terça-feira, 13 de setembro de 2022

Voto útil’ para quem?

Lula defende que eleitores de outros candidatos votem nele para derrotar Bolsonaro no 1.º turno; esse voto é ‘útil’ para o petista, mas não é necessariamente bom para a sociedade

O candidato Lula da Silva não quer apenas ganhar a eleição em outubro; ele quer ser eleito no primeiro turno, o que seria uma façanha inédita para o PT após mais de 30 anos de disputas pela Presidência. Nos últimos dias, aumentou a pressão da campanha de Lula pelo chamado “voto útil”. A questão é: o “voto útil” no petista, já no primeiro turno, é útil para quem, afinal? Para Lula, obviamente, é. No entanto, para o conjunto da sociedade, esse desfecho não é necessariamente bom. 

O “voto útil” é aquele que o eleitor escolhe dar, no primeiro turno, não a seu candidato preferido, mas àquele que é visto como mais capaz de derrotar o candidato que esse eleitor repudia. Assim, o “voto útil” aceleraria a derrota do candidato indesejado, impedindo-o de chegar ao segundo turno. Considerando-se que o segundo turno é uma outra eleição, em que há apenas dois postulantes em condições praticamente iguais de disputa, é possível que muitos eleitores escolham evitar que o candidato que repudiam tenha essa chance de vencer.

Trata-se de um raciocínio válido, é claro – afinal, o eleitor é livre para estabelecer suas prioridades na hora de votar. O problema é que esse “voto útil” entra no balaio de votos do candidato vencedor como se fosse um aval às suas propostas de governo, e isso não é necessariamente verdadeiro. Aliás, é provavelmente falso, uma vez que o “voto útil” em geral é dado não pelo que o candidato propõe, mas exclusivamente por sua capacidade de derrotar o oponente que o eleitor não quer ver na Presidência. Vota-se, portanto, no “mal menor” – que, malgrado seja “menor”, não deixa de ser “mal”.

Ademais, e isso talvez seja o mais importante, o eleitor que vota no primeiro turno como se estivesse no segundo, ou seja, antecipando uma escolha que não precisa ser feita neste momento, desperdiça o voto que poderia servir para robustecer a oposição. Isso é crucial numa democracia: o candidato derrotado é tão relevante quanto o que vence, pois é do derrotado que se espera o exercício da oposição. Sem oposição forte, o governo se sente à vontade para governar somente para aqueles que o elegeram, e não para o conjunto da sociedade. Quanto mais votos essa oposição tiver, mais a sociedade ganha.

Por fim, é uma grosseira falácia atribuir a Lula da Silva a missão de “salvar a democracia”, isto é, impedir a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, que representaria uma suposta ameaça às liberdades democráticas e à estabilidade do País. Ora, se a democracia depende de Lula da Silva para ser “salva”, estamos mal – afinal, como pode alguém se dizer salvador da democracia e ao mesmo tempo manifestar admiração por ditadores latino-americanos, tratando-os carinhosamente como “companheiros”?

O objetivo de Lula com essa campanha pelo voto útil é “liquidar a fatura”, como dizem seus apoiadores, já no próximo dia 2. Recentes pesquisas de intenção de voto têm mostrado que a distância que separa o petista de Bolsonaro não é mais tão confortável como há alguns meses. Mas uma coisa é a tática eleitoral de Lula; outra, muito diferente, é o interesse da sociedade.

Recentemente, Lula afirmou no Twitter que ele “não tem por que ter vergonha de ganhar no primeiro turno”, afinal, “se quem tem 5% (de intenções de voto) sonha em ter 40%, por que quem tem mais de 40% não pode sonhar em ter mais um pouquinho e ganhar no primeiro turno?”.

Lula pode sonhar com o que quiser. A bem da verdade, qualquer candidato a cargo majoritário deve almejar ser eleito no primeiro turno. É um truísmo. O ponto é que a Constituição não prevê eleições majoritárias em dois turnos por acaso. Trata-se de um sistema que visa ao amadurecimento democrático, evitando escolhas plebiscitárias a priori.

Neste ano, não há apenas dois, há dez candidatos à Presidência. E nenhum deles tem um voto sequer antes da abertura das urnas. Pesquisas de intenção de voto aferem nada além disso – a intenção dos eleitores num dado momento. Fossem atestados fiéis da vontade da maioria, nem precisaria haver eleições, bastaria encomendar pesquisas. É tempo de reflexão, e não de pressa.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 13.09.22

Nenhum comentário: