segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Copenhague entre o capitalismo e o socialismo

A Dinamarca aproveitou a boa condição econômica e conseguiu reduzir o abismo entre ricos e pobres

Capital da Dinamarca é bonita e tem ótima qualidade de vidaCapital da Dinamarca é bonita e tem ótima qualidade de vida Márcia Foletto

Passei uma semana em Copenhague, na Dinamarca, cidade que ainda não conhecia. Voltei maravilhado.

Fiquei hospedado no Hotel Sanders, do bailarino Alexander Kølpin. Na região do hotel ficam algumas galerias de arte, vários teatros de dança e uma loja chamada Ballet Boutique, que coloca a Capezio, de Nova York, no chinelo, ou na sapatilha, para usar uma linguagem mais adequada.

O Sanders é pequeno. Tem 54 quartos, num prédio de 1869, totalmente restaurado, que mistura contemporaneidade com nostalgia.

Os funcionários são poucos, bonitos e jovens. Todos fazem diversas atividades. O rapaz que cuida da portaria também se encarrega das malas, a moça que prepara o café da manhã também serve as mesas, e o pianista do bar, de vez em quando, faz o papel de barman. Ouve-se música boa naquele hotel: Billie Holiday, Chet Baker e João Gilberto é a trilha sonora dos corredores.

Na verdade, ouve-se música boa em toda a cidade. Há bares de jazz com música ao vivo que funcionam durante o dia, como o Jazzklubben, que abre de segunda a sexta-feira, às dez da manhã.

Em Copenhague, apesar do clima frio, as pessoas se comportam como se acabassem de chegar da praia. Todas num altíssimo astral.

Tudo é reciclável e sustentável.

As chaves magnéticas dos quartos do hotel são de madeira, e os cabos das escovas de dente também.

Copenhague — a capital mundial do movimento Hygge, que quer dizer “o segredo da felicidade” — é também a capital mundial do design. Tudo é bonito.

Podem ser joias do Georg Jensen, móveis coloridos desenhados especialmente para quartos de crianças ou aqueles tamancos com solados de madeira chamados clogs, que os chefs adoram.

Por falar em chefs, por causa de René Redzepi e seu restaurante Noma, eleito diversas vezes o melhor do mundo, a cidade passou a ter diversos restaurantes com estrelas Michelin, como o Selma, o Alchemist e o Kiin Kiin.

Mas, de todos eles, incluindo o Noma, o melhor é o Geranium, onde os pratos são mais saborosos, e as explicações sobre como eles foram preparados menos detalhadas.

Para quem prefere comida boa, mas sem estrelas e stars, Copenhague tem desde cachorros-quentes deliciosos como os de Düsseldorf, na feirinha próxima ao Canal Nyhavn, até pizzas saborosas como as de Nápoles.

No capítulo bibliotecas, museus e casas de espetáculo, a cidade também dá show. A biblioteca Black Diamond tem todos os livros possíveis e imagináveis, magníficos espaços de leitura e trabalho, belíssimas salas de exposições.

No dia em que estive lá, acontecia uma retrospectiva da fotógrafa Lee Miller, mostrando seu trabalho desde o movimento surrealista até sua atuação como correspondente de guerra e fotógrafa de amigos como Man Ray e Pablo Picasso.

O Louisiana Museum — em frente ao mar, com esculturas de Henry Moore, Calder, Miró e Giacometti nos seus pátios e um acervo onde Andy Warhol e Yves Klein são apenas dois dos muitos destaques — parece a Fundação Maeght, do sul da França, multiplicada por três.

E a esplêndida Ópera de Copenhague dá uma surra de arquitetura na belíssima Ópera de Sydney, na Austrália.

Em Copenhague existem carros a gasolina e elétricos, mas o transporte oficial é a bicicleta. As ciclovias são grandes, e ninguém jamais se atreve a atravessar com sinal vermelho, mesmo que não venha nenhum carro ou bicicleta de direção alguma. Todos esperam o sinal verde. Muitos ciclistas usam capacetes, a maioria deles bem desenhados e estilosos, com uma estética apelidada pelos usuários de cycle chic.

A Dinamarca — privilegiando-se de ter uma pequena população e uma condição econômica historicamente favorável — conseguiu reduzir o abismo entre ricos e pobres preservando benefícios típicos do socialismo. Educação e saúde de qualidade são gratuitas.

Seu sistema de governo — nem socialista nem capitalista — é chamado por alguns teóricos de capitalismo compassivo.

Na volta de Copenhague, fiquei pensando que, se Lula conseguir implantar na sua gestão um terço das coisas que prometeu na campanha, estará lançando no Brasil um embrião de capitalismo compassivo tropical.

Tomara que consiga.

Washington Olivetto, o autor deste artigo, é publicitário. Publicado originalmente por O GLOBO, em 30.01.23

Nenhum comentário: