sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Tudo assim e fica por isso mesmo?

Lira distribui R$ 70 milhões em pacote de benesses a Deputados por vitória esmagadora na Câmara

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem usado o cargo para distribuir um pacote de benesses aos deputados que irão escolher, em 1º de fevereiro, quem comandará a Casa no biênio 2023/2025. Candidato à reeleição, Lira deu aos deputados, em menos de um mês, R$ 9 mil para gastar com combustível e R$ 4 mil para outras despesas, além de aprovar reajuste salarial de mais de R$ 7 mil a partir de abril. Os rendimentos serão de R$ 41.650,92. O total de desembolso para os cofres públicos chega a R$ 70 milhões.

O aumento do auxílio moradia, que dobrou de R$ 4 mil para R$ 8 mil, beneficiará os 513 deputados, até mesmo aqueles que já moram em apartamento funcional, graças a uma manobra articulada pelo presidente da Câmara. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) impede esse tipo de reajuste. O cálculo sobre os valores a mais foi feito pelo Estadão com base nos aumentos publicados pela própria Casa.

Expoente do Centrão, Lira é favorito para ganhar novo mandato, mas toda sua estratégia vem sendo montada para obter o maior número de votos e se tornar o candidato mais bem votado da história da Câmara. Não sem motivo: quanto mais apoio ele conquistar, mais poder de barganha terá o Centrão nas negociações com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para exigir o que quiser, em troca de apoio nas votações.

Sem orçamento secreto, Lira vem sendo pressionado pelo baixo clero a conceder privilégios aos colegas. O deputado tem apoio de Lula, do PT e de partidos do Centrão. Nos bastidores, porém, os petistas torcem para que o tamanho da possível vitória do presidente da Câmara não seja muito maior do que a de 2021, quando ele obteve 302 votos na disputa contra Baleia Rossi (MDB). A avaliação no Palácio do Planalto é a de que, se isso ocorrer, Lira e o Centrão vão criar muito problema para o governo, vendendo dificuldades para ter facilidades.

O único candidato lançado para desafiar Lira, até agora, é o deputado eleito Chico Alencar (PSOL-RJ), que já foi filiado ao PT e deixou o partido após o escândalo do mensalão. “Essas medidas tomadas por Arthur Lira fogem à regra. Poderiam ser discutidas pela nova Mesa Diretora da Câmara e também pelo colégio de líderes”, disse Alencar. “Alguns itens do pacote ficaram acima da inflação. Nesse momento do País, precisamos ter austeridade. A Câmara quer um presidente democrático, e não um imperador”, completou. Levantamento do PSOL indica que os valores reajustados por Lira subiram “acima da inflação acumulada entre 2019 até 2022?.

Disputa no TCU

Até mesmo uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU) entrou nas negociações de Lira, empenhado em eleger o deputado Jonathan de Jesus (Republicanos-RR) para ter um aliado na Corte. A votação para a vaga aberta com a aposentadoria da ministra Ana Arraes no TCU deve ocorrer na próxima quinta-feira, 2, um dia depois das eleições para a presidência da Câmara e também do Senado, hoje comandado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG). São os deputados empossados no dia 1.º que escolherão o ministro do TCU.

Lira fez acordo com o partido de Jonathan de Jesus para obter apoio à sua reeleição. O presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), também pleiteia a primeira vice da Câmara, cargo disputado com o PL de Jair Bolsonaro e com o PT. Além de Jonathan, concorrem à vaga no TCU a deputada Soraya Santos (PL-RJ) e Fábio Ramalho (MDB), que não foi reeleito e pode ser lançado por outro partido, o Patriota.

O deputado Hugo Leal (PSD-RJ) desistiu do páreo após assumir a Secretaria de Óleo e Gás do governo fluminense. Lira quer que Soraya também retire a candidatura, com o objetivo de deixar o caminho aberto para Jonathan. Ela resiste.

As benesses concedidas pelo presidente da Câmara aos deputados têm o objetivo de “fidelizar” o apoio de seus pares. Os gastos com combustíveis e auxílio-moradia valem a partir do próximo dia 1º e podem custar até R$ 32,6 milhões. Com o aumento salarial dos deputados, a Casa vai gastar R$ 36,4 milhões.

O auxílio moradia é composto por um valor fixo de R$ 4.253, somado a um adicional, por meio da cota parlamentar, de R$ 1.747. Lira elevou o valor adicional para R$ 4.148,80 a partir de 1º de fevereiro. Assim, o benefício poderá chegar a R$ 8.401. Ao mexer no complemento do auxílio moradia - que teve um reajuste de 137% - e não na quantia fixa, o presidente da Câmara beneficiou todos os parlamentares, inclusive quem já mora em imóveis funcionais.

A Câmara tem 432 apartamentos nas asas Norte e Sul de Brasília, mas alguns edifícios estão sem condições de uso e foram interditados. O benefício fixo de R$ 4.253 pode ser pago em espécie, com desconto de Imposto de Renda, ou mediante pedido de reembolso após apresentação de nota fiscal de hotel ou de aluguel.

Além disso, como mostrou o Estadão, Lira também garantiu a seus pares o reembolso de até quatro passagens aéreas por mês, de ida e volta. O valor será computado fora da cota parlamentar, que já leva em consideração o preço dos bilhetes. A assessoria da Câmara foi procurada, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

As benesses de Lira

- Reajuste de deputados: salários passaram de R$ 33.763,00 para R$ 39.293,32 em 1º de janeiro. A partir de 1º de abril, os valores vão a R$ 41.650,92. Em 1º de fevereiro de 2024, alcançam R$ 44.008,52. Subsídios serão de R$ 46.366,19 a partir de 1º de fevereiro de 2025. Reajuste total é de 37,32%.

- Reajuste de servidores da Câmara: aumento de 6% a cada fevereiro de 2023, 2024 e 2025.

- Reajuste de 6% da Verba de Gabinete para abarcar o aumento dos servidores. Cada deputado tem R$ 111.675,59 por mês para pagar salários de até 25 secretários parlamentares, que trabalham em Brasília ou nos Estados. Os salários individuais vão de R$ 1.025,12 a R$ 15.698,32.

- Reajuste da Cota Parlamentar, com aumento dos limites para gastos com combustíveis e com o complemento do auxílio-moradia. A cota pode custear despesas do mandato, como passagens aéreas e conta de celular.

- Reembolso de até quatro passagens áreas, de ida e volta, por mês, fora da cota parlamentar.

- Estrutura adicional de 65 comissionados e de cargos de natureza especial para Lideranças de Partidos Políticos e Federações Partidárias.

Para cada deputado

- R$ 5.793,80: aumento na cota parlamentar a partir de 1º de fevereiro de 2023

- R$ 7.887,92: aumento salarial a partir de abril de 2023. O rendimento total será de R$ 41.650,92.

Total do aumento: R$ 13.681,72 para cada parlamentar.

Por Julia Affonso e Vera Rosa, O Estado de S. Paulo, em 27.01.23


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