quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

A marcha da insensatez

O Reino Unido decidiu sair da União Europeia, a Rússia se imolou ao iniciar a guerra com a Ucrânia e o Brasil dobrou a aposta no populismo

No seu livro seminal, A Marcha da Insensatez, Barbara W. Tuchman define a insensatez política como a arte de fazer escolhas contrárias aos interesses do país. A sua definição de insensatez compreende três critérios. Primeiro, a decisão precisa ser considerada insensata na época em que foi tomada. Segundo, é necessário que houvesse alternativas plausíveis à escolha insensata. Terceiro, a decisão política não pode ser apenas de um governo, mas de um grupo de cidadãos. Esses critérios revelam como as nações tomam decisões contrárias ao seu próprio interesse. Assim, o Reino Unido resolveu sair da União Europeia por meio de um plebiscito (Brexit), a Rússia se imolou ao iniciar a guerra com a Ucrânia e o Brasil dobrou a aposta no populismo, elegendo Lula da Silva presidente.

A ilusão traz novas desilusões porque a realidade não se enquadra na moldura das nossas fantasias. Aqueles que votaram em Lula pensando que elegeriam o mal menor começam a se arrepender. Descobriram que Lula não aprendeu nada e não esqueceu nada. O discurso de sua diplomação revela a velha retórica do salvador da pátria. A fala do redentor que “salvou” a democracia do autoritarismo, do mal maior e da mentira apenas mostrou a sua mesquinharia, sectarismo e incapacidade de construir pontes, pacificar o País e diminuir a tensão numa nação polarizada. Deixou claro que vai governar como líder da facção, e não como o presidente de todos os brasileiros.

As bravatas de Lula são preocupantes. A ameaça de revisitar marcos consolidados do avanço institucional – como a reforma trabalhista, a Lei das Estatais e o Marco do Saneamento – contribui para aumentar a insegurança jurídica, afugentar investimento privado e ressuscitar o pesadelo do aparelhamento político das estatais e da máquina pública que gerou os escândalos de corrupção como o mensalão e o petrolão.

Seu empenho na manutenção da imoralidade do orçamento secreto retrata o velho PT, que governa loteando cargos e verbas para garantir a “governabilidade”. O repúdio à reforma administrativa e às privatizações são um tiro no pé de uma nação que precisa adotar critérios objetivos para mensurar a eficácia das políticas públicas e melhorar a qualidade do serviço público. Esses sinais revelam que o PT continua aprisionado ao passado tanto nas ideias como nas suas práticas execráveis.

O problema é que a miopia política petista pode nos levar a desperdiçar uma oportunidade única de transformar o Brasil numa potência global. Na era da economia de baixo carbono, o País possui três vantagens comparativas: meio ambiente, energia limpa e agricultura sustentável. O Brasil tem capacidade de capturar metade da emissão de carbono do mundo e se tornar a primeira grande economia carbono zero. Mas esse potencial só será convertido em riqueza, renda e emprego se o governo e o mercado estiverem em sintonia.

O mercado precisa de regras previsíveis para investir no plantio de árvores em terras degradadas e na bioeconomia. Já o governo tem de frear o desmatamento, impondo embargo automático de áreas desmatadas, e combater o crime organizado que domina parte do território brasileiro e controla a indústria da grilagem de terras, da mineração ilegal e da biopirataria.

O espetacular avanço do investimento privado em energias renováveis, como solar e eólica, contribuiu para transformar a nossa matriz energética na mais limpa do mundo. Mas o setor elétrico carece de investimento em geração distribuída e em termelétricas de gás e biodiesel para garantir a estabilidade do fornecimento de energia. O investimento não virá se o governo cultivar sua animosidade ideológica em relação ao mercado e ao setor privado.

O agronegócio brasileiro alimenta o mundo, preserva o meio ambiente e investe em recuperação de pastagens degradadas com programas de integração de pecuária, lavoura e floresta. Mas, para encorajar o agronegócio a produzir bens de maior valor agregado, será preciso assegurar a inviolabilidade da propriedade privada e estimular o investimento em infraestrutura e em pesquisa e desenvolvimento. Um governo que demoniza o agronegócio demonstra o seu descaso com o setor mais competitivo e exportador da economia.

Para evitar os efeitos nefastos da marcha da insensatez, é preciso adotar três atitudes:

1) Não espere nada de um governo presidido por um populista. Imprensa, sociedade civil e governos subnacionais precisam se mobilizar para pressionar o Congresso e o governo a evitar retrocessos institucionais, como é o caso da deformação da Lei das Estatais.

2) Procure trabalhar em parceria com Estados e municípios. Elegemos uma boa safra de governadores. Pragmáticos e realistas, os governadores e prefeitos buscam investimento privado e se empenham para facilitar a vida de investidores que geram renda e emprego locais.

3) Vote bem. Enquanto elegermos governantes populistas, seremos um país condenado ao subdesenvolvimento, ao baixo crescimento econômico e a conviver com uma democracia debilitada. Nós somos fruto das nossas escolhas.

Boas festas!

Luiz Felipe D'Avila, o autor deste artigo, é cientista político. Foi candidato a Presidente da República em 2022. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 28.12.22.

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