sábado, 29 de abril de 2023

Bolsonarismo, risco para o agronegócio

‘Desconvite’ a ministro da Agricultura para a solenidade de abertura da Agrishow, na próxima segunda-feira, quebra tradição e não condiz com a importância do setor agrícola

O agronegócio puxa o crescimento da economia brasileira e exporta alimentos para o mundo inteiro. Setor pujante, deve estar no centro das preocupações de qualquer governo, com políticas adequadas de crédito e fomento agrícola, além de investimentos em pesquisa para aumentar a produtividade no campo − algo, aliás, que já é feito exitosamente há décadas. Se o Brasil quer mesmo deixar o subdesenvolvimento para trás, precisa dobrar a aposta no que dá certo. Sem perder de vista, porém, que o caminho de sucesso trilhado até aqui pelo agronegócio foi construído a muitas mãos, com atores-chave remando no mesmo rumo. A começar pelo governo federal, esteja quem estiver na Presidência da Repú

É surpreendente, então, que a edição deste ano da maior feira de tecnologia agrícola do Brasil, a Agrishow, esteja prestes a produzir uma cena que não deveria interessar a ninguém: a ausência de representantes do governo federal na cerimônia de abertura do evento, no dia 1.º de maio, em Ribeirão Preto (SP). Detalhe: não por iniciativa do governo, já que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, era presença confirmada − assim como também estava prevista a ida do vice-presidente e ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. A decisão, conforme informou o Valor, partiu da organização do evento, que achou por bem “desconvidar” o ministro, uma vez que o ex-presidente Jair Bolsonaro deverá comparecer à solenidade do dia 1.º.

Ora, saias-justas fazem parte do dia a dia da política, e é preciso saber lidar com elas. Nada que os encarregados do cerimonial não possam resolver na hora de definir assentos ou por onde cada convidado vai entrar e sair. A abertura de uma feira do porte da Agrishow não precisa ter ares de confraternização − e o compromisso das autoridades ali reunidas, antes de mais nada, deve ser com o avanço de um setor vibrante da economia nacional e, portanto, com o desenvolvimento do País.

Mas o bolsonarismo não consegue conversar com quem não segue sua cartilha. Em vez disso, queima pontes e encara adversários como inimigos. Uma triste lição que ficou evidente nos últimos quatro anos, com efeitos deletérios nas mais diversas áreas.

Resta lamentar que tal atitude possa seduzir representantes do agronegócio, a ponto de macular a abertura da Agrishow − cuja perspectiva, felizmente, é bater recordes de vendas e atrair milhares de visitantes. Vale lembrar que o evento tem patrocínio do Banco do Brasil e, como informou o Estadão, o ministro Fávaro deveria anunciar mais de R$ 1 bilhão em recursos suplementares para a equalização de crédito para o Plano Safra 2022/23.

Divergências políticas, por óbvio, são o oxigênio da democracia, e é natural que produtores rurais, assim como os demais eleitores, se identifiquem com partidos e governantes que melhor representem seus interesses. Em poucos meses de governo Lula, o Movimento dos Sem Terra (MST) voltou a afrontar a lei e a invadir propriedades, o que deve ser repudiado e combatido por todas as autoridades do País – como, aliás, fez o próprio ministro Fávaro, uma das vozes que prontamente condenaram as recentes invasões de terra pelos baderneiros do MST.

Note-se que até mesmo para divergir cabe dialogar, e exemplo disso é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas − com quem Jair Bolsonaro deverá ir à Agrishow. Apadrinhado por Bolsonaro nas últimas eleições, o governador tem buscado agir republicanamente desde que tomou posse. Sua relação com o governo federal pauta-se, acima de tudo, pelos interesses do Estado e da população. Corretamente, ele foi a Brasília para a reunião de governadores com o presidente Lula da Silva após a tentativa de golpe no 8 de Janeiro. Também somou esforços com o presidente após a tragédia provocada pela chuva no litoral norte paulista. É com esse espírito que se governa e faz política.

O “desconvite” ao ministro da Agricultura, lamentavelmente, caminha em outra direção. Fiel retrato dos estragos que o bolsonarismo é capaz de provocar, será a quebra de uma tradição, que não reflete a modernidade e a pujança do agronegócio brasileiro.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 29.04.23

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