sexta-feira, 3 de março de 2023

Ruy Barbosa deveria ser considerado herói brasileiro

Ele está acima de Caxias, Pedro I, Tiradentes e Vargas

Eu sei — esta coluna deveria ser sobre o digital, sobre seus efeitos na sociedade. Mas é que visto também outros chapéus, além do de repórter de tecnologia. Há o repórter político e o do sujeito que escreve livros de história do Brasil. E esta semana fez cem anos da morte de um de meus dois heróis na história brasileira. Então, me permitam. Gostaria de lhes convencer de que Ruy Barbosa deveria ser nosso herói coletivo. Vale muito mais que um Caxias, mais que Tiradentes, não tem Pedro I ou Getúlio Vargas. Nenhum vale o que Ruy valeu.

E, ainda assim, não é de sempre que vem a convicção. Só o conheci recentemente. O Ruy da minha cabeça e escrevia muito difícil e, como jornalista, tenho preconceito com quem escreve empolado. Nunca prestei atenção até que fui escrever um livro sobre o Tenentismo. Basta um mergulho ligeiro na Primeira República para logo entender que não é possível compreender o nascimento da República sem antes entender o político que acumulou mais derrotas nela. Ruy.

Quando se elegeu pela primeira vez, Dom Pedro II era um sujeito de longa barba loura, que usava para esconder aquele queixo de Habsburgo. Ao morrer, ainda metido em reuniões, Ruy já havia assistido ao início do movimento que terminaria por colocar Getúlio no poder. Ele viu o Brasil que conhecemos nascer. E quis que este fosse diferente.

Sua grande briga no primeiro terço da vida pública foi pela Abolição da escravatura. No segundo terço, a briga foi dupla. De um lado contra oligarcas e seu patrimonialismo, o uso dos recursos do Estado por gente poderosa como se fosse coisa pessoal. Do outro, a fixação do Brasil no cenário internacional como uma nação pacífica. No terço final, o velho Ruy estava convencido de que uma das maiores ameaças à democracia vinha dos militares.

Ruy ajudou a aumentar a importância do Brasil lá fora. Na luta dos abolicionistas dentre os quais se incluía, a vitória foi só pela metade – acabou a escravidão, mas não foi aberto espaço real na sociedade. Ruy perdeu para os oligarcas e perdeu para os militares. A democracia liberal que imaginou, com ênfase em educação para todos, direito ao voto ampliado e um país mais aberto ao mundo, não veio. A Nova República é o que chegou mais perto – os ideais da Nova República são os ideais de Ruy.

A luta não foi só dele. Mas, quando começou, estava sozinho. Afinal, quando veio a República, meu outro herói era monarquista. Joaquim Nabuco preferiu ficar em casa. Se o Brasil dos sonhos tem um pai fundador, não há nome melhor. Mesmo escrevendo daquele jeito.

Pedro Dória, o autor deste artigo, é Jornalista e Historiador. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 03.03.23

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