domingo, 25 de dezembro de 2022

A paz requer política pública séria

Pesquisa que indica a crescente sensação de insegurança é alerta para a necessidade de soluções públicas baseadas em evidências, e não para demagogia ou apelo a mais violência

O Brasil é um país violento e a população tem consciência dessa realidade. Feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Justiça, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua sobre o tema confirma uma realidade conhecida, mas raramente enfrentada com responsabilidade pelo poder público: a grande sensação de insegurança no País. Trata-se de um problema grave que tem impacto direto sobre o desenvolvimento humano, social e econômico do País e afeta, de diversas formas, a vida de todas as pessoas. Ninguém está imune à violência.

Entre os participantes da pesquisa, 40% afirmaram ter chance (alta ou média) de serem roubados na rua. Mais de um quinto das mulheres (20,2%) disse ter chance (alta ou média) de ser vítima de violência sexual. No caso dos homens, esse porcentual é de 5,7%. Entre eles, destacam-se as chances de ser vítima de violência policial (13,5%) ou de ser confundido com bandido (13,4%).

Neste momento de transição do Executivo e do Legislativo nas esferas federal e estadual, os dados da Pnad Contínua relembram a gravidade da situação – a violência e a sensação de insegurança não são problemas passíveis de serem normalizados. Relembram, também, a necessidade de políticas públicas de segurança pública responsáveis, baseadas em evidências. Não se pode continuar iludindo a população com respostas demagógicas e populistas, que, além de não enfrentarem as causas dos problemas, muitas vezes os agravam, reforçando o círculo vicioso.

O enfrentamento da violência e de suas causas é uma tarefa prioritária do poder público. Deve ser uma preocupação transversal para todas as esferas e instâncias do aparato estatal. Como indicam os dados da Pnad Contínua, o tema da segurança pública não é uma preocupação apenas de ricos ou da classe média, como às vezes equivocadamente se pensa e se diz. Quem mais sofre com a violência – isto é, quem mais sente a sensação de insegurança, quem mais tem a vida recortada profissional e socialmente por questões de segurança pública – são as classes mais baixas, a população mais vulnerável.

Entre outros fatores, isso se deve à própria desigualdade da atuação do poder público. Segundo a Pnad Contínua, a existência de serviços públicos avaliados como bons ou ótimos está associada a uma sensação de segurança maior do que aquela observada em domicílios cujo entorno fornece serviços públicos classificados como regular, ruim ou péssimo. Um ponto importante: o serviço de policiamento melhora a sensação de segurança, mas não é o único fator. Por exemplo, o serviço de coleta de lixo também contribui para a percepção de segurança na população.

Nos tempos atuais em que se fala tanto de milícias – há políticos que não apenas toleram, mas homenageiam milicianos –, a Pnad Contínua traz um dado significativo. A extorsão e a cobrança de taxas ilegais são os crimes que mais reduzem a sensação de segurança. Esse dado desvela a crucial importância de os governos estaduais cuidarem de suas polícias, proporcionando formação, capacitação e acompanhamento adequados. Nesse sentido, é um verdadeiro disparate – profundo desrespeito com a população – que gestores públicos falem em abolir o uso das câmeras nos uniformes dos policiais.

Promover a segurança pública hoje no Brasil é, de forma muito concreta, evitar retrocessos. Por exemplo, a política de armar a população – incentivar que as pessoas comprem armas – não é caminho de paz. Não é solução, é aumento do problema. Também não resolve nada simplesmente aumentar as penas e endurecer as condições de seu cumprimento – basta ver os resultados obtidos com as alterações legislativas das últimas três décadas. São medidas populistas, que intensificam a seletividade do sistema penal, geram superlotação nos presídios e não melhoram de fato a segurança da população.

A violência atual é intolerável. Com urgência, é preciso prover outro patamar de segurança pública. E isso só se alcança com políticas públicas realistas e responsáveis.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 25.012.22

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