Perto de completar três meses no cargo, há muito a fazer e muitas dificuldades a superar, e as falas recentes de Lula só atrapalham
Causa estranheza ouvir palavras de rancor, ressentimento, ódio ditas por alguém que prometia pacificar a nação dividida. A habilidade política, o senso de oportunidade, a capacidade de diálogo, que ajudaram a formar sua imagem popular e a assegurar-lhe três decisivas vitórias eleitorais, parecem ter-se afastado do presidente Lula. Sua insinuação de que a Operação Lava Jato foi orquestrada em conjunto com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para destruir empreiteiras brasileiras, novos ataques ao presidente do Banco Central, um palavrão ao se referir ao ex-juiz e hoje senador Sergio Moro e, em especial, uma nova referência ao mesmo Moro sugerem certa perda de rumo.
Sem provas, Lula disse que a operação da Polícia Federal (PF) que descobriu um plano de uma organização criminosa para atacar autoridades de diferentes instâncias foi “mais uma armação de Moro”. De governantes responsáveis se espera comportamento morigerado – além de sensato e sábio, por óbvio. Nada disso se viu. Aliados falaram em tiro no pé. Se não foi tanto, foi o bastante para dar voz a um ex-juiz cujas decisões foram revistas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e um político medíocre, mas esperto o suficiente para descobrir uma rara oportunidade de aparecer.
Moro, como outras figuras públicas, fazia parte de uma lista de autoridades que o PCC pretendia assassinar. A razão de sua inclusão na lista seria sua atuação na remoção do principal líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, para um presídio federal. Esse fato foi usado na campanha eleitoral do ano passado pelo candidato Jair Bolsonaro e citado num vídeo divulgado pelo ex-juiz Sergio Moro.
Em entrevista publicada pelo Estadão em 30 de outubro do ano passado, o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Ministério Público (MP) do Estado de São Paulo, mostrou que o governo Bolsonaro nada teve que ver com a transferência de Marcola. O pedido para a transferência, lembrou Gakiya – este, sim, jurado de morte pelo PCC –, foi feito por ele em novembro de 2018, antes, portanto, do início do governo Bolsonaro, e deferido pela Justiça em 9 de fevereiro de 2019. “Não há nem poderia haver nenhuma ingerência do governo federal, seja através do presidente Bolsonaro, seja através do ministro Moro, nessa remoção, até porque não lhes cumpria fazê-lo. Por isso, é mentirosa a afirmação do Moro de que após dois meses de governo eles ‘determinaram’ a remoção do Marcola para o sistema federal”, disse. Já a referência à atual ação da PF como “armação” Gakiya considerou uma ofensa a ele e ao MP.
O fato é que Moro, Gakiya e outras autoridades estavam na lista do PCC. E a Polícia Federal agiu com competência no caso. Ao fazer acusações sem provas contra o ex-juiz Moro – responsável por mantê-lo na prisão por 580 dias –, Lula também desmentiu seu ministro da Justiça, Flávio Dino, e desautorizou uma importante ação policial de seu governo. Esse gesto exigiu do vice-presidente Geraldo Alckmin uma declaração para repor as coisas no lugar. “O governo Lula não se curvará diante de ameaças criminosas”, afirmou Alckmin, que cumprimentou os responsáveis pela ação policial.
Perto de completar três meses no cargo, o presidente Lula tem o que comemorar. Vem autorizando e estimulando a reestruturação e o fortalecimento de instituições e programas com que precisa marcar sua gestão. Órgãos que atuam em áreas como proteção ambiental, direitos humanos, igualdade racial, cultura e apoio à população carente vão retomando o papel que Bolsonaro tentou destruir. O relançamento do Bolsa Família em novas bases, do Mais Médicos e do Minha Casa Minha Vida é exemplo prático de sua ação.
Há muito a fazer e muitas dificuldades a superar, e suas falas recentes só atrapalham. Não se trata de tentar conquistar os operadores do mercado financeiro. O fato de que 98% desses operadores disseram em pesquisa Genial/Quaest ser contra a política econômica do governo – antes de ela ser detalhada – mostra que essa é uma fatia que jamais será conquistada por Lula. Nem Lula precisa dela.
Mas a atividade econômica derrapa, a inflação persiste, os investimentos privados estão à espera de sinais positivos, os investimentos públicos continuam a definhar sob a pressão de uma estrutura fiscal disfuncional. E o Congresso, dominado por uma oposição de perfil nitidamente direitista, agora enfrenta um conflito entre as direções de suas duas Casas, sinalizando dificuldades adicionais para a tramitação já previsivelmente complicada de projetos de interesse do Executivo. Desnecessário lembrar a urgência do programa fiscal e da reforma tributária.
É preciso instilar confiança na maioria da população. É preciso desbolsonarizar o aparelho do Estado, reduzir as tensões políticas que persistem na sociedade e oferecer um plano de ação voltado para as necessidades do País de médio e de longo prazos. Criar armadilhas para si mesmo, como Lula parece ter feito nos últimos dias, não ajuda seu governo nem o País.
Jorge J. Okubaro, o autor deste artigo, é Jornalista. Autor, ainda, entre outros do livro "O Súdito (Banzai Massateru! - Editora Terceiro Nome). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 28.03.23
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