior atordoa.

Já PC Farias era a simpatia em pessoa, um pícaro risonho, um novo-rico de bem com a vida. Era o Robin que cumpria ordens do Bruce Wayne ensimesmado no Bat-Planalto.

"Não quero mais nada com o Fernando", me disse PC. "Ele é mesquinho e se acha melhor que todo mundo." Tinha razão.

 Mario Sergio Conti, o autor deste artigo, é Jornalista, autor de "Notícias do Planalto". Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 19.05.23, às 19h32

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