terça-feira, 21 de março de 2023

Por que Lula busca a paz na Ucrânia?

Zelensky quer ouvir a resposta pessoalmente, em Kiev. É de presumir que, tendo-se voluntariado na busca da paz, o líder brasileiro não se omitirá

O estreitamento das relações entre o Brasil e a Suécia entre 2003 e 2016, período em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve no poder, resultou numa aproximação estratégica de primeira grandeza.

Nesse período, foi firmado um acordo bilateral que viabilizou o programa em curso de reequipamento da Força Aérea Brasileira (FAB), um sonho antigo, com jatos suecos Gripen F-39 de última geração montados no País e exportáveis, no futuro, para outras nações.

Não se sabia nem havia como prever, então, que um ataque não provocado da Rússia à Ucrânia em fevereiro de 2022, em escandalosa violação da Carta das Nações Unidas, desencadearia o maior conflito armado na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

Ainda menos se sabia que a nação agredida reagiria com a surpreendente capacidade e vigor para resistir que vem demonstrando no campo de batalha, para a estupefação de aliados e simpatizantes de Moscou, entre eles os governos diametralmente antagônicos que se sucederiam em Brasília na virada de 2022 a 2023.

Uma das consequências geopolíticas da invasão da Ucrânia foi o reposicionamento da Suécia e da Finlândia nos grandes blocos militares. Sentindo-se vulneráveis a eventuais investidas da Rússia, ambas as nações nórdicas pediram entrada em regime acelerado na Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan, o maior arranjo militar do planeta formado após a Segunda Guerra Mundial para garantir a proteção de seus membros, a começar pelos europeus, dos desígnios da Rússia.

Este é o contexto histórico e geográfico no qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê espaço para o Brasil oferecer uma proposta genérica mas irrecusável de busca de um acordo que restabeleça a paz e, quem sabe, recuperar espaço internacional, que o País perdeu.

Talvez para surpresa de Lula, que criticou os presidentes da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e dos EUA, Joe Biden, por não terem insistido por mais tempo numa solução que evitasse o injustificado ataque de Moscou, a iniciativa brasileira foi bem recebida em Kiev. No final de fevereiro, o líder ucraniano convidou Lula a visitar o país. Presume-se que o convite a Lula foi feito com conhecimento de Washington e de seus aliados europeus, que já deram dezenas de bilhões de dólares em assistência militar e humanitária a Kiev. A resposta de Lula, então, foi de que visitaria o país quando fosse “o melhor momento”. É de presumir que, tendo-se voluntariado na busca da paz, o líder brasileiro não se omitirá.

Seja como for, o gesto de Kiev pede uma resposta. E esta deve refletir a opinião média dos brasileiros. Mas o que pensam eles sobre a guerra da Ucrânia? “Não pensam nada”, disse Mauricio Moura, especialista em opinião pública do Instituto Ideia. Segundo ele, o assunto não está no radar dos brasileiros, não ajudará a popularidade de Lula e “ele sabe disso”.

O presidente sabe, também, que sua mais ambiciosa tentativa de mediar um acordo internacional terminou mal. Aconteceu em maio de 2010, último ano do segundo mandato de seu governo, e envolveu o programa nuclear do Irã, os governos dos cincos membros permanentes do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas (EUA, França, Reino Unido, China e Rússia) e a Alemanha, aspirante, como o Brasil, a uma cadeira permanente num CS da ONU reformado.

Deu em muito menos do que nada. Depois de uma maratona de negociações em Teerã, que envolveu Lula, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, o então presidente do país, Mahmoud Ahmadinejad, e o ainda presidente da Turquia, Recep Erdogan, os chanceleres dos três países anunciaram “princípios” de um acordo. O suposto acordo foi fulminado por Hillary Clinton, então secretária de Estado do presidente Barack Obama, que havia estimulado a participação de Lula na busca de um entendimento. O eterno chanceler russo, Sergey Lavrov, que segue na função com o presidente Vladimir Putin, estava em Washington e não escondeu seu espanto e sua contrariedade com a ousadia brasileira. Dias depois, o CS da ONU adotou novas represálias contra o Irã, que Moscou e Pequim não vetaram e o país foi obrigado a adotar, contrariando a aposta feita pelo então chanceler Celso Amorim, que está de volta, agora na função de conselheiro de Lula no Palácio do Planalto.

Nos 13 anos decorridos desde o fiasco de Teerã, o peso econômico relativo do País encolheu, com forte perda de produtividade mal disfarçada pelos ganhos da agricultura, único setor dinâmico e que incorpora conhecimento.

Some-se a isso o aumento da pobreza e da desigualdade, a evidente mediocrização nacional e a perda resultante de densidade política e de coesão nacional, ambas corroídas por dentro por escândalos de corrupção, resultando numa sociedade fragilizada, desmotivada e incapaz de reter e multiplicar talentos com a velocidade e a qualidade que a realidade exige. Mas nem por isso há que perder a esperança. Quem sabe uma viagem de Lula à Ucrânia, se acontecer, o inspire a encontrar na solidariedade com as vítimas da invasão coragem para de fato ousar, junto com os aliados tradicionais do Brasil, em nome da paz.

Paulo Sotero, o autor deste artigo, Jornalista, é Pesquisador Sênior Do Brazil Institute Do Wilson Center, em Washington, DC. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 21.03.23

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