Alterações na Lei das Estatais são um risco de claro retrocesso no combate à corrupção no País.
As possibilidades de mudanças na legislação e, consequentemente, na governança da Petrobras – caso se confirme pelo Senado a aprovação do Projeto de Lei n.º 2.896/2022 ou, ainda, pelo recente pedido do PCdoB, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 7.331, para alterar a Lei das Estatais e a Lei das Agências Reguladoras – são sinais preocupantes e indicam a disposição dos políticos de retomar o poder e de pressionar e interferir nas decisões dessa companhia. A intenção de flexibilização das leis tem o evidente objetivo de permitir a ingerência política e, por consequência, afastar as estatais de seus reais objetivos. Trata-se de um claro retrocesso no combate à corrupção no País.
Promulgada em 2016, a Lei n.º 13.303, conhecida como Lei das Estatais, foi um avanço em termos de governança corporativa, buscando dar um perfil mais técnico aos executivos que ocupam cargos nas sociedades de economia mista e estatais. O intuito foi estabelecer ferramentas para que a seleção de candidatos à administração dessas organizações tenha como base a ética e o atendimento aos seus objetivos sociais, fortalecendo sua integridade, governança, gestão e eficiência. Não cabe o argumento de que a Lei das Estatais criminaliza a política. A lei não corrompe, não prende nem pune ninguém, apenas estabelece controles para que se evitem os assaltos aos cofres das estatais e a ingerência política na sua administração.
Ressalte-se que, além da Lei das Estatais, os mecanismos de integridade criados na Petrobras servem como um “muro” de proteção à companhia. Revelou-se acertada a implantação, no governo anterior, de regras de compliance na empresa para protegê-la de interesses políticos. A empresa mudou a indústria de óleo e gás (O&G) no Brasil em termos de governança e conformidade, elevando a barra do mercado.
Ocorre que, ainda que existam outras camadas de proteção contra as tentativas de interferências políticas na gestão da maior estatal do Brasil, como o seu estatuto social, que inclui vedações previstas na Lei das Estatais, se sabe que a simples aprovação do conselho de administração e da assembleia de acionistas, controladas pelo governo, possibilita alterações em seu regulamento interno.
Alterações na governança da Petrobras e na Lei das Estatais e eventuais mudanças na legislação anticorrupção e internas na companhia, a partir de uma nova administração, são um risco real de retorno a condutas que já presenciamos no passado e de desmantelamento de instrumentos que possibilitam o combate à corrupção no País. O aprimoramento de leis é válido, mas o retrocesso nas regras deve ser combatido. •
Mauricio Bove, o autor deste artigo, líder da área de Compliance, é sócio do escritório Lopes Pinto Advogados (LP Law). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 21.03.23.
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