terça-feira, 15 de novembro de 2022

Talvez no ocaso a ‘ditadura do Judiciário’

Concluída a eleição, é desejável que ocorra uma acomodação e os antagonismos se resolvam sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário.

Ministro Alexandre de Moraes, Presidente do TSE

Com a eleição de um novo governo para o Brasil e a caminhada para desejáveis e melhores relações políticas, é possível que a ideia de existência, entre nós, de uma “ditadura do Judiciário” seja progressivamente revista e abandonada. Até mesmo pessoas de reconhecidas inteligência e cultura se deixaram contaminar por essa ideia equivocada.

A nossa Constituição federal e o Direito dela decorrente não admitem que um juiz ou ministro intervenha nos fatos por própria iniciativa. Tome-se, por exemplo, o todo-poderoso ministro Alexandre de Moraes: se não houver provocação, se não houver um pedido expresso, ele não poderá intervir nem mesmo numa briga de galo.

A nossa Constituição e o nosso Direito adotaram o princípio nemo iudex sine actore, que vem do Direito romano, ou seja, não pode haver juiz sem autor ou sem que algum interessado requeira a sua intervenção. Mas, em face dos antagonismos políticos nos últimos quatro anos, centenas de pessoas e até mesmo agremiações partidárias passaram a demonstrar seu inconformismo da forma mais cômoda: recorrer ao Poder Judiciário e jogar o abacaxi no colo dos juízes dos tribunais superiores.

Como, em geral, as partes envolvidas têm foro privilegiado, os seus antagonismos foram encaminhados não ao juiz do fórum mais próximo, mas para aquele que tem competência legal para julgá-los. É por essa única razão que centenas de processos envolvendo interesses político-partidários chegaram aos tribunais superiores nos últimos anos e geraram decisões de grande repercussão no País, tornando conhecidos juízes que, não fossem essas divergências políticas, seriam tão pouco conhecidos como um juiz de vara de família.

Em virtude da frequência dessas decisões, tomadas tão somente porque houve provocação dos interessados, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) passaram a figurar na primeira página dos jornais e a propagar a equivocada impressão de que são muito poderosos, além de interessados no desfecho das demandas políticas.

Essa visão é equivocada e levou a equívoco ainda maior: o de que existe uma “ditadura do Judiciário”, quando o que ocorre é tão somente a prestação da atividade jurisdicional requerida pela parte e sobre a qual o juiz ou ministro não poderia negar resposta formal e escrita. Não existe a possibilidade de inércia, ou seja, não pode o juiz ficar lambendo o processo, ao invés de decidir.

Está claro no nosso Direito, por força do que dispõe a Constituição federal de 1988, que a Justiça não funcionará se não houver um autor. Infelizmente, essa verdade não está clara perante a maioria da população, levando até mesmo pessoas de boa cultura e inteligência a ver nas decisões judiciais dos tribunais superiores interesse de influir nos acontecimentos, quando o que os juízes e ministros mais desejariam é estar longe de tudo isso.

Os antagonismos políticos nos últimos quatro anos foram frequentes e estridentes, em razão do choque de interesses e do desejo de chegar a ou proteger um bem maior: o poder. Com a eleição do novo presidente da República e a tomada do poder por seu grupo político, é desejável que ocorra uma acomodação e os antagonismos se resolvam sem a necessidade de recorrer ao Judiciário.

Quem mais deseja essa paz são os próprios ministros dos tribunais superiores, porque nenhum deles se alegra por tomar decisões que muito repercutem e causam a ideia de interesse pessoal da parte daquele que decidiu. Veja-se o caso do ministro Alexandre de Moraes e de seu reconhecido conhecimento em Direito Constitucional e Penal.

Quando está em São Paulo, o que ele mais gosta é de atravessar a rua de sua casa e fazer exercícios no Clube Pinheiros, do qual é sócio há anos e onde é muito estimado. Mas, muitas vezes, nem se arrisca a isso, porque decisões judiciais suas, tomadas unicamente em atenção a quem as requereu, ferem interesses políticos ou de grupos, gerando inconformismos e até grosserias de quem se sentiu prejudicado.

É possível que os antagonismos de natureza política tenham se tornando maiores e mais frequentes nos últimos quatro anos em virtude do estilo pessoal do presidente Jair Bolsonaro, a quem sempre se atribuiu bastante coragem, mas também traços de arrogância. Sua conduta com essa característica lhe rendeu milhões de seguidores e o deixou bem perto da vitória na eleição.

Em virtude de seus atos administrativos ou políticos, ele foi repetidamente combatido por meio de ações judiciais propostas por seus adversários, e quase sempre apareceu como vítima. Agora, que a fase eleitoral já passou, é interessante observar que Jair Bolsonaro, se não tivesse afugentado as mulheres com atitudes grosseiras e entupido o Brasil com armas de fogo, poderia ter vencido a eleição. Para as mulheres, armas de fogo significam a morte de filhos, pais e maridos, e por isso são contrárias ao seu porte. Por isso milhões delas deixaram de votar nele.

Aloisio de Toledo Cesar, o  autor deste artigo, é Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de S. Paulo. Foi Secretário estadual da Justiça. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 22.11.22, às 03h:00

Nenhum comentário: